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Da homofobia à democracia: coalizões em disputa no caso Maurício

From homophobia to democracy: disputed coalitions in the Maurício case

Resumo

Neste artigo analisamos o caso Maurício, série de enunciações produzidas após o jogador de vôlei Maurício Souza comentar uma imagem em quadrinhos na qual o filho do Super-Homem beija outro rapaz. A partir da observação dos usos práticos das categorias ‘homofobia’ e ‘liberdade de expressão’, demonstramos como ideias concorrentes de democracia informam o debate, que descrevemos a partir da categoria coalizão. Conceituamos coalizões como estruturas comunicacionais que operam em contextos marcados por antagonismos, constituindo posições de aliados e inimigos. Por meio das coalizões chegamos às duas diferentes epistemes que conformam o debate: uma pluralista, organizada na língua da identidade e para a qual a democracia se valida pela inclusão dessas diferenças (anti-Maurício); a outra majoritarista e antipluralista (pró-Maurício), assentada em categorias universalistas, como nação e Deus. Trabalhamos com base em material coletado entre outubro de 2021 e janeiro de 2022, em redes sociais e portais de notícias.

Palavras-chave:
homofobia; episteme democrática; debate público; pluralismo

Abstract

In this article we analyze the “Maurício case”, a series of utterances that unfolded after the volleyball player Maurício Souza commented on a comic book image in which Superman’s son kisses another man. Looking at the practical uses of the categories “homophobia” and “freedom of speech”, we demonstrate how two competing ideas of democracy inform the debate, which we describe using a analytical term: “coalition”. We conceptualize coalitions as communicational structures that operate in contexts characterized by antagonisms, constituting positions of allies and enemies. Through coalitions we arrive at the two different epistemes that shape the debate: a pluralist one organized in the language of identity and for which democracy is validated by the inclusion of these differences (anti-Maurício); the other majorist and anti-pluralist (pro-Maurício), based on universalist categories, such as nation and God. We draw on material collected between October 2021 and January 2022, on social networks and news portals.

Keywords:
homophobia; democratic episteme; public debate; pluralism

Introdução1 1 Este texto está vinculado ao Projeto Temático Religião, Direito e Secularismo: a reconfiguração do repertório cívico no Brasil contemporâneo, processo nº 2015/02497-5, apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Aproveitamos para agradecer as contribuições dos membros desse grupo de pesquisa. Sua leitura crítica, bem como a dos pareceristas desta revista, ajudaram a aprimorá-lo.

Entre outubro e novembro de 2021, uma polêmica em torno de uma postagem do jogador de vôlei do Minas Tênis Clube e campeão olímpico pela Seleção Brasileira Maurício Souza tomou conta das mídias sociais, transbordou para jornais e foi um dos assuntos mais falados do país, merecendo destaque no Jornal Nacional (Minas…, 2021MINAS rescinde contrato com Maurício Souza, após comentário homofóbico. [S. l: s. n.], 27 out. 2021. 1 vídeo (1min42s). Publicado no canal MD News. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=0Kzdx0u2GaQ . Acesso em: 5 fev. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=0Kzdx0u2...
). No Instagram, Maurício tinha comentado uma imagem em quadrinhos de Jonathan Kent, filho do Super-Homem, beijando Jay Nakamura, um refugiado e ativista. O jogador sugeria que não era um simples beijo e que, se a reprodução de imagens semelhantes se tornasse comum, veríamos onde iríamos parar. O comentário deu início a uma série de enunciações em diferentes meios de comunicação, e elas logo conformaram dois núcleos, que funcionaram como polos de acusações. Seria preconceito ou ‘lacração’? Crime ou ‘censura’?2 2 Neste artigo usaremos aspas simples para assinalar categorias êmicas e as aspas duplas para termos retirados de falas dos agentes ou nas hipóteses em que lhe determina o uso a norma culta da língua portuguesa.

Neste artigo, analisamos o que chamaremos de caso Maurício, que em nosso entender faz ver como duas ideias concorrentes de democracia informam o embate entre jogos de enunciados e os usos das categorias ‘homofobia’ e ‘liberdade de expressão’. Na análise do caso, apresentamos uma descrição dos jogos de enunciação que o constituíram com base em material coletado no calor das interações dos usuários da mídia social Twitter, em outubro de 2021, e de material levantado posteriormente, em pesquisa no próprio Twitter, no TikTok, no Instagram, na plataforma de vídeos YouTube e em portais de notícias, entre novembro de 2021 e janeiro de 2022.

Essa descrição de jogos de enunciação está centrada na ideia de que, uma vez instaurado o dissenso, os atores se aglutinam em formações sociais circunstanciais, uma anti-Maurício e outra pró-Maurício, que chamaremos de coalizões. No artigo, o termo será usado como categoria analítica e será entendido como uma estrutura comunicacional reticular que se forma em torno da construção de interpretações públicas, em contextos marcados por antagonismos, e que constitui as posições de aliados e inimigos, organizando suas interações. Como evidenciaremos a seguir, as coalizões anti- e pró-Maurício se engajam circunstancialmente na disputa por questões que se modelam no ritmo dos próprios embates discursivos. Elas aglutinam enunciados de atores situados em múltiplas posições que mobilizam e organizam discursos com alvos bem dirigidos e antagônicos: provar (a) a homofobia ou não homofobia do jogador e (b) suas implicações para a construção da democracia brasileira. Nenhuma das coalizões nega a possibilidade da homofobia de um modo geral. Justamente por isso, elas disputam seus contornos em relação com a liberdade de expressão, o que põe elementos e interpretações em torno de sua definição em disputa nos jogos de enunciados que configuram o caso.

