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Sertanias que morrem d’água: aparições e sofreres coparticipados nas invernadas piauienses

Sertanias that die of water: apparitions and coparticipated sufferings in the Piauí winters

Resumo

Quando algumas sertanias semiáridas e dos cerrados piauienses viram suas quadras chuvosas inverterem suas ordens, e os verões compridos se voltarem em águas grandes em menos de um quadriênio, entre 2019 e 2022, os viventes das terras de brejo do sudoeste do estado começam a reordenar suas convivências com as aparições de uma vida climática irregular. Esta é uma etnografia sobre sofreres coparticipados entre solos, preás, vacas, roças de aipim e humanos que padecem com o excesso de água das invernadas que recaem onde antes a estiagem parecia mais parcimoniosa. À semelhança das elaborações biossemióticas que os viventes brejeiros piauienses estendem em torno dessas mudanças, preferimos reconhecer a chegada das águas grandes pelas associações emocionais íntimas de organismos multiespecíficos que só conseguem entender o insólito momento climático e a sua excessiva umidade por meio de um “sofrimento que se sofre junto”.

Palavras-chave:
biossemiótica; invernadas; sofreres coparticipados; viventes brejeiros

Abstract

When some the semi-arid sertanias and the cerrados of Piauí saw their rainy seasons reverse their order, and the long summers turn into big waters in less than a quadrennium, between 2019 and 2022, the inhabitants of the wetlands of the southwest of the state begin to reorder their coexistence with the appearances of an irregular climatic life. This is an ethnography on shared suffering between soils, armadillo, cows, cassava fields, and humans who suffer with the excess of water where before the drought seemed more parsimonious. Similar to the biosemiotic elaborations that the Piauí people make about these changes, we prefer to read the arrival of the great waters through the emotional associations of multi-species organisms that can only understand the unusual climate and its excessive humidity through a “suffering that is suffered together”.

Keywords:
biosemiotic; winters; coparticipated sufferings; brejeiros

Introdução

Os excertos etnográficos e as apreciações feitas deles ao longo deste artigo se detêm nos aspectos do “aparecimento do clima”, ou da “percepção climática e ambiental” (Diaz; Murnane, 2008DIAZ, H. F.; MURNANE, R. J. Climate extremes and society. Cambridge: Cambridge University Press, 2008.; Gibson, 2015GIBSON, J. J. The ecological approach to visual perception. New York: Psychology Press, 2015.; Ingold, 2007INGOLD, T. Earth, sky, wind, and weather. The Journal of the Royal Anthropological Institute, [s. l.], v. 13, p. 19-38, 2007.), ou, ainda, do clima vivido como uma aparição. Não como qualquer aparição, mas como uma que insinua suas sobrenaturezas, fazendo os viventes olharem para as águas, nuvens e terras brejadas e lavadas pelas chuvas por meio de associações emocionais íntimas e de biossemioses que são confundidas pela face inatural dos sinais indiciais atmosféricos e terrestres.

São relatos sobre apercepções climáticas que acentuam os espantos, os sofrimentos interespecíficos e as saídas técnicas contraintuitivas que os viventes brejeiros das sertanias da bacia do Alto Rio Parnaíba, no sudoeste do Piauí, têm dado ante um fenômeno que destoa daquele que era regular ao atlas climatológico oficial do Cerrado e da Caatinga piauienses: a aparição das águas grandes nos territórios dos sertões. Por águas grandes, aqueles que ocupam os sopés e vales dos chapadões daquela região, em núcleos campesinos tradicionais denominados de brejeiros, referem-se às grandes invernadas registradas entre alguns anos da última quadra anual de 2019 a 2022, aproximadamente. Os vários sinais indiciais deixados pelas intercalações entre períodos de estiagem e de altas precipitações vêm fazendo do clima local uma manifestação “estranha”, como uma aparição. Aparição é o sinal nominal repetido pelos viventes das terras de brejo para tratar a realidade climática com os sentidos comumente atribuídos às sobrenaturezas: as visagens, as encanturias, as botijas, enfim, as incandescências e experiências incorpóreas dos habitantes dessas sertanias.

Onde antes persistiam apenas os verões compridos, agora chove de forma concentrada e demasiada, inchando as águas dos rios e brejos e lavando o substrato orgânico do solo dos altiplanos sertanejos. Pois “água que cai muito e corre rápida demais” nas terras altas dos chapadões próximos dos brejos, como explicarão os relatos à frente, “não diminui a sede da terra” pedregosa, e, sim, a “lava”, tira sua capa vital, sua microbiota superficial e, enfim, termina por desertificá-la. Tal leitura geomorfológica feita pelo conhecimento brejeiro se aproxima da explicação técnica dada ao crescimento não antrópico das manchas estéreis que ano após ano aparecem em meio aos solos dos biomas de clima seco do Nordeste brasileiro, e que fazem parte do fenômeno mais geral da desertificação (Dregne, 1983DREGNE, H. E. Desertification of arid lands. New York: Harwood Academic Publishers, 1983.). Nessas realidades, as águas grandes acabam por ser também ampliadoras de terras esterilizadas pela umidade, de desertos úmidos quase irrecuperáveis.

Da familiaridade com a aridez, alguns núcleos de povoamento dos brejos piauienses passaram a ter na água e nos vários inchaços e lavagens que elas provocam na terra e na cobertura vegetal uma sazonalidade indesejada, uma natureza que precisa de refreamentos e apreensões interventivas sobre as suas instabilidades anuais. Se, antes, os verões compridos eram eventos duros ainda que cerimoniais do fenecimento provisório e necessário dos solos, das plantas e dos bichos, agora, com as águas grandes, o anseio por essas estiagens retorna como forma de estabilização do controle cosmoambiental dos viventes sobre os seus antigos territórios conhecidos e sobre as suas biointerações produtivas por vezes ameaçadas pelos excessos d’água.

O campo das participações interespecíficas dentro daquele mundo brejeiro é etnograficamente recomposto por este artigo tendo por base a biossemiose gerada das convivências entre organismos, paisagens e as transformações impressas entre eles pelas invernadas. A ideia de uma biossemiótica dos meios de coprodução de uma realidade geoambiental tem ascendência no contributo teórico legado por Gregory Bateson a uma série de bioantropólogos e ecologistas (Bruni, 2003BRUNI, L. E. A sign-theoretic approach to biotechnology. Copenhagen: University of Copenhagen, 2003.; Goodwin, 2008GOODWIN, B. Bateson: biology with meaning. In: HOFFMEYER, J. (ed.). A legacy for living systems: Gregory Bateson as precursor to biosemiotics. Cham: Springer, 2008. p. 145-152.). Embora recuperada pelos estudos dos caracteres sígnicos envolvidos nos processos internos ou entre sistemas vivos, a ideia de biossemiótica aqui veiculada tem menos a ver com as elaborações entre a semiótica peirceana e a biologia (Brier, 1999BRIER, S. Biosemiotics and the foundation of cybersemiotics. Reconceptualizing the insights of Ethology, second order cybernetics and Peirce’s semiotics in biosemiotics to create a non-Cartesian information science. Semiotica, [s. l.], v. 127, n. 1/4, p. 169-198, 1999.; Eicher-Catt, 2008EICHER-CATT, D. Bateson, Peirce, and the sign of the sacred. In: HOFFMEYER, J. (ed.). A legacy for living systems: Gregory Bateson as precursor to biosemiotics. Cham: Springer, 2008. p. 257-276.) - que é o produto teórico mais comum gerado dessas intersecções entre áreas -, e mais com a teoria das comutações interespecíficas presentes na proposta batesoniana, para a qual a ideia de uma biossemiose se mostraria investida de uma preocupação não com o estudo dos signos multinaturais em si, mas com a “realidade ontológica do ‘ser relativo’, ou seja, a autonomia causal das relações puras” (Hoffmeyer, 2008HOFFMEYER, J. Introduction: Bateson the precursor. In: HOFFMEYER, J. (ed.). A legacy for living systems: Gregory Bateson as precursor to biosemiotics. Cham: Springer, 2008. p. 1-14., p. 4, tradução nossa).

Assim posto, não nos interessa apenas acompanhar as capacidades orgânicas, geomorfológicas e ambientais que são operativas nas trocas de sinais de intervenções de uns seres sobre os outros e sobre os seus sistemas vivos. O acompanhamento dessas biossemioses existenciais entre ambiente climático, paisagens, humanos e animais selvagens e domesticados assolados pelas invernadas só nos é relevante quando - em vez de ressaltarem dessemelhanças entre seus contornos orgânicos ou inorgânicos e suas capacidades de transmissão de informações - permite ver o campo medial, isto é, o meio biofísico e ético-emocional capacitado pelos encontros que é resultado tanto de um perfil ecológico local quanto de sinais voltados para as elaborações dinâmicas das condições da vida futura desses contracenantes com o clima. Esses sinais indiciais externados nos meios entre organismos e paisagens que juntos vivenciam as invernadas são feitos daquilo que Donna Haraway chamaria de “semióticas materiais”: os produtos práticos envolvidos com a vida interespecífica que tornam “o sofrimento inerente a um instrumental desigual e ontologicamente múltiplo de relações” (Haraway, 2008HARAWAY, D. Sharing suffering: instrumental relations between laboratory animal and their people. In: HARAWAY, D. (ed.). When species meet. Minneapolis: University of Minessota Press, 2008. p. 69-93., p. 72, tradução nossa).

