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Antropologias, artes e políticas

Anthropologies, arts and politics

Resumo

No presente artigo, o nosso objetivo foi produzir sob um olhar antropológico um estado da arte relativo a práticas artísticas de compromisso político introduzindo interlocuções com pesquisas que discutissem várias relações estabelecidas entre os fenômenos, experiências, práticas e conceitos acerca de gestos artísticos de fundo político, tendo como eixos as transformações ocorridas recentemente. Entendemos a relação entre arte, política e antropologia a partir de uma não hierarquização ou não dependência de um dos campos sobre o(s) outro(s). E, por isso, convocamos nossas leitoras e leitores para um olhar o mais horizontal possível deste triângulo conceitual: advogamos a existência de possibilidades diversas de pensar antropologicamente, de praticar arte ou de fazer política.

Palavras-chave:
antropologia; arte; política; corpo político

Abstract

In this paper, our proposal was to produce a state of art on the anthropological reflection about artistic practices with political engagement, and to generating dialogues with research projects that engage with the several forms of relation that can be established between the phenomena, experiences, practices, and concepts on artistic political-based gestures, starting from recent events. We understand the relationship between art, politics, and anthropology from a non-hierarchization or non-dependency of one field upon another. We propose to our readership a horizontal look at this conceptual triangle: we understand there are different possibilities to think anthropologically, to practice art, and to make politics.

Keywords:
anthropology; art; politics; political body

Abertura: gestus e afetos a partir de uma foto

Nada melhor que começar por uma imagem.

Figura 1
Março de 2018, Cinelândia, Rio de Janeiro, Brasil, protesto público.

Laura Mulvey, crítica e pensadora feminista do cinema, tornou célebre, em seu artigo “Prazer visual e o cinema narrativo” de 1983, a noção de “olhar masculino” como um viés demasiadamente forte nas representações audiovisuais para que seguíssemos pensando sem ele (Mulvey, 1983MULVEY, L. O prazer visual e o cinema narrativo. In: XAVIER, I. (org.). A experiência do cinema. Rio de Janeiro: Graal, 1983. p. 437-453.). Ancorada em uma verve psicanalítica que, como bem atesta Christian Metz (1972)METZ, C. A significação no cinema. Rio de Janeiro: Perspectiva, 1972., estava bastante popular nas teorias do cinema de então, ela vocifera que as representações cinematográficas (se) constroem (a partir de) um conjunto de posicionalidades que, fazendo com que a arte imitasse a vida, sempre privilegiava a perspetiva masculina. John Berger (1999)BERGER, J. Modos de ver. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. estava, nessa mesma época, fazendo algum barulho entre os estudiosos da arte na Inglaterra (e ganhando prêmios) com um livro e uma série televisiva que se aproximava bastante dos argumentos de Laura Mulvey. O exato início de seu Ways of seeing, é taxativo: “Ver vem antes das palavras.” E segue: “A relação entre o que vemos e o que sabemos nunca está pacificada” (Berger, 1999BERGER, J. Modos de ver. Rio de Janeiro: Rocco, 1999., p. 9, tradução nossa).

Foucault (2000)FOUCAULT, M. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. São Paulo: Martins Fontes, 2000. havia demonstrado, na década anterior, que não se tratava em absoluto de uma questão particular. Em um único quadro (As meninas de Velázquez, no exemplo de Foucault), de fato, cabia o completo Zeitgeist soberano, objetivado como era pela posição real em sua literal centralidade, no quadro encarnada perfeitamente pela infanta Margarida em primeiro plano absoluto e sei pai Filipe IV com a esposa Maria de Áustria refletidos num espelho. A representação da mudança de regimes de conhecimento era, afinal, uma mudança de perspetiva, uma tensão entre metáforas visuais que eram, mais significativamente, proposições conceituais que materializam, na tábula rasa da humanidade e da tela inicialmente vazia, tudo aquilo que podia ser visto e dito, todas as palavras e as coisas.

Desse ponto de vista, é inegável que mesmo a mais pueril fabulação visual é fundacionalmente política. Quando pensamos a relação entre arte e política, esses dois conceitos, como o nosso famigerado conceito antropológico de cultura, correm o risco de não dizer nada de tanto que dizem. E não é exatamente o filme Uma linda mulher e suas antológicas cenas com Julia Roberts e Richard Gere que nos vem à cabeça. Mas aí também está, talvez ainda mais porque não nos damos conta, a força ética e normativa de uma representação estética que, como tão bem insistiu Teresa de Lauretis (1994)LAURETIS, T. de. A tecnologia do gênero. In: HOLLANDA, H. B. (org.). Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. p. 206-242. com sua noção de “tecnologias de gênero”, não está apenas representando o mundo, mas construindo-o performativamente.

A foto que abre este ensaio permite também pensar essa triangulação entre sujeito, representação visual e fundamento político - por um lado, um sujeito não branco, homem, que viremos já perceber ser artista, empunhando um cartaz que é uma pintura, um desenho com a figura de uma mulher, negra, que é centro, punctum dessa narrativa visual em meio a uma multidão. Efetivamente, também aqui não estamos apenas devolvendo uma mera representação do mundo, estamos construindo-a performativamente.

É claro que essa imbricação não foi assim tão óbvia ou popular desde sempre. Clement Greenberg (1989)GREENBERG, C. Vanguarda e kitsch. In: GREENBERG, C. Arte e cultura: ensaios críticos. São Paulo: Ática, 1989. p. 27-44., considerado por muitos o arauto do formalismo esteticista moderno, tinha também suas motivações políticas, claro. Quem não as tem? Mas o negava veemente. Defendendo as “artes de vanguarda” europeias (ainda que dizendo que sua melhor expressão estava nos Estados Unidos), colocou-as como uma reação apropriada ao caráter político da “arte degenerada” nazista. E, num um passe de mágica - pois é também de ilusão de ótica que se trata - o masculinista pintor Jackson Pollock, com gotejadas pinturas púberes, virou a forma mais (não) politicamente correta e a perfeita encarnação de uma geração exaltada de artistas que, estando no mundo, não se sujavam, sublimes (e, em geral, ricos e brancos) que eram!

É claro que não temos a mínima ambição de perseguir os mil meandros que a relação entre arte e política, tema deste dossiê, nos coloca. Não apenas porque não podemos, mas, sobretudo, porque não queremos. Estabelecer qualquer tipo de relação necessária entre arte e política é justamente negligenciar que, na arte como na vida, construímos sempre narrativas mais ou menos coerentes e organizadas a partir de um absoluto fundo de contingências às quais reagimos a partir não apenas de nossos olhos, mas de nossos corpos e dos mundos incomensuráveis que eles encarnam. E é por isso que podemos pensar a arte exatamente como Riobaldo (pelas mãos de Guimarães Rosa em Grande sertão: veredas) pensava a vida: “Viver é muito perigoso… Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal, por principiar” (Rosa, 1994ROSA, J. G. Grande sertão: veredas. São Paulo: Nova Aguilar, 1994., p. 16).1 1 Algumas reflexões sobre essas questões e sobre a mobilização política e neoconservadora da arte feita por “pessoas de bem” têm sido desenvolvidas por Vi Grunvald. Cf. Grunvald e Leite Junior (no prelo), bem como palestra proferida na conferência Histórias da diversidade, realizada pelo Museu da Arte de São Paulo (Masp) nos dias 28 e 29 de junho de 2021 (cf. Masp…, 2021). Nada garante, a priori, o status libertário ou normativo de qualquer manifestação artística porque, na arte, como na vida, trata-se sempre de apostas que nada podem fazer senão emaranhar-se, para lembrar a expressão e Ingold (2007)INGOLD, T. Lines: a brief history. London: Routledge, 2007., em um mundo que é desde já e desde sempre construído com muitas linhas e vetores de centralização e dispersão, de hierarquização e igualitarismo, da opressão dos outros que lhes parece liberdade… e vice-versa.

Por que então a escolha dessa imagem com que iniciamos o texto? No contexto de nossas elucubrações, que papel ela assume? Desde logo, menos um propósito propagandístico ou panfletário (apressamo-nos em dizer!), e antes uma determinada proposta de leitura das encruzilhadas que compõem os três substantivos que desenham o título e dão corpo a esta proposta: antropologias, artes, políticas. Ou seja, uma articulação prismática de singularidades, basicamente porque entendemos que existem possibilidades diversas de pensar antropologicamente, de praticar arte ou de fazer política.

