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Identidades, doença e organização social: um estudo das "Pessoas Vivendo com HIV e AIDS"

Resumos

Analiso, neste artigo, os processos de formação identitária na sua relação com as formas de mobilização civil e associação voluntária no contexto da epidemia. Esses processos têm sido operados por meio de fatores como gênero, identidade sexual e doença. Priorizo a dimensão das identidades relacionadas à saúde e doença (identidades clínicas), o que envolve, por um lado, processos culturais e dinâmicas sociais mais gerais de estigmatização e de violência simbólica; por outro lado, a manutenção de estruturas de saúde e, ainda mais, respostas e demandas criadas socialmente. Meu principal problema analítico era saber como a epidemia da AIDS envolvia ou se configurava por meio de modelos particulares de identidade. Assim, a pesquisa abordou a emergência, a manutenção e o antagonismo entre diferentes processos e modelos de formação identitária, particularmente sobre os modos em que as identidades são socialmente circuladas, dispostas ou operadas.

AIDS; identidade social; identidade clínica


I discuss some processes of identity formation in relation to local forms of civil mobilization and voluntary association within the context of the AIDS epidemic since the mid-1980s. These processes have been maintained through different factors, such as gender, sexual identity and illness. I focus on a range of identities associated to health and illness (clinical identities). On the one hand, they involve broad cultural processes and social dynamics of stigmatization and symbolic violence. On the other hand, they involve the maintenance of health structures, but also social responses and demands. My major analytical question was how a social process caused by the predicament of the AIDS epidemic has contructed particular models of identity. Therefore this research focuses on the emergence, the maintenance and the conflicting relations between different processes and models of identity formation, particularly on the ways in which identities are socially circulated and performed.

AIDS; social identity; clinical identity


ARTIGOS

Identidades, doença e organização social: um estudo das "Pessoas Vivendo com HIV e AIDS"1 1 O artigo é baseado em um dos capítulos de minha tese de doutorado, The making of people living with HIV and AIDS: identities, illness, and social organization in Rio de Janeiro, Brazil, realizada no Departamento de Antropologia do University College London (junho/2000).

Carlos Guilherme do Valle

Universidade Federal do Rio de Janeiro – Brasil

RESUMO

Analiso, neste artigo, os processos de formação identitária na sua relação com as formas de mobilização civil e associação voluntária no contexto da epidemia. Esses processos têm sido operados por meio de fatores como gênero, identidade sexual e doença. Priorizo a dimensão das identidades relacionadas à saúde e doença (identidades clínicas), o que envolve, por um lado, processos culturais e dinâmicas sociais mais gerais de estigmatização e de violência simbólica; por outro lado, a manutenção de estruturas de saúde e, ainda mais, respostas e demandas criadas socialmente. Meu principal problema analítico era saber como a epidemia da AIDS envolvia ou se configurava por meio de modelos particulares de identidade. Assim, a pesquisa abordou a emergência, a manutenção e o antagonismo entre diferentes processos e modelos de formação identitária, particularmente sobre os modos em que as identidades são socialmente circuladas, dispostas ou operadas.

Palavras-chave: AIDS, identidade social, identidade clínica.

ABSTRACT

I discuss some processes of identity formation in relation to local forms of civil mobilization and voluntary association within the context of the AIDS epidemic since the mid-1980s. These processes have been maintained through different factors, such as gender, sexual identity and illness. I focus on a range of identities associated to health and illness (clinical identities). On the one hand, they involve broad cultural processes and social dynamics of stigmatization and symbolic violence. On the other hand, they involve the maintenance of health structures, but also social responses and demands. My major analytical question was how a social process caused by the predicament of the AIDS epidemic has contructed particular models of identity. Therefore this research focuses on the emergence, the maintenance and the conflicting relations between different processes and models of identity formation, particularly on the ways in which identities are socially circulated and performed.

Key words: AIDS, social identity, clinical identity.

Discuto questões envolvendo a formação de identidades, mais particularmente as identidades clínicas no caso da epidemia da AIDS. Há clara positividade social e cultural nos efeitos gerados por indivíduos, grupos, agentes e organizações na emergência e reprodução de certas formas de identidade. Considerei, acima de tudo, os processos sociais, políticos e culturais de formação identitária, especialmente de como tornar-se soropositivo, soronegativo ou aidético, que são identidades usadas e atribuí-das por diferentes pessoas e agentes dependendo dos contextos sociais e dos grupos a que pertencem. Procuro investigar e analisar a inter-relação complexa entre processos sociais e culturais de maior abrangência e suas manifestações sociais mais específicas e locais.

Os estudos sobre formação de identidades sexuais e de gênero são relativamente comuns nas ciências sociais. Contudo, poucos são ainda os estudos sobre a emergência e a formação de identidades clínicas, isto é, relacionadas à experiência da doença e da saúde. Nesse sentido, procuro discutir o tema da formação e da política de identidades quando está remetido ao mundo social da AIDS. Ofereço, igualmente, elementos para uma antropologia dos grupos de auto-ajuda e das formas de mobilização social e voluntária no campo da saúde e da doença, especialmente sobre as ONGs/AIDS2 2 Para estudos empíricos próximos, veja Pollak (1990), Kayal (1993), Heaphy (1996) e Ariss (1997). No Brasil, Seffner (1995b) e Vallinoto (1991). .

A etnografia

A epidemia da AIDS tem causado um impacto muito extenso e complexo sobre a vida social e cotidiana da área metropolitana do Rio de Janeiro, onde realizei pesquisa de campo. Pesquisei o que chamo de mundo social da AIDS, composto de prédios, hospitais, laboratórios, centros de testagem, ONGs, grupos gays, agências governamentais, entidades religiosas, etc. Esse mundo reúne uma heterogeneidade de pessoas relacionadas entre si por meio de interações de diferentes tipos e por meio de vários níveis sociais. É uma construção analítica, que serve para considerar as relações objetivas e simbólicas que se materializaram historicamente ao longo das décadas de 1980 e 1990.

Sabemos que vínculos sociais emergem e são definidos por diversos processos históricos de configuração. A epidemia da AIDS pode ser vista como um desses processos, configurado durante as duas últimas décadas e ainda se constituindo. Muitos dos meus informantes passaram a se relacionar uns com os outros por meio de interações geradas a partir da epidemia. Moravam em diferentes áreas e bairros do Rio, em cidades vizinhas, em outras regiões e mesmo em outros países. No entanto, passaram a se relacionar em contextos que criavam efeitos de interação social, mesmo que em níveis bastante diferentes. Como a pesquisa trata do mundo social da AIDS, não investigo nenhum grupo específico. O meu objeto de pesquisa é singular, pois, de certa forma, a pesquisa foi extremamente heterogênea. Meus informantes incluíam homens e mulheres das mais diversas idades, orientações e identidades sexuais, status sorológico, diversos níveis profissionais e afiliações organizacionais, religiosas ou políticas, oriundos de classes sociais variadas e de formação cultural-educacional também variada. Contudo, eles se relacionavam no âmbito de certas formas organizacionais e de filiação social3 3 Em torno de 220 pessoas estiveram envolvidas direta ou indiretamente na pesquisa. .

Na prática, privilegiei certos entrelaçamentos do mundo social da AIDS, a fim de alcançar uma investigação empírica. Primeiro, as organizações não-governamentais criadas para enfrentar a epidemia, as ONGs/AIDS, foram o mais simples ponto de partida para uma visão geral da epidemia. Depois de 1993, conheci boa parte das ONGs e outras formas de afiliação social, quando entrevistei seus membros ou participei de atividades. Um olhar comparativo esteve sempre presente. No entanto, para alcançar uma etnografia estrategicamente localizada, boa parte da pesquisa de campo foi conduzida dentro de uma ONG, o Grupo Pela Vidda-Rio (GPV-RJ), onde eu possuía vínculos de trabalho voluntário. É uma das principais organizações civis voltadas à epidemia na cidade e no estado do Rio de Janeiro, e também no Brasil. A trajetória histórica dessa ONG deu-me razões objetivas para escolhê-la como o lugar ideal para uma etnografia.

A etnografia teve, portanto, caráter muito especial. Foi, em certos momentos, bastante localizada. Em outros, foi multilocalizada, tendo sido realizada em centros de testagem anônima, alguns hospitais públicos, encontros de ONGs (mesmo contextos globais – Conferências Internacionais de AIDS), onde ativistas brasileiros e alguns de meus informantes participaram. A observação participante foi estratégica, porque eu desejava investigar os problemas analíticos em torno dos processos sociais de construção de identidade. Achava que os estudos antropológicos sobre identidades sofriam de uma fraqueza na sua dimensão mais etnográfica, que acabei privilegiando. Em resumo, os métodos para a pesquisa foram: a) observação participante; b) entrevistas em profundidade (52 informantes); c) survey de pequena escala no GPV (78 pessoas); d) pesquisa histórica e de arquivo.

