Acessibilidade / Reportar erro

Antropología de lo barrial: estudios sobre producción simbólica de la vida urbana

RESENHAS

Roberto Antonio Capiotti da Silva* * Doutorando em Antropologia Social.

Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Brasil

GRAVANO, Ariel. Antropología de lo barrial: estudios sobre producción simbólica de la vida urbana. Buenos Aires: Espacio, 2003. 296 p.

A obra de Ariel Gravano chama a atenção para a recorrência da noção de bairro no plano das significações, práticas e discursos de profissionais e leigos sobre os chamados "problemas urbanos". A proposta do autor parte da exploração do bairro não apenas como paisagem urbana, cenário de acontecimentos, mas como espaço simbólico e ideológico, que adquire e constrói valores e como referente de identidades sociais urbanas, o que ele denomina "barrial".

Dentro de uma perspectiva antropológica, somos levados ao universo dos bairros de Buenos Aires e região metropolitana. A abordagem apresentada pelo autor se apoia nos conceitos de imaginário e identidade social que, entendidos em uma relação dialética, dariam conta da relação entre os condicionamentos contextuais gerados e detectados do exterior dos grupos urbanos (atribuição por marcas externas, relações sociais objetivas e processos de segregação urbana) e os produzidos dentro desses mesmos grupos (autoatribuição, representações, interação e manipulação simbólicas).

Metodologicamente, o autor busca cruzar os sentidos obtidos pela análise dos discursos dos habitantes de Buenos Aires, coletados em encontros etnográficos, com os discursos produzidos por instituições governamentais, meios de comunicação e trabalhos acadêmicos, procurando desvendar como são construídas e alimentadas associações, identidades e tradições aos bairros.

O livro é composto de três grandes partes: na primeira o autor aponta para a categoria bairro através de suas marcas externas, suas características estruturais e históricas. Apresenta um panorama de como o bairro adquire valores ideológico-simbólicos na vida cotidiana dos habitantes citadinos através de processos gerados e detectados do exterior dos grupos sociais.

O segundo capítulo trata da formação dos bairros através da revisão bibliográfica de estudos históricos sobre o desenvolvimento das cidades desde a Antiguidade até a América do Sul contemporânea. Os bairros surgem como setores privados da cidade em contraposição aos setores públicos e administrativos, localizados no centro. A diferenciação e heterogeneidade dos bairros são entendidas como consequência do fenômeno urbano moderno, sendo as relações de classe o elemento diferenciador que se expressa na heterogeneidade das moradias, na segregação espacial e no acesso desigual à urbanização.

No último capítulo da primeira parte, o autor apresenta três variáveis que tanto na dimensão sincrônica quanto na história caracterizam o conceito de barrial: a identidade social, estabelecida quando os atores sociais assumem identificar-se ou pertencer a distintos bairros como forma de distinguir-se e condicionar as condutas coletivas; a segmentalidade, particularidade que tem os bairros de incluir no seu interior setores com identidades heterogêneas, sem perder a relação de integração dentro da mesma unidade; a tipicidade, que é a atribuição de categorizações genéricas, dicotômicas e estereotipadas sobre determinadas identidades barriais, estabelecendo uma relação direta entre a imagem negativa ou positiva de um bairro com o comportamento de seus habitantes.

Na segunda parte do livro, o autor trata do bairro vivido, dando ênfase aos significados dados pelos moradores ao barrial. Como ferramenta de análise procura obter as matizes de traços manifestados no nível dos discursos, como indicações das imagens (definidas como reflexão significativa de um referente) que os atores fazem de seu bairro.

A investigação inicia em um bairro considerado no imaginário social como tipicamente operário e de classe média, mas fundamentalmente como um bairro: Villa Lugano. Os elementos significativos referidos nos discursos dos moradores: solidariedade, tranquilidade, enraizamento, relações de vizinhança, gosto, bondade, pobreza, familiaridade e tradição operária em conjunto conformam o eixo axiológico da identidade barrial, definida como o conjunto de valores que servem de suporte ao sistema de representações simbólicas ou de produção ideológica desses atores com referência ao bairro.