Partimos do pressuposto de que a dificuldade contemporânea de debater e construir entendimentos mínimos a partir de posições e opiniões diferentes, aquém de acordo ou consenso, passa pela coabitação de mundos comunicacionais que se fazem autônomos e parecem opacos uns aos outros. Historicamente, a construção de entendimentos por trocas de enunciações engajou uma parcela restrita da sociedade (Darnton, 2014DARNTON, R. Poesia e polícia: redes de comunicação na Paris do século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.; Lilti, 2020LILTI, A. In the shadow of the public: enlightenment and the pitfalls of modernity. International Journal for History, Culture and Modernity, [s. l.], v. 8, n. 3-4, p. 256-277, 2020.). Mas os meios digitais de comunicação e a difusão de seus dispositivos de uso, como laptops, tablets e celulares, ampliaram enormemente o número de participantes em espaços de enunciação. Essa ampliação tem posto, a seu turno, desafios à democracia.

Sabemos que o modo como os meios digitais de comunicação se estruturam e operam tem sido objeto de interesse da literatura em ciências sociais (Cesarino, [2019]CESARINO, L. Populismo digital, neoliberalismo e pós-verdade: uma explicação cibernética. [S. l: s. n.], [2019]. Disponível em: Disponível em: https://www.academia.edu/40047992/Populismo_digital_neoliberalismo_e_p%C3%B3s_verdade_fala_na_VII_ReACT_ . Acesso em: 20 fev. 2022.
https://www.academia.edu/40047992/Populi...
, 2021CESARINO, L. Pós-verdade e a crise do sistema de peritos: uma explicação cibernética. Ilha: revista de antropologia, Florianópolis, v. 23, n. 1, p. 73-96, 2021.; Waisbord, 2020WAISBORD, S. ¿Es válido atribuir la polarización política a la comunicación digital? Sobre burbujas, plataformas y polarización afectiva. Revista SAAP, [s. l.], v. 14, n. 2, p. 248-279, 2020.; Solano; Rocha, 2019SOLANO, E.; ROCHA, C. (org.). As direitas nas redes e nas ruas: a crise política no Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2019.). Essa literatura se debruça sobre a agência dos algoritmos, que fazem mídias sociais e plataformas de vídeo funcionarem promovendo conteúdos e associações entre agentes. Também se debruça sobre seu modelo de negócios e sua relação com a racionalidade neoliberal, o que concorreria para configuração de polêmicas e para a produção, ao mesmo tempo, da agregação dos usuários em polos antagônicos e da desagregação social. No presente artigo, interessa-nos, contudo, demonstrar que duas redes formadas em interações nesses meios de comunicação se antagonizaram em torno do enquadramento de um conjunto de atos como homofobia e nos possibilitaram ver, através de seu antagonismo, duas ideias irredutíveis de democracia. Dito de outro modo, interessa-nos responder à seguinte pergunta: como a disputa acerca de uma postagem em mídia social enquadrada como homofobia nos ajuda a entender sentidos e desafios contemporâneos da democracia?

O antagonismo nessa disputa não significa que as coalizões sejam impenetráveis, nem que os agentes em cada uma delas não usem os mesmos termos, as mesmas categorias. Como demonstraremos, há, ao contrário, certa intercambialidade de informações entre as coalizões, possibilitando que enunciados específicos circulem entre elas. Porém, ao longo das interações, categorias vão sendo acionadas em cada uma das coalizões e nelas vão adquirindo sentidos próprios, o que resulta em algum grau de autorreferenciamento. Esse é o caso das categorias êmicas ‘cristão’, ‘liberdade de expressão’ e ‘democracia’.

Neste artigo argumentamos que, ainda que haja o compartilhamento situado de categorias ou mesmo de gramática, como a dos direitos e da democracia liberal, entre as coalizões, seu autoencapsulamento encerra entendimentos e usos específicos de termos histórica e juridicamente construídos. O que podemos perceber, observando as interações que configuram o caso Maurício, é que algumas categorias usadas por uma e outra coalizão adquirem sentidos radicalmente opostos, em discursos que apontam para diferentes sistemas de compreensão, ou seja, para diferentes epistemes. Essa diferença, a seu turno, é importante porque aquilo que a ciência torna reconhecível como democracia é uma articulação particular e moderna de verdade e política (Rosenfeld, 2018ROSENFELD, S. Democracy and truth: a short history. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2018.), pela qual a publicidade, a liberdade e a crítica (Kant, 2013KANT, I. An answer to the question: ‘what is enlightenment?’. In: REISS, H. S. (ed.). Kant: political writings. Cambridge: Cambridge University Press, 2013. p. 54-60.; Laursen, 1986LAURSEN, J. C. The subversive Kant: the vocabulary of “public” and “publicity”. Political Theory, [s. l.], v. 14, n. 4, p. 584-603, 1986.) tornariam as opiniões mais refletidas e a democracia mais tangível.

