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BUSSET, Thomas; BESSON, Roger; JACCOUD, Christophe (Éd.). L’autre visage du supportérisme: autorégulations, mobilisations collectives et mouvements sociaux. Berne: Peter Lang, 2014. 160 p. (Savoirs Sportifs, v. 6).

BUSSET, Thomas; BESSON, Roger; JACCOUD, Christophe. L’autre visage du supportérisme: autorégulations, mobilisations collectives et mouvements sociaux. 2014. Berne: Peter Lang, 160. (Savoirs Sportifs, v. 6)

As discussões a respeito do papel desempenhado pelas torcidas organizadas no cenário do futebol profissional mundial, dos dilemas resultantes dos conflitos por elas protagonizados, dos programas institucionais formulados visando à mediação de conflitos e à prevenção da violência, assim como das ações coletivas promovidas pelas torcidas para dar visibilidade às suas reivindicações e defender seus interesses têm mobilizado os estudiosos da temática em diferentes países.

Nessa perspectiva, o livro L’autre visage du supportérisme: autorégulations, mobilisations collectives et mouvements sociaux tem por objetivo abordar a temática das torcidas de futebol sob ângulos ainda pouco explorados, dedicando-se a discutir em que medida tais associações são capazes de se organizar para a defesa de interesses comuns. A obra, fruto de um colóquio científico organizado pelo Centre Internacional d’Étude du Sport realizado em 14 de setembro de 2012, na Universidade de Neuchâtel, na Suíça, é composta por 10 artigos que desenvolvem reflexões sobre as dinâmicas colocadas em prática do ponto de vista da ação coletiva por parte das torcidas de futebol e sobre a constituição de redes de atores nacionais e internacionais, apresentando contribuições a partir de contextos socioculturais distintos.

Na apresentação Thomas Busset assinala que os estudos reunidos no livro demonstram que as torcidas apresentam uma nova face: um número cada vez maior de associações vêm formulando reivindicações no espaço público e se mostram dispostas a defender a sua visão do futebol. Os regulamentos e as leis que objetivam vigiar e controlar o comportamento do torcedor contribuíram para que uma fração importante tomasse consciência da existência de interesses comuns e de que, para defendê-los, seria necessário abstrair as rivalidades que têm caracterizado suas relações. Por outro lado, chama a atenção para o desenvolvimento de projetos de assistência social e prevenção da violência envolvendo organizações torcedoras desde os anos 1990, que exigem reflexão e análise.

No artigo que abre a coletânea, Roger Basson e Ludovic Lestrelin afirmam que as mobilizações dos torcedores de futebol na atualidade retomam o repertório clássico da ação coletiva, visando posicionar-se frente às políticas públicas que lhe são destinadas. Para os autores, as modalidades de manifestação dos grupos ultras europeus revelam formas singulares de engajamento e resistência à mercantilização do esporte e ao conjunto de dispositivos regulamentares, legislativos, judiciais e policias de repressão, tanto em escala nacional quanto internacional. Em particular, analisam as ações preventivas realizadas pelo Progetto Ultra de Bolonha (Itália) buscando afirmar a identidade ultra e valorizar as manifestações coletivas como laboratório da ação pública.

Na sequência, Nicolas Hourcade, considerando as várias ações coletivas realizadas por grupos de torcedores do futebol francês que se definem como ultras discute em que medida podem ser categorizadas como movimento social. Essa noção é entendida em termos dos recursos que os grupos mobilizam para estruturar a sua luta em busca de respostas para suas demandas. O texto contempla ainda os dilemas enfrentados pelos agrupamentos para se constituir como movimento social permanente em virtude das dificuldades para superar antagonismos e dialogar com as autoridades.

Bertrand Fincoeur aborda a gênese e o desenvolvimento do Fan Coaching, programa de prevenção implementado na Bélgica, desde os anos de 1990. Analisa as contradições vividas pelo mesmo, por ter se organizado, sobretudo, a partir da ótica do controle social, não conseguindo, por isso mesmo, se constituir como porta-voz das associações junto às instâncias do futebol e às autoridades públicas.

Roger Besson se dedica a interpretar os acontecimentos que se seguiram a retomada do clube Neuchâtel Xamax pelo investidor russo Bulat Chagaev em abril de 2011, na Suíça, e que desencadeou uma mobilização popular impulsionada pelos torcedores ultras. O texto aborda como esse movimento de contestação se desenvolveu, utilizando como fonte os discursos formulados em fóruns de discussão na internet, considerando-os espaços de expressão pública que desempenharam papel central na organização das manifestações.