A identidade barrial, no entanto, não está livre de contradições, estas emetem a falta de controle de alguns aspectos das condições de existência dos atores sociais: falta de controle da juventude e da mulher dentro da instituição familiar; a juventude praticante de delitos dentro de seu próprio bairro e as mudanças no bairro no que diz respeito aos serviços urbanos, aos acontecimentos históricos e às transformações sociais e econômicas, que minariam elementos tidos como significativos: a familiaridade, tranquilidade, as relações de vizinhança e a própria tradição operária com a diminuição do setor industrial.

Partindo da contradição o autor passa para a oposição analisando um "não-bairro", o conjunto habitacional "Lugano Uno y Dos", classificado como próximo na geografia e pertencente ao bairro formal, mas longe no significado do que seria o bairro. Tal como um "fantasma urbano", nas palavras do autor, o "não-bairro" representa uma marca simbólica na cidade vivida como experiência de maior caráter imaginário que de comprovação empírica.

Nessa perspectiva, o complexo habitacional é visto como resultado da modernidade, em oposição ao bairro tomado como tradicional e como fruto de invasões ilegais rompendo a homogeneidade do barrial como valor, que estima a característica popular do bairro, mas condena os vileiros preguiçosos que não trabalham e que por incapacidade de adquirir moradias da forma legal invadiram o complexo. A única solução para estes seria a adaptação à identidade barrial, o que possibilitaria a sua inclusão ou a sua saída.

Sob outro ponto de vista, o autor mostra que os habitantes do complexo se identificam como moradores do bairro e os jovens, apontados como os principais responsáveis pelo rompimento da tranquilidade e da familiaridade pelos residentes tradicionais, são aqueles que se manifestam mais identificados com os valores do bairro.

Na parte final, o autor não apresenta conclusões definitivas, mas uma perspectiva ampla que visa enriquecer a análise e os futuros estudos, inventariando as múltiplas dimensões que conformariam o paradigma barrial. Este incluiria a dimensão estrutural do bairro, consequência da apropriação desigual do excedente urbano, concretizada no processo de segregação, a socialidade, resultado da forma e significado que adquirem as relações interpessoais nos bairros, a identidade barrial entendida como a potencialidade do bairro de construir identidades sociais e a dimensão simbólica, onde o bairro aparece como condensação de significados que expressam conflitos estruturais, com capacidade de construir e ser construído pelo imaginário social.

Numa síntese das ideias do autor, o barrial conforma um modelo de mundo, uma forma de posicionar-se ante o transcorrer do tempo histórico, uma maneira de relacionar-se com os outros e de definir quem são os outros. É uma grande metáfora social que "utiliza" o espaço do bairro como pretexto para intercomunicar e relacionar outros sentidos mais profundos.

Esse esforço monumental do autor de construir um modelo explicativo abarcando o imaginário e a identidade social na conceituação do barrial acaba por afetar a construção textual tornando a obra pouco etnográfica, mas esse detalhe não retira o mérito do estudo de privilegiar os aspectos sociais, simbólicos e culturais que conformam os modos de habitar e usufruir os espaços urbanos e de propor novas formas de vislumbrar os "problemas urbanos".

Nesse sentido, a obra assume vital importância não só para pesquisadores, estudantes e profissionais de antropologia, como também para todos aqueles que se interessam pelas questões e problemas urbanos.

  • *
    Doutorando em Antropologia Social.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Dez 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2009
    Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social - IFCH-UFRGS UFRGS - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Av. Bento Gonçalves, 9500 - Prédio 43321, sala 205-B, 91509-900 - Porto Alegre - RS - Brasil, Telefone (51) 3308-7165, Fax: +55 51 3308-6638 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: horizontes@ufrgs.br