Nessa biossemiose como conduta de convivência com a vida climática irregular, a diversidade pedológica dos solos lavados e brejados, os animais e as plantas que transpõem as invernadas são peças que não apenas servem de ordens para a legibilidade semiótica do tempo vivido pelo homem, eles não compõem apenas uma ecologia da percepção humana das transformações. As mudanças climáticas não existem apenas porque os homens um dia as aperceberam, mas porque esses conviveram com outros entes ônticos que dividiram com eles um predicativo transespecífico e inclassificável (Kohn, 2013KOHN, E. How forests think: toward an anthropology beyond the human. Berkeley: University of California Press, 2013.), e do qual defenderemos a proeminência para além da linguagem e à contrafeita das presenças de sujeitos (Bateson, 2001BATESON, G. Os homens são como a planta: a metáfora e o universo do processo mental. In: THOMPSON, W. I. Gaia: uma teoria do conhecimento. São Paulo: Gaia, 2001. p. 35-44.): o sofrimento. É apenas quando esse perceptual humano passa a delinear sua existência por meio da convivencialidade sofrível com os outros que também “sofrem como e com ele” (solos lavados de suas vidas, víveres naturais de bichos e plantas encharcados), que o fenômeno das águas grandes passa a ser um nome para uma ansiedade sazonal; assim como ainda é a ansiedade periódica causada pelo temor dos verões compridos e das suas grandes secas.

Os relatos à frente cedem outros pormenores à remontagem da grande história ecológica do clima global que o neoliberalismo carbonífero e as várias aparições do Antropoceno desafiam as agendas disciplinares a refletir (Bauer; Bhan, 2018BAUER, A. M.; BHAN, M. Climate without nature: a critical anthropology of the Anthropocene. Cambridge: Cambridge University Press, 2018.; Stensrud; Eriksen, 2019STENSRUD, A.; ERIKSEN, T. H. Climate, capitalism and communities: an anthropology of environmental overheating. London: Pluto Press, 2019.). São versões de uma biossemiótica sertaneja do clima para a qual a ideia de “crise hídrica” também pode ser entendida pelo sentido menos comum - pois inverso àquele da causticante escassez de água - da convivência difícil com a umidade excessiva.

Sertanias do Alto Parnaíba: cursos d’água da pesquisa

As campanhas das pesquisas de campo que geraram a coleção dos dados aqui comunicados foram realizadas em duas regiões sul-piauienses entre 2019 e 2022: em territórios negros rurais quilombolas do sudeste do estado, município de São Raimundo Nonato, onde foi desenvolvido o projeto-matriz,1 1 “Água corrente: abordagem dialógica para a avaliação do Programa Cisternas: água para produção em comunidades negras rurais quilombolas no município de São Raimundo Nonato, Piauí”. Projeto de pesquisa de apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). e entre núcleos de povoamento brejeiros situados entre as áreas de influência dos rios Uruçuí Vermelho e Preto, Bacia Hidrográfica do Alto Rio Parnaíba, região sudoeste do Piauí.2 2 “Tratores do Senhor nas terras do Pai: dominar e adumar o chão conflagrado no Cerrado piauiense”, projeto de pesquisa apoiado pelo Programa Nacional de Pós Doutorado/Capes (PNPD/Capes). Em ambos os projetos, privilegiou-se a abordagem da convivência das populações radicadas naqueles territórios com as águas em suas formas de aproveitamento natural e manejo técnico.

A síntese colocada em apresentação retorna às informações geradas pela segunda pesquisa, aquela realizada no sudoeste piauiense entre núcleos populacionais brejeiros. A proposta do projeto era acompanhar novas convivências ético-morais e emocionais com o solo e com os recursos biofísicos da Caatinga e do Cerrado por parte dos viventes das terras de brejo, diante de um contexto de progressiva maquinação do campo promovida pela frente agrícola do Matopiba.3 3 Região de delimitação não precisa disposta entre os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia (Matopiba) que tem recebido incentivos fiscais e infraestruturas após ser focalizada por agentes nacionais e internacionais da especulação agropecuária.

Das implicações dessa primeira projeção de dados, passou-se a acompanhar também as biointerações e biossemioses entre os viventes em geral e a abundância das águas provocadas pelas grandes invernadas. As atipias do fenômeno climático eram observadas pelas experiências locais através das transformações na paisagística, nas relações entre brejeiros e a diversidade biótica e na produtividade agropastoril de base tradicional desafiada pelos grandes volumes pluviométricos que incidiram entre os inícios dos anos de 2019 e 2022. É nesse entrecho temporal que a pesquisa pôde acompanhar a aparição das águas grandes, de proeminência lida pela ampliação do volume da calha do rio Uruçuí Vermelho e dos seus complexos de lagoas e rios secundários e na umidade excessiva das terras de brejo. A pergunta de instrução heurística que fazíamos através daquela pesquisa era como os sinais das mudanças climáticas vinham sendo apreendidos e organizados ao intento de compatibilizar novas convivências entre os viventes dos territórios brejeiros e aquilo que eles conheciam por águas grandes.

Tal questão dirigiu o aprimoramento de uma metodologia particular de observação direta dos universos multiagentes envolvidos nas éticas de convivência e de adaptação ao ambiente climático das invernadas. As observações se concentraram nos cotidianos laborais onde era possível acompanhar os produtos daquilo que Antônio Bispo dos Santos (2015SANTOS, A. B. dos. Colonização, quilombos: modos e significados. Brasília: INCTI, 2015., p. 52) chama de biointeração: os processos de “reedição da natureza” pelo esforço produtivo dispendido em momentos em que as “energias orgânicas” são, pela via do trabalho coletivo e das relações com os viventes, gastas e reintegradas às paisagens multinaturais: algo que, à frente, na condução etnográfica, será ilustrado pelo compartilhamento compassivo de recursos e territórios entre os animais selvagens e de criação e os humanos das terras de brejo. E, em meio à garantia da manutenção dessas biointerações, também o acompanhamento, no contexto do trabalho de campo, da forma como os recursos hídricos pluviais envolviam essas vidas por meio dos desafios trazidos pelas suas escassezes ou pelo descontrole de suas abundâncias.

As visitas a campo se deram em datas e períodos variados dos meses da chamada quadra chuvosa - que, para o calendário climático sertanejo, vai, aproximadamente, de janeiro a abril -, entre 2019 e 2022; geralmente realizando estadas de duas quinzenas separadas desse período: no seu começo (época de plantio de algumas espécies da agricultura brejeira) e ao fim das quadras chuvosas anuais (período de retomada das caças e de manutenção das roças de tubérculos e da colheita de leguminosas).

As informações aqui compartilhadas foram sintetizadas a partir da apreciação de uma série de registros audiovisuais e de notas de campo que se detinham sobre os conhecimentos biossemióticos de três interlocutores dos núcleos de povoamento brejeiros do município de Gilbués, Piauí: Brejo do Miguel, Lagoa dos Martins e Boa Esperança, complexo territorial onde vivem cerca de 87 indivíduos que, de forma particular, integram suas atividades agropastoris e extrativistas aos ambientes da calha do rio Uruçuí Vermelho, ao curso e às terras dos chapadões do Brejo do Miguel e às terras de vazante da Lagoa dos Martins.

A seleção dos diálogos desses interlocutores se deve pelos seus protagonismos comunitários como mestres e mestras das práticas biointerativas primordiais daquele território: Carlos Genivan (47 anos), Edília Souza (34 anos) e Armando Matias (38 anos)4 4 Optou-se pela atribuição de onomásticas fictícias aos interlocutores. são localmente reconhecidos pelas suas lideranças, habilidades e empenhos com as atividades da caça, pelo pastoreiro de gado solto nos chapadões e como agricultores e mantenedores das terras de brejo. As sensibilidades perceptuais e técnicas sobre a aparição de uma vida climática irregular que buscávamos entre aqueles interlocutores se aproximavam, portanto, daquilo que Haraway (2016)HARAWAY, D. Staying with the trouble: making kin in the Chthulucene. Dukham: Duke University Press, 2016. nomina de sympoiesis (simpoiesis) e symbiogenesis (simbiogênese); isto é: procuramos construir acessos às suas vivências em torno, respectivamente, dos encontros multinaturais do “fazer-com” (making-with) (entre espécies companheiras que inscrevem e realizam seus mundos de forma mutual) (Haraway, 2016HARAWAY, D. Staying with the trouble: making kin in the Chthulucene. Dukham: Duke University Press, 2016., p. 58) e dos “processos dinâmicos de reorganização da vida”, por razão da aceleração das mudanças ambientais (Haraway, 2016HARAWAY, D. Staying with the trouble: making kin in the Chthulucene. Dukham: Duke University Press, 2016., p. 61, tradução nossa).