AIDS, identidades e representação cultural

Em muitos países, a AIDS tornou-se problema de saúde pública, conhecido primeiro através da imprensa, da TV e dos meios de comunicação (Herzlich; Pierret, 1989; Lupton, 1994). Esse foi também o caso do Brasil (Carrara; Moraes, 1985; Galvão, 1992; Klein, 1996). A imprensa tem sido útil na construção de representações culturais da AIDS e dos discursos em que a epidemia é capturada. Elas servem de instrumentos culturais e mapas cognitivos para grupos e indivíduos, afetados ou não pela AIDS. As representações que têm reconstruído a epidemia têm sido apropriadas e mantidas através de formas culturais diferentes de acordo com os contextos sociais nos quais são definidas. A mídia tem papel importante e singular ao construir um fenômeno que está para ser compreendido pela primeira vez por grupos e atores sociais (Herzlich; Pierret, 1989). Reconhecida como fonte confiável, baseada em fatos e na verdade, ela tem desempenhado papel pedagógico decisivo na construção de representações culturais da AIDS, sobretudo por sua associação com discursos e idéias da biomedicina.

Minha preocupação, porém, é maior com as características ideológicas dos discursos produzidos pela imprensa escrita do que realmente com os efeitos precisos de seu conhecimento sobre grupos sociais específicos. Pertencendo a um campo cultural no qual a mídia é produzida, as revistas semanais de notícias exercem uma ação pedagógica difusa na forma de imposição de um arbitrário cultural (Bourdieu; Passeron, 1977, p. 5). Esse arbitrário cultural é definido em termos da legitimidade que caracteriza, primeiramente, o conhecimento médico-científico e, em segundo lugar, a autoridade cultural, na qual os meios de comunicação de massa definem seu poder como fonte de informação confiável. Portanto, o poder de imposição simbólica da imprensa advém de sua circulação social e da incorporação de um arbitrário cultural reelaborado de outras fontes. As formas diferentes de ação pedagógica, resultante de várias agências e instituições, podem se reforçar mutuamente através de seus próprios efeitos de dominação, isto é, por meio da circulação de um arbitrário cultural geralmente imposto, ou, em outras palavras, pela reprodução social de violência simbólica (Bourdieu; Passeron, 1977)4 4 Para Bourdieu, a violência simbólica é exercida num processo de "tacit complicity between its victims and its agents, insofar as both remain unconscious of submitting to or wielding it". Pode estar presente no trabalho pedagógico de uma instituição educacional (Bourdieu; Passeron, 1977), mas também por dentro das relações de comunicação, como na TV e na imprensa. .

Examinar as práticas discursivas e as representações culturais produzidas pela imprensa é uma estratégia analítica e metodológica. Como domínio cultural dominante, a imprensa nos oferece uma base consistente e muito difusa de produção e circulação de representações culturais e significados simbólicos, que tem seus modos autônomos de emergência e de circulação na vida social. Os discursos da imprensa são empobrecidos (Martin, 1994) quando comparados à diversidade de idéias que as pessoas têm sobre a AIDS. Mas, apesar das diferenças no impacto efetivo desses discursos em grupos sociais, eles constitutem um esquema ideológico abrangente e dominante, a partir do qual brasileiros de várias origens sociais e culturais têm criado suas próprias leituras da AIDS. Como fonte de valores, idéias, imagens e metáforas, a imprensa representa e reconstrói o mundo para leitores que, por seu lado, seguem no papel de agentes ao representar e reconstruir esse mesmo mundo. A imprensa circula pontos de vista que condensam princípios de visão e divisão dominantes (Bourdieu, 1990) do mundo social em que estão inseridos. Esse esquema ou quadro ideológico, que opera definindo a AIDS através de um processo cultural seletivo, apesar de coerente, não é simplesmente um movimento orquestrado de cima para baixo, mas informa a imprensa, os agentes governamentais e mesmo os ativistas da AIDS. Todos dependem desse mesmo domínio mais extenso de valores simbólicos e concepções culturais.

Desde 1984, as revistas e jornais brasileiros têm se reportado à epidemia com regularidade. Houve uma reconfiguração histórica da construção cultural da AIDS nas últimas duas décadas. No início dos anos 80, a AIDS foi vista em termos de identidade sexual pela imprensa e por boa parte de seu público, geralmente manifestando idéias e atitudes negativas sobre a homossexualidade masculina, sendo definida como a doença gay. Por outro lado, a AIDS era vista pela imprensa brasileira como um mal americano que chega ao país. Como a AIDS avançava, ela chegou, um dia, no Rio de Janeiro. Era vista igualmente como um mal da classe artística (Carrara; Moraes, 1985). Era na chamada comunidade gay que a AIDS avançava de forma mais intensa, especialmente pelo predomínio da promiscuidade, a categoria cultural explicativa mais central na época. Concepções de lugar, de identidade sexual e de diferença de classe constituíram bem cedo a representação da AIDS. Em resumo, a imprensa teve o papel fundamental de criar uma genesis homossexual para a epidemia5 5 A pesquisa foi realizada em duas revistas semanais brasileiras de circulação de massa ( Isto É e Veja), de 1982 em diante. Embora estas revistas alcancem pessoas das mais diversas classes sociais, a maioria de seus leitores eram aqueles que tinham acesso à imprensa escrita: as camadas médias e elites. Jornais e revistas devem ser associados, porém, à TV e ao rádio, que são muito mais acessíveis às camadas populares. .

A imprensa passou a relativizar a imagem gay da AIDS quando os casos de hemofílicos, mulheres e crianças começaram a ser noticiados. De fato, a imprensa adotava discursos e categorias científicas, especialmente ao ser reconhecido o caráter viral da AIDS. O termo grupo de risco foi incorporado da epidemiologia, cujo papel ideológico por trás de um esquema de teor estritamente técnico foi crucial para identificar a epidemia com um ou outro grupo (Bastos, 1991). Assim, falava-se de certos grupos de risco, naturalizando-os. Por exemplo, considerando os homossexuais como o grupo de mais alto risco, a imprensa permitia que muitas pessoas não se identificassem com o risco de infecção. A imprensa sempre destacou a inevitabilidade da morte por AIDS. Era um tema repetido sem fim: A AIDS sempre mata. E mata de um modo devastador. A AIDS era considerada repetidamente como uma doença 100% fatal. Em 1988, a Veja lançou uma reportagem de capa, definida como o mais comovente relato de pessoas que morriam um pouco a cada dia. Nos primeiros anos da epidemia, a imagem favorita na imprensa era a do paciente doente no hospital ou sendo tratado por médicos, sobretudo se sofria de sarcoma de kaposi.

A história cultural da AIDS pela imprensa mostra como houve a emergência de categorias identitárias referentes às pessoas com HIV e AIDS. De 83 a 87, termos como vítima, paciente e portador de AIDS foram os mais usados. Os pacientes eram sempre representados em camas de hospital, exigindo cuidados médicos, o que construía culturalmente uma condição clínica e suportava formas de distância social. Todas essas categorias e imagens enfatizavam a degradação passiva e inevitável vivida pelos soropositivos.

De 1987 em diante, a categoria que passou a circular e prevaleceu foi a de aidético. Qualquer pessoa infectada pelo HIV era chamada assim. O aidético emergiu no mesmo período em que a AIDS começou a ser ativamente administrada por intervenção clínica, quando a medicalização da vida com AIDS tornou-se uma questão. Ser um aidético veio sugerir, portanto, uma identidade abrangente que definia e agregava pessoas das mais diversas trajetórias e experiências sociais, culturais e subjetivas: mulheres aidéticas; pivetes aidéticos; gays aidéticos, etc. Todos eram sub-entendidos por meio de uma identidade comum, que era mais caracterizada pelo estigma da doença e sempre sobre o signo da morte. O aidético constituía-se como uma identidade estigmatizada (Goffman, 1990). A representação cultural do aidético foi crucial para definir e caracterizar a identidade social da pessoa soropositiva. De um lado, essencialmente genérica; por outro, a categoria implicava a objetividade e a violência simbólica dos significados culturais de doença e morte, compreendidos num modo bastante negativo e associado com devastação corporal e uma finitude não desejada. Finalmente, o aidético era aquele que tinha passado sobretudo por uma trajetória moralmente condenada. Cabe lembrar os significados associados aos grupos de risco e a idéia central de promiscuidade.

Ninguém corporificou, materializou mais publicamente a representação cultural da doença, de decadência física e de iminência da morte do que o rock-star Cazuza. De 1989 a 90, quando morreu, a imprensa reportou-se continuamente à sua tragédia de modo bastante negativo e estigmatizante. A Veja, por exemplo, anunciou na capa: "Cazuza, uma vítima da AIDS agoniza em praça pública" (1989). A cara de Cazuza definindo-se como a cara da AIDS tornou-se a mais conhecida imagem cultural corporificada de uma vítima da AIDS e, sobretudo, de um aidético. O que mais caracterizava, portanto, o aidético e seus termos equivalentes (o portador; o paciente de AIDS) era seu contraste com as idéias e imagens de pessoas saudáveis. A representação cultural dessa diferença era constantemente afirmada e descrita.

Contudo, na história cultural da AIDS, a imprensa passou a reconfigurar imagens, idéias e representações das vidas de aidéticos a partir de 1991-92. A nova face da AIDS revelava que os doentes aprendiam a viver com o mal e retornavam à sua vida social enquanto eram tratados. O caso de Magic Johnson era uma combinação de idéias de doença, coragem, força física e saúde. Passou-se a falar dos soropositivos assintomáticos. Era o contraste do aidético com os portadores sadios do vírus, que viviam uma vida normal. Mas a imprensa jamais deixou de associar AIDS com uma morte inevitável. Havia sempre uma sombra na consciência por trás dessa nova representação cultural da saúde no corpo de um doente. Sua identidade funcionava no campo ambíguo de contraste e interação entre saúde e doença.