Queríamos produzir interlocuções com pesquisas que discutissem as várias relações que pudessem ser estabelecidas entre os fenômenos, experiências, práticas e teorias que envolvem tais conceitos, tendo como eixos as transformações ocorridas recentemente. Mas também porque marcamos uma não hierarquização ou não dependência de um dos campos sobre o(s) outro(s). Isto é, convocamos nossas leitoras e leitores para uma mirada o mais horizontal possível desse triângulo conceitual. Isso se configura finalmente como uma assunção acadêmica, estética e ética. E, por isso, a foto, que nos evoca um momento recente e particularmente trágico da vida coletiva no Brasil. Ela, de alguma maneira, repõe esse triângulo nominativo a partir de um prisma que nos parece analiticamente interessante (apontando deslocamentos entre arte e política que vêm sendo discutidos a partir da noção de artivismo), artisticamente provocador (dado que desloca a importância do belo tão marcada em nossa enviesada e particular noção de estética - cf. Morphy et al., 1996MORPHY, H. et al. Aesthetics is a cross-cultural category. In: INGOLD, T. (ed.). Key debates in anthropology. London: Routledge, 1996. p. 203-236.) e politicamente proveitoso (afinal, como todas, nós também temos um posicionamento e o assumimos!). Um cartaz-desenho de intervenção política, nas mãos de um sujeito racializado e artista, num evento em espaço público e que mobiliza uma comunidade de protesto.

A sujeita não branca que vemos figurando no desenho é a intelectual e ativista negra Marielle Franco, lésbica, oriunda da Favela da Maré do Rio de Janeiro e eleita por um partido político de esquerda. Por todos esses atravessamentos e pela maneira como soube, de forma tão pungente, transformá-los em potência e luta viva no mundo, foi brutalmente assassinada na noite de 14 de março de 2018 quando saía da Casa das Pretas, na Lapa, de um encontro com jovens negras. Quem sustenta o cartaz é Alex Frechette, amigo de um dos organizadores deste dossiê, artista plástico e visual, com diversos livros publicados, pesquisador e criador de muitos projetos artísticos de intervenção política,2 2 Aqui seu canal de YouTube: https://www.youtube.com/@alexfrechette/featured (acessado em 14/01/2023). autor de um livro de textos e desenhos - Diário em progresso - que ele mesmo classifica como “celebração íntima da liberdade” (Frechette, 2014FRECHETTE, A. Diário em progresso: jornadas de junho, rio de Janeiro e a repolitização do cotidiano. [S. l.]: Alex Frechette, 2014. Disponível em: Disponível em: https://www.academia.edu/38859658/Di%C3%A1rio_em_progresso_Jornadas_de_Junho_Rio_de_Janeiro_e_a_repolitiza%C3%A7%C3%A3o_do_cotidiano . Acesso em: 14 jan. 2023.
https://www.academia.edu/38859658/Di%C3%...
, p. 13).

Nessa obra, relata a sua participação e envolvimento nas manifestações políticas que ocuparam as ruas do Brasil a partir de junho de 2013 e as suas ligações a outras movimentações e transformações políticas que estavam ocorrendo no mundo. E foi desse diário gráfico que Paulo Raposo, coorganizador deste dossiê, solicitou também os direitos de imagem do desenho de capa daquele livro para cartaz de um encontro internacional realizado em Lisboa em 2016, onde, coincidentemente, nós três, autoras destas palavras, estávamos todas e iniciamos um intenso percurso de partilhas (de) comuns que conduziu a este número temático de Horizontes Antropológicos.

O encontro internacional organizado em Lisboa que reuniu muitas outras ativistas, artistas e acadêmicas se chamou Arte e política reloaded? O direito à cidade3 3 Cf. Arte e Política Reloaded (2016). e, curiosamente, também Alex Frechette também estava presente. Por isso, a escolha da foto-desenho de Alex para iniciar este dossiê não poderia ser mais apropriada, pois decorre também desta outra política de afetos com que se constrói a (boa) relação acadêmica e as (instigantes) parcerias intelectuais, frutos de encruzilhadas casuais e linhas fortuitas que se nos vão oferecendo caminhos. Itinerários de diálogos num tempo espiralar, para evocar um conceito tão instigante de Leda Maria Martins (2021)MARTINS, L. M. Performances do tempo espiralar: poéticas do corpo-tela. Rio de Janeiro: Cobogó, 2021. ou um “início, meio, início” como nos vem sugerindo Antonio Negro Bispo (cf. Santos; Mayer, 2020SANTOS, A. B. dos; MAYER, J. Início, meio, início: conversa com Antônio Bispo dos Santos. Indisciplinar, Belo Horizonte, v. 6, n. 1, p. 52-69, 2020.), para melhor desconstruirmos esta tirania do tempo linear, ocidental e racionalista.

Mas retomemos de novo a interlocução analítica com a foto na qual Alex trouxe para a rua o rosto estampado de Marielle, e onde se questiona sobre quem a terá mandado matar. Um questionamento que povoava - e infelizmente, mais de cinco anos depois, continua a povoar - as mentes de muitos. Alex, de alguma maneira, assinala e emblematiza essa demanda por justiça que ocupou ruas, redes sociais e muita comunicação social um pouco por todo o mundo. O efeito desse gesto artístico singular, na verdade, foi amplamente expandido pela ressonância que essa imagem alcançou em níveis de circulação, replicação, ressignificação. O que poderíamos chamar como um efeito de hashtag político (Raposo, 2022RAPOSO, P. Performances políticas e artivismo: arquivo, repertório e re-performance. Novos Debates, [s. l.], v. 8, n. 1, e8119, 2022.).

Na verdade, a foto que circulou como hashtag política não é a do início deste artigo. A primeira foto é uma foto no mesmo protesto, embora num outro local e com outro enquadramento, com Alex segurando o mesmo cartaz, mas feita pela sua companheira, Guidi (Ingrid Vieira Duarte). A segunda (cf. Marielle…, 2022MARIELLE Franco’s murderers must be brought to justice. The Guardian, [s. l.], 22 Mar. 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.theguardian.com/world/2018/mar/22/marielle-franco-murderers-must-be-brought-to-justice . Acesso em: 14 jan. 2023.
https://www.theguardian.com/world/2018/m...
) foi obtida por um famoso (e já falecido) fotojornalista, Marcelo Sayão.4 4 Fotojornalista brasileiro, muito premiado, coordenador de Fotografia da Agência EFE, falecido em 2020, e que foi quem primeiramente fotografou o cartaz-desenho de Alex Frechette na manifestação de luto pelo assassinato de Marielle e que o publicou depois em vários órgãos de comunicação social, entre eles a famosa carta-assinada no reputado jornal The Guardian, publicada em 22 março de 2018, onde inúmeros intelectuais, ativistas e artistas internacionais rechaçam tenazmente o assassinato da vereadora Marielle Franco e pedem pela formação de uma comissão independente de apuração (Marielle…, 2022).

Eventualmente, na troca de e-mails entre Paulo e Alex, podemos melhor entender o contexto de produção e os níveis de subjetividade envolvidos nesse desenho e, sobretudo, o seu gesto político e de engajamento estético:

Paulo - O desenho é seu, certo? Será que você me conta um pouco desse desenho, como nasceu? Quando você decidiu levar para a rua? Como ele se tornou viral? E também sobre essa história do The Guardian… Gostava de incluir isso no nosso artigo de abertura do número temático. Obrigado.

Alex - Sim, o desenho foi meu. Naquele dia, havia chegado em casa em Niterói à noite e soube da notícia. Eu tinha passado bem próximo ao local do seu assassinato, pouco tempo antes. Não consegui dormir direito aquela noite, situação que depois confirmei ser idêntica a de vários amigos, todos muito chocados. Tinha visto Marielle ao vivo apenas uma vez, quando ela falou num evento na Lapa, mas era consciente da sua atuação sempre presente. Fiz o desenho pela manhã e à tarde tinha uma apresentação na UFF. Levei o cartaz para a universidade e o assunto foi praticamente só esse, todo mundo estarrecido por aquele assassinato. Depois fui à manifestação que aconteceu no Centro do Rio. A foto do cartaz saiu em alguns veículos mas foi no segundo protesto que levei novamente o cartaz que um fotógrafo que trabalha para agências internacionais clicou [Marcelo Sayão] e ela primeiro saiu no The Guardian, depois no El País, Spiegel, ONU e vários sites de notícias, aí muitas pessoas começaram a compartilhar a notícia com a foto, como a diretora Ava DuVernay, a atriz Pamela Anderson e muitos outros que assinavam a carta que foi publicada no The Guardian exigindo uma investigação independente sobre o caso, assim que a fotografia se espalhou.