Entendemos que inúmeros momentos críticos da democracia atualmente têm relação com a erosão desse arranjo de verdade e política que se conforma na modernidade e que a ancora na progressiva ilustração das opiniões. Sua progressiva ilustração, a seu turno, supõe um espaço em que compartilhá-las é um etos de abertura e engajamento crítico consigo e com outros. O que erode com o aparecimento dos meios digitais de comunicação não é propriamente o lugar da verdade ou o apreço por ela, mas, sim, (a) o etos que informa a episteme democrática (Foucault, 2018FOUCAULT, M. O governo de si e dos outros. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2018.) e (b) o espaço público como espaço de aparecimento que se constitui por atos e falas de agentes reunidos e separados por artefatos humanos, sejam meios materiais de comunicação, sejam instituições (Arendt, 2018ARENDT, H. The human condition. 2nd ed. Chicago: The University of Chicago Press, 2018.). Como afirma Arendt (2018)ARENDT, H. The human condition. 2nd ed. Chicago: The University of Chicago Press, 2018., nesse espaço-entre, que podemos tratar como uma arena pública, atos e palavras fazem revelar, de sorte que agentes se tornam atores.

Um dos efeitos do reiterado uso do termo democracia no sentido de domínio da opinião da maioria, em lugar de domínio de opiniões refeitas a partir da crítica, é causar a impressão de que estamos diante de redes autoencapsuladas que articulam, cada uma a seu modo, verdade e política, dando forma a sistemas aparentemente não compartilhados de entendimento. Para empregar a metáfora pela qual tais redes costumam ser apresentadas, as ‘bolhas’ só se encontrariam, assim, em disputas públicas pelos sentidos de nomes (categorias explicativas e identidades) e os modos de uso dos dispositivos de nomeação (tecnologias que generalizam e põem em circulação sentidos para os nomes). A categoria coalizão pode nos ajudar a fazer ver no caso Maurício um dos efeitos das interações entre formações sociais circunstanciais que aparecem a partir de momentos críticos e que resultam na produção de um simulacro de debate público, no qual elas ressoam e amplificam a interpretação dos fatos em torno da qual os atores se agregaram.

Para sustentar o argumento de que parte dos desafios contemporâneos à democracia atualmente pode ser de ordem epistêmica, apresentaremos, na sequência, uma descrição de como as disputas se configuram. É a acusação da prática de homofobia pelo jogador com a postagem sobre a imagem do beijo do filho do Super-Homem que dá início à crise. Foi dos enunciados e das versões agenciando a categoria ‘homofobia’ para denunciar a postagem que resultou a pressão sobre o Minas, tanto por parte da opinião pública quanto por parte das empresas patrocinadoras da equipe masculina. Por isso, iniciamos a descrição do caso enfocando as interações discursivas que irão dar forma à coalizão anti-Maurício. Diante das acusações, e quase simultaneamente a elas, aparecem os defensores do atleta, que agem para afastar a acusação de homofobia seja apresentando a postagem como um ato de livre expressão, seja acusando os acusadores do jogador.

Nossa inspiração descritiva se aproxima de autores alinhados com a sociologia da crítica, segundo a qual explicar a ação é explicitá-la, é fazer entender o desenrolar do processo com atenção aos detalhes que os constituem, o que implica organizá-lo em uma trama compreensível, formada por sequências curtas de interação, ou jogos de enunciados. Neste contexto analítico, os relatos, as versões e os jogos de enunciação ganham centralidade. Em consonância com esse entendimento, apresentamos uma descrição dos jogos de enunciação, das tramas discursivas, das narrativas que vão se constituindo a partir do momento da postagem de Maurício sobre o beijo do filho do Super-Homem e das ações, reações, acusações, coalizões que se estabelecem a partir desse episódio.

Também em linha com a sociologia crítica, entendemos que o que se configura a partir do episódio da postagem é um affaire. Segundo essa vertente analítica, a inexistência de unanimidade acerca de um episódio, gerando uma série de enunciados e versões, de opiniões e posições sobre ele, é característica marcante dos affaires, situações em que se observa uma divisão em pelo menos dois campos em disputa. Esses campos, ou polos, podem ser fortemente assimétricos, mas estão sempre presentes, um deles sendo constituído pelos acusadores e pela vítima, e o outro sendo representado “pelos acusadores da acusação que recai sobre o acusado” (Lemieux, 2007LEMIEUX, C. L’accusation tolerante. Remarques sur lês rapports entre commérage, sacndale et affaire. In: OFFENSTADT, N.; VAN DAMME, S. (dir.). Affaires, scandales et grandes causes: de Socrate à Pinochet. Paris: Stock, 2007. p. 367-394.). Nos affaires, a divisão do público entre acusadores e defensores do acusado faz existirem sempre ao menos duas versões dos fatos. Cada um dos polos organiza estratégias e mobiliza categorias para chamar a atenção para seu posicionamento e para sua versão (Offenstadt; Van Damme, 2007OFFENSTADT, N.; VAN DAMME, S. (dir.). Affaires, scandales et grandes causes: de Socrate à Pinochet. Paris: Stock, 2007.).