Em que medida podemos afirmar que essas várias formas de catego-rização identitária pela imprensa tiveram um impacto real nos processos sociais de contrução de identidades? É difícil dar uma resposta direta. Podemos assumir que esse impacto foi diferencial em significado e prática. Se categorias como paciente de AIDS, portador, soropositivo ou aidético circularam na imprensa, elas não foram originadas somente no jornalismo. Mesmo sua história específica no uso social pode ser diferenciada, como no caso da categoria soropositivo, que tornou-se amplamente usada no mundo das ONGs. Mas é preciso salientar que os agentes e participantes desse mundo social exibiam um entendimento muito mais sutil e complexo das imagens e significados do soropositivo quando comparadas às que circulavam pela imprensa. A imprensa usava categorias e representações que não eram diretamente similares às operadas por um amplo conjunto de atores sociais, cientistas e pessoas soropositivas a leitores e público comum. As categorizações e identidades usadas pela imprensa eram apenas parcialmente efetivas, apesar de sua força simbólica na produção cultural em um país como o Brasil. Porém, seu efeito simbólico dominante era especialmente visível em relação à circulação da identidade do aidético, que foi culturalmente construída no Brasil. Se o aidético tornou-se uma categoria bastante conhecida, seus significados e suas práticas de uso eram também diferenciais e relacionados à uma variedade de grupos e atores sociais no contexto da epidemia da AIDS.

Em resumo, um conjunto de representações da AIDS tem sido estabelecido social e culturalmente por meio de um processo genérico dominante, que tem ajudado a criar uma extensão muito limitada de interpretações possíveis sobre a epidemia. Dentre outras coisas, essas representações têm gerado identificação social em relação à AIDS. Têm papel importante para o processo de construção identitária, na formação de grupos e para os modos nos quais saúde e doença têm sido experimentados. No caso, o conjunto de identidades relacionadas à AIDS usadas pela imprensa deve ser visto como um meio de se criar diferença social ou de se criar "objetos de percepção" (Bourdieu, 1990). E podem ser caracterizados como instrumentos na construção da AIDS através das representações culturais da doença e do doente. Elas eram variadas, mas os significados do aidético tiveram e têm um efeito simbólico dominante se comparados aos outros termos. Seus significados e usos se disseminaram pelos mais diversos grupos sociais, inclusive nas esferas intelectuais. Como boa parte do conjunto de representações culturais da AIDS, a identidade estigmatizada do aidético manifestava, sobretudo, uma forma de violência simbólica que a imprensa produziu ao longo de todos esses anos.

Testagem, prática médica e a definição de identidades clínicas

Em 1985, a testagem laboratorial foi introduzida para diagnosticar a presença de anticorpos do HIV. Essas práticas e tecnologias passaram a ser amplamente aceitas no domínio da epidemia da AIDS. Quando a tecnologia laboratorial foi aceita como segura, ela começou a ser usada a fim de confirmar casos suspeitos. Assim, práticas de testagem começaram a ser implementadas como parte das políticas públicas de saúde. No Brasil, um sistema de testagem anti-HIV foi introduzido lentamente e de modo muito irregular, dependendo dos serviços e recursos laboratoriais, públicos e privados que cada estado brasileiro possuía. A testagem anti-HIV tornou-se apenas mais sistemática com as mudanças políticas ocorridas no Programa Nacional de DST/AIDS após 1992. Foi somente com a institucionalização do COAS (Centro de Orientação e Apoio Sorológico) ou CTA (Centros de Testagem Anônima) que a testagem anti-HIV tornou-se mais acessível6 6 Em 1997-98, a cidade do Rio de Janeiro tinha três CTAs. No Brasil, porém, os CTAs são ainda poucos. A pesquisa foi conduzida num conhecido CTA da cidade. .

As políticas públicas podem "conformar o modo que indivíduos constroem a si mesmos como sujeitos" (Shore; Wright, 1997, p. 4). Categorias são definidas, usadas e propagadas a fim de que indivíduos identifiquem a si mesmos. Esse aspecto de identificação através de políticas institucionais atravessa muitos níveis da vida social nas sociedades contemporâneas. A idéia de governamentalidade (Foucault, 1991) nos faz perceber a "microfísica" de forças de influência e imposição originando-se geralmente, embora não necessariamente, das agências do Estado, sobretudo através de suas "capilaridades", a operacionalidade local e cotidiana das práticas públicas. Sistemas educacionais, programas econômicos e estruturas de saúde pública são muito influentes em determinar trajetórias, posições e decisões nas vidas das pessoas. Além disso, lugares públicos de caráter governamental, inclusive escolas e hospitais, têm um papel importante nessa determinação e nas formas de subordinação nas quais as pessoas são envolvidas.

Certamente, há "efetividade produtiva" ou "positividade" (Foucault, 1990, p. 86) no desenvolvimento e manutenção das políticas públicas. Elas produzem efeitos sociais e culturais muito mais extensos do que os aspectos iniciais e mais visíveis de sua manutenção real. De modo similar, as práticas e tecnologias biomédicas não são limitadas a definir doenças, sua etiologia, diagnóstico e tratamento. Sua positividade é também aparente num processo contínuo, reafirmador de inserção individual, às vezes coletiva, nas práticas clínicas institucionais, através das quais sua força dominante, seu poder em outras locações e outras áreas da vida são disseminados. O hospital, a clínica ou o centro de testagem são basicamente espaços institucionais que operam como foci para processos mais abrangentes de medicalização e subjetivação, que podem ser reproduzidos em outros contextos, tais como em casa, na escola e áreas de vizinhança. Todos esses espaços sociais e institucionais estão normalmente conectados por uma rede de efeitos sociais e culturais na vida das pessoas.

Práticas como a testagem anti-HIV precisam ser consideradas em termos de processos históricos de formação social e individual. Seus efeitos têm sido simultaneamente gerados em esferas institucionais (hospitais, clínicas), como também em locações de intimidade ou sociabilidade (casa, trabalho, contextos de interação social). Pode-se pensar nos efeitos sobre a definição de indivíduos e pessoas em termos de identidade sexual, raça, status sorológico, grupo sangüíneo, etc. Sob o signo da racionalização como um processo normativo, mais amplo, guiado pelos auspícios do Estado e de suas políticas, pessoas têm sido definidas e identificadas inúmeras vezes durante suas trajetórias sociais e biográficas. Essas formas de definição e identificação têm importante implicação nos processos sociais e culturais relacionados à epidemia da AIDS.

A testagem anti-HIV pode ser vista como um evento crucial ou como um momento de ruptura no processo de formação identitária e mudança pessoal para as pessoas afetadas pela epidemia da AIDS. Ela deve ser considerada numa perspectiva social e cultural (Patton, 1990; Waldby, 1996; Ariss, 1997). Como Martin (1994, p. 163), percebo a testagem anti-HIV como parte importante de uma complexa mediação entre formas diferentes de entendimento cultural numa sociedade mais ampla e formas particulares de conhecimento sobre HIV/AIDS, inclusive vocabulário científico, perspectivas clínicas sobre o corpo e a sexualidade, técnicas de prevenção do HIV, etc. A mediação social procede por meio da incorporação de conhecimento codificado sobre HIV/AIDS. Uma prática como a testagem anti-HIV e uma instituição como um centro de testagem (hospitais, ONGs/AIDS, etc.) podem produzir tal mediação de conhecimento codificado. Certamente esta mediação implica que parte do conhecimento codificado técnico-científico seja apreendido por um processo empírico de perda e ganho, ou seja, muito conhecimento é perdido no processo confuso de incorporação e absorvido de forma diferente por aqueles envolvidos nesse mesmo processo. Assim, a mediação de conhecimento codificado depende muito de sua simplificação7 7 A codificação pode ser um dos modos em que conhecimento técnico e científico, sustentado por diferentes estruturas de poder, dissemina-se na sociedade (Bourdieu, 1990). .

Normalmente os estudos sociais tratam de hospitais ou clínicas como lugares ideais para investigar a medicalização ou as formas sociais e subjetivas de construção da experiência de doenças. O COAS ou CTA pode ser visto como parte importante, talvez fundamental, no processo de construção de identidades no contexto do HIV/AIDS. As pessoas que querem fazer um teste anti-HIV procuram um CTA, que é baseado nas idéias de anonimidade e sigilo. O CTA não é uma clínica de tratamento, apenas realiza teste anti-HIV e atividades paralelas, como aconselhamento.