Ao longo desses contatos, percebeu-se que a convivência com esse mundo sertanejo ameaçado a diluir-se pelas torrentes d’água passava não apenas pela descritividade técnica dos desafios humanos enfrentados pelo acidente climático, mas pelo acompanhamento das emissões de gestos que se davam na intimidade relacional de todos os organismos e paisagens. Como justificaremos teoricamente, para ter dessa intimidade relacional as expressões materiais de “outros que sofrem à minha semelhança, que sofrem comigo”, era necessário reconhecer emoções sofríveis expressas nas interações indistintas, e sem sujeitos, entre todos aqueles que tentavam viver entre as águas grandes: como no desespero do rebanho perdido do seu criador entre a lama e o capinzal alto que cresceu depois das chuvas persistentes, do relato de Carlos Genivan (47 anos); ou no afogamento das campinas secas e dos seus palmeirais sagrados, onde, antes das chuvas inquietas, coisas como “donos cosmológicos” das paisagens (Oliveira, 2016OLIVEIRA, J. C. Mundos de roças e florestas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi: ciências humanas, Belém, v. 11, n. 1, p. 115-131, 2016., p. 117) se movimentavam ante os olhos de Edília Souza (34 anos), e que agora as águas inaturais das invernadas longas roubavam o misterioso de suas aparições; ou na morte encharcada das roças de maniva e aipim mantidas comunitariamente, que dentro da terra apodreciam seus tubérculos trazendo fome aos homens e aos animais selvagens que - mesmo sob protestos e persecuções diárias - sobrevivem de forma condescendente da mesma roça-de-verão dos “seus” agricultores e caçadores.

Sofreres coparticipados

“Como fazer o clima e as urgências climáticas ‘aparecerem’ àqueles ainda pouco atentos às razões dessas mudanças?” é uma questão que climatólogos e comentadores do Antropoceno têm feito e, imediatamente, anunciando tentativas de soluções teóricas, técnicas e políticas. Esta também é uma maneira de dar visão à questão, só que apresentada de forma etnográfica do encontro entre os nossos projetos de pesquisa e os viventes brejeiros do noroeste piauiense.

Para uma cobertura etnográfica parcial ao problema da percepção climática, a primeira observação a se promover é a de que “fazer aparecer o clima” aos destaques fenomênicos que imprimimos sobre a realidade é uma questão de realizar “reagrupamentos” de sinais que antes pareciam desindexados. Em The ecological approach to visual perception, de 1979, clássico do assunto da percepção ambiental, James Gibson (2015)GIBSON, J. J. The ecological approach to visual perception. New York: Psychology Press, 2015. chama de “ambiente” o meio atmosférico que se faz existir através das mudanças deduzíveis, e onde o ar se torna real em sua mutabilidade. É o agrupamento dos estados atmosféricos que garante sua existência perceptual. A percepção é, portanto, dependente de conjuntos de transformações e reversões:

Por vezes há gotas ou gotículas de água no ar, chuva ou nevoeiro. Anualmente, em algumas latitudes da terra, o ar torna-se frio e a água transforma-se em gelo. […] A chuva, o vento, a neve e o frio, estes últimos aumentam em direção aos polos da terra, impedem que o ar seja perfeitamente homogêneo, uniforme e imutável. (Gibson, 2015GIBSON, J. J. The ecological approach to visual perception. New York: Psychology Press, 2015., p. 15, tradução nossa).

Autores como Ingold observariam que propositores da psicologia perceptual como Gibson ainda tendem a estender a distinção da entidade mundo-em-si daquela da percepção. As mutabilidades das coisas atmosféricas que fazem o clima existir ao percepto humano ainda seriam, para eles, como “substâncias congeladas do mundo” (Ingold, 2007INGOLD, T. Earth, sky, wind, and weather. The Journal of the Royal Anthropological Institute, [s. l.], v. 13, p. 19-38, 2007., p. 28, tradução nossa). De forma contrária, e pela sua própria afirmação de contraste parcial de ideias com Gibson, Ingold encontra a percepção do ambiente climático nos processos de “mudo-formação” e de habitação que ocorrem nas evoluções de superfície em que “tanto os perceptores como os fenômenos que eles percebem estão necessariamente imersos” (Ingold, 2007INGOLD, T. Earth, sky, wind, and weather. The Journal of the Royal Anthropological Institute, [s. l.], v. 13, p. 19-38, 2007., p. 28, tradução nossa). Nesse sentido, a percepção nem é o capacitante cognoscente prévio, nem um subproduto humano da experiência, mas um medial entre os agentes coabitantes do mundo, e para os quais são inseparáveis percepção e fenômeno; pois também é inseparável o “ser agente” e o “ser mundo”. É desse encontro entre ideias que se destaca a sua distinção bastante conhecida entre clima e ambiente:

O clima é uma abstração composta de uma série de variáveis (temperatura, precipitação, pressão do ar, velocidade do vento, etc.) que são isoladas para efeitos de medição. O ambiente, pelo contrário, tem a ver com a sensação de estar quente ou frio, encharcado pela chuva, apanhado por uma tempestade, e assim por diante. Em resumo, o clima é registrado, o ambiente, experienciado. (Ingold; Kurttila, 2000INGOLD, T.; KURTTILA, T. Perceiving the environment in Finnish Lapland. Body and Society, [s. l.], n. 6, p. 183-196, 2000., p. 187, tradução nossa).

Com Gibson, reforçamos a compreensão sobre o aspecto de que o ambiente climático conduz estados perceptivos amalgamando as manifestações fragmentárias atmosféricas e as classificando por meio de grupos de transformações que aparecem nos “meios, nas substâncias e nas superfícies que os separam” (Gibson, 2015GIBSON, J. J. The ecological approach to visual perception. New York: Psychology Press, 2015., p. 12, tradução nossa, grifo nosso). Mas como ocorre a percepção/fenômeno das evoluções ambientais onde aparecem os quadros da “grande aceleração” e das suas crises climáticas sucessivas (McNeil; Engelke, 2016McNEIL, J. R.; ENGELKE, P. The great acceleration: an environmental history of the Anthropocene since 1945. Cambridge: Harvard University Press, 2016.), como no caso das invernadas das sertanias piauienses? A que conta olharmos as participações das emoções daqueles que juntos sofrem com a aceleração das atipias do clima no Antropoceno? Para dar conta de encontros entre sofrimentos interespecíficos, a emoção pode ser abordada como um tema ecológico, como um vivencial sem sujeitos, ou fora dos sujeitos?

As emoções envolvidas em “estratégias de comunicações transespecíficas” (Kohn, 2013KOHN, E. How forests think: toward an anthropology beyond the human. Berkeley: University of California Press, 2013., p. 132, tradução nossa) de perceptos sobre mudanças climáticas das quais trataremos ocorre em ambientes de “exibição de uma medialidade” (Agamben, 2008AGAMBEN, G. Notas sobre o gesto. Artefilosofia, [s. l.], n. 4, p. 9-14, 2008., p. 13), pois o que as tornam visíveis não são os sujeitos ou as suas ações, mas o meio como tal: são encontros entre interagentes ambientados dos quais não precisamos sobressalientar suas naturezas, nem suas condições primeiras e últimas de sujeitos, para enfatizarmos as emoções que codividem. Territórios emocionais discernidos para além da especificação das diferenças entre sujeitos são aqueles que - como nos explicam a “geografia emocional” (Davidson; Bondi; Smith, 2005DAVIDSON, J.; BONDI, L.; SMITH, M. Emotional geographies. Farnham: Ashgate, 2005.) e a “ecologia política das emoções” (Sultana, 2015SULTANA, F. Emotional political ecology. In: BRYANT, R. (ed.). The international handbook of political ecology. Cheltenham: Edward Elgar, 2015. p. 633-645.) - podemos apreender “experiencialmente e conceitualmente em termos de sua mediação e articulação socioespacial, e não como estados mentais subjetivos inteiramente interiorizados”, e diante dos quais devemos refletir sobre como a “degradação ambiental e as crises de recursos podem produzir emoções diferenciadas que influenciam as próprias formas como os recursos são imaginados, acessados, usados e controlados diariamente” (Sultana, 2015SULTANA, F. Emotional political ecology. In: BRYANT, R. (ed.). The international handbook of political ecology. Cheltenham: Edward Elgar, 2015. p. 633-645., p. 634, tradução nossa).

Para tratarmos dessas emoções sem sujeitos, convidamos a um reencontro com o problema pouco explorado do “limite da linguagem” presente na silogística predicacional anticlassificatória desenvolvida por Gregory Bateson (2001)BATESON, G. Os homens são como a planta: a metáfora e o universo do processo mental. In: THOMPSON, W. I. Gaia: uma teoria do conhecimento. São Paulo: Gaia, 2001. p. 35-44. em seu célebre ensaio de 1980 “Men are grass: metaphor and the world of mental process”, quando propõe uma revisão do silogismo socrático. O silogismo é a proposição de premissas concatenadas e finalidade lógica e dedutiva demonstrada por Aristóteles, no seu tratado Organon (Analíticos anteriores). Nessas proposições, quase sempre é o homem que marca o centro dos enunciados categóricos:

Os homens morrem.

Sócrates é um homem.

Sócrates morrerá.

(Bateson, 2001BATESON, G. Os homens são como a planta: a metáfora e o universo do processo mental. In: THOMPSON, W. I. Gaia: uma teoria do conhecimento. São Paulo: Gaia, 2001. p. 35-44., p. 41, grifo nosso).

Para Bateson, as relações interespecíficas da grande história das coevoluções biológicas acontecem seguindo não o silogismo socrático, mas o silogismo da planta, em que os equivalentes não são os sujeitos coincidentes (“se é homem, morre”), mas os predicados compartilhados. Bateson atribuiu a autoria do silogismo da planta ao psiquiatra alemão Eilhard von Domarus (1893-1958), que acreditava que os seus pacientes esquizofrênicos e os poetas tendiam a raciocinar seguindo anúncios lógicos em que sujeitos eram desprivilegiados em função dos predicados das proposições:

A planta morre.

Os homens morrem.

Os homens são plantas.