Foi dessa forma que Alex expressou esteticamente sua afetação em face desse trágico crime. Seu gesto estético, mobilizado pela consternação política, foi levado primeiramente para dentro da academia onde iria falar de arte e do seu trabalho como artista, tendo este se tornado o assunto central da apresentação naquele trágico dia, mas permanecido ali no espaço, digamos, de um estúdio mais ou menos privado, como que expondo uma ferida que ali se abria. De seguida, aquele gesto se projetou na primeira manifestação de repúdio pelo assassinato de Marielle, onde Alex decide sustentar o cartaz publicamente, contagiando o olhar das suas parceiras de protesto e revelando os estilhaços de um luto coletivo. Mas só, dias depois, num segundo protesto, foi quando este reputado agente do mundo da comunicação social, o fotojornalista Marcelo Sayão, captou aquele momento crítico, publicou-o e a imagem viralizou na imprensa e mídias digitais. Aí, finalmente, o gesto estético se torna verdadeiramente uma hashtag política e se reperforma em outros cartazes, em murais de graffiti, em postagens nas redes sociais, em notícias na comunicação social mainstream e alternativa. Ou seja, o gesto político de um desenho-cartaz que nos interroga sobre um momento crucial da vida coletiva de um país se projeta e sofre vários tipos de ressonâncias em diversas escalas de visibilidade e de afetação.

No interior da academia, a imagem detonara muitos diálogos, mas não se projetava no espaço público, esse espaço de aparição para lembrar a célebre conceituação de Hannah Arendt. Nessa conjuntura é que povoa de olhares e faz fervilhar contaminações afetivas, quando se revela na rua, no ato de exibição escrachado e, finalmente, reverbera e se ressignifica quando se expande institucionalmente pelos cenários nacionais e internacionais dos canais midiáticos e das redes sociais. Ressonâncias globais estas que devolvem e estimulam de novo o gesto à mobilização individual e coletiva dos sujeitos para novos protestos, novas ações, ensejando, portanto, um tipo de ressonância que passa ao largo das clivagens de escala dualistas como indivíduo/sociedade e micro/macro. É como se a “curadoria” fotográfica de Marcelo Sayão, ousemos assim nomear, projetasse aquele carvão em cartaz formato A3 em obra de arte no mercado da arte (política) e lhe desse a visibilidade estética que transformará definitivamente aquele gesto em arma política potente e eficaz.

Mas a visibilidade estética daquele gesto/cartaz-desenho que reverbera pelos canais midiáticos, de fato, não abandona verdadeiramente o gestus inicial do seu criador, para recuperar um conceito do universo teatral de Bertolt Brecht. O gestus, para o dramaturgo alemão, é signo de interação social. Assim, por exemplo, um homem que vende um peixe manifesta o gestus de vender; um homem redigindo seu testamento, um policial batendo num homem, um homem pagando dez homens - em tudo isso estão contidos gestus sociais, o de testar, brutalizar, pagar. Alex, empunhando seu cartaz-desenho com a sua pergunta básica e fulcral, está executando um gestus social que expressava o luto e a luta que se condensava respectivamente naquele assassinato e simultaneamente no seu repúdio total e magnânimo, mesmo numa época em que, quer no Rio de Janeiro, quer no Brasil, o clima fascista e a violência miliciana pairavam sobre as vidas de todos e todas que ali se manifestavam. Seu gestus social era, simultânea e deliberadamente, estético e ético, arte e política.

Tal como o teatro brechtiano procurava evitar o efeito anestesiante do espetáculo burguês, do jogo estético e criativo tornado entretenimento, também aqui esse desenho de Alex se propõe, enquanto artista-narrador, a devolver a quem o vê (lê) o gestus social, a consciência da linguagem, a politização da arte, permitindo assim (ao público) reagir à realidade social circundante. A pergunta “Quem matou Marielle?” não é, pois, apenas uma pergunta mas - quebrando uma quarta parede imaginada pelas convenções tradicionais teatrais entre o palco e o público e dirigindo-se diretamente aos seus espectadores como uma obra de arte que nos devolve o olhar que lhe aplicamos - se projeta como construção performativa de ação social e apelo à participação, à tomada de posição. Aquilo que, para nos mantermos no campo teatral, Augusto Boal, um outro dramaturgo influenciado por Brecht, veio a designar por espec-atores, a possibilidade de superação de uma audiência passiva e meramente observadora, conferindo-lhes potência criativa e transformadora. “O espectador se liberta: pensa e age por si mesmo! Teatro é ação! Pode ser que o teatro não seja revolucionário em si mesmo, mas não tenham dúvidas: é um ensaio da revolução!” (Boal, 2008BOAL, A. Teatro do oprimido e outras poética políticas. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008., p. 236-237).

Como os panos caem, no palco da vida e da arte, é algo mesmo muito imprevisível, ainda que, é claro, mesmo com toda improvisação possível, nunca encenemos nossos próprios dramas e papéis sem um roteiro que é mais ou menos determinado. Mas, de novo, para algumas, a determinação importa menos. Quando a pensadora e artista trans e racializada Jota Mombaça (2021)MOMBAÇA, J. Não nos vão matar agora. Rio de Janeiro: Cobogó, 2021. fala raivosa e tão ferozmente que devemos fazer uma redistribuição da violência é porque nem todas temos a prerrogativa de apenas, como Pollock, jogar tinta numa tela como se disso não dependesse nossa própria sobrevivência. Afinal, se é possível que uma certa noção de arte como encarnação do fino e sublime refinamento da humanidade tenha sido tão popularizada no discurso euro-americano, é porque, certamente, quem historicamente escreveu essa narrativa (da arte e da vida) talvez tenha mesmo tido a possibilidade social, política e estrutural de assim fazê-lo. Quem tem mesmo a prerrogativa de fazer de rosas armas engajadas contra a opressão que lhes é infligida, como quer Banksy, quando essas vies en rose só se projetam na condição e contrapartida inconfessa de uma política terrorista de morte para corpos que não gozam (e a expressão aqui é absolutamente apropriada) de seus privilégios? (Mbembe, 2018MBEMBE, A. Necropolítica. 3. ed. São Paulo: N-1, 2018.).

Que não nos tomem como radicais, pois desejamos muita ponderação, ainda que ela por vezes seja mais viável no que se postula como exercício livre de pensamento do que na vida. Banksy é um artista contemporâneo que em sua “modesta” insistência em não se fazer conhecer como rosto coloca posicionamentos interessantes sobre o centramento da arte em sujeitos individualizados em sua excepcionalidade excêntrica. Mas, mesmo que tenha, como alguns de seus mais interessantes contemporâneos de ofício, dado vazão à saída da arte dos museus em direção à rua (movimento tão importante e significativo), ainda assim o faz de forma heroica e voluntária. Entra, como penetra que não chamaram para a festa, na 58ª Bienal das Artes de Veneza, para fazer a performance-intervenção ironicamente intitulada Veneza a óleo com a certeza que sairá dali ileso e comentado. E assim o foi. Num mesmo histórico em que, em outra parte do planeta, imigrantes estavam sendo escravizados para construir outro desejado panteão da arte contemporânea.

Trata-se do empreendimento celebrado, cheio de pompa e bilionário para construção, em Abu Dhabi, de um estonteante polo de cultura que combinava, na mais fina tradição civilizatória ocidental, o conhecimento erudito encarnado em um campus da New York University com a mais fina expressão estética de dois gigantes e paradigmáticos panteões da arte, os museus Louvre e o Guggenheim. Certo é que, em séculos de treino e soberania, as instituições contemporâneas acabaram por encontrar espaço para a convivência com os fracos e oprimidos. E, após algumas denúncias e da imputação e reativação pública do que, para algumas, é apenas memória-mácula de escravização e brutalização de corpas racializadas, foram essas instituições que, após denúncias, suspenderam, crítica, mas temporariamente, as obras que as lembraram de uma história colonial que diziam, orgulhosas, já ter superado.