As práticas de testagem são organizadas por idéias de conhecimento técnico pelo qual seu poder simbólico é gerado. Esse poder é aplicável a partir do próprio contexto social no qual o conhecimento é originado, um ambiente institucional especializado, onde tecnicalidade racional e padrões científicos dominam. Contudo, a reprodução de categorias técnicas na testagem anti-HIV pode induzir a um grau relativo de confusão entre profissionais de saúde e seus clientes. De fato, as categorias técnicas normalmente usadas em clínicas brasileiras, públicas ou privadas, para testagem anti-HIV caracterizam-se por um vocabulário técnico que contrasta com aquele empregado por seus usuários, especialmente os de grupos de baixa renda ou das camadas trabalhadoras. Categorias presentes nos resultados de testagem anti-HIV entregues aos usuários dos serviços, tais como reativo e não-reativo, indicam sua origem laboratorial. Se expressam significados técnicos, elas foram eclipsadas por outras categorias: soropositivo e soronegativo. Estas categorias iriam difundir-se em clínicas e em locais de testagem anti-HIV junto de outras, tais como paciente HIV ou portador, mas também circulariam em outros locais e agências, especialmente as ONGs/AIDS, cujos membros preferiam seus significados técnicos ao invés de categorias culturalmente carregadas, como aidético. Portanto, CTAs tornaram-se bastante relevantes para o uso e difusão de categorias e concepções baseadas num quadro técnico-científico, de modo que permitia as condições sociais necessárias para os processos de formação identitária. Certamente o uso social de categorias, como aidético, era também comum em hospitais e clínicas, inclusive na forma de estigmatização, mas eram socialmente mantidas e disputadas simbolicamente com os termos definidos mais tecnicamente.

Quando perguntava sobre a categoria aidético, a ampla maioria de meus informantes rejeitava seu uso social, considerando-o pejorativo, pesado, embora alguns se reportassem a outros significados mais sutis. Não empregavam o termo, preferindo outros, principalmente portador ou soropositivo. Alguns desses informantes não tinham nenhum contato com ONGs/AIDS; ao contrário, eram ligados a hospitais públicos e clínicas particulares, ou então tinham absorvido os discursos culturais da imprensa e do senso comum sobre a AIDS. Categorias do tipo portador, soropositivo ou HIV-positivo foram incorporadas progressivamente a partir de sua própria inserção pessoal nas estruturas de saúde, ou pela assimilação de conhecimento codificado de origem biomédica, que também circulavam pela imprensa. De acordo com seus relatos, podemos perceber que o aidético, como uma identidade, era simbolicamente associada a outras identidades. Por um lado, algumas delas tinham uma doença ou um critério médico como seu referente básico, tal como canceroso, tuberculoso e, mesmo, leproso. No Brasil, todas essas outras doenças eram social e culturalmente constituídas por meio de identidades que expressavam uma condição de enfermidade, decadência corporal e eventualmente morte. Por outro lado, o aidético foi associado historicamente à homossexualidade e, portanto, às identidades sexuais de origem médico-psiquiátrica (o homossexual) e também a outras categorias culturais, por exemplo, a bicha e o veado, que, para muitas pessoas, geravam preconceito e estigmatização. Categorias como portador ou soropositivo eram empregadas e privilegiadas para neutralizar os significados negativos de ordem moral que constituíam a identidade e as imagens do aidético:

Eu acho o termo pesado. Se você disser para mim que eu sou portador, tudo bem! Agora, aidético eu não sou. Eu acho um termo muito pesado. [...] É como você chamar um homossexual de bicha, de vea-do. [...] Aidético, eu acho uma coisa pesada. [...] Como uma pessoa que está nas últimas. Ele está na fase final. [...] Eu sou um portador do HIV. Eu sou um soropositivo. (Marco, homossexual; sem vínculos com ONG/AIDS).

Categorias técnicas, tais como soropositivo e soronegativo, tornaram-se logo identidades sociais por meio das quais pessoas e indivíduos seriam associados, classificados e culturalmente representados. Como um modo de enfatizar sua originalidade, que se refere a práticas e idéias particulares sobre a pessoa e seu corpo, empregadas seja por profissionais de saúde ou, então, mantidas socialmente por pessoas infectadas, eu uso o termo identidades clínicas. Elas referem-se à construção particular de categorias, imagens, representações culturais e discursos sobre a soropositividade, que têm sido produzidos por meio de uma combinação de forças sociais e culturais de origens e formações amplamente diferenciadas. Mas as práticas de profissionais de saúde, de um lado, e as práticas de pessoas afetadas e infectadas pelo HIV/AIDS, consideradas em sua ampla diversidade social e cultural, de outro, têm de ser mutuamente consideradas se quisermos entender o surgimento e a manutenção das identidades clínicas de soropositivo e soronegativo. Esse domínio combinado de práticas, idéias e relações sociais tem constituído extensamente o mundo social da AIDS no Rio de Janeiro.

Essas categorias sorológicas e identidades clínicas não eram usadas sozinhas, mas associadas a práticas médicas que requeriam outras formas de identificação. Como parte da rotina de entrevistas na testagem anti-HIV e na prática clínica, o usuário era levado a explicar o modo de infecção pelo HIV, que normalmente implicava formas de narrativa em que eventos pessoais eram considerados como evidência de formas de comportamento e de identificação social. Como Foucault (1990) diria, as entrevistas clínicas operavam como um fórum de revelação pessoal e narração, que permitia que profissionais de saúde alcançassem a "verdade" sobre o usuário. Além do status sorológico, a identificação do comportamento sexual e a forma particular de transmissão do vírus eram elementos centrais na definição das pessoas afetadas e infectadas pelo HIV. Categorias sexuais, tais como homossexual, bissexual e heterossexual seriam empregadas emblematicamente nas práticas de entrevista clínica como uma forma de identificação tecnicamente racionalizada.

O surgimento de identidades clínicas foi configurado, portanto, ao mesmo tempo em que houve uma circulação intensificada de identidades sexuais, que seriam supostamente reveladas, identificadas e codificadas como evidência correta sobre a pessoa. A proximidade muito íntima entre o uso de identidades clínicas e sexuais, como sinal dos efeitos capilares da medicina e das políticas de saúde pública nos processos de identificação, é, de fato, imensamente notável nas práticas envolvendo testagem anti-HIV. Essas práticas consistem num dos pontos de partida dos processos de identificação operados por agentes institucionais e por meio dos quais discursos sobre identidade sexual são associados a discursos de identidade clínica. Em resumo, esses processos gerais de identificação definidos pelas políticas públicas de saúde e mantidos pelas práticas clínicas constituíam parte das realidades discursivas por meio das quais meus informantes soropositivos dependiam para explicar seus próprios processos de construção de identidades.

Procurei mostrar como a sistematização de políticas públicas de saúde e o estabelecimento de estruturas médicas e laboratoriais voltadas à epidemia contribuíram nos processos de formação identitária. A especificidade deste quadro social e institucional deve ser explicitada. Deve-se entender também que os processos de construção identitária dependem das inserções e trajetórias de pessoas afetadas pelo HIV/AIDS em várias esferas sociais. Como a apreensão da AIDS é basicamente plural e socioculturalmente diferenciada no Brasil, os processos identitários têm tido, provavelmente, uma ênfase relativa e mediada de acordo com fatores socioculturais. Esse ponto é também pertinente para o impacto das práticas clínicas, inclusive a testagem anti-HIV. Certamente a AIDS pode ainda ser vista como um "problema distante", sobretudo se consideramos grupos populares (Knauth et al., 1998). Esses grupos têm tido um acesso difícil, não-automático às estruturas, recursos e práticas de saúde. Há ainda acesso limitado à testagem anti-HIV no Brasil, inclusive por conta de diferenças regionais e socioeco-nômicas. Assim, o impacto dos processos de formação identitária tem especificidade e um efeito formativo que não é geral. No entanto, eles se configuram como processos dominantes, que vêm afetando as esferas mais centrais e institucionalizadas que respondem à epidemia da AIDS.

A mobilização civil no caso da AIDS

Na década de 1980, a ação das autoridades públicas e do Ministério da Saúde demorou muito para ocorrer. Os primeiros anos da epidemia caracterizaram-se pela relativa ausência de ação das autoridades governamentais. Essa situação durou muitos anos, até o início da década de 1990. Por seu turno, as primeiras formas de mobilização civil realizaram-se por grupos ativistas gays de São Paulo. A intervenção foi por muito tempo limitada em recursos e pessoal. Mas em 1985, a primeira ONG/AIDS brasileira e latino-americana foi criada: o Grupo de Apoio e Prevenção da AIDS-São Paulo, GAPA-SP. Assim, a resposta civil foi mais direta e incisiva do que a governamental. Um amplo processo de criação de ONGs/AIDS ocorreu, sobretudo a partir do início dos anos 90.

No estado e na cidade do Rio de Janeiro, as primeiras ONGs/AIDS foram criadas a partir do final de 1986. Foi o caso da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA), do GAPA-RJ e do ARCA (Apoio Religioso Contra a AIDS). Em 1989, o primeiro grupo brasileiro de auto-ajuda foi criado no Rio de Janeiro, idealizado por um dos líderes da ABIA, o escritor Herbert Daniel: o Grupo Pela Vidda (GPV), que é o acrônimo para valorização, integração e dignidade do doente de AIDS.