(Bateson, 2001BATESON, G. Os homens são como a planta: a metáfora e o universo do processo mental. In: THOMPSON, W. I. Gaia: uma teoria do conhecimento. São Paulo: Gaia, 2001. p. 35-44., p. 41, grifo nosso).

Ao reforçar que este é o único silogismo aplicável à compreensão da história das convivências entre espécies, Bateson está supondo que a metáfora tem possivelmente mais valor explicativo para o universo biológico do que a “classificação”, que trabalha discernindo e associando, comparativamente, sujeitos, e não os predicados, como centros da ordenação da experiência dos relacionamentos interespecíficos. Dessa forma, o silogismo da planta

[…] não está preocupado com a classificação nesses mesmos moldes (simbólicos) […] está interessado na equação dos predicados, não de classes e sujeitos de sentenças, mas com a identificação dos predicados. Morre - morre, aquele que morre é semelhante àquela outra coisa que morre. (Bateson, 2001BATESON, G. Os homens são como a planta: a metáfora e o universo do processo mental. In: THOMPSON, W. I. Gaia: uma teoria do conhecimento. São Paulo: Gaia, 2001. p. 35-44., p. 43).

Ao propor a supressão dos sujeitos das proposições que enunciam o universo interespecífico, Bateson indiretamente admite que também se tornam inoperáveis os predicados, já que ambos são interdependências estruturais de um mesmo campo humano e sistêmico de linguagem e significação; enfim, torna-se inaplicável a função classificatória em geral promovida pelos silogismos categóricos do aristotelismo que foram reproduzidos das biologias às antropologias modernas para a descrição “lógica” das diferenças entre identidades. Logo, nesse universo em que plantas e humanos sofrem e morrem juntos, as relações ocorrem num ambiente prévio à própria metaforização, anterior ao próprio enunciado classificatório falso capacitante da vida. Pois a vida interespecífica não carece de seus enunciantes para existir, não precisa da interposição de um “terceiro” (Crapanzano, 1982CRAPANZANO, V. The self, the third, and desire. In: LEE, B. (ed.). Psychosocial theories of the self. New York: Plenum Press, 1982. p. 179-206.) entre os humanos e os viventes em geral. Terceiro que seria algo mais ou menos coincidente àquilo que conhecemos por linguagem:

Vocês compreendem, se é verdade que o silogismo planta não exige sujeitos como a matéria de sua construção e se é verdade que o silogismo Bárbara (o silogismo de Sócrates) realmente exige sujeitos, então também é verdade que o silogismo Bárbara não poderia ser útil antes da invenção da linguagem de sujeitos e predicados. (Bateson, 2001BATESON, G. Os homens são como a planta: a metáfora e o universo do processo mental. In: THOMPSON, W. I. Gaia: uma teoria do conhecimento. São Paulo: Gaia, 2001. p. 35-44., p. 43).

Ainda é possível tratarmos de emoções entre espécies, viventes em geral e paisagens, se o emocional interespecífico e geoambiental pode ser inexprimível pelo “terceiro”, pela linguagem compartilhada? Ao modo promovido por alguns ensaios etnopsicanalíticos de Crapanzano (1981CRAPANZANO, V. Text, transference, and indexicality. Ethos, [s. l.], v. 9, n. 2, p. 122-148, 1981., 1982CRAPANZANO, V. The self, the third, and desire. In: LEE, B. (ed.). Psychosocial theories of the self. New York: Plenum Press, 1982. p. 179-206.), chamamos de terceiro “toda tipificação que, sendo garantidora do significado”, permite o jogo e a circulação do desejo entre o “eu” e o “outro” das relações (Crapanzano, 1982CRAPANZANO, V. The self, the third, and desire. In: LEE, B. (ed.). Psychosocial theories of the self. New York: Plenum Press, 1982. p. 179-206., p. 181, tradução nossa). A afirmação do terceiro implica considerarmos as “cadeias de significado, as ordens simbólicas, a cultura e a gramática que servem para estabilizar” a díade “eu-e-o-outro” (Crapanzano, 1982CRAPANZANO, V. The self, the third, and desire. In: LEE, B. (ed.). Psychosocial theories of the self. New York: Plenum Press, 1982. p. 179-206., p. 197, tradução nossa). Nos relatos que abriremos à frente, as emoções que circulam entre os viventes brejeiros - embora sustentadas por indexações de sinais não verbais - serão sempre expressas pelo vivente humano no lugar de outros que, como ele, sofrem com a excessiva umidade: solos, preás, vacas, roças de aipim. Porém, essa expressão do sofrer que lota todos esses organismos de uma identificação por sinais orgânicos não é nascente de uma matriz intersubjetiva “governada por um conjunto de convenções determinantes (ou metapragmáticas)” (Crapanzano, 2005CRAPANZANO, V. A cena: lançando sombra sobre o real. Mana, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 357-383, 2005., p. 375) que geram apenas uma linguagem abstrata como mediatização da comunicação e como fim.

Supor que o despontamento das minhas emoções está indivisivelmente nos outros e em mim, nas “extensões das subjetividades” confluentes ao meio material dos que sofrem juntos (Despret, 2011DESPRET, V. Controvérsias: pesquisa com não-humanos. Parte II: ser animal, e o mais polidamente possível. Pesquisas e Práticas Psicossociais, [s. l.], v. 6, n. 2, p. 246-256, 2011., p. 251), ao invés de individual e separadamente apenas em mim ou apenas nele e nas nossas linguagens, significa dispor o tema emocional em superfícies pragmáticas e nos meios, substâncias e superfícies de contato e de transmissão de diferenças perceptuais sobre o ambiente (Gibson, 2015GIBSON, J. J. The ecological approach to visual perception. New York: Psychology Press, 2015.; Ingold, 2007INGOLD, T. Earth, sky, wind, and weather. The Journal of the Royal Anthropological Institute, [s. l.], v. 13, p. 19-38, 2007.). É apenas nesses aclimatados provocados pelas fronteiras ônticas da realidade que a emoção mostra sua relevância nas apresentações dramáticas dos organismos que padecem porque sofrem juntos: a morte das roças de aipim provocadas pelo solo encharcado dos chapadões que assolam, a um só tempo, a vida dos homens e dos animais selvagens; a morte pela água excessiva provocada a uma palmeira que cresceu no leito de um lago intermitente, que com sua morte pela umidade levou consigo o fim de uma aparição que vivia naquele corpo d’água. Esses são fins que levam consigo outros fins em suas torrentes, e que dramaticamente se unificam, em termos sentimentais, na forma das múltiplas expressões de um ecological grief (luto ecológico): “uma experiência emocional ancorada nas perdas imediatas ou antecipadas pelo fim dos espaços naturais apreciados, ecossistemas e espécies causadas pela mudança climática” (Cunsolo; Ellis, 2018CUNSOLO, A.; ELLIS, N. Ecological grief as a mental health response to climate change-related loss. Nature Climate Change, [s. l.], v. 8, n. 4, p. 275-281, 2018., p. 278, tradução nossa).

O luto ecológico e as expressões pesarosas pela degenerescência das paisagens dentro dos cenários das invernadas apresentam as percepções emocionais dos viventes aos “horrores do Antropoceno”, que, no geral, costumam paralisar os humanos entre a “devastação e o consolo nostálgico” (Dillon, 2018DILLON, S. The horror of the Anthropocene. C21 Literature: journal of 21st-century writings, [s. l.], v. 6, n. 1, p. 1-25, 2018., p. 20, tradução nossa). Porém, abordar ecologicamente essas emoções, em vez de apenas descrever as catatonias humanas provocadas pelos abalos com as perdas dos seus recursos paisagísticos, pressupõe buscar pelos sinais indiciais e pelas ordens de indexações que perfazem uma semiose das relações entre entes que podem sofrer juntos, e que aparecem no próprio mutualismo mulitespecífico e participativo que existe dentro do contexto vivo de uma história local em pleno acontecimento. Assim, mais próximos do que Haraway (2008HARAWAY, D. Sharing suffering: instrumental relations between laboratory animal and their people. In: HARAWAY, D. (ed.). When species meet. Minneapolis: University of Minessota Press, 2008. p. 69-93., p. 77) nomina de “compartilhamento de sofrimento”, chamamos de sofreres coparticipados as participações nos encontros que se passam em quadros relacionais que têm um futuro impredicante, em aberto, realidades da grande aceleração do Antropoceno onde os viventes participam biossemioticamente dos seus sofrimentos e podem - também pelas emoções despertas em seus lutos ecológicos - extensionar suas histórias e implicações vitais nos futuros existenciais infindos uns dos outros.

O geoambiente climático e emocional das terras de brejo

“O brejo e o chapadão são unidos, são juntos” - esta é abertura dada ao mundo brejeiro por Armando Matias (38 anos), caçador, agricultor e vaqueiro natural do núcleo comunitário de Brejo do Miguel. Seu conhecido território de caça e de solta do gado para pasto é formado por essas duas paisagens integradas: os altiplanos dos chapadões, onde criações animais e caças (preás, tatupebas, pacas e mambiras5 5 Tamanduá-mirim (Tamandua tetradactyla). ) dividem a mesma campina e os cursos úmidos dos brejos, que correm ao sopé dos chapadões. A interinfluência geoambiental desses dois ambientes aparece nas vidas que trafegam entre eles:

Os bichos também tão nos dois lugares [chapadões e brejos]. O bichinho do mato, a caça, vem beber no brejo; o boi também. Eles ficam pra lá e pra cá. Nesse desce-e-sobe; principalmente quando tá no verão comprido. Come e descansa na campina do chapadão, bebe no brejo. Desce-e-sobe pelo comer e pelo beber deles. É assim. Isso é uma beleza, porque todos [animais selvagens e gados] têm aquilo pra viver! A solta do gado também é o lugar da caça viver. (Armando Matias, 38 anos. Excerto A1/2019).