Um beijo em quadrinho e a eclosão do debate

Em 12 de outubro de 2021, Dia de Nossa Senhora Aparecida e Dia das Crianças, o jogador de vôlei Maurício Souza fez uma postagem no Instagram criticando a publicação de uma história em quadrinhos em que Jonathan Kent, filho de Clark Kent com Louis Lane e futuro Super-Homem, beija outro rapaz e se revela bissexual (DC Comics…, 2021DC COMICS announces Superman’s son is bisexual. [S. l: s. n.], 12 out. 2021. 1 vídeo (1min56s). Publicado no canal NBC News. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qk4AkokZYxE . Acesso em: 5 fev. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=qk4AkokZ...
), como propagandeou a DC Comics, sua produtora. “Ah, é só um desenho, não é nada demais… Vai nessa que vai ver onde vamos parar…” (Souza, M., 2021aSOUZA, M. L. A é só um desenho […]. [S. l.], 12 out. 2021a. Instagram: @mauriciodovolei2210. Disponível em: Disponível em: https://www.instagram.com/p/CU8ZzR_g8TN/ . Acesso em: 12 fev. 2022.
https://www.instagram.com/p/CU8ZzR_g8TN/...
), postou o central da Seleção Brasileira de Vôlei usando a imagem do beijo.

Após a primeira postagem na mídia, em que Maurício tinha cerca de 250.000 seguidores, vieram a acusação de homofobia e esforços por fazer ver o caráter homofóbico de uma postagem sem menção textual à homossexualidade. Douglas Souza, colega de Maurício na Seleção, e Carol Gattaz, capitã da equipe feminina de vôlei do Minas e jogadora da Seleção, tomaram a frente nas críticas. Douglas, autodeclarado gay, ironizou o comentário postando a mesma imagem usada pelo colega com a seguinte mensagem:

Engraçado que não “virei heterossexual” vendo os super-heróis homens beijando mulheres… Se uma imagem como essa te preocupa, sinto muito mas eu tenho uma novidade pra sua heterossexualidade frágil kkkkkkkk Vai ter beijo sim. Obrigado DC por pensar em representar todos nós e não só uma parte. (Souza, D., 2021SOUZA, D. Engraçado que eu não “virei heterossexual” […]. [S. l.], 15 out. 2021. Instagram: @douglasouza. Disponível em: Disponível em: https://www.instagram.com/p/CVDuACZtYWs/ . Acesso em: 12 fev. 2022.
https://www.instagram.com/p/CVDuACZtYWs/...
).

Nessa mensagem, Douglas enquadra o problema como uma questão de “representação de todos”. Em seu entender, a imagem funciona para tornar presente a um público mais amplo uma sexualidade que ele julga ser pré-constituída à exposição a artefatos como a história em quadrinhos.

A ideia de que as pessoas não se tornam nem hétero nem homossexuais em função do que veem foi replicada nas mídias sociais por usuários comuns e outros medalhistas olímpicos no vôlei. Coube ao Minas, do qual Maurício era jogador, tentar encaminhar a situação para uma solução, e, quando o caso já tinha tomado as mídias, o clube se manifestou:

O Minas Tênis Clube está ciente do posicionamento público do atleta Maurício Souza, do Fiat/Gerdau/Minas. Todos os atletas federados à agremiação têm liberdade para se expressar livremente em suas redes sociais.

O Clube é apartidário, apolítico e preocupa-se com a inclusão, diversidade e demais causas sociais. Não aceitamos manifestações homofóbicas, racistas ou qualquer manifestação que fira a lei.

A agremiação salienta que as opiniões do jogador não representam as crenças da instituição sociodesportiva. O Minas Tênis Clube pondera que já conversou com o atleta e tem o orientado internamente sobre o assunto. (Minas Tênis Clube, 2021aMINAS TÊNIS CLUBE. Nota oficial: Minas Tênis Clube emite posicionamento sobre Maurício Souza, do Fiat/Gerdau/Minas. Belo Horizonte: Minas Tênis Clube, 25 out. 2021a. Disponível em: Disponível em: https://www.minastenisclube.com.br/noticias/volei-masculino-minas-tenis-clube-emite-posicionamento-sobre-mauricio-souza/ . Acesso em: 5 fev. 2022.
https://www.minastenisclube.com.br/notic...
).

Sem afirmar a prática de homofobia e, ao mesmo tempo, buscando descolar-se da manifestação de Maurício, a nota do clube expressa um esforço por compatibilizar inclusão, promoção da diversidade, condenação da homofobia e do racismo com a manutenção do jogador no elenco. Para isso, o Minas agencia a categoria ‘liberdade de expressão’, que aponta para um espaço de enunciação juridicamente circunscrito e protegido que, no entender do clube, incluiria a possibilidade de pôr em circulação preconceitos contra minorias. Além disso, ao afirmar “não aceitar casos de homofobia”, o clube acaba por reiterar a possível proximidade entre o episódio e a acusação de homofobia, sem, contudo, enquadrar como tal o ato do seu jogador.