Em termos ideológicos, a ABIA, o Pela Vidda e os GAPAs, criados em diversas partes do país, tentaram reforçar seu papel na imprensa, para seu público, para o governo e para a sociedade, a fim de gerar solidariedade no caso da AIDS. Discursos de solidariedade existiam desde o início da epidemia, mas foram as ONGs/AIDS que sistematizaram seus significados e os tornaram especialmente ideológicos. Criticavam sentimentos de pena, o preconceito e a estigmatização. O significado de solidariedade foi sofisticado sobretudo pelo discurso ideológico mais coerente de Herbert de Souza, o Betinho, e de Herbert Daniel, ambos atuando na ABIA. Daniel, por exemplo, falava de uma atitude contra a morte civil, que seria a situação vivida por pessoas soropositivas por conta dos preconceitos, dos estigmas e das barreiras de segredo em torno da doença. Para Daniel, a solidariedade era o mais perfeito esquema ideológico contra os processos culturais de estigmatização. Os dois entendiam a AIDS como uma questão de direitos humanos e civis. Em 1989, portanto, a idéia de solidariedade estava completamente incorporada na agenda ideológica da maioria das ONGs/AIDS brasileiras.

Herbert Daniel foi também o responsável por motivar uma esfera discursiva sobre o viver com HIV e AIDS. Ele rejeitava, sobretudo, a categoria do aidético, questionando sua definição como identidade social:

Doente, a gente fica. Morrer, toda a gente vai. No entanto, quando se tem AIDS, dizem más e poderosas línguas que a gente é "aidético" e, para fins práticos, carrega um óbito provisório, até o definitivo passamento que logo virá. Eu, por mim, descobri que não sou "aidético". Continuo sendo eu mesmo. Estou com AIDS. Uma doença como outras doenças, coberta de tabus e preconceitos. Quanto a morrer, não morri: sei que AIDS pode matar, mas sei melhor que os preconceitos e a discriminação são muito mais mortíferos. (Daniel, 1989a, p. 39).

O Grupo Pela Vidda-Rio foi criado quando as idéias de solidariedade estavam circulando com força. Como foi idealizado e criado justamente por Herbert Daniel, sua ideologia era marcada pelos discursos de solidariedade, questionamento da morte civil e destacando os significados e práticas de vida e do viver com AIDS. Enfatizava uma idéia harmônica de unidade a partir de um objetivo comum: a luta contra a AIDS. Queria envolver todos os brasileiros em termos de uma consciência política a favor de sua saúde e contra o impacto da AIDS. A solidariedade deveria ser invocada por pessoas vivendo com HIV e AIDS. No caso, o Grupo Pela Vidda dava um significado muito particular para tal categoria unificadora, que incluía pessoas soropositivas e seus "amigos, parentes, parceiros e todos aqueles que achassem que seu cotidiano estava afetado pela epidemia" (GPV, 1989). Assim, a ONG era aberta a todos os participantes, desconsiderando o status sorológico. Como Daniel queria que o GPV tivesse ampla participação pública, o conhecimento da sorologia não era importante. Era um modo também de salvaguardar os membros soropositivos, que temiam ser estigmatizados, mas era também uma forma de engajamento social no qual a diferenciação não era o elemento importante. Havia um sentido de harmonia das diferenças sociais no contexto da luta contra a AIDS. Nesse sentido, o GPV não era um grupo de soropositivos.

A influência do GPV foi enorme. Depois, vários outros grupos, chamados Pela Vidda, foram criados em diversas cidades e regiões brasileiras: São Paulo, 1989; Curitiba, 1990; Goiânia, 1990; Vitória, 1991; Niterói, 1991; Cascavel, 1994; Recife, 1994. A ABIA e o GPV popularizaram também a frase Viva a vida, criada por Herbert Daniel. Assim, solidariedade e vida tornaram-se categorias simbólicas para mobilização social. Na década de 90, muitas ONGs/AIDS foram nomeadas com frases que usavam a categoria vida: Grupo de Incentivo à Vida (GIV-SP), Grupo Sim à vida (RJ). Outras ONGs usavam o verbo viver como acrônimo (por exemplo, o grupo VHIVer, MG). Em contraste, outras agências foram criadas com nomes usando o termo aidético: a Casa do Aidético do Brasil (Santos, SP); o Instituto Pró-Aidético (RJ). A maioria destas organizações eram casas de apoio, controladas por grupos religiosos e faziam trabalho mais assistencial do que ativista ou político, sendo por isso criticadas pelas ONGs mais politizadas. Portanto, de 1989 em diante, a criação de ONGs/AIDS e grupos de auto-ajuda compostos por pessoas vivendo com HIV e AIDS foi uma mudança importante na história da AIDS no Brasil.

O GPV esteve sempre engajado ativamente na configuração simbólica de pessoas vivendo com HIV e AIDS. Como parte de seu ativismo, de suas práticas e de seu trabalho ideológico, muitos contextos serviam diretamente para o fortalecimento de tal configuração, sobretudo se tinham caráter mais público ou político. Foi o caso da organização anual do Encontro Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e AIDS (1991), depois chamado, caracteristicamente, de Vivendo, que tem reunido, recentemente, mais de mil participantes de todo o Brasil e mesmo do exterior.

O Grupo Pela Vidda-Rio – um estudo de caso

Desde sua criação, o Grupo Pela Vidda-Rio (GPV) passou por muitas mudanças de composição, estrutura política e modos de desenvolver suas atividades para membros e clientes. O GPV sempre foi baseado em atividades abertas de participação pública. Ao longo de seus 12 anos, criou, mudou e paralisou uma série de atividades. A reunião político-administrativa, a reunião de recepção, o Grupo de Mulheres, o serviço jurídico, a Tribuna Livre, o Disque-AIDS, o Café Positivo e a Oficina de Artes são algumas delas. Hoje já existe o Grupo de Homens, outro de Travestis e um de Adolescentes. No período de minha etnografia, uma média de 70 a 80 pessoas (algumas vezes até mais) circulavam por dia na ONG. Criada num contexto altamente politizado e ideológico, o trabalho na ONG tornou-se muito institucionalizado e profissional, calcado em padrões de eficiência, valorizado pela maioria das organizações civis. Assim, a intervenção do GPV na sociedade também mudou.

O GPV é caracterizado, portanto, por uma afiliação elástica, flexível, que inclui pessoas soropositivas, soronegativas e não-testadas. No entanto, um bom número de seus primeiros membros eram soropositivos. Pode-se extrair uma imagem de harmonia de sua ideologia e de seus princípios organizacionais. Não haveria, portanto, nenhum empecilho de participação por conta de gênero, identidade sexual, status sorológico, classe, religião e raça. Frases como nós somos todos pessoas vivendo com HIV e AIDS eram comumente usadas. Contudo, a singularidade da composição da ONG era clara mesmo no início de 1990. Havia uma enorme visibilidade de homossexuais masculinos e mulheres heterossexuais. Todos eram socialmente próximos dos membros fundadores, ou seja, provinham de segmentos das camadas médias cariocas. A partir de 1992, mudanças progressivas se registraram quando a ONG mudou de sede para o centro do Rio. De 92 a 94, gays e mulheres heterossexuais ainda compunham o maior número de membros. Mas a chegada de pessoas de outras origens sociais tornou o quadro de voluntários mais complexo. Havia presença reduzida de homens de identidade heterossexual e pessoas das camadas populares. Depois de 1994, a entrada de pessoas das camadas populares cresceu muito. No entanto, as diferenças de gênero e identidade sexual subsistiram: mulheres e homossexuais.

O GPV constituiu-se por meio de lógicas que se cristalizaram ao longo dos anos, afastando-se das práticas mais ativistas, militantes e voluntárias de início. Houve, por um lado, a consolidação do que eu chamei de lógica do trabalho, por meio de um processo contínuo de institucionalização racionalizada e formação burocrática, no qual a ONG baseava seu trabalho diário, atividades, rotinas, calendário e produção textual. Profissionalismo tornou-se um valor muito sedimentado e uma trajetória a ser buscada. As práticas internas eram informadas por um discurso que privilegiava e valorizava o caráter institucional de uma ONG eficiente8 8 Bourdieu (1990) define uma "lógica social", que estrutura-se de modos diferentes e é definida por meios de significação e de produção simbólica. Possui sistematicidade e é gerada por forças de interesse social, poder e reprodução social. .

Enquanto a lógica do trabalho se constituía no GPV, o que eu chamei de lógica da sociabilidade foi estruturada e operada em contextos não-dominantes, não decisórios da ONG, no seu cotidiano e rotina mais informal. Para Simmel (1997), a sociabilidade tem similaridade a outros processos de associação, especialmente a arte e o jogo. A sociabilidade envolve uma essência pura de associação, em que muitos elementos podem se desenvolver, como amabilidade, falta de conteúdo objetivo, criatividade, harmonia, igualdade, sedução e, especialmente, um sentido de convivência. Pode-se ver que formas de disputa, signos de distinção, diferenciação social, marcação identitária, valores pessoais e propósitos singulares e de poder estão excluídos de sua análise.

O sentido de sociabilidade pode ser mantido mesmo quando formas de diferenciação social são apresentadas. Os significados da convivência eram operados simultaneamente à performance de disputas e de diferença. De modo sutil, um podia tornar-se o outro, seja na forma de conversação, como de interação social. Nesse sentido, a lógica da sociabilidade pode ser caracterizada pela forma em que a convivência é associada a diferenças, hierarquia, distinções e poder. A convivência era, portanto, mantida pela lógica da sociabilidade no GPV, sendo bastante diferente dos seus interesses mais dominantes. Essa lógica era constituída por elementos singulares. Alguns deles condensavam as formas específicas de diferenciação social que contradiziam a ideologia abrangente, universalizante e harmônica do GPV. Enfim, identidades estavam sempre em operação. Elas eram socialmente performadas, expressando diferenças, algumas vezes conflito entre identidades clínicas e status sorológico ou identidades de gênero e sexuais. Um ethos de humor, jocosidade e informalidade operava e informava as interações sociais, a convivência. Não havia uma lógica única ou binária a operar na ONG, mas várias. Contudo, essa distinção e modelo analítico eram adequados para entender a ONG, sua manutenção e seus conflitos.