Além da transumância natural pela alimentação e saciação da sede que garante a convivência das espécies de criação e selvagens entre as duas paisagens, brejos e chapadões, como geomorfologias dinâmicas, também dão respostas reativas às movimentações das águas. Como explica Armando, esses ambientes são amoldados pelo equilíbrio físico garantido pelo maior ou menor nível de precipitação.

Quando chove certo… assim: quando chove bem, de molhar a terra, essa água desce do chapadão e cai aqui no brejo. A terra molhou lá. E aqui a água chega mansa, sem encher demais o brejo. Porque é assim: água que cai muito e corre rápido demais, aí no chapadão, não é boa pro brejo. Ela nem diminui a sede da terra do chapadão, que é muito seco, e nem é bom pro brejo: enche muito, fica aquela água grande. Ruim pra bicho, pra gente, pra planta! Ruim mesmo! E no chapadão, lava aquela terra-de-areia dele. Fica uma terra lavada, só o sôlo; como a gente diz. Fica ruim demais pra nascer o capim natural. Com essa água grande, pesada demais, a terra fica lavada e cria esses buracos. Fica difícil pra planta, pra caça e até pro gado, que precisa daquele chão bom. Senão nada cresce, né? Em terra lavada, nada cresce! (Armando Matias, 38 anos. Excerto A2/2019).

A “medida certa da água” - o chover certo, o chover bem mensurados pelos brejeiros de forma relacional tanto pela sua abundância quanto pela velocidade e concentração com que a água cai do céu -, é aquela em que a precipitação não interfere na sedimentação adequada dos recursos do solo, que mantém as terras temporariamente úmidas, sem as lavar, ou seja, sem resultar no escorrimento dos seus nutrientes; provocando as manchas da desertificação. Os viventes dependem tanto da boa qualidade das terras dos chapadões quanto das terras de brejo, que também não podem estar úmidas em demasia. Há uma interatividade ideal entre as águas das invernadas e as superfícies pedológicas dos chãos dos brejos e dos chapadões. Tal interatividade terá rebatimento sobre a manutenção das caças, dos animais de criação e dos humanos. É no próximo verão que esses viventes sentirão os efeitos das grandes águas, quando as colheitas perdidas fizerem falta nos estoques comunitários e quando os chapadões forem campinas de terras lavadas, empobrecidas de suas camadas de nutrientes.

As percepções de Armando sobre essas biointeratividades das superfícies dos relevos e das águas também fazem aparecer classificadores pedológicos desses ambientes: terras-de-areia e sôlos são os chãos pedregosos e com pouco substrato vivo; eles ficam abaixo das camadas orgânicas do solo natural e ocorrem, respectivamente, nos chapadões quando secos e quando lavados; enquanto terras-de-areia são os chãos abundantes de sedimentos orgânicos próximos dos brejos, e que são aproveitados pelas culturas agrícolas tradicionais do aipim, da maniva, do feijão e do milho. A vida nessas terras que precisam estar úmidas e secas na medida e no tempo certos depende desse cálculo natural que irá determinar abundâncias, boas colheitas ou a morte por afogamento, pela “sequidão úmida” das plantas:

[…] as roça que a gente tem na terra de brejo, que fica perto do brejo, ela pega tudo que vem aí do chapadão, aquela terra boa. Mas essa terra não pode tá lavada demais, porque o chapadão se acaba. Não tem bicho de caça, as plantas que dá fruta morrem, não nasce capim bom pra gado. Fica só o sôlo. Chuva demais não presta por isso: prejudica lá e aqui no brejo. […] é cair água grande no chapadão e a roça aqui embaixo ser difícil: a maniva apodrece na terra, incha d’água. Nem bicho come. A gente panha [apanha] bem quando chove certinho, chove devagar, naquele tempo. (Armando Matias, 38 anos. Excerto A3/2019).

Os verões compridos da expressão de Armando são as secas que transpõem seus períodos regulares. Aparentemente, parecem mais curtas desde 2019. Tal dado nem sempre é lembrado com felicidade pelos brejeiros, embora as águas ali sejam sempre bem-vindas. Afinal, trata-se de uma das regiões com os menores índices pluviométricos do país, se nos basearmos nas precipitações ocorridas nas últimas décadas (Silva et al., 2013SILVA, V. A. et al. Variabilidade pluviométrica entre regimes diferenciados de precipitação no estado do Piauí. Revista Brasileira de Geografia Física, [s. l.], v. 6, n. 5, p. 1463-1475, 2013.).

No Gráfico 1, pomos em contraste as zonas de concentração de chuvas e da estiagem segundo as previsões do calendário pluviométrico do estado do Piauí aferidas pelos órgãos oficiais - que, no caso, são aquelas registradas pelos boletins do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e da Embrapa Meio-Norte - e as percepções pluviométricas brejeiras, seguidas dos seus léxicos classificadores do ambiente climático: verões compridos (estiagem), chuvas boas (moderadas), invernos grandes (acima da média) e águas grandes ou invernadas (muito acima da média).

Gráfico 1
Calendário pluviométrico oficial e calendário da percepção pluviométrica brejeira. Os retângulos em tons de azul delimitam os períodos mensais das precipitações regulares, das chuvas boas (moderadas), dos invernos grandes (acima da média) e das águas grandes ou invernadas (muito acima da média). Os retângulos em laranja localizam a extensão dos períodos da estiagem. Já as barras tracejadas e as setas em verde, vermelho e roxo demarcam, respectivamente, os meses em que iniciam o inverno, o verão e as invernadas (águas grandes), segundo a percepção climática brejeira.

A referência ao verão como período de seca é uma das inversões comuns da classificação climática do mundo campesino do Nordeste brasileiro. Naquela realidade, o verão é o momento das longas estiagens, das secas persistentes. Ele é coincidente aos meses do inverno e da primavera do calendário climático “regular”. Enquanto o inverno marca o período da quadra chuvosa, que é coincidente aos meses de verão e de outono do hemisfério sul, e que costuma ir de fevereiro a maio.

Bem antigamente, era assim: aquela chuva boa vinha mais certa lá pra fevereiro, março; por aí assim. Pronto, começou inverno! E ia acabando lá pra maio; a terra começava a secar bem mais lá pra maio, junho. Hoje, com essas invernada, tem vezes que a chuva começa forte já lá em dezembro… Ora, teve ano aí da chuva vim caindo lá de outubro. Muita água! De dizer: “O que é isso, meu Deus?!” Aí teve ano que foi aquela chuva no tempo certo, mas também foi aquela água de se acabar. Muita chuva de uma vez só. Água grande mesmo! Cabou roça de maniva, bicho não vivia em paz. Aquela coisa. (Armando Matias, 38 anos. Excerto A4/2019).

O Gráfico 1 e o excerto narrativo acima fazem perceber que os desequilíbrios pluviométricos têm sido registrados pelas populações brejeiras do noroeste piauiense de duas maneiras: as invernadas - como são chamados os períodos das águas grandes - ou têm começado de forma intensa dois, três meses antes do período regular de início da quadra chuvosa, por volta de novembro e dezembro (por vezes até antes), ou ocorrem na forma de precipitações concentradas: grandes volumes d’água que caem torrencialmente nos meses de fevereiro e abril, parando de forma abrupta nos meses seguintes.

[…] a gente tá perdendo aquele senso! Quando meu vô era vivo, ele sabia certinho dizer quando tinha verão comprido e quando ia ter chuva. Ele fazia as experiência, como a gente diz: via uma planta que brotava cedo, o jeito dos bichos, as nuvens, o céu. A gente sabia reparar no tempo e dizer. Mas com essas invernada toda de uns tempos pra cá, isso ficou mais difícil. As experiência falham muito, não dão certo. A gente não sabe quando vai vir chuva ou vai cair essa invernada. A gente também não sabe quando a chuva pode começar. É aquela confusão. Por isso, o povo aí já abandonou as experiência, tem esquecido mais delas. (Armando Matias, 38 anos. Excerto A5/2019).

As aparentes intercorrências climáticas registradas nos últimos quatro anos (2019-2022) aparecem não apenas nos vínculos entre águas, solos e viventes. Elas também surgem nas imprecisões das experiências. Comuns às habilidades dos chamados “profetas das chuvas” (Taddei, 2017TADDEI, R. Meteorologistas e profetas da chuva: conhecimentos, práticas e políticas da atmosfera. São Paulo: Terceiro Nome, 2017.), as experiências são as previsões climáticas sertanejas que, olhando para além dos fenômenos atmosféricos, procuram prever a qualidade do próximo inverno: se será de chuva boa, de água grande ou de persistência da seca. As experiências são feitas de um percepto ambiental em que participam das medições climáticas outros interagentes não atmosféricos: o aparecimento de uma espécie de formiga antes do início das chuvas; uma planta que começa a soltar de forma excessiva sua seiva pelos laivos de faca que os humanos deixam intencionalmente no seu caule; o sumiço cedo ou tardio de algumas caças, que anunciam a qualidade do inverno procurando abrigos seguros.