O primeiro Louvre fora da França não deixou de ser viável no paradisíaco bairro Saadiyat à beira da praia. Da mesma maneira que, por mais que certos padrões possam ter se negociado em termos da expropriação da força produtiva de pessoas que jamais iriam desfrutar daquele espaço, muito pouco, provavelmente, melhorou para aqueles “trabalhadores”. Eles seguiam, após um longo e duro dia de labor, acumulando-se no nascente e precarizado bairro que havia lhes reservado a construtora Al Jaber, importante e poderosa empresa daquele (ainda) monárquico país do Oriente Médio. Não surpreende, portanto, que o British Museum, em parceria com o local Zahed National Museum (e para não ficar atrás!), havia já acordado em emprestar (ceder?) importantes obras de sua coleção para o distintivo espaço que se erguia, perto do Louvre Abu Dhabi, em homenagem ao xeique Zayed bin Sultan Al Nahyan, fundador dos Emirados Árabes Unidos. Além, é claro, de, alguma conversa e alguma verba depois, o museu britânico ter decidido também renomear uma de suas galerias, em homenagem ao patriarca e primeiro governante soberano dos Emirados Árabes Unidos.

Novamente, não há motivos para exageros descabidos de tomada de posição. Hartwig Fischer, diretor do British Museum, elucidou que a parceria “tem a ver com a interconectividade de culturas, e essa galeria mostra o impacto da entrada da agricultura no Oriente Médio e sua disseminação na Europa, moldando assim o mundo moderno” (Downes, 2018DOWNES, S. The British Museum is naming one of its galleries after Sheikh Zayed. What’s On, [s. l.], 21 June 2018. Disponível em: Disponível em: https://whatson.ae/2018/06/the-british-museum-is-naming-one-of-its-galleries-after-sheikh-zayed/ . Acesso em: 5 set. 2023.
https://whatson.ae/2018/06/the-british-m...
, tradução nossa). O motivo não deixa de ser nobre, no sentido preciso e literal do termo. Apenas não deixa, igualmente, de sugerir que, mesmo alhures, a noção de colonialismo interno tão enfatizada pelos movimentos sociais indígenas de Abya Ayla e por pensadoras como Silvia Rivera Cusicanqui (2021)RIVERA CUSICANQUI, S. Ch’ixinakax vtxiwa: uma reflexão sobre práticas e discursos descolonizadores. São Paulo: N-1, 2021. parece se fazer cruelmente presente na celebratória junção de elites transnacionais em “nosso” sistema-mundo.

Os “fluxos globais culturais”, como tão bem argumentou o pensador indiano Arjun Appadurai (2004)APPADURAI, A. A dimensão cultural da globalização. Lisboa: Teorema, 2004., se fazem domesticamente cotidianos na criativa realidade local. E, ainda que em outras proporções, a arte tem sido, em muitas cidades metropolitanas e a despeito das motivações progressistas de artistas socialmente engajados, um vetor de gentrificação dos até então decadentes espaços citadinos. De tal forma que essa ocupação urbana, tida como indesejada, se torna aridamente inviável para as precarizadas e, então, indigentes pessoas que historicamente ocupavam essas “regiões morais”, para lembrar um clássico e ultrapassado conceito do pensamento social sobre o urbano (Park, 1952PARK, R. Human communities, the city and the human ecology. Glencoe: Free Press, 1952.).

Não se trata, portanto, de construir maldosos monstros, pois, como polemicamente defendeu Hannah Arendt (2017)ARENDT, H. Eichmann em Jerusalém. Lisboa: Ítaca, 2017. ao falar sobre o julgamento de um dos mais célebres algozes de seu próprio povo, todas estamos sujeitas a encarnar, de forma distinta, desproporcional e, por vezes, involuntária, a banalidade do mal. Como reza a sabedoria popular: “De boas intenções, o inferno está cheio.” Porque não se trata, justamente, apenas de intenções e profissões de fé, mas, talvez, da maneira como conduzimos nossas ações e práticas no mundo a partir de uma ética de (con)vivência menos violenta. Reconhecendo, como sugeriu Butler (2019a)BUTLER, J. Corpos que importam. São Paulo: N-1, 2019a. com a noção de precariedade, que somos fundamentalmente fracas e incapazes no que dependemos, constitucionalmente, umas das outras. Mas que, também, para além dessa precariedade dada, há outros processos de precarização construídos de maneira que o mundo se torne mais violento e hostil para algumas, mas (e) nunca para todas. Como Butler (2019b)BUTLER, J. Vida precária. Belo Horizonte: Autêntica, 2019b. tão sensivelmente retoma em outro trabalho - daquilo que muitas mães das periferias brasileiras sabem5 5 A esse propósito cf., por exemplo, Vianna e Farias (2011). - nem todos os corpos parecem merecer o choro e enlutamento social.

Aliás, Brasil e Argentina têm, ambas, suas “mães de maio” que tomaram o espaço público e escancararam as ruas na insurgência contra o terrorismo de Estado que, de formas muito diversas, assassinou seus filhos, como muito bem explicitou Diana Taylor (2009)TAYLOR, D. O trauma como performance de longa duração. O Percevejo, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 1-12, 2009.. Durante a ditadura argentina, somaram-se milhares de jovens que desapareciam do dia para noite. E, ainda marcados por essa década sangrenta, Rodolfo Aguerreberry, Julio Flores y Guillermo Kexel, um grupo de artistas e amigos política e emocionalmente mobilizados, decidiram abordar a questão desse trauma social com inspiração na obra do artista polaco Jerzy Skapski sobre o genocídio nazista em um dos seus centros mais mortalmente nevrálgicos, Auschwitz. Elaboraram, então, uma proposta para o edital artístico do Salón de Objetos y Experiencias da Fundación Esso no qual ocupariam o espaço da instituição privada de arte com silhuetas (El siluetazo6 6 Cf. El siluetazo (2013). ) que marcariam, em sua presença quase vazia, a ausência daqueles que haviam sido exterminados. O regime autoritário argentino dava seus últimos respiros no início da década de 1980 quando, desesperado, em uma última e fracassada tentativa de altivez bélica, entra em guerra com o Reino Unido por território, no que entrou para os anais da história como a Guerra das Malvinas, fazendo alusão às ilhas onde a disputa viril ocorreu. Aparentemente, o cenário não estava muito propício à arte. Ou, antes, a arte pensada como prática autocentrada de realização estética ou, para ficar na elaboração de Adorno (1993)ADORNO, T. Teoria estética. Lisboa: Ed. 70, 1993., como “satisfação ou interesse desinteressado”, já não era mais possível.

A motivação ético-estética dos artistas vinha também de uma marcha organizada pela célebre AIDA (Associação Internacional de Defesa dos Artistas Vítimas de Desaparecimentos no Mundo), fundada em Paris em 1979, na qual eram levados bustos que buscavam presentificar as pessoas desaparecidas. Quando souberam, então, do protesto que as madres, abuelas e ativistas fariam publicamente no dia 21 de setembro de 1983, o jovem grupo de artistas resolveu levar sua ideia inicial para elas. Nesse dia, de início, eles conduziram uma espécie de oficina onde linhas acompanhavam os corpos deitados sobre o papel na construção das silhuetas que passariam a se sustentar em paredes e muros.

De uma proposta de arte engajada para incomodar o mundo artístico privado de então, a mesma se desprendeu do trio e se potencializou no engajamento destas muitas mulheres que, ainda sob o horror da ditadura, insistiram em resistir e colocar, no espaço público, a dor que viviam também em suas casas. Tal como Alex Frechette viu desprender de suas mãos o cartaz a carvão do rosto da vereadora assassinada que passou a ser imprevista insígnia coletiva, um rumor de dor, mas também a potência da raiva que continua a marcar um certo Brasil de hoje que, mesmo sob enorme violência, insiste em não se deixar morrer.