Lutas de ideologia e sociabilidade: doença e identidades

Pretendo discutir como as identidades clínicas associadas ao HIV/AIDS podiam ser usadas, incorporadas e confrontadas no contexto social do GPV. Mostrarei o entrejogo e o conflito de diferentes modelos ideológicos de organização social que se desenvolveram em torno das questões de identidade. No GPV, os contextos de sociabilidade tiveram um papel central na afirmação de identidades clínicas. Eram contextos cruciais para entender sua operação e como diferentes perspectivas sociais estiveram presentes numa ONG particular, cuja ideologia universalista minimizava diferenças e identidades.

No GPV, diferenças de status sorológico eram afirmadas por um conjunto de categorias particulares. Em geral, havia o reconhecimento da categoria aidético, que definia uma identidade estigmatizada. Havia um conjunto de categorias incorporadas e usadas por meio dos efeitos sociais gerados pelas práticas clínicas e de testagem, soropositivo e soronegativo, circuladas normalmente como positivo, agaivê, agaivê positivo, negativo, etc. Portador era também aceito e usado. Um terceiro conjunto compunha-se de categorias criadas no GPV ou em outras ONGs: sorointerrogativo ou soroindefinido.

Os significados e usos do termo aidético

A maioria de meus informantes soropositivos rejeitava a categoria aidético e seu uso social, considerando-o muito negativo. Não usavam o termo no cotidiano, preferindo outros, especialmente portador ou soropositivo, que foram incorporadas primeiro a partir dessa inserção nas estruturas de saúde e na assimilação de discursos técnico-científicos. Eram categorias que ajudavam a neutralizar os significados negativos da identidade do aidético. Membros do GPV associavam o aidético essencialmente a imposições e restrições da sociedade, para além do espaço das ONGs/AIDS, associado a formas objetivas de estigmatização. Quando perguntei sobre os contextos públicos de discriminação, a maioria negou ter passado pela experiência e nem reportou a sua regularidade. Algumas pessoas foram expulsas de casa e sofreram mesmo violência física, mas eram realmente a minoria. Contudo, o medo de ser objeto de fofoca e humilhação moral era comum. Ou seja, o risco da pessoa ter seu status sorológico revelado sem o seu próprio controle. O medo da estigmatização parecia estar por trás do dilema da revelação da sorologia9 9 Para outra discussão sobre a categoria aidético, veja Seffner (1995a). .

Por outro lado, boa parte da reação ao termo aidético aludia a preconceitos associados à homossexualidade. A associação simbólica entre AIDS e homossexualismo era incorporada diferentemente por gays e homens de identidade heterossexual. Se um homem gay era estigmatizado por ser homossexual, a AIDS podia constituir outro nível de estigmatização, mas não representava algo essencialmente novo. O problema ficava no caso de homens gays no armário, pois a revelação da identidade sexual poderia supor uma outra. No caso dos homens de identidade heterossexual, o medo de ser identificado como aidético envolvia uma experiência de discriminação por base sexual que ele nunca tinha passado antes:

Eu não chamo ninguém de aidético. [...] Eu acho que é uma forma pejorativa. Entre a gente tem que se tratar com mais carinho. Menos agressivo é chamar soropositivo. [...] Mas o povo leigo não sabe o que é soropositivo. Porque aidético já puxa pela doença. Pum. [faz um som] Como uma porrada no cara. Soropositivo eu acho que quebra um pouco, assim, o sentido da coisa. A palavra aidético é uma coisa assim meio... É como chamar um cara homossexual de veado. [ri] Essa é uma forma agressiva de chamar o cara. (Walter, HIV+, identificado como heterossexual; baixa renda).

A discriminação da homossexualidade masculina podia ser concebida simbolicamente através da diferença social, que podia ser criada na relação com pessoas soropositivas. A imagem e representação cultural do aidético dependia em parte dessa diferença moral.

Como a maioria dos informantes temia os aspectos desabonadores que a doença poderia lhes conferir (Goffman, 1990), eles preocupavam-se com a administração correta da informação. Passing era uma estratégia bastante usada. O problema da discriminação e do estigma era, portanto, um dilema básico a ser experimentado, gerido e confrontado na vida social.

A ideologia do GPV contestava os significados culturais de doença, morte e da generalidade do aidético. A categoria pessoas vivendo com HIV/AIDS questionava tal generalidade negativa. E também o uso de identidades clínicas como soropositivo e soronegativo. A percepção simbólica da AIDS estava, portanto, em disputa. No caso das atividades do GPV, essa disputa era eventualmente clara. Em vários contextos, percebi questionamentos das identidades estigmatizadas. Eram contextos em que veteranos encontravam-se talvez com recém-chegados, que traziam idéias e discursos culturais centrados na imagem do aidético. Essa identidade era resistida, questionada e problematizada. Toda vez que um recém-chegado usasse o termo numa reunião podia provocar uma atmosfera de rejeição e embaraço. O que era visto como desinformação era corrigido.

Os significados do aidético eram vistos como dominantes no mundo exterior, público, enquanto o GPV atuava para resistir a seus significados simbólicos, sobretudo por meio de incorporação de novos membros que deviam aprender um novo léxico e novos princípios. Os usos do aidético constituíam apenas parte das disputas simbólicas e políticas mais gerais que envolviam a formação identitária na ONG (e de modo geral no mundo social da AIDS)10 10 A categoria aidético não era apenas caracterizada por rejeição. Outras práticas discursivas envolvendo humor, por exemplo, podia atenuar seus significados. .

Os usos de identidades clínicas

Mostrei que as categorias que expressavam significados técnicos, clínicos passaram a ser usadas sobretudo a partir das estruturas de saúde: soropositivo e soronegativo. Eram também usadas e circulavam em ONGs, como o GPV. Mas as práticas de diferenciação e manutenção identitária eram normalmente tratadas como uma iniciativa pessoal. Era resolvido e decidido por meio de interações. Assim, haveria uma aversão clara à política de identidades no quadro da ideologia do GPV. Havia, portanto, uma ética regendo as interações sociais, especialmente quanto à identidade de cada um. Uma mulher contou-me, por exemplo, de suas primeiras impressões sobre diferenciação sorológica na ONG. Ela teve dificuldade em identificar quem era soropositivo ou soronegativo. Essa indiferenciação pelo status sorológico era vista como uma base positiva para quando revelou sua sorologia:

Marilu: A princípio, era mais técnico mesmo. Eu me afirmei soropositiva. Não escondi. Não fui, tipo assim, aconteceu com o vizinho ou o amigo do vizinho, como algumas pessoas procuram mascarar. Eu nem fui tipo: "Ah, eu vim aqui procurar o grupo para conhecer". Não. Realmente eu me afirmei. Como eu disse, eu me sentia bem: "Eu estou entre iguais. Eu não tenho porque esconder".

Pesquisador: Mas algumas mulheres são soronegativas.

Marilu: Depois eu vim a saber disso. Eu não tinha muito essa concepção que haveriam pessoas que não fossem. Mas talvez o fato de eles estarem ali, por um meio ou por outro. Depois eu vim a saber que era a mãe de soropositivo. De qualquer forma, teria um vínculo, uma visão diferente de uma pessoa de fora, que poderia me recriminar, digamos.

A ética que marcava as interações entre membros do GPV era reproduzida em contextos variados de sociabilidade, dentro e fora do grupo, ou seja, no cotidiano e na rotina da ONG. A sociabilidade dependia de fatores bem sutis de diferenciação e identificação que geravam seus próprios efeitos sociais. Assim, as relações interpessoais eram o modo mais comum de se saber o status sorológico de alguém:

Não estava parando de chover. [...] Aí, o pessoal: "Vamos jantar? Já que está com a chuva mesmo, vamos jantar ali embaixo!" Vamos. O Daniel foi junto e tal. [...] Só que ninguém conseguiu descobrir se eu era positivo ou não. Nem gay, nem nada!... Não tinha essa pergunta. Ninguém perguntava mesmo. Aí, a Íris falou uma coisa engraçada: "Você quer guarda-chuva?". Eu falei: "Não, não precisa, não!". "Você pode pegar chuva?". Aí, o você-pode-pegar-chuva era, em outras palavras, "você é soropositivo"? [rindo]. Eu, tão tranqüilo, falei assim: "Posso. Qual o problema?". Eu pensei: "O fato de eu ser soropositivo não impede de eu pegar uns pinguinhos de chuva de verão!" (líder veterano).