As precipitações das águas grandes complicam as convivências entre esses sinais prospectivos. Elas tornam imprecisas as relações ecossistêmicas que até então serviam de conteúdos às previsões, assim como acabam desorientando as memórias conservadas pela natureza: as paisagens e os seus viventes já não trocam referenciais com os homens, fazendo com eles uma semiose especulativa sobre um futuro climático comum; como se o mundo já não fosse mais afetivo e generoso em sua legibilidade. Afinal, a existência de uma linguagem objetificada a anunciar e a propalar previsões climáticas tem ancoragens diretas nas experiências e objetivos de cada previsor, que, por sua vez, sustentam-se em sinais geoambientais recorrentes ou em atipicidades que se repetem de tempos em tempos (Pennesi, 2015PENNESI, K. E. Perspectivas culturais na comunicação climática. Anthropology Publications, [s. l.], v. 66, p. 1-24, 2015.); embora, é claro, “os previsores e os ouvidores nem sempre interpretam as previsões da mesma maneira, e as avaliam usando diversos critérios” (Pennesi, 2015PENNESI, K. E. Perspectivas culturais na comunicação climática. Anthropology Publications, [s. l.], v. 66, p. 1-24, 2015., p. 3).

As águas grandes produzem emoções reversas àquelas da afinidade prospectiva de antes: a sensação de inexatidão, a queixa, a desconfiança e o consequente esquecimento das experiências. Essas águas tiram o suporte naturalístico de valor temporal que mantinha as memórias sociais e climáticas unificadas:

A gente tá perdendo aquela confiança de dizer assim: “Ah, esse inverno vai ser bom porque os pebinhas [tatupeba] já sumiram da mata, se esconderam cedo!”. A gente perdeu a confiança nessas experiência do avô. Olhar se o peba tá mais por aí solto ou escondido na loca pra aguardar a chuva não é certeza de nada. Porque a gente vê uma coisa, mas o invernão vem do jeito que vem e mostra outra. E a gente esquece, esquece de olhar o tempo. (Armando Matias, 38 anos. Excerto A6/2019).

Não podendo trocar referenciais sobre o amanhã com os outros viventes, os homens se desabilitam a trocar sinais entre eles mesmos. E assim, implausíveis, imprecisos e mais distantes do prazer imaginativo que fortalecia suas convivências intra e interespecíficas, passam a viver de sobressaltos. As águas grandes são tema de um desacordo probabilístico e sentimental que atinge a continuidade dos encontros cosmoambientais entre os organismos e as paisagens que ansiavam e dramatizavam juntos ou pela chegada das chuvas boas ou pela persistência dos verões compridos.

Sofreres que padecem juntos

“Pra gente que tem aquela espera pela chuva, não era ruim essa água no começo. Mas a gente não sabia que ela trazia estrago pra chapada e o pro brejo” - a expressão de Edília Souza (34 anos) refaz os espantos pela chegada das águas grandes. Edília é natural do povoado brejeiro de Lagoa dos Martins, que dista dois quilômetros de Brejo do Miguel. Junto com o seu esposo e os seus dois filhos, mantém roças de maniva, aipim e de leguminosas variadas nas terras pretas brejeiras que unificam os povoados. Diante da sua casa, ela convive com uma lagoa intermitente: o corpo d’água sempre secava seu leito a partir de maio, quando as chuvas cessavam. No centro daquela paisagem, desponta o tronco alto de uma palmeira solitária, uma carnaúba (Copernicia prunifera) que os moradores tratavam como uma encanturia, pois diziam que a planta se movimentava quando o leito do corpo d’água secava; seu tronco parecia deambular misteriosamente pela extensão da lagoa seca, como que procurando por água nas estiagens longas. Quando as águas grandes vieram, evitando que a lagoa perdesse seu recurso hídrico acumulado, a palmeira nunca mais se movimentou. Como em outros contextos, onde itens das biotas florestais (como nas florestas de palmeiras, que predominam em parte do Cerrado piauiense) resguardam “donos cosmológicos” (Oliveira, 2016OLIVEIRA, J. C. Mundos de roças e florestas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi: ciências humanas, Belém, v. 11, n. 1, p. 115-131, 2016., p. 117) e outros posseiros incorpóreos que podem abandonar ou serem expulsos de suas matas ante os manejos humanos da flora original, a aparição das invernadas - manifestação indireta de uma presença humana atribuível às ocorrências do Antropoceno - havia levado consigo a encanturia da carnaubeira:

Essa carnaubeira que tá aí no meio dessa lagoa, que tem esse tronco fininho, isso aí era uma encanturia: era a lagoa secar, e ela começar a andar, procurando aquele restinho d’água pra ela viver. Acontecia assim de um dia pro outro: uma hora o pessoal dizia que ela tava aqui, outra hora acolá. Era coisa pouca, mas ela se movia. Era uma encanturia, ela! Perto dela também tinha umas aparição, umas luzes, umas visagens assim. Pois depois que essa lagoa parou de secar, ficando assim sempre com essa aguinha que sustenta no verão, a carnaubeira não saiu mais do lugar. E se você vê, ela tá morrendo; ela tá verdinha, mas tá com pouca folha e tá assim com pouca vida. Parece que aquela coisa precisava procurar água. A lagoa seca é que tava melhor pra ela. Essas invernada acabaram com a aparição dessa Lagoa da Palmeira. Pra você vê: uma encanturia dessa sumiu com essa loucura d’água. Água fez muita coisa se acabar, que Deus me perdoe! (Edília Souza, 34 anos. Excerto A1/2019).

Como eventos inaturais, as invernadas parecem ter sequestrado o esforço de refazimento dos viventes dos brejos entre as intermitências das secas e das cheias. Como explica Edília, a carnaubeira precisava desse movimento de recomposição de suas forças: sua vitalidade necessitava dos ciclos certos das águas, da escassez que esvaziava o leito da lagoa e das chuvas boas que deixariam umidade na medida certa. Era a inconstância de um leito seco e cheio provocado pelo equilíbrio sazonal que permitia que, como uma encanturia, uma aparição miraculosa, a carnaubeira se movimentasse a procura dos restos de umidade espalhados que garantiriam sua vida durante os verões compridos. A face inatural de uma irregularidade climática acabava por roubar o miraculoso de outras aparições; aparições menos espantosas do que aquelas das grandes precipitações: depois das grandes chuvas que evitaram o secamento intermitente da lagoa, a palmeira nunca mais se deslocou pelo leito e as visagens nunca mais foram avistadas pelos caminhantes. Tudo ficou imperturbável, imóvel como a superfície líquida da lagoa cheia:

Você vê essa água paradinha da Lagoa da Palmeira, com tudo verde em volta dela, a chapada, tudo! Bonito demais! Mas nessa época ela já era pra tá mais seca, pra ter descoberto as croas do fundo dela. A raiz da carnaubeira já tava metade de fora. É tudo verde, mas tem muita coisa não vai bem quando chove demais. A gente que conhece, olha e sente isso. (Edília Souza, 34 anos. Excerto A2/2019).

O que as águas grandes e suas umidades persistentes tiraram dessas paisagens foram as transumâncias, os deslocamentos que definem a vida, pois trata-se de deixar que as coisas ali ocorram entre padecimentos áridos e refazimentos úmidos; e que no meio desses movimentos existissem os próprios viventes sofrendo pela sede e ensinando uns aos outros a se recuperarem: assim como a carnaubeira que se deslocava à procura dos restos de umidade da lagoa, os homens e os animais de criação e selvagens também buscavam as suas cacimbas d’água. E ali, em volta delas, dispunha-se uma ética sertaneja interespecífica entre sofreres coparticipados pela mesma estiagem:

No verãozão comprido, quando essa Lagoa da Palmeira secava, era muito engraçado! A gente cavava umas cacimbinhas d’água assim no meio dela, pra dar aquela água pra tirar pra beber, pra fazer uma coisa em casa. Aí a gente já sabia: de manhã cedinho era aquele monte de passarinho, de rolinha e jaçanã; era a hora delas beberem água na cacimbinha. Ninguém incomodava, ninguém chegava lá perto! Aí, depois, a gente ia lá e tirava nossa água pra fazer um comer, uma coisa. Aí, mais à tarde, vinham as vaquinhas. Aí a gente tinha mais cuidado, porque elas podiam sujar a cacimba, mas mesmo assim a gente deixava, porque sabia que aquela água era importante pra elas viverem. Menino ia lá separar um pouco d’água pro boi beber. Aí, no final do dia, vinham um veado, um peba [tatupeba], uma caça assim que tava precisada daquela água. A gente voltava a deixar, sem matar, sem assustar. Porque o bicho precisava pra aguentar o verão comprido. Aí, de novo, era nós, que ia pegar uma água pra casa. E ainda tinha a carnaubeira, que tava lá por perto, passando do jeito que dava. Ninguém via ela andar, mas ela tava se salvando como nós. E assim era o verão todo, até chover de novo. (Edília Souza, 34 anos. Excerto A3/2019).