O artigo de Thomas Busset discute a emergência de mobilizações por parte dos torcedores ultras na Suíça em torno de causas que ultrapassam, em parte, o cenário do futebol. O autor apresenta as mudanças nos modos de torcer que se desenvolveram e destaca o papel desempenhado pelo trabalho sociopedagógico que começou a ser realizado pelo Fanarbeit, inspirado no Fan Projekt alemão. Além disso, demonstra de que maneira a adoção da lei federal anti-hooligan, em janeiro de 2007, levou os torcedores a redefinirem seu papel, produzindo uma ação coletiva intencional.

Diego Murzi e Fernando Trejo examinam duas facetas da violência ligadas ao futebol na Argentina: de um lado, se detêm nos aspectos relativos às práticas de atos de violência que se desenvolvem no seio das barras bravas, analisando características socioantropológicas dessa cultura torcedora e, de outro, interpretam a reação de uma parte da sociedade civil contra a violência e a corrupção. Em sua argumentação, colocam em questão os dispositivos institucionais que em vez de reduzir a amplitude das violências, tendem a exacerbá-las.

Na sequência, Loïc Trégourès aborda o caso da torcida Bijeli Andjeli do NK Zagreb na Croácia, que se caracteriza por ser um grupo de torcedores ultra que se declara antifascista e problematiza as contradições dessa dupla identidade em um contexto caracterizado pelo ressurgimento dos sentimentos nacionais. Do ponto de vista da ação coletiva, os Bijeli Andjeli vêm desenvolvendo estratégias objetivas de legitimação, participando das ações da Football Against Racism in Europe (FARE), do Mundial Antirracista, ou ainda como membro da Football Supporters Europe (FSE).

O texto de Pompiliu-Nicolae Constantin reconstitui a participação dos torcedores nas manifestações ocorridas em Bucareste, em 2012, contra a classe política romena e as instâncias dirigentes do futebol. A Lei 4, que restringe o encontro de torcedores, é denunciada como anticonstitucional, contribuindo para mobilizar os torcedores ultras e hooligans, que desempenharam um papel importante nas manifestações, desestabilizando a ordem vigente na Romênia.

Encerrando a coletânea, Chayamaa Hassabo analisa a participação dos grupos ultras egípcios Ahlawy e White Knights no processo revolucionário que se desencadeou entre janeiro e fevereiro de 2011 no Egito, e que resultou na queda do presidente Hosni Moubarak. As reflexões se concentram na análise de dois momentos: nos 18 dias da Révolution; e no período após o drama de Port-Saïd, ocorrido em 1º de fevereiro de 2012, ao final do jogo entre as equipes do Al-Marsy e do Al-Ahly, que resultou na morte de 74 torcedores do Al-Ahly. O massacre, aparentemente uma reação punitiva contra o engajamento destes na Révolution, desencadeia um processo de restituição da honra dos torcedores mortos.

O livro traz, portanto, importantes contribuições para aqueles que se dedicam a estudar o complexo fenômeno das torcidas de futebol e se sentem desafiados na atualidade a compreender o novo cenário que se desenha marcado pelas ações coletivas promovidas em torno de interesses comuns, tal como vem ocorrendo no Brasil com a criação da Federação das Torcidas Organizadas do Rio de Janeiro (FTORJ) e da Associação Nacional de Torcidas Organizadas (Anatorg).

Ao trazer a público as experiências de contextos socioculturais distintos, os estudos de caso reunidos nessa coletânea somam-se a outros esforços analíticos1 1 A esse respeito consultar Hollanda e Baldy (2014) e Zucal (2013). e podem contribuir de maneira significativa com os debates em torno da definição de políticas públicas de segurança, no âmbito do futebol profissional, que considerem a visão dos torcedores e valorizem a dimensão socioeducativa nos programas de prevenção, indo além das soluções centradas na punição e no controle social dos agrupamentos.

Referências

  • 1
    HOLLANDA, B. B. de; BALDY, H. H. Hooliganismo e Copa de 2014 Rio de Janeiro: 7 Letras, 2014.
  • 2
    ZUCAL, J. G. (Comp.). Violencia en el fútbol: investigaciones sociales y fracasos políticos. Buenos Aires: EGodot Argentina, 2013.
  • 1
    A esse respeito consultar Hollanda e Baldy (2014)1 HOLLANDA, B. B. de; BALDY, H. H. Hooliganismo e Copa de 2014. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2014. e Zucal (2013)2 ZUCAL, J. G. (Comp.). Violencia en el fútbol: investigaciones sociales y fracasos políticos. Buenos Aires: EGodot Argentina, 2013..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Jun 2016
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