Uma curiosidade mórbida sobre o status sorológico dos colegas podia se desenvolver no GPV. Como uma organização recebendo continuamente um fluxo de gente, a revelação sorológica era uma prática comum através das interações entre membros. Um processo interpessoal de conhecimento contribuía para clarificar as expectativas. Esse processo ocorria, porém, muito informalmente e através das redes sociais internas. Atenção a detalhes, características pessoais e pistas sorológicas eram constantemente usados a fim de confirmar o status de alguém. Um conjunto de comportamentos prescritos ou esperados, normalmente, desempenhava uma parte significante desse processo de diferenciação e identificação. Quando as pessoas passavam a se integrar ao grupo, os membros sabiam normalmente quem era ou não soropositivo. Havia um conhecimento difuso sobre o status sorológico de todos os membros. Contudo, enganos podiam ocorrer. Contextos de sociabilidade serviam para descobrir o engano, como aconteceu com dois veteranos da ONG:

Uma coisa muito engraçada [fala rindo], que eu fui saber há muito pouco tempo atrás, há um ano atrás, era que Cristóvam... não era soropositivo. Eu sempre achei. Ele tinha a cara de aidético! [ri] Ele tinha aquela cara de que estava morrendo. Eu nunca nem perguntei, porque eu estava esperando o dia da morte dele, o dia do óbito, porque com aquela cara de doente que ele sempre teve!? Com aquela cara de que estava morrendo de anemia! Sempre teve cara de anêmico, impressionante aquilo! Aquela pele com tom de gente anêmica. Eu sempre achei que ele era doente. E foi muito engraçado, tipo um ano atrás. De vez em quando eu ainda vejo ele [...] Eu encontrei com ele. Falei. Ele virou e falou: "Mas eu não sou soropositivo!" Eu quase caí duro no chão, entendeu?

Pesquisador: Você não tinha preocupação em saber quem era soropositivo ou não no GPV?

Não, não tinha. Porque no Pela Vidda não se fala. Não se falava. Mas, tipo assim, algumas pessoas eu tomava por óbvio que eram soropositivos. Alguns porque falavam e outros não falavam, mas eu achava que eram óbvios. [...] Ou como esse menino [...] que na verdade não era soropositivo. Mas para mim ele tinha. Ele tinha AIDS e muita AIDS! [risos]. E várias outras pessoas. Mas não se perguntava isso no Pela Vidda.

Como se vê, contextos diferentes podiam confirmar expectativas subjetivas de um status sorológico ou, ao contrário, mostrar os enganos e clarificar as suspeitas. Se a afirmação da identidade não era verbalmente expressa, outros modos de diferenciação eram possíveis, especialmente a partir de práticas e discursos sobre o corpo e sobre si. A experiência da AIDS e da doença podia ser um importante marcador diferencial entre pessoas soropositivas, soronegativas e não-testadas, as sorointerrogativas. A gestão e corporificação da doença dotava as pessoas com elementos para subscrever idéias de soropositividade. Conversa sobre doenças, uso de remédios, combinações terapêuticas e efeitos colaterais eram tópico central em muitos contextos de sociabilidade. Eram assuntos que um membro soronegativo podia se sentir especialmente distante, mesmo se estivesse até interessado. Como membros do GPV falavam desses temas e questões através de um ponto de vista pessoal, eles mesmos criavam condições de diferenciação social entre membros positivos e negativos. Quando membros soropositivos discutiam esses assuntos, uma base particular de identidade e um senso de compartilhamento podia se dar, oriundos da experiência comum de doença construída culturalmente na ONG. Isso contribuía para a manutenção de fronteiras simbólicas entre pessoas soropositivas e soronegativas. No entanto, a experiência da soropositividade podia ser fraturada através de diferenciação internamente constituída. Várias vezes nas atividades da ONG, os participantes soropositivos podiam se identificar como assintomáticos. De fato, a diferenciação entre soropositivos, em termos de uma temporalidade evolutiva, era muito comum até meados dos anos 90. Como outras identidades clínicas, o assintomático era completamente associado às estruturas de saúde e à extrema medicalização das vidas das pessoas soropositivas. Mas o uso social da categoria era também uma outra estratégia simbólica para desafiar os significados de morte e doença, privilegiando a condição saudável da pessoa soropositiva, isto é, como um soropositivo saudável.

Identidades, recursos e conflito

O uso de categorias identitárias e as práticas sociais de diferenciação pelo status sorológico são apenas aspectos preliminares para se entender a complexidade que afeta uma ONG/AIDS, como o GPV. Os membros estavam envolvidos em práticas particulares de diferenciação, que eram definidas pelo controle objetivo de recursos materiais e profissionalismo. Havia a manipulação da oposição binária definida pelo status sorológico através da diferenciação de quem era emocionalmente comprometido com o GPV ou não. No GPV, o conflito político não envolvia necessariamente diferenças de status sorológico. As reuniões político-administrativas eram contextos onde o conflito era abertamente explicitado, mas era raramente caracterizado pela oposição binária do status sorológico. Assim, a ideologia do GPV foi pouco questionada até 1995. Mas os membros da ONG podiam criticar seus colegas e líderes por meio de diferenças de status sorológico nos contextos de sociabilidade. Portanto, um certo grau de privacidade era necessário. A lógica da sociabilidade contribuía muito para uma dimensão política particular, que não questionava diretamente os princípios ideológicos do GPV. Assim, fofoca ou crítica a respeito dos diretores e das lideranças políticas do GPV incluíam acusações que não eram tão confrontativas, mas encorajavam a formação de pequenas redes e alianças políticas internas bastante informais entre os membros.

As acusações contra membros e diretores negativos, feitas por membros voluntários positivos, envolvia um conjunto amplo de temas e assuntos, mas na maioria abordavam o controle diferenciado de recursos econômicos e materiais, ou, então, simplesmente seus vínculos profissionais na ONG. Envolvia em parte a crítica de burocratização e do profissionalismo. Os membros soronegativos eram criticados por sua mobilidade profissional (carreirismo). Eram considerados apenas como simples funcionários, que, assim, não estavam associados sinceramente à ONG, mas, ao contrário, ganhavam salários por conta do sofrimento dos soropositivos. As acusações referiam-se normalmente à seleção de membros soronegativos como coordenadores de atividades, sobretudo se recebiam suporte econômico. De fato, tal crítica a membros soronegativos era também dirigida a líderes soropositivos que ocupavam posições políticas ou funções de trabalho. Eram vistos como a comporem um grupo exclusivo, uma panelinha, que se mantinha por meio do controle dos recursos e do poder na ONG.

Essas acusações internas apresentaram-se na trajetória do GPV, tornando-se mais salientes no seu período de consolidação institucional. O conflito mais evidente sobre a distribuição dos recursos e sobre a autoridade política emergiu muito cedo, especialmente logo após a morte de Herbert Daniel, em 1992. Mas seu impacto maior ocorreu por volta de 1994-95. Essas disputas emergiram ocasionalmente anos depois, mas perderam em parte sua veemência e motivação ideológica. O conflito político envolvia, sobretudo, as diferenças de status sorológico e a manutenção das identidades clínicas. Notavelmente a maior presença de pessoas soronegativas ou não-testadas a ocuparem posições como profissionais, como parte da equipe assalariada e como funcionários provocava uma percepção bastante cética de sua afiliação na ONG por parte dos muitos voluntários soropositivos. Assim, a atmosfera de crítica interna envolvia o argumento de que o GPV era dominado por uma pequena rede de amigos e, sobretudo, era também baseado no argumento de que as pessoas soronegativas estavam se dando bem às custas da AIDS. Onde estaria, então, o lugar da solidariedade?

A criação da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e AIDS

O GPV não enfatizava nenhum tipo de política identitária, senão a encapsulada através da categoria político-comunitária de pessoas vivendo com HIV e AIDS. Muitos de seus membros não eram essencialmente interessados na afirmação política de uma identidade clínica, se bem que práticas e contextos de diferenciação e identificação fossem reproduzidos objetivamente, desconsiderando o trabalho ideológico da ONG. Contudo, a manutenção social e política de uma identidade clínica acabou por tornar-se também uma questão crucial para vários de seus membros.

Agora vou discutir como questões de identidade tornaram-se muito politizadas na ONG. O conflito interno quanto a essas questões de identidade tem de ser associado a disputas ideológicas mais gerais e à coexistência de diferentes modelos de organização social da AIDS no Brasil. Além disso, as conexões entre níveis locais e globais tinham igualmente um impacto direto sobre as diferentes estratégias de mobilização social e de formação identitária.

Nesses contextos, a disputa entre ONGs, baseadas em diferentes modelos de organização, tal como o Pela Vidda e a ONG paulistana GIV (Grupo de Incentivo à Vida), normalmente ocorria. O GIV era caracterizado por um modelo de organização social ao qual o Pela Vidda era especialmente oposto, ressaltando a experiência da soropositividade e a participação majoritária de soropositivos. O GPV normalmente tomava a posição de distanciar-se ou, então, de fazer a crítica aberta do que foi descrito como tipo de discriminação (GPV, 1989). A inaplicabilidade de uma identidade soropositiva no Brasil foi mesmo considerada (Beloqui, 1991). No mundo social das ONGs/AIDS, portanto, as lutas simbólicas sobre os modelos de organização social tiveram um impacto sobre os modos nos quais a formação identitária era concebida, mas elas descreviam condições sociais de tensão real, que podiam se dar no interior de uma mesma organização ou, mais amplamente, entre organizações.