A homofobia, após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2019, foi enquadrada no crime de racismo e sua associação com a violência se sobressai na justificação dos votos dos ministros do tribunal (Brasil, 2019BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de insconstitucionalidade por omissão 26 Distrito Federal. Relator: Min. Celso de Mello. Brasília: STF, 2019. Disponível em: Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=754019240 . Acesso em: 19 fev. 2022.
https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pa...
). Se entendemos que a justificação de decisões por parte do STF constitui um exercício de razão pública, também podemos entender que os ministros interagem com o que imaginam ser certa sensibilidade compartilhada por sua audiência. Um dos efeitos de sua decisão foi criminalizar a enunciação depreciativa de pessoas LGBTQIA+, e um dos efeitos dessa criminalização na vida social é que, quando invocada, a homofobia dá forma à figura do responsável pela violência, o homofóbico. Já o Minas, como as entrelinhas da nota deixam ver, entendia que a postagem de Maurício recaía naquele espaço de livre enunciação universalmente assegurado pela liberdade de expressão.

Jogadores comprometidos com a causa LGBTQIA+ e comentaristas leram no esforço de compatibilização do Minas uma espécie de condescendência, o que gerou indignação e aumentou os engajamentos nas mídias. No Twitter circulou largamente a sentença “Homofobia é crime, não é liberdade de expressão”, para enquadrar a manifestação de Maurício e estabelecer a distinção dela em relação a opiniões. Subjacente a essas manifestações estaria a percepção de que a violência se pratica tanto fisicamente quanto por palavras, quando estas produzem uma imagem depreciativa de uma comunidade.

No correr dos dias, a versão que enquadrava a postagem como um caso de ‘homofobia’ foi se potencializando e ganhando adesões. Os agentes eram agregados em função dos seus enunciados, o que em parte resulta do próprio funcionamento dos meios de comunicação nos quais eles circulavam, como o Twitter e o Instagram. Estes são tanto instrumentos quanto agentes, e agem (mediante a lógica dos algoritmos) facilitando a associação dos usuários em função de interesses expressos por palavras, imagens e mesmo pelo tempo de visualização de uma postagem. Na construção da figura pública do homofóbico, alguns reconstruíram o histórico de polêmicas de Maurício e realçaram sua associação ao presidente Jair Messias Bolsonaro, lembrando que o central da Seleção era um convicto apoiador do político, conhecido por declarações contrárias e agressivas dirigidas às identidades fora da norma heterossexual.

Duas das reações mais contundentes ao comentário de Maurício vieram de patrocinadoras da equipe. A automobilística Fiat emitiu comunicado exigindo que o Minas se posicionasse:

Em relação às recentes declarações do jogador Maurício Souza, da equipe de vôlei Fiat Minas Gerdau, a Fiat declara seu repúdio a toda e qualquer expressão de cunho homofóbico, considerando inaceitáveis as manifestações movidas por preconceito, ímpeto desrespeitoso ou excludente. A empresa pauta suas ações e relacionamentos com base em valores que considera inegociáveis, como o respeito à diversidade e à inclusão.

Assim, a Fiat repudia qualquer tipo de declaração que promova ódio, exclusão ou diminuição da pessoa humana e espera que a instituição tome as medidas cabíveis e necessárias no mais curto espaço de tempo possível. (Fiat Automóveis, 2021FIAT AUTOMÓVEIS. Estamos atentos aos últimos acontecimentos […]. [S. l.], 26 out. 2021. Twitter: @FiatBR. Disponível em: Disponível em: https://twitter.com/fiatbr/status/1453025868440289280 . Acesso em: 5 fev. 2022.
https://twitter.com/fiatbr/status/145302...
).

A empresa não hesitou em enquadrar a postagem do jogador como homofobia. Justificou seu posicionamento com base no “repúdio à promoção do ódio, da exclusão e da diminuição da pessoa humana”, ou seja, usando uma linguagem própria a teorias democráticas contemporâneas, pelas quais a democracia se reconfigura pelos direitos humanos (Benhabib, 2008BENHABIB, S. Another cosmopolitanism. New York: Oxford University Press, 2008.) e pela consequente proteção de minorias contra maiorias. Dito isso, a empresa afirmou esperar que o clube tomasse as “medidas cabíveis no mais curto espaço de tempo possível”.

No mesmo dia, a produtora de aço Gerdau, copatrocinadora da equipe masculina, publicou seu comunicado:

Estamos acompanhando atentamente as declarações do atleta Maurício Souza, jogador do time de vôlei masculino do Fiat/Gerdau/Minas. A Gerdau repudia qualquer tipo de manifestação de cunho preconceituoso ou homofóbico e já solicitou a posição oficial do clube sobre as tratativas necessárias ao caso para adotar as medidas cabíveis, o mais breve possível. Reforçamos nosso compromisso com a diversidade e inclusão, um valor inegociável para a companhia. (Gerdau, 2021GERDAU. Estamos acompanhando atentamente […]. [S. l.], 26 out. 2021. Twitter: @gerdau. Disponível em: Disponível em: https://twitter.com/gerdau/status/1453065130674114567 . Acesso em: 5 fev. 2022.
https://twitter.com/gerdau/status/145306...
).

Como a Fiat, a Gerdau demarcava publicamente sua trincheira na polêmica. Considerava que a manifestação de Maurício era “preconceituosa ou homofóbica” e, por essa razão, inaceitável para uma empresa que tem no “compromisso com a diversidade e na inclusão” um “valor inegociável” e que encontrou na diversidade expressa no vôlei o sentido do patrocínio.