As paisagens e os viventes imóveis, que não caminham à procura d’água, são organismos furtados dos movimentos que, miraculosamente, mesmo as plantas de raízes empedernidas fixadas fundas na terra seca devem fazer para viver. O natural é miraculoso, e o miraculoso pode ser natural, quando pensamos sobre a insistência dos complexos de relações práticas e imaginativas voltadas a especular como a vida continuará e será possível amanhã (Bateson, 2001BATESON, G. Os homens são como a planta: a metáfora e o universo do processo mental. In: THOMPSON, W. I. Gaia: uma teoria do conhecimento. São Paulo: Gaia, 2001. p. 35-44.). Enquanto o inatural, que reside mais próximo da morte pelo excesso de umidade, é aquilo que refreia os estados do sofrer com a sequidão, do refazer-se desse mesmo sofrimento árido pelo movimento que busca pela água e do acumular aprendizado vivencial enquanto isso. E tudo se passa como se entre as espécies e as paisagens existisse uma entropia emocional que as mantêm e aprimora seus conhecimentos; como se da “melancolia sertaneja” (Martins, 2011MARTINS, K. P. H. As bordas do copo amassado: considerações sobre a melancolia e a função da lucidez a partir da escrita de Graciliano Ramos. Polêm!ca, [s. l.], v. 10, p. 30-44, 2011.) - aqui compreendida como uma “geografia emocional” de qualidades particulares, pois feita dos sinais da umidade (Davidson; Bondi; Smith, 2005DAVIDSON, J.; BONDI, L.; SMITH, M. Emotional geographies. Farnham: Ashgate, 2005.) - se erguesse um “projeto de lucidez permanente” (Martins, 2011MARTINS, K. P. H. As bordas do copo amassado: considerações sobre a melancolia e a função da lucidez a partir da escrita de Graciliano Ramos. Polêm!ca, [s. l.], v. 10, p. 30-44, 2011., p. 42), que é baseado na irrefreável perseguição pela manutenção da vida gregária como se individual fosse, ou vice-versa. Era à beira da mesma cacimba de águas ralas e barrentas que jaçanãs, veados, tatupebas, bois, carnaúbas e gentes se tornavam complacentes ante as suas sedes, ao entenderem que apenas juntos transporiam o verão comprido.

O “clima” e as entradas e saídas de cena de estados climáticos não apenas sustentam os viventes, eles também dão ambientes e provimentos para que os próprios não esqueçam da maneira como se faz a vida continuar. Nuvens, ventos, chuvas e sol não somente umedecem, secam e aquecem os cá debaixo, eles também capacitam fisicamente o desenvolvimento da vida e a coevolução quando graduam suas participações ao longo do moto estacional. Pois não esquecer como se manter vivo entre o verão e as invernadas é tão ou mais importante quanto saber sobreviver aos verões tórridos e às grandes chuvas. Como lembrado por Armando, em outro relato, perder a memória dos verões compridos é arriscado e comprometedor da própria vida: o vivente brejeiro que perde a memória das secas sofríveis e das experiências da espera ansiosa pelas chuvas boas está mais perto de padecer, mesmo que rodeado pela água e pelo verde abundantes. Pois quando o verão novamente se interpuser entre ele e o tempo, o vivente brejeiro precisará mais uma vez saber olhar para as paisagens e espécies para com elas buscar convivência e interpretação para um futuro comum. É por isso que desaprender a tradução dos sinais biossemióticos da natureza, por razão de um estado de homogeneização da sensação climática e ambiental, pode resultar na descontinuidade da vida humana e da entropia emocional interespecífica que habilita sua sustentação nas terras de brejo.

“Apostei tudo numa roça-de-verão de maniva e do aipim. Pra mim, ia ser um inverno bom daqueles!” - Carlos Genivan (47 anos), agricultor e pastor de gado natural de Brejo do Miguel, relembra a invernada de 2019, quando a subsistência dos seus três filhos e da sua esposa tinha por garantia as leiras de mandioca e aipim que plantou nas terras pretas do brejo. Plantar um verão ou plantar uma roça-de-verão é aposta anual que os agricultores brejeiros como Carlos Genivan fazem na próxima quadra chuvosa: ele planta uma cultura agrícola no verão, esperando que essa seja colhida ao final da invernada. Geralmente são cultivadas leiras de aipim e maniva, às vezes intercaladas por leiras de um cereal, como o feijão e o milho. Como relembra Carlos Genivan, naquele ano de 2019, a roça-de-verão não resistiu à inundação das terras de brejo pelas águas grandes que desceram dos chapadões:

Aquela água toda deixou a gente espantado. A gente tinha perdido essa experiência dessa chuva. No começo, era muito bom ver aquilo. Mas naquilo, a gente se esqueceu das rocinhas-de-verão da gente lá de perto do brejo… Não é que a gente esqueceu! Porque a gente não esquece nossa roça. É que foi muita água! E aquilo lavou tudo. Veio água descendo desse chapadão aí, que meu Deus! E nisso, o nosso verão [roça-de-verão] se afogou rápido. Eu tinha plantado um verão de maniva, milho, feijão e uns pés de macaxeira. Pois, senhor, aquilo apodreceu dentro da terra de tanta água. Foi um perdido grande pra todo mundo aqui. A gente teve um verão sofrido, com pouca comida. (Carlos Genivan, 47 anos. Excerto A4/2019).

Enquanto as águas grandes devassam as produções e embaralham o probabilismo climático, elas também deixam, no contínuo de suas destruições, a necessidade do acúmulo das lembranças emocionais da ordem e da desordem. Os brejeiros haviam “perdido a experiência” das grandes chuvas do passado. Até então, as águas em excesso das chuvas boas eram dadivosas naquele contexto de predomínio da aridez. Mas era preciso rememorar os anos das invernadas caídas nas eras climáticas dos pais e avós para tentar reaver as formas de convivência com a umidade excessiva.

Aqui nessa região nossa aqui, tinha tido uma invernada grande assim em 1970 e… 79, por aí assim. Foi um aguaceiro; aguaceiro mesmo! Papai sofreu que só, lutando com os bichos e com roça. Mas eu não lembrava direito. Era menino demais. A maioria de nós por aqui. A gente não tinha aquela ideia de como foi. Porque naquele tempo era tudo pior. Rapaz, eu ficava pensando: como foi que eles passaram?! Porque oh vida difícil aquela! Outra vez foi em 2009, por aí assim. Mas ali não foi essa água toda como foi em 2019, não. Teve muito foi fartura. Dessa última, a gente não tava avisado, não tinha uma experiência. Então não tinha jeito de passar bem por aquilo. (Carlos Genivan, 47 anos. Excerto A5/2019).

Não havendo lembranças vívidas de outras intempéries do clima e inseguros com as experiências incertas que especulavam sobre o tempo, os brejeiros fizeram das águas grandes um momento de destaque fenomênico sobre as condições de toda ordem que garantiriam a vida daquele ano em diante. Essa biossemiose incentivada pelo acidente do clima partia de uma capacidade de identificar os sofrimentos que se distribuíam entre os viventes e as paisagens. O rastreio dos desfazimentos da ordem das convivências com as águas era feito não apenas olhando para as nuvens e para as roças encharcadas que trariam fome aos homens e aos seus filhos - elementos que naturalmente sempre inscreveram na experiência das paisagens a “percepção dos ciclos temporais” naturais e inaturais (Mesquita, 2012MESQUITA, E. Ver de perto pra contar de certo: as mudanças climáticas sob os olhares dos moradores da floresta do Alto do Juruá. 2012. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2012., p. 68) - mas também para outros organismos que denunciavam as maneiras como cada uma participaria das resistências futuras uns dos outros.

Foi tanta chuva, que até boi ficou atarantado. Eu ouvi minha vaca berrar aí pro mato da campina. Berrando alto. Chamando mesmo, aí na campina do chapadão. Fui lá e panhei ela. Fiquei foi espantado: pra mim, até o boi tava precisando de ajuda, no meio daquele aguaceiro e do capim alto. O bicho ilhado no meio de tanta água, atoleiro, mato. Nosso boizinho aqui é acostumado com o verão. Olha, senhor, no verão seguinte, quando acabou esse chover todo, foi muito sofrimento! Os bichinhos que nós caça sumiram mais, a gente notou. Eles têm costume de entrar nas roças-de-verão nossa e comer uma maniva, destruir um pé de jerimum, uma coisa assim. Isso é ruim pra gente, mas bicho do mato sempre faz isso. Eles comem da mesma roça que a gente. Aí, a gente vai lá, espanta, mata um, mas eles tornam a voltar. Mas dá pra viver. Acabam comendo da mesma roça. Mas o que tinha pra eles comerem, se tava tudo podre dentro da terra?! A bem dizer pro senhor, não tinha nem pra gente direito. Água levou tudo. (Carlos Genivan, 47 anos. Excerto A6/2019).

Bois que aos mugidos clamam pela orientação dos seus vaqueiros em meio às terras ilhadas pelas águas, pelos lamaceiros e pelas vegetações altas, animais selvagens que não comerão da mesma roça dos seus caçadores são sinais mais intensos sobre um drama comum do que simplesmente aquele dos estoques domésticos vazios do próximo verão. O padecimento comum é mais alarmante do que o reclame humano pelo trabalho perdido com as roças que se afogaram. Pois a fome dentro de um deserto úmido parece ser maior e mais longa quando todos os viventes são apenados juntos.