“A gente combinamos de não morrer”, exaltou Carolina Maria de Jesus. Essa frase, deliberadamente marcada pela “dicção popular”, pela oralidade, é uma escrevivência, cuja potência, segundo Conceição Evaristo, vem da palavra de mulheres negras ancestrais que foram as que, de fato (e aqui ela retoma Gilberto Freire e seu clássico Casa-grande e senzala), ensinaram-nos a falar a todas nós. Mas, consciente de que, como a frase “Quem matou Marielle?” tão abertamente coloca, as palavras são muito mais do que apenas palavras, constituindo-se em importantes ações sociais que, como sugere Austin (1962)AUSTIN, J. L. How to do things with words. London: Oxford University Press, 1962., fazem coisas, Evaristo as pensa como “sustância”, “fio de prumo” a partir do qual é possível borrar outras palavras públicas, a linguagem oficial, normativa e violenta que se projeta contra determinadas corpas.

Essas são certamente questões centrais para adentrar nos meandros de nossa proposta. Até aqui falamos de gestos estéticos e subjetividades afetivas, ressonâncias e reperformance, mediações e ação institucional, estilhaços e brechas, participação, transformação e politização da arte. Olhemos então esses gestus políticos nas suas vibrações insurgentes.

Gestus políticos, estéticas insurgentes

A perceção de que o ativismo contemporâneo possa ser pensado como um teatro político, um lugar ético para a criatividade e para o uso de competências artísticas, tem uma de suas gêneses - gênese multifacetada e plural - nos movimentos antiglobalização do final do século XX e nas suas táticas de ação política. Evidentemente, como argumentamos, a relação entre arte e política é algo que sempre se constituiu como fundamental e inexorável. Mas, como insistimos, ela é também bastante diversa.

Desde logo, lembremos o processo de “esteticização da política” que, na leitura de Walter Benjamin (1994)BENJAMIN, W. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. In: BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 165-196., marca o uso da arte pelos fascismos, opondo-se à “politização da arte” nas propostas comunistas. Ou o trabalho do historiador Marc Bloch (1993)BLOCH, M. Os reis taumaturgos. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. sobre as monarquias francesa e inglesa e seus performativos poderes taumaturgos. Ou ainda Jacques Rancière (2005)RANCIÈRE, J. A partilha do sensível. São Paulo: EXO experimental org.: Editora 34, 2005., autor onipresente nas discussões contemporâneas sobre arte e política, que defende que esta última é essencialmente estética e o poder sempre funcionou com manifestações espetaculares, seja na Grécia clássica, seja nas monarquias modernas, ainda que nem sempre essa associação entre espetáculo e político tenha sido vista com bons olhos, inclusive por seus conterrâneos (Guy Débord, 1994)DÉBORD, G. The society of the spectacle. New York: Zone Books, 1994..

De qualquer forma, as crises do capitalismo planetário que passaram a eclodir em várias partes do mundo nesse fin de siècle apresentaram um farto contexto de teste e experimentação de táticas políticas que operavam pelas formas expressivas e criativas. Muito presente nas últimas duas décadas, as diversas ocupações de espaços estratégicos estão muitas vezes conectadas com o que algumas pesquisadoras vêm discutindo a partir da noção de artivismo, contrapondo-se, em muitos sentidos, ao que é tradicionalmente levado a cabo pela política institucionalizada, mas também revelando suas porosidades e contágios. Nesses tempos-espaços das manifestações antiglobalização, assim como em protestos contra Estados autoritários como no caso da Primavera Árabe e nas assembleias de ocupação do espaço público,7 7 Para uma discussão contemporânea sobre ocupação da rua, arte e artivismo, cf. Grunvald (2019). como sugere Julia Ruiz Di Giovanni (2015)DI GIOVANNI, J. R. Artes de abrir espaço. Apontamentos para a análise de práticas em trânsito entre arte e ativismo. Cadernos de Arte e Antropologia, [s. l.], v. 4, n. 2, p. 13-27, 2015. ao discutir o conceito de artivismo, criam-se “zonas autônomas temporárias” (Bey, 1985BEY, H. TAZ: zona autônoma temporária. Tradução: Patricia Decia & Renato Resende. Digitalização: Coletivo Sabotagem: Contra-Cultura. [S. l.: s. n.], 1985. Disponível em: Disponível em: http://www.mom.arq.ufmg.br/mom/02_arq_interface/4a_aula/Hakim_Bey_TAZ.pdf . Acesso em: 14 jan. 2023.
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) onde são reconfiguradas e experimentadas novas formas de relação e visão social que possuem, potencialmente, a promessa de construção de outros horizontes e projetos de sociedade.

Desse modo, o ativismo político contemporâneo reconhece (talvez tenha sempre reconhecido) que existe na sua dimensão estética um potencial comunicacional e de partilha do sensível (Rancière, 2005RANCIÈRE, J. A partilha do sensível. São Paulo: EXO experimental org.: Editora 34, 2005.) para o desenho de sua ação:

Todos os movimentos políticos desenvolvem as suas próprias estratégias estéticas, e este novo agente social reflete explicitamente sobre as suas próprias formas visuais desde o início dos anos noventa. Quero introduzir a ideia de que, num certo sentido, ao lado da “virada social” da arte, há também uma certa “virada artística” ou “virada criativa” do ativismo. Gestos simbólicos, ações performativas, linguagem visual e criatividade estética tornaram-se um traço comum da política extraparlamentar. (Blanco, 2013BLANCO, J. R. Reclaim the streets! From local to global party protest. Third Text, [s. l.], 2013. Disponível em: Disponível em: http://www.thirdtext.org/reclaim-the-streets . Acesso em: 14 jan. 2023.
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).

John Jordan, um dos fundadores do coletivo britânico Reclaim the Streets, do final do século XX, promotor de momentos de espetacularização da ação política em Londres em torno das questões da mobilidade urbana, direito à cidade e dissidências identitárias com as suas raves espontâneas, dizia numa entrevista ao cientista social especialista em temáticas de cruzamento entre arte e política, Silas Harrebye (2016HARREBYE, S. F. Social change and creative activism in the 21st century: the mirror effect. New York: Palgrave Macmillan, 2016., p. 4, tradução nossa), o seguinte:

Muito do trabalho que fazemos […] é unir artista e ativista e realmente tentar usar os métodos de trabalho poéticos, criativos, imaginativos e inusitados dos artistas e reuni-los com uma imaginação muito mais corajosa, muito mais crítica e muito mais combativa dos ativistas.

Josephine Witt, a jovem alemã protagonista de ação ativista,8 8 Essa ação política performativa realizada em abril de 2015, numa entrevista coletiva do então presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, foi obviamente amplamente documentada pelos jornalistas ali presentes (cf. Protester…, 2015). definia-se no seu Twitter9 9 Cf. https://twitter.com/josephine_witt (acessado em 14/01/2023). como uma ativista feminista teatral e utilizava um emoji de borboleta (ƸӜƷ) como ícone do seu perfil. Tendo subido à mesa onde falava Mario Draghi, o então presidente do Banco Central Europeu, em 2015, Witt lançou confetti e papéis sobre aquele dirigente europeu (cf. Protester…, 2015PROTESTER disrupts EBC news conference. DW, [s. l.], 4 Jan. 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.dw.com/en/protester-disrupts-ecb-news-conference/a-18385811 . Acesso em: 14 jan. 2023.
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). Curiosamente, segundo fontes jornalísticas presentes, teria escrito uma frase num desses papéis em que menciona essa relação entre gesto poético e ação direta: “Hoje sou só uma borboleta te mandando uma mensagem, mas se assuste, voltaremos” (Pérez, 2015PÉREZ, C. Ativista ‘ataca’ presidente do BCE durante entrevista coletiva. El País, [s. l.], 15 abr. 2015. Disponível em: Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2015/04/15/economia/1429107137_051224.html . Acesso em: 14 jan. 2023.
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).

Esse é um exemplo emblemático de um ativismo criativo que procura hackear em favor de sua prática o circuito hipermediatizado das instituições e dos dirigentes políticos internacionais, protagonizando performances espontâneas, teatrais, happenings ou ações de desobediência civil com o objetivo de “fazer passar” mensagens políticas concretas. Por outro lado, evoca também a presença de um sentido provocador e clownesco e que nos permite recuperar o modo como Mikhail Bakhtin (1993)BAKHTIN, M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. Brasília: EdUnb; São Paulo: Hucitec, 1993. pensava as manifestações populares da cultura medieval europeia como vetores de carnavalização e inversões sociais. Não será despiciendo pensar num conjunto alargado de performances políticas que apelam ao riso, ao grotesco, à máscara, à relativização irônica da verdade, à ilusão circense.