As duas notas evidenciam, a seu turno, que o mundo corporativo incorporou a linguagem dos direitos humanos, em um processo que tem na ONU uma de suas promotoras e no Pacto Global um de seus instrumentos. Esse pacto consiste em uma plataforma que conecta empresas a princípios e agendas de direitos humanos, entre as quais a equidade de pessoas LGBTQIA+. Fiat e Gerdau são membros da Rede Brasil do Pacto Global (cf. Corporate…, 2015CORPORATE social responsability at CIE. CIE Automotive News, [s. l.], n. 28, p. 10-11, 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.cieautomotive.com/documents/10182/409094/CIE-magazine-EN+Digital-YbQBAH9N.pdf/df820754-5994-42c6-90bc-6833d06e6512 . Acesso em: 18 fev. 2022.
https://www.cieautomotive.com/documents/...
; Gerdau…, 2019GERDAU torna-se signatária do Pacto Global da ONU. In: GERDAU: notícias. [S. l.]: Gerdau, 16 ago. 2019. Disponível em: Disponível em: https://www2.gerdau.com.br/noticias/gerdau-torna-se-signataria-do-pacto-global-da-onu/ . Acesso em: 18 fev. 2022.
https://www2.gerdau.com.br/noticias/gerd...
). Embora não obrigue as empresas, o documento é um elemento de globalidade e fornece às patrocinadoras uma linguagem em que elas podem dar forma pública à sua posição. As respostas às patrocinadoras deixam ver tanto os contornos do problema quanto os termos em torno dos quais a disputa se desenha.

De um lado, multiplicam-se as manifestações que enquadram a postagem de Maurício como ‘homofobia’, e não raro elas são acompanhadas de agradecimento às empresas pelo posicionamento. No Twitter, mídia pela qual acompanhamos a polêmica em tempo real, essas mensagens se somam pelo uso do enunciado “#HomofobiaÉCrime”.3 3 Cf. https://twitter.com/search?q=(maur%C3%ADcio)%20(%23homofobiaecrime)&src=typed_query (último acesso: 18/02/2022). Essa forma, típica da mídia, funciona tanto como um convite a compartilhar a mensagem quanto como um mecanismo de agregação de postagens. Por força dessa agregação automática, os usuários agem para que seu enunciado apareça entre os assuntos mais comentados da mídia em determinado momento, disputando a atenção da audiência e o enquadramento do problema. Antigos apoiadores do presidente da República Jair Bolsonaro, como o ginasta olímpico autodeclarado homossexual Diego Hypólito (Luciano…, 2021LUCIANO Huck e Diego Hypólito falam sobre polêmica com Maurício Souza no ‘Show dos Famosos’. [S. l: s. n.], 31 out. 2021. 1 vídeo (3min45s). Publicado no canal Nicolas Muniz. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sglPZ07dO4Q . Acesso em: 18 fev. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=sglPZ07d...
) e o jornalista Britto Jr. (Jogador…, 2021JOGADOR homofóbico. [S. l: s. n.], 27 out. 2021. 1 vídeo (6min47s). Publicado no canal Britto Jr TV. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=NMrTIyjCPYM . Acesso em: 18 fev. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=NMrTIyjC...
), comentaram a ‘homofobia’ de Maurício no programa dominical de Luciano Huck e em canal no YouTube, respectivamente. Mas, apesar de os usuários encontrarem na escrita uma forma de ação, de poderem coordenar suas práticas e mesmo de comunicar ideias a estratégias, dificilmente tais mídias configuram uma esfera pública no sentido de espaço pelo qual circulam opiniões refletidas, formadas a partir da leitura compartilhada de mídia impressa, ou seja, no sentido de espaço crítico (Habermas, 2014HABERMAS, J. Mudança estrutural na esfera pública. São Paulo: Editora Unesp, 2014.; Kant, 2013KANT, I. An answer to the question: ‘what is enlightenment?’. In: REISS, H. S. (ed.). Kant: political writings. Cambridge: Cambridge University Press, 2013. p. 54-60.). O caso Maurício nos mostra que elas podem configurar um espaço de denúncia, no qual a palavra emoldura o outro, sem necessariamente revelar quem é o agente desse processo de emolduração.

De outro lado vão se avolumando as manifestações de apoio a Maurício. No Twitter, elas se agregam pela hashtag “#SomosTodosMauricioSouza”, fórmula globalmente usada para expressar solidariedade em caso de injustiça e/ou violência. No caso de Maurício, a solidariedade se traduz em um aumento vertiginoso de seu número de seguidores no Twitter e no Instagram, bem como na discussão da polêmica em espaços midiáticos ocupados por autodeclarados conservadores. Uma nova configuração então se delineia: a dos acusadores da acusação, que nesse movimento denunciam a acusação feita ao esportista. Defensores e o próprio Maurício reiteram uma justificativa comum: o jogador teria emitido uma opinião, exercido sua liberdade de expressão, e não praticado homofobia. Não contestam, portanto, a possibilidade da prática de homofobia em outras circunstâncias, mas correlacionam o termo a uma ideia específica e restritiva de violência.