Em meio a tal percepção de que a vida será mais difícil no próximo verão, vem à superfície uma deontologia da convivência comensal que até então precisava ser latente e subentendida a fim de continuar estendendo as interações entre viventes para além da completa guerra e do duradouro estado de paz. Entre os humanos e as caças, nem a guerra generalizada nem a paz incólume garantiriam alimento para as partes. Alcançadas pelos danos trazidos pelas águas grandes, as intrigas interespecíficas comuns entre agricultores e animais selvagens - que, por meio de pequenos assaltos, consumiam das mesmas roças-de-verão dos homens, como que cobrando os valores por serem “animais professores que ensinam aos humanos seus conhecimentos sobre os ritmos da natureza” (Mesquita, 2012MESQUITA, E. Ver de perto pra contar de certo: as mudanças climáticas sob os olhares dos moradores da floresta do Alto do Juruá. 2012. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2012., p. 68, grifo nosso) - deixavam de ser vividas somente como jogos persecutórios cotidianos, e passavam a ser relembradas como acordos que, para além dos furtos e das queixas, sempre garantiram o desenvolvimento mútuo dos organismos. Desse modo, roças de tubérculos estragadas sob a terra encharcada são roças que faltarão, indistintamente, para os humanos e para as caças. São ausências que participarão do mesmo sofrimento pela continuidade da vida durante o verão, quando os homens procurarão pelas caças nos chapadões e não as encontrarão; ou as encontrarão em menor quantidade.

Essa ética recuperada pela lembrança das convivências comensais parece ser sobressalente de uma identificação emocional vivida pelas medialidades substantivas entre os que coparticipam dos seus sofrimentos pelas sobrevivências e pela ansiedade em transpor um tempo. A própria interpretação dessa ética não é criadora de um códice linguístico deixado para os próximos indivíduos lerem e buscarem orientação prática para os seus deveres. Ou talvez até seja, mas precisamos compreender, ante o caso aqui explorado etnograficamente, que essa linguagem dos traumas provocados pela umidade excessiva será sempre ascendente das “semióticas materiais” (Haraway, 2008HARAWAY, D. Sharing suffering: instrumental relations between laboratory animal and their people. In: HARAWAY, D. (ed.). When species meet. Minneapolis: University of Minessota Press, 2008. p. 69-93., p. 72) que, ao invés de especularem de forma apenas transcendente sobre o tempo e sobre as diferenças biológicas e morais dos seres, passarão a especular sobre eles através dos limites mediais das suas vidas futuras.

Não sendo apenas uma linguagem ético-emocional, o sofrimento também não é apenas uma transferência intersubjetiva, tal qual sugerida pela função do “terceiro” psicanalítico. Os homens não apenas impõem sofrimentos às caças, caças não apenas impõem sofrimentos aos homens pelas suas roças invadidas; a vida interespecífica não são circuitos de organismos indefinida e ciclicamente ressentidos uns com os outros, como ocorre na psique do neoliberalismo carbonífero, que faz da impugnação do prazer e da transferência da dor suas ignições políticas cotidianas (Franco et al., 2021FRANCO, F. et al. O sujeito e a ordem do mercado: gênese teórica do neoliberalismo. In: SAFATLE, V.; SILVA JUNIOR, N. da; DUNKER, C. Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico. Belo Horizonte: Autêntica, 2021. p. 44-74.). As roças de aipim e de manivas são tão mais dos homens quanto dos tatupebas e de outros animais que as fazem de estoque. Pois a fome massacrante dos seus organismos pelas longas invernadas é um sofrimento sem sujeitos, emoção que faz aparecer o meio, esse espaço entre os destinos que sempre foram comuns.

Tratar de emoções sem sujeitos não pressupõe a inexistência dos muitos interagentes imiscuídos àquilo que Taddei (2014)TADDEI, R. As secas como modos de enredamento. ClimaCom Cultura Científica: Pesquisa, Jornalismo e Arte, [s. l.], v. 1, p. 1-1, 2014. chama de ecologia emocional, ao abordar os contextos das secas. Tal ecologia faz notar que são muitos e variados aqueles que, em suas corridas à procura ou em fuga dos recursos hídricos, acabam nos fazendo ver que “dada a sua condição de elemento visceral, a água se usa, e só pode ser usada emocionalmente” (Taddei, 2014TADDEI, R. As secas como modos de enredamento. ClimaCom Cultura Científica: Pesquisa, Jornalismo e Arte, [s. l.], v. 1, p. 1-1, 2014., p. 7). A presumível ausência de sujeitos nas vivências sofríveis das catástrofes úmidas do Antropoceno informa, antes, como poderia nos ensinar a teoria ator-rede (TAR), da falta de centro ignitor das redes sociotécnicas e circuitos emocionais despertos por secas e cheias. Em vez de centros ou protagonistas das previsões ou dos sofrimentos climáticos, o que se visualiza é que cada parte de uma totalidade é indutora de “certas configurações afetivas e certas gramáticas emocionais. O enredamento põe em contato gramáticas muitas vezes contraditórias, e, ao fazê-lo, reconfigura as redes envolvidas” (Taddei, 2014TADDEI, R. As secas como modos de enredamento. ClimaCom Cultura Científica: Pesquisa, Jornalismo e Arte, [s. l.], v. 1, p. 1-1, 2014., p. 7). Resta esperar para observar como as populações das sertanias e os vários gestores hídricos e climatólogos se enredarão juntos nas aparições e fabricos discursivos, políticos e emocionais em torno das grandes chuvas, se se comprovar suas persistências.

Para além da especulação sobre grandes enredamentos político-ecológicos, torna-se ainda mais relevante considerar que pesa sobre as formas de vida que vivem dos brejos e das várzeas do rio Uruçuí Vermelho, no Piauí, a maior porção das ansiedades, desolações e também mobilizações provocadas pelas anomalias climáticas das quais elas não foram causadoras. Olhar precisamente para a aclimatação territorial dessas emoções significa tomar as aparições dos “horrores do Antropoceno” por meio dos valores analíticos das noções de justiça ambiental e de justiça social, dignificando o “exame das desigualdades e violação dos direitos humanos coletivos em relação às mudanças climáticas” (Pörtner et al., 2022PÖRTNER, H.-O. et al. (ed.). Climate change 2022: impacts, adaptation and vulnerability. Cambridge: Cambridge University Press, 2022., p. 1530, tradução nossa).

Considerações finais

A pergunta sobre como as urgências climáticas e suas razões causais aparecem aos viventes é aquela que predomina como problema ao longo deste artigo. Tratamos de um contexto onde vigiar os céus, acompanhando suas manchas de nuvens e as contracenações entre estados do ar e da terra, é uma rotina perceptual intensiva. Naquela realidade, as associações causativas que costumamos atribuir às mudanças atmosféricas de grandes proporções são substituídas por uma biossemiose do sofrimento que, em vez de dar existência ao clima como entidade atmosférica, deixa aparecer, antes, os viventes e as paisagens uns para outros; enfim, permitem aparecer o meio em si.

O que os viventes brejeiros fazem em meio às águas grandes da catástrofe climática é promover complicadores entre esses dois problemas da excessiva linguagem: complicam a efetividade dos encontros entre sujeitos e predicados das sentenças categóricas, que classificam e separam as espécies que conhecem e “controlam” os efeitos do clima daquelas que apenas sofrem com as irregularidades climáticas (ou seja, delimitam e logo limitam o próprio campo de linguagem e de fantasia da diferença especista); e complicam a nossa conclusão de que simplesmente “levar a sério” os efeitos ou as suas metáforas relacionadas às catástrofes climáticas seria suficiente para compreendermos os contornos mais íntimos dos seus sofreres coparticipados.

O que também parecem fazer é mais do que mirar o passado e os céus em busca dos ressentimentos e das origens em torno das crises. Suas posições em relação a tais mudanças também não estão olhando somente para fora dos organismos e das paisagens em direção a um ente vaticinador ou causador das catástrofes. Antes de se perguntarem como gaias, terras, mundos e absolutos teóricos outros sobreviverão ao longo e ao fim de uma era de grandes acelerações, questionam como nossos compartícipes ambientados, nossos viventes de mesmo brejo, serão quando confrontados por eventos de novidades inesgotáveis.

Ainda que se saiba que a “excessiva umidade” do clima das sertanias seja resultado de um mundo da “excessiva humanidade”, as emoções alçadas por essas mudanças acabam debilitando a capacidade propriamente humana de interpretá-las. Assim, para além das águas grandes e das terras lavadas do Antropoceno, o mundo da “excessiva humanidade e umidade” parece ser também aquele do limite da linguagem capaz de retraduzir a vida. Em um sentido que enfrenta a catástrofe úmida e que também reside mais próximo da criatividade prática que desafia a sua aceleração, as sertanias piauienses padecentes das invernadas incomuns expressam que um mundo sem linguagem (ou, no mínimo, sem concatenações lógicas e hierarquias de espécies) ainda é uma realidade emocionalmente narrável: isto é, ainda há emoções partilhadas e sofrimentos divididos, mesmo quando mundos e linguagens fazem, de forma acelerada, seus fins correrem para dentro uns dos outros.

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  • 1
    “Água corrente: abordagem dialógica para a avaliação do Programa Cisternas: água para produção em comunidades negras rurais quilombolas no município de São Raimundo Nonato, Piauí”. Projeto de pesquisa de apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
  • 2
    “Tratores do Senhor nas terras do Pai: dominar e adumar o chão conflagrado no Cerrado piauiense”, projeto de pesquisa apoiado pelo Programa Nacional de Pós Doutorado/Capes (PNPD/Capes).
  • 3
    Região de delimitação não precisa disposta entre os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia (Matopiba) que tem recebido incentivos fiscais e infraestruturas após ser focalizada por agentes nacionais e internacionais da especulação agropecuária.
  • 4
    Optou-se pela atribuição de onomásticas fictícias aos interlocutores.
  • 5
    Tamanduá-mirim (Tamandua tetradactyla).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    29 Ago 2022
  • Aceito
    25 Fev 2023
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