De um outro modo, a ação da feminista alemã pode se articular com aquela outra performada pela então jovem liderança indígena mēbêngôkre, Tuíra, que, em Altamira, durante o 1° Encontro das Nações Indígenas do Xingu em fevereiro de 1989, passou uma faca junto ao rosto do então representante do Estado brasileiro, José Antônio Muniz Lopes, na discussão da implementação de uma barragem no Rio Xingu, em Belo Monte, com vistas à construção de uma hidrelétrica pela Eletronorte.10 10 Leia-se em Martinho (2019) a detalhada narração dessa ação performativa política das lutas indígenas no Brasil com grande impacto midiático. Aqui, percebemos que essas táticas de potenciação de proposições através de gestus políticos que se constituem através de estéticas insurgentes são efetivamente soluções de resposta e resistência às dinâmicas de captura dos aparelhos de poder e dominação e das suas instituições.

Mas são, simultaneamente, brechas e pontos de fuga para tensionar esses espaços onde narrativas únicas se tecem, onde certos corpos cis-heteronormativos, masculinos e brancos são regra e se impõem e onde discursos hegemônicos se instituem. Muitas relações entre a comunidade de artistas e o chamado “mundo da arte”, como o definiu Howard Becker (1982)BECKER, H. S. Art worlds. Los Angeles: University California Press, 1982., atravessam também esses tipos de tensionamentos e de deslizamentos entre a ocupação de espaços institucionais e a criação de zonas (artísticas) autônomas temporárias para evocar novamente Bey (1985)BEY, H. TAZ: zona autônoma temporária. Tradução: Patricia Decia & Renato Resende. Digitalização: Coletivo Sabotagem: Contra-Cultura. [S. l.: s. n.], 1985. Disponível em: Disponível em: http://www.mom.arq.ufmg.br/mom/02_arq_interface/4a_aula/Hakim_Bey_TAZ.pdf . Acesso em: 14 jan. 2023.
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. Esses são movimentos de tensão que podem ser pensados também como movimentos de negociação, e por vezes, resultam em novas constelações e cenários.

Eventualmente, estaremos aqui a assumir uma nova geometria variável para o famoso (e já clássico) debate entre as propostas de Nicolas Bourriaud (2009)BOURRIAUD, N. A estética relacional. São Paulo: Martins Fontes, 2009. de arte relacional e de criação de pactos entre artistas e públicos (incluindo os espaços institucionais onde se inscrevem) e as críticas de Claire Bishop (2012)BISHOP, C. Artificial hells: participatory art and the politics of spectatorship. London: Verso Books, 2012. que reclama antes para a prática artística um sentido conflitual e de exposição dos “infernos artificiais” em que vivemos.

Nessa mesma linha de raciocínio, poderemos perceber que existe uma conexão relevante entre a emergência do que se está conceituando como novíssimos movimentos sociais (Day, 2005DAY, R. J. F. Gramsci is dead: anarchist currents in the newest social movements. London: Pluto Press, 2005.) no contexto da luta política contemporânea, designadamente desde o final do último milênio, e que servem como dispositivo muito favorável à criação de máquinas de guerra e à produção e disseminação de repertórios de gestus políticos marcados por insurgências estéticas.

Nesse cenário, impossível negligenciar a relevância das redes sociais e de ações de ciberativismo numa era marcadamente digital, como nos vêm explicando Manuel Castells (2009)CASTELLS, M. The Information Age: economy, society, and culture. Malden: Blackwell, 2009. sobre o uso da internet no movimento zapatista no México, Jeff Juris (2005)JURIS, J. S. The new digital media and activist networking within anti-corporate globalization movements. Annals of the American Academy of Political and Social Science, [s. l.], n. 597, p. 189-208, 2005. e John Postill (2014)POSTILL, J. Democracy in an age of viral reality: a media epidemiography of Spain’s indignados movement. Ethnography, [s. l.], v. 15, n. 1, p. 51-69, 2014. sobre movimentos occupy e antiausteridade na Europa e nos EUA, Donatella Della Porta et al. (2006)DELLA PORTA, D. et al. Globalization from below: transnational activists and protest networks. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2006. e o famoso dossiê de pesquisas sobre os movimentos antiglobalização e de justiça global e suas redes de ativismo digital, ou Gabriela Colemann (2015)COLEMAN, G. Hacker, hoaxer, whistleblower, spy: the many faces of Anonymous. London: Verso Books, 2015. e o hacktivismo do coletivo internacional Anonymous, ou ainda os usos de plataformas digitais e redes sociais pelas culturas juvenis estudados por Rossana Reguillo (2000)REGUILLO, R. Emergencia de culturas juveniles: estratégias del desencanto. Bogotá: Grupo Editorial Norma, 2000., apenas para citar alguns dos nomes mais reverberantes. Não é de estranhar, portanto, que o campo artístico se constitua off e online, por assim dizer, tal como o ativismo se vai constituindo entre a rua e a rede.

E como situar essa questão no tempo, no tempo da arte contemporânea em particular? A contemporaneidade questiona a separação entre os mundos da arte e os outros mundos sociais. Néstor García Canclini (2014)GARCÍA CANCLINI, N. Art beyond itself: anthropology for a society without a story line. Durham: Duke University Press, 2014. argumenta que a arte contemporânea virou “pós-autônoma”. A prática artística não resulta única ou se processa preferencialmente por objetos de arte, mas está inserida em múltiplos contextos, desde meios de comunicação e espaços urbanos, às redes digitais, às ciências sociais, às formas de participação social e o ativismo político.

Nesses termos, a arte deixaria de ser definida pelo “mundo da arte” ou pelo “campo artístico”. A prática artística contemporânea questiona, assim, a própria divisão social do trabalho que a autonomização de áreas implica e, da mesma forma, a sociologia da arte e a história da arte baseadas nessa noção, de Bourdieu (1993)BOURDIEU, P. The field of cultural production: essays on art and literature. New York: Columbia University Press, 1993. e Becker (1982)BECKER, H. S. Art worlds. Los Angeles: University California Press, 1982. a Foster (1995)FOSTER, H. The artist as ethnographer? In: MARCUS, G.; MYER, F. (ed.). The traffic in culture: refiguring art and anthropology. Berkeley: University of California Press, 1995. p. 302-309. e Bishop (2012)BISHOP, C. Artificial hells: participatory art and the politics of spectatorship. London: Verso Books, 2012.. Para García Canclini, a sociedade contemporânea já não segue as narrativas fortes da modernidade, nas quais a divisão social do trabalho entre campos fazia sentido. A sociedade contemporânea não tem um projeto, uma visão de futuro, em termos políticos ou religiosos.

Nessa situação, a arte surge como uma possibilidade, não como uma política dogmática ou religião alternativa, mas simplesmente como um espaço que pode fornecer metáforas para abordar o que o autor chama de “iminência”. Este não é um estado místico, mas a experiência de perceber na realidade existente outras formas possíveis de ser que fazem da dissidência, e não da fuga, uma necessidade (García Canclini, 2014GARCÍA CANCLINI, N. Art beyond itself: anthropology for a society without a story line. Durham: Duke University Press, 2014.). Essa formulação aproxima García Canclini da noção de Rancière de que a política da estética propõe novas distribuições do sensível.