A pressão das patrocinadoras, motivada pela antecipação de como poderiam aparecer publicamente por conta do caso, surtiu efeito. Na noite do mesmo dia em que elas publicaram suas notas oficiais, o Minas informa o afastamento do jogador e sua orientação para que ele se retratasse:

O presidente do Minas Tênis Clube, Ricardo Vieira Santiago, se reuniu com o atleta Maurício Souza esta tarde e lhe informou sobre o seu afastamento por tempo indeterminado do Fiat/Gerdau/Minas.

O atleta também recebeu uma multa e foi orientado a fazer uma retratação pública imediata.

O Minas Tênis Clube reforça que não aceita e não aceitará manifestações intolerantes de qualquer forma e que intensificará campanhas internas em prol da diversidade, respeito e união, por serem causas importantes e alinhadas com os valores institucionais. (Minas Tênis Clube, 2021bMINAS TÊNIS CLUBE. Nota oficial: Minas Tênis Clube emite novo posicionamento sobre o atleta Maurício Souza, do Fiat/Gerdau/Minas. Belo Horizonte: Minas Tênis Clube, 26 out. 2021b. Disponível em: Disponível em: https://www.minastenisclube.com.br/noticias/volei-masculino-minas-afasta-mauricio-souza/ . Acesso em: 5 fev. 2022.
https://www.minastenisclube.com.br/notic...
).

Minutos depois, Maurício posta no Twitter, no qual tinha 50 seguidores, uma mensagem com pedido de desculpas por sua postagem a respeito do beijo do filho do Super-Homem:

Olá pessoal tudo bem? Após conversar com minha família, colegas de equipe e com à [sic] presidência do clube, sobre as publicações feitas no meu perfil. Venho a público pedir desculpas se minha opinião tenha ofendido ou machucado alguém ou alguma comunidade. Não foi minha intenção! (Souza, M., 2021bSOUZA, M. L. Olá pessoal, tudo bem? Belo Horizonte, 26 out. 2021b. Twitter: @mauriciovolei1. Disponível em: Disponível em: https://twitter.com/mauriciovolei1/status/1453146279438082060 . Acesso em: 5 fev. 2022.
https://twitter.com/mauriciovolei1/statu...
).

Em seguida, retorna ao Twitter com comentário a outra foto, na qual aparece com número e nomes do clube e patrocinadoras bem visíveis: “Pessoal, após conversar com meus familiares, colegas e diretoria do Clube, pensei muito sobre as últimas publicações que eu fiz no meu perfil. Estou vindo a público pedir desculpas a todos a quem desrespeitei ou ofendi, esta não foi minha intenção” (Souza, M., 2021cSOUZA, M. L. Pessoal, após conversar com meus familiares […]. Belo Horizonte, 26 out. 2021c. Twitter: @mauriciovolei1. Disponível em: Disponível em: https://twitter.com/mauriciovolei1/status/1453150862306693132 . Acesso em: 5 fev. 2022.
https://twitter.com/mauriciovolei1/statu...
). Na sequência reforça: “Tenho refletindo [sic] muito e reitero minhas desculpas pelo posicionamento” (Souza, M., 2021dSOUZA, M. L. Tenho refletindo muito e reitero […]. Belo Horizonte, 26 out. 2021d. Twitter: @mauriciovolei1. Disponível em: Disponível em: https://twitter.com/mauriciovolei1/status/1453151168805343242 . Acesso em: 5 fev. 2022.
https://twitter.com/mauriciovolei1/statu...
).

A uma parte da audiência o teor das postagens pareceu incongruente. O uso dos verbos pensar e refletir faz ver uma enunciação como opinião depurada de dogmas, crenças, preconceitos, porque, embora ideias filosóficas e elaborações teóricas tenham circulação restrita, elas podem ocasionalmente constituir uma espécie de senso comum, sendo largamente compartilhadas. No caso, os verbos poderiam fazer a audiência perceber uma mudança. Mas o que ela rapidamente acusa é a indisposição do jogador, pois a postagem inicial, que gerou a crise, circulou por uma mídia em que Maurício tinha cerca de 250 mil seguidores, ao passo que a retratação foi feita em outra mídia, em que ele tinha 50 seguidores. Por isso as mensagens acabaram sendo recebidas como uma recusa de retratação, argumento reiterado em múltiplos enunciados da coalizão que acusa Maurício de homofobia. Sua forma de ação revelou, assim, sua indisposição de se retratar, a despeito do teor das mensagens.