Em nível nacional, porém, a crítica da categoria político-comunitária de pessoas vivendo com HIV e AIDS, que circulava pelo GPV, tornou-se mais evidente no 4° Encontro Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e AIDS, organizado em 1994. Até então, política identitária não era uma questão particularmente significativa nesse evento anual. Todavia, para demonstrar uma tensão interna sobre política identitária, o GPV programou painéis e oficinas que valorizavam a experiência da soropositividade. Assim, política identitária era já uma disputa interna entre as ONGs/AIDS brasileiras e até mesmo no fundo de quintal do GPV.

Em seu período de consolidação institucional, o GPV passou a ser confrontado internamente por um aumento de discussões sobre diferenças de status sorológico e pela afirmação de identidades clínicas. Membros veteranos, por exemplo, podiam criticar a ortodoxia, que prevalecia na ONG sobre a divulgação da soropositividade ou do status soropositivo, o que ocorria em atividades internas ou mesmo em reuniões de coordenadores e diretores. Pediam, assim, uma ênfase maior na representação da soropositividade. O conflito interno tornou-se mais forte quando o modelo ideológico do GPV das pessoas vivendo com HIV/AIDS já era dominante em nível local, ou seja, no próprio mundo social da AIDS do Estado do Rio de Janeiro. Em 1994-95, as redes internas de membros voluntários envolvidos em antagonismo político eram principalmente compostas por homossexuais e mulheres heterossexuais, majoritariamente soropositivos. Eles eram os mais diretos oponentes à diretoria e à equipe assalariada da ONG. Contudo, eles nunca chegaram a constituir um grupo mais objetivo, embora para alguns diretores do GPV formassem uma unidade política e, em certa medida, ameaçadora. Em setembro de 1995, a criação da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e AIDS, a RNP+, especificamente no 5° Vivendo, foi ocasião em que a divergência interna a respeito de diferenças de status sorológico, das identidades, mas igualmente da hierarquia política do GPV e de seu profissionalismo, alcançou o seu ápice. A RNP+ foi criada por membros de ONGs de todo o país, mas também por alguns membros fundadores do GPV. Consiste num modelo organizacional e ideológico diferente das ONGs e especialmente do GPV, pois privilegia a participação individual de membros soropositivos. Depois do 5° Vivendo, uma reunião de avaliação de membros e líderes de diferentes Grupos Pela Vidda ao redor do Brasil foi organizada. Foi o contexto político no qual diretores e líderes condenaram mais fortemente voluntários, lideranças e mesmo funcionários soropositivos que tomaram parte da criação da RNP+ ou, por seu turno, de uma pequena reunião paralela de mulheres soropositivas. Mais tarde, vários desses voluntários saíram definitivamente do GPV, ou passaram a tomar uma posição menos politicamente engajada, cética no interior da ONG. Como resultado, a rede de membros, que se constituía na mais crítica oposição interna no GPV-Rio, se enfraqueceu e foi rearranjada por meio de contatos informais fora da ONG. Esse foi um ponto importante para o entendimento das práticas de diferenciação e da configuração real de lógicas distintas no Pela Vidda.

O antagonismo entre o GPV e a RNP+ foi mantido ao longo da segunda metade da década de 1990. Em 1997, por exemplo, a organização do 7° Vivendo foi afetada por uma polêmica sobre a garantia de uma cota mínima de bolsas e suporte exclusivamente para pessoas soropositivas, como foi proposto pelos representantes da RNP+, de Pernambuco. No entanto, o GPV já tinha reconsiderado seu antagonismo político com a RNP+ e seu contato com associações internacionais de pessoas soropositivas (PWA) no fim da década de 1990. De fato, alguns dos seus líderes, e mesmo diretores, passaram a participar da RNP+ e chegaram a tomar parte de seus eventos regionais ou nacionais. Além disso, membros da RNP+ e líderes da GNP+ (o Global Network of PWAs) foram também convidados a participar de mesas redondas e painéis oferecidos pelo GPV no Vivendo.

Em resumo, a hegemonia ideológica do GPV e os significados do viver com HIV e AIDS foram contestados por um modelo ideológico e organizacional que privilegiava a especificidade das identidades clínicas e o seu fortalecimento, seja nacionalmente ou no Estado do Rio de Janeiro. Essa diferença em aspectos ideológicos e organizacionais contribuiu para a positividade da política identitária em torno da AIDS no Brasil. Todavia, essa política identitária foi também diretamente influenciada pelo GPV e suas mensagens contra a estigmatização das pessoas soropositivas. Os significados culturais da identidade das pessoas vivendo com HIV e AIDS tornaram-se problemáticos e foram transformados pela criação da RNP+, que ofececeu uma outra definição da mesma categoria político-comunitária11 11 Mais recentemente, o impacto das redes de soropositivos parece ter se enfraquecido no Brasil. .

Conclusões

Por meio de uma perspectiva ao mesmo tempo histórica e etnográfica, pude perceber como processos de construção identitária são configurados e mantidos singularmente no caso da AIDS. Assim, investiguei como tais processos iriam ser constituídos a partir da conjunção de ordens culturais e sociais distintas (imprensa, estruturas de saúde, formas de organização civil). Minha intenção era, sobretudo, apontar para a necessidade de uma antropologia política das identidades por meio de um estudo de caso particular. Na etnografia de uma ONG/AIDS, o GPV mostrava que sua ideologia, marcada pelas idéias de solidariedade e pela categorização universalista das pessoas vivendo com HIV e AIDS, embora poderosa simbólica e institucionalmente para uma organização civil, parecia sofrer reveses diante da dinâmica social gerada na própria ONG, bem como no mundo social da AIDS. A objetividade das interações de sociabilidade, afetada pela emergência e pela reprodução de identidades variadas, questionou sua ideologia no seu próprio âmago. Os contextos de sociabilidade, e mesmo os de operação ideológica, facilitavam a afirmação de identidades clínicas e de diferenças. Portanto, a diferenciação pelo status sorológico ocorria no GPV através da reprodução dessas identidades e de outras categorias identitárias culturalmente construídas. Isso acontecia desconsiderando o universalismo sustentado pela ONG e sua desconfiança de qualquer tipo de política identitária. Além disso, num plano mais geral, percebe-se que modelos identitários podem ser variados, plurais num contexto como o brasileiro. Nesse sentido, qualquer generalização (a favor ou contra) sobre política de identidades no Brasil pode ser precária e muito simplista. Na verdade, processos de diferenciação social estão sempre presentes e devem ser entendidos na sua complexidade efetiva. A emergência, a manutenção e a contestação de identidades clínicas, bem como as sexuais e as de gênero, devem ser compreendidas a partir de uma ampla visão sobre os processos e modelos mais abrangentes de formação identitária, assim como sobre os diferentes contextos, eventos e situações que os podem reforçar ou modificar no mundo social da AIDS.

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  • WALDBY, C. AIDS and the body politic. London: Routledge, 1996.
  • 1
    O artigo é baseado em um dos capítulos de minha tese de doutorado,
    The making of people living with HIV and AIDS: identities, illness, and social organization in Rio de Janeiro, Brazil, realizada no Departamento de Antropologia do University College London (junho/2000).
  • 2
    Para estudos empíricos próximos, veja Pollak (1990), Kayal (1993), Heaphy (1996) e Ariss (1997). No Brasil, Seffner (1995b) e Vallinoto (1991).
  • 3
    Em torno de 220 pessoas estiveram envolvidas direta ou indiretamente na pesquisa.
  • 4
    Para Bourdieu, a violência simbólica é exercida num processo de "tacit complicity between its victims and its agents, insofar as both remain unconscious of submitting to or wielding it". Pode estar presente no trabalho pedagógico de uma instituição educacional (Bourdieu; Passeron, 1977), mas também por dentro das relações de comunicação, como na TV e na imprensa.
  • 5
    A pesquisa foi realizada em duas revistas semanais brasileiras de circulação de massa (
    Isto É e
    Veja), de 1982 em diante. Embora estas revistas alcancem pessoas das mais diversas classes sociais, a maioria de seus leitores eram aqueles que tinham acesso à imprensa escrita: as camadas médias e elites. Jornais e revistas devem ser associados, porém, à TV e ao rádio, que são muito mais acessíveis às camadas populares.
  • 6
    Em 1997-98, a cidade do Rio de Janeiro tinha três CTAs. No Brasil, porém, os CTAs são ainda poucos. A pesquisa foi conduzida num conhecido CTA da cidade.
  • 7
    A codificação pode ser um dos modos em que conhecimento técnico e científico, sustentado por diferentes estruturas de poder, dissemina-se na sociedade (Bourdieu, 1990).
  • 8
    Bourdieu (1990) define uma "lógica social", que estrutura-se de modos diferentes e é definida por meios de significação e de produção simbólica. Possui sistematicidade e é gerada por forças de interesse social, poder e reprodução social.
  • 9
    Para outra discussão sobre a categoria aidético, veja Seffner (1995a).
  • 10
    A categoria aidético não era apenas caracterizada por rejeição. Outras práticas discursivas envolvendo humor, por exemplo, podia atenuar seus significados.
  • 11
    Mais recentemente, o impacto das redes de soropositivos parece ter se enfraquecido no Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Ago 2005
    • Data do Fascículo
      Jun 2002
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