Poderíamos também incluir a antropologia nesse momento pós-autônomo? Pensar uma antropologia pós-autônoma, após a divisão social do trabalho, após a especialização e a expertise, que fosse ao mesmo tempo política e arte? Uma possível chave para pensar um novo momento pós-autônomo é o uso da participação, como forma de estabelecer relações entre arte, política e ciências sociais. A relação entre arte e antropologia não é apenas um diálogo, uma troca ou um dar e receber, onde a antropologia pode fornecer métodos etnográficos em troca de métodos visuais, ou ética em troca de criatividade. O que a “participação” implica é mais do que um valor equivalente, mas envolver-se, tornar-se parte, por exemplo, de uma prática política. A troca participativa não é uma mercadoria, mas sim uma dádiva (Sansi, 2015SANSI, R. Art, anthropology and the gift. London: Bloomsbury, 2015.). O “imperativo de participar”, que transforma a arte e a antropologia, faz com que sejam algo mais, e algo mais do que eram antes: “estende-os” (Mauss, 1990MAUSS, M. The gift: the form and reason for exchange in archaic societies. London: Routledge, 1990.; Strathern, 1990STRATHERN, M. The gender of the gift: problems with women and problems with society in Melanesia. Berkeley: University of California Press, 1990.), distribui a sua personalidade para algo maior. Alguns autores falaram sobre “parasitas” e “paraetnografias” (Holmes; Marcus, 2008HOLMES, D.; MARCUS, G. E. Collaboration today and the re-imagination of the classic scene of fieldwork encounter. Collaborative Anthropologies, [s. l.], n. 1, p. 81-101, 2008., 2012HOLMES, D.; MARCUS, G. E. Collaborative imperatives: a manifesto, of sorts, for the reimagination of the classic scene of fieldwork encounter. In: KONRAD, M. (ed.). Collaborators collaborating: counterparts in anthropological knowledge and international research relations. New York: Berghahn Books, 2012. p. 126-143.), aqui podemos falar diretamente sobre movimentos políticos.

Uma forma de compreender esse momento pós-autônomo seria entendê-lo em relação aos argumentos de Callon sobre novas formas de política. Callon identificou uma nova forma de “democracia técnica” (Callon; Lascoumes; Barthe, 2011CALLON, M.; LASCOUMES, P.; BARTHE, Y. Acting in an uncertain world: an essay on technical democracy. Cambridge: MIT Press, 2011.) constituída por “fóruns híbridos” nos quais a política, a ciência, a arte e todas as formas de conhecimento são reunidas (participam umas das outras) para enfrentar situações de incerteza. Essa nova forma de democracia se oporia à convencional “democracia representativa” do passado, baseada na separação de esferas (a política, por um lado, a ciência, por outro), e a “representação” entre elas (cidadãos representados por políticos, leigos por cientistas). Os exemplos usados por Callon são temas de preocupação coletiva (matters of concern) que geram movimentos ativistas, como os resíduos nucleares, o HIV-AIDS ou as mudanças climáticas. Esses fóruns híbridos superariam a “dupla delegação” de cidadãos a políticos e a especialistas que caracteriza o nosso atual modelo de democracia representativa (ou delegativa), propondo reunir todos os atores envolvidos nessas questões, pessoas afetadas e participantes nesse processo.

O imperativo a participar abre um espaço de possibilidade (talvez seja isso que García Canclini entende por “iminência”), gera novas situações que, ampliando o alcance da sua prática e situando-a num contexto mais amplo, podem ajudar a repensar alguns dos princípios básicos da antropologia, precisamente, como disciplina “autônoma”, como forma de especialização. O mo(vi)mento “pós-autônomo” na arte e na antropologia, ao obrigar a participar, fazer parte de experimentos maiores em “democracia técnica”, pode nos forçar a questionar, em termos mais amplos, em que consiste o trabalho dos antropólogos.

Seria errado, porém, ver esse momento pós-autônomo, de iminência, de questionamento dos limites entre as disciplinas e os campos somente em termos afirmativos. O ativismo e o “artivismo”, nos últimos anos, não foram unicamente da esquerda, mas claramente foram também tomados pelas narrativas e práticas de direita. A extrema direita, de fato, deu a volta a essas práticas, a esses argumentos, à negação da expertise. E introduziu mesmo o que alguns têm vindo a chamar de uma estética de extrema direita.11 11 Veja-se o dossiê organizado por Kyle Craig (2022) para a revista eletrônica PoLAR: Political and Legal Anthropology Review. Deveríamos refletir sobre os limites da participação entre arte, política e antropologia, os limites da pós-autonomia.

Em todo o caso, podemos dizer que as ações performáticas como as acima evocadas podem ser entendidas como máquinas de guerra no sentido sugerido por Gilles Deleuze e Félix Guattari (1997)DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Tratado de nomadologia: a máquina de guerra. In: DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil platôs: vol. 5. São Paulo: Editora 34, 1997. p. 11-110., na sua obra mestra, Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, notadamente no capítulo designado por “Tratado da nomadologia”. De algum modo, escapando à leitura marxista do efeito de alienação da ideia de máquina gerada pela sociedade industrial, aqueles pensadores franceses sugerem que na contemporaneidade poderíamos considerar o retorno da noção de “maquinação” com a sua primordial função de conspirar contra o poder estabelecido, de imaginar novos agenciamentos possíveis e até de inventar meios de transformação radical da realidade.

Assim, essas formas de performance política e de criatividade ativista poderiam ser pensadas como modalidades de reXistência, coligação e criatividade que “maquinam” outros mundos possíveis. E por isso o acento de Deleuze e Guattari em pensar a máquina de guerra como uma invenção e na sua dimensão nômade - o que pode aliás ser também articulado com as reflexões de Pierre Clastres (2018)CLASTRES, P. A sociedade contra o Estado. Trad. Manuel de Freitas. Lisboa: Antígona, 2018. sobre como a fixação, firmeza, unicidade e força centrípeta, que os aparelhos de Estado buscam e são, sofreu desde sempre as reações e os tensionamentos produzidos pelas forças de multiplicidade, exterioridade e margem, usando como exemplo a forma como as sociedades ameríndias trabalha(va)m ativamente, através de múltiplos dispositivos, para não instituírem um centro organizador e para recusarem um “grande arquiteto” como único centro da sociedade (cf. Clastres, 2018CLASTRES, P. A sociedade contra o Estado. Trad. Manuel de Freitas. Lisboa: Antígona, 2018.). Assim, o centro (capturado pelo aparelho de Estado) e o fora (multiplicado pelas máquinas de guerra nômadas) coexistem em uma luta intensa e em uma tensão constante, e obviamente também com deslizamentos e interseções pontuais.

Partindo desse posicionamento, poderemos então pensar que os gestus políticos de estéticas insurgentes melhor se desenham sob esses desígnios do nomadismo, da marginalidade, da exterioridade, da maquinação, mas que não se deslaçam totalmente dos espaços e das estruturas institucionais de poder, convivem em tensão, buscam brechas e fendas para resistir e reXistir em estilhaçamentos que provocam a dissidência nos modelos hegemônicos. É assim que entre microtopias e utopias, passando por distopias e processos de reXistência criativa, esses campos de atuação - arte, política e antropologia - têm se valido uns dos outros no momento de pensar estratégias e erigir práticas de contrapoder. Mesmo quando seus posicionamentos ecoam de setores reacionários da sociedade e ultraconservadores.

Porém, nessas performances políticas disruptivas de extrema direita, como a invasão do Senado em Washington ou em Brasília, apenas para evocar as mais midiáticas, ainda que se ataque o centro das instituições democráticas com sujeitos políticos que encarnam um certo perfil de vítimas da globalização e dos indícios de corrupção dos políticos, numa certa marginalidade sistêmica, todavia os apelos que evocam e as reivindicações que reclamam são o reforço do autoritarismo e do poder disciplinador e a reserva moral hiperconservadora da nação através do estrito cumprimento dos mandamentos religiosos mais rigidamente pensados. Como diria o intelectual indígena Ailton Krenak (2022KRENAK, A. Futuro ancestral. São Paulo: Companhia das Letras, 2022., p. 87-88) para evocar os anos recentes do Brasil e da governação de Bolsonaro:

Os próprios símbolos da nação impostos pelo colonialismo, como a bandeira nacional (que em qualquer republiqueta simboliza um baluarte de identidade), foram apropriados por um grupo de pessoas tão autoritárias que impedem que outros compartilhem deles. Trata-se de um clube com especial apreço por armas, uma série de preconceitos e toda sorte de fundamentalismos.

Talvez então, como enunciávamos atrás, essas performances insurgentes de esquerda e de direita se distingam por um ideário de polaridades básicas: vida e morte; política dos afetos/cuidado e necropolítica; comum e excludente. Mas esses binarismos, antes que fim da conversa, seriam apenas seu início, pois o importante é forjar uma imaginação social e política capaz de fazer jus às nossas existências a partir de um programa ético de (con)vivência.

Como diria Gregory Sholette (2022SHOLETTE, G. The art of activism and the activism of art. London: Lund Humphries, 2022., p. 20, tradução nossa) procurando pensar uma historiografia da arte de compromisso político que reformule a ideia básica de que a arte ativista é um fenômeno inteiramente novo, ele afirma, porém, que ainda assim assistimos a uma:

[…] emergência de uma vigorosa estética de protesto, que se desenvolve num estado de realidade permanentemente estetizada, ou talvez, mais exatamente, num estado de irrealidade social e política provocado pelas condições ultraespetacularizadas do capitalismo do século XXI.

No dossiê que agora se segue, os contributos dos diversos autores e autoras buscam justamente pensar essas dimensões da relação entre arte e política, através do campo da antropologia. Esse diálogo se fez em torno de contextos tão distintos como: a literatura ficcional de Ursula Le Guinn; na presença de entidades afro-brasileiras ou ativismo político em manifestações carnavalescas ou de corporalidades dissidentes em manifestações populares; no ativismo trans transportado para o palco; nos registros cinematográficos como o filme Ôrí e suas cosmologias; em gestos necropoéticos; na reflexão sobre personagens históricas icônicas para grupos invisibilizados ou discriminados; no cruzamento entre práticas rituais de cura e formas estéticas de insurgência política; ou finalmente, reveladas em estratégias metodológicas baseadas em práticas performativas a partir de memórias de violências sentidas por ativistas feministas.

Desejamos uma excelente leitura.

Referências

  • ADORNO, T. Teoria estética Lisboa: Ed. 70, 1993.
  • APPADURAI, A. A dimensão cultural da globalização Lisboa: Teorema, 2004.
  • ARENDT, H. Eichmann em Jerusalém Lisboa: Ítaca, 2017.
  • ARTE E POLÍTICA RELOADED. Está quase… [S. l.]: Arte e Política Reloaded, 27 maio 2016. Facebook: @arteepoliticareloaded. Disponível em: Disponível em: https://www.facebook.com/arteepoliticareloaded/photos/pb.100064666453548.-2207520000./1751034271840221/?type=3 Acesso em: 14 jan. 2023.
    » https://www.facebook.com/arteepoliticareloaded/photos/pb.100064666453548.-2207520000./1751034271840221/?type=3
  • AUSTIN, J. L. How to do things with words London: Oxford University Press, 1962.
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    » https://www.dw.com/en/protester-disrupts-ecb-news-conference/a-18385811
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  • SHOLETTE, G. The art of activism and the activism of art London: Lund Humphries, 2022.
  • EL SILUETAZO. Muac, [s. l.], 2013. Disponível em: Disponível em: https://muac.unam.mx/exposicion/el-siluetazo?lang=en Acesso em: 14 jan. 2023.
    » https://muac.unam.mx/exposicion/el-siluetazo?lang=en
  • STRATHERN, M. The gender of the gift: problems with women and problems with society in Melanesia. Berkeley: University of California Press, 1990.
  • TAYLOR, D. O trauma como performance de longa duração. O Percevejo, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 1-12, 2009.
  • VIANNA, A.; FARIAS, J. A guerra das mães: dor e política em situações de violência institucional. Cadernos Pagu, Campinas, n. 37, p. 79-116, 2011.
  • 1
    Algumas reflexões sobre essas questões e sobre a mobilização política e neoconservadora da arte feita por “pessoas de bem” têm sido desenvolvidas por Vi Grunvald. Cf. Grunvald e Leite Junior (no prelo)GRUNVALD, V.; LEITE JUNIOR, J. Cruzada sexogenérica e a arte como regime de moralidade: reflexões a partir do Queermuseu. In: ALMEIDA, H. B. de; HENNING, C. E. Desafios e resistências em gênero e sexualidade no Brasil contemporâneo. Brasília: ABA Publicações. No prelo., bem como palestra proferida na conferência Histórias da diversidade, realizada pelo Museu da Arte de São Paulo (Masp) nos dias 28 e 29 de junho de 2021 (cf. Masp…, 2021MASP seminários: histórias da diversidade. São Paulo: Masp, 28 jun. 2021. 1 vídeo (5h25min10s). Publicado no canal Museu de Arte de São Paulo. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=imCHI9cHkHU . Acesso em: 14 jan. 2023.
    https://www.youtube.com/watch?v=imCHI9cH...
    ).
  • 2
    Aqui seu canal de YouTube: https://www.youtube.com/@alexfrechette/featured (acessado em 14/01/2023).
  • 3
    Cf. Arte e Política Reloaded (2016)ARTE E POLÍTICA RELOADED. Está quase… [S. l.]: Arte e Política Reloaded, 27 maio 2016. Facebook: @arteepoliticareloaded. Disponível em: Disponível em: https://www.facebook.com/arteepoliticareloaded/photos/pb.100064666453548.-2207520000./1751034271840221/?type=3 . Acesso em: 14 jan. 2023.
    https://www.facebook.com/arteepoliticare...
    .
  • 4
    Fotojornalista brasileiro, muito premiado, coordenador de Fotografia da Agência EFE, falecido em 2020, e que foi quem primeiramente fotografou o cartaz-desenho de Alex Frechette na manifestação de luto pelo assassinato de Marielle e que o publicou depois em vários órgãos de comunicação social, entre eles a famosa carta-assinada no reputado jornal The Guardian, publicada em 22 março de 2018, onde inúmeros intelectuais, ativistas e artistas internacionais rechaçam tenazmente o assassinato da vereadora Marielle Franco e pedem pela formação de uma comissão independente de apuração (Marielle…, 2022MARIELLE Franco’s murderers must be brought to justice. The Guardian, [s. l.], 22 Mar. 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.theguardian.com/world/2018/mar/22/marielle-franco-murderers-must-be-brought-to-justice . Acesso em: 14 jan. 2023.
    https://www.theguardian.com/world/2018/m...
    ).
  • 5
    A esse propósito cf., por exemplo, Vianna e Farias (2011)VIANNA, A.; FARIAS, J. A guerra das mães: dor e política em situações de violência institucional. Cadernos Pagu, Campinas, n. 37, p. 79-116, 2011..
  • 6
    Cf. El siluetazo (2013)EL SILUETAZO. Muac, [s. l.], 2013. Disponível em: Disponível em: https://muac.unam.mx/exposicion/el-siluetazo?lang=en . Acesso em: 14 jan. 2023.
    https://muac.unam.mx/exposicion/el-silue...
    .
  • 7
    Para uma discussão contemporânea sobre ocupação da rua, arte e artivismo, cf. Grunvald (2019)GRUNVALD, V. Lâmpadas, corpos e cidades: reflexões acadêmico-ativistas sobre arte, dissidência e a ocupação do espaço público. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 25, n. 55, p. 263-290, 2019..
  • 8
    Essa ação política performativa realizada em abril de 2015, numa entrevista coletiva do então presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, foi obviamente amplamente documentada pelos jornalistas ali presentes (cf. Protester…, 2015PROTESTER disrupts EBC news conference. DW, [s. l.], 4 Jan. 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.dw.com/en/protester-disrupts-ecb-news-conference/a-18385811 . Acesso em: 14 jan. 2023.
    https://www.dw.com/en/protester-disrupts...
    ).
  • 9
    Cf. https://twitter.com/josephine_witt (acessado em 14/01/2023).
  • 10
    Leia-se em Martinho (2019)MARTINHO, C. Tuíra, a imagem. Tuíra, [s. l.], n. 1, p. 20-35, 2019. Disponível em: Disponível em: https://escoladeativismo.org.br/tuira-a-imagem/ . Acesso em: 14 jan. 2023.
    https://escoladeativismo.org.br/tuira-a-...
    a detalhada narração dessa ação performativa política das lutas indígenas no Brasil com grande impacto midiático.
  • 11
    Veja-se o dossiê organizado por Kyle Craig (2022)CRAIG, K. (ed.). The aesthetic politics of far right movements. PoLAR: political and legal anthropology review, [s. l.], 20 Aug. 2022. Disponível em: Disponível em: https://polarjournal.org/2022/08/30/the-aesthetic-politics-of-far-right-movements/ . Acesso em: 14 jan. 2023.
    https://polarjournal.org/2022/08/30/the-...
    para a revista eletrônica PoLAR: Political and Legal Anthropology Review.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023
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