Esse argumento estava presente, por exemplo, na colocação do apresentador do Globo Esporte Felipe Andreoli, que qualificou de “covarde” a atitude de Maurício (Felipe…, 2021FELIPE Andreoli manda recado para bolsonarista Maurício de Souza do Vôlei. [S. l: s. n.], 28 out. 2021. 1 vídeo (28s). Publicado no canal Cortes de Tudo. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=j2e1Kww5VJ8 . Acesso em: 18 fev. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=j2e1Kww5...
). Em resposta, logo foram resgatados tuítes e vídeos que registravam falas antigas de Andreoli ofensivas a homossexuais e negros. No Twitter, defensores de Maurício puseram esse material em circulação com a hashtag “#ExposedAndreoli”4 4 Cf. https://twitter.com/hashtag/ExposedDoAndreoli?src=hashtag_click (último acesso: 18/02/2022). e “#GloboLixo”.5 5 Cf. https://twitter.com/search?q=%23GloboLixo%20Maur%C3%ADcio%20&src=typed_query&f=top (último acesso: 18/02/2022). Era uma ação destinada a chamar a atenção para a denúncia do que percebiam como hipocrisia e oportunismo dos acusadores de Maurício. Andreoli respondeu:

O que era piada, hoje sabemos que mata. E por isso é crime. O mundo mudou, longe de ser suficiente. […] Mas tenho orgulho de ter aprendido, estudado a ponto de poder lutar e combater no lado certo. (Andreoli, 2021ANDREOLI, F. Sim, o print é eterno […]. São Paulo, 29 out. 2021. Twitter: @andreolifelipe. Disponível em: Disponível em: https://twitter.com/andreolifelipe/status/1454202557677678595 . Acesso em: 5 fev. 2022.
https://twitter.com/andreolifelipe/statu...
).

As piadas de Andreoli expostas como homofóbicas e racistas tornaram-se, a seu ver, formas de violência. Por isso, constata o apresentador, o mundo mudou - para melhor, subentende-se - e a criminalização de tais expressões era resultado dessa mudança de percepção compartilhada.

A essa altura o caso já era o assunto mais comentado do momento. Estampava a capa do caderno de esportes do jornal O Globo, em dia de jogo do Flamengo pela semifinal da Copa do Brasil. Foi o principal assunto do programa esportivo Seleção SporTV, suscitando o engajamento de André Rizek, Carlos Eduardo Lino, Paulo César Vasconcelos e Walter Casagrande, que se posicionaram, todos, contra a atitude de Maurício. Com o peso das suas experiências como vítima de racismo, Vasconcelos aproximou dele a homofobia e afirmou que a punição dada a Maurício era “muito branda”: para amparar seu argumento, o jornalista aciona o código da família, associando a postagem de Maurício a uma experiência de discriminação compartilhada por um senador da República na CPI da Covid e ao futuro que ele imagina para as gerações que acabam de vir ao mundo. Como Vasconcelos declara,

quando o senador Fábio Contarato, numa CPI de Covid, fala para um empresário o que a família do senador sofreu e o senador é homossexual, ali nós temos a demonstração de que estágio se encontra a sociedade brasileira. O combate… E você hoje postou na sua rede social, no Twitter, algo muito interessante, que é também o que eu me apoio quando penso no meu neto, Benjamin, que tem 4 anos: eles vão crescer num mundo melhor, André. Agora, vou te dizer o seguinte: a luta é diária, é constante, a gente tem que ir pro confronto, e a palavra “conciliação” me parece que não cabe nesse momento. (Seleção…, 2021SELEÇÃO SporTV discute caso de Maurício Souza do Vôlei. [S. l: s. n.], 27 out. 2021. 1 vídeo (17min50s). Publicado no canal Ge. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=GqSnFjJXaes . Acesso em: 5 fev. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=GqSnFjJX...
).

Essa imaginação se forja a partir de elementos que estão no presente e faz ver a imagem de um mundo que se faz melhor pela inclusão; mas, Vasconcelos alerta, sua realização não está garantida. O futuro é, para ele, algo a ser construído e sua orientação precisa ser disputada, explicitando uma dimensão que se tornará central no debate: na e com a família, disputam-se os sentidos do mundo.

Ao mesmo tempo, o programa Morning Show (Treta…, 2021TRETA! Maurício Souza foi homofóbico? [S. l: s. n.], 27 out. 2021. 1 vídeo (16min40s). Publicado no canal Morning Show. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=9eHbpLv5Zjo . Acesso em: 5 fev. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=9eHbpLv5...
), da rádio e do canal televisivo Jovem Pan, explicitou a concepção de homofobia, e, por consequência, de violência, que está sendo disputada pelas duas versões em torno do caso. No programa, o apresentador Paulo Mathias e o jornalista Vinicius Moura abriram a discussão com uma reconstrução do caso, afirmando a inadequação da retratação de Maurício. O jornalista Adrilles Jorge opina que o comentário era “impreciso” e conclui dessa indeterminação a impropriedade de se falar em homofobia. Joel Pinheiro, comentarista no programa à época e colunista da Folha de S. Paulo, empenha-se em fazer ver no não dito um ato de homofobia. “Ele não xingou ninguém. Foi uma frase”, afirma a comentarista cubano-brasileira Zoe Martínez, deixando ver que a contestação da prática de homofobia se dava pela inexistência de uma pessoa violentada. Se não há uma vítima da violência, não haveria violência. Já nos enunciados da coalização de acusação a Maurício, a concepção de violência é ampliada, e abrange o ataque à publicização da existência da homossexualidade.

Fiat e Gerdau consideraram a retratação insuficiente e se mostraram aliadas importantes da coalizão anti-Maurício (Vecchioli, 2021VECCHIOLI, D. Patrocinadores dizem que retratação de Maurício no Twitter não é suficiente. UOL, [s. l.], 27 out. 2021. Disponível em Disponível em https://www.uol.com.br/esporte/colunas/olhar-olimpico/2021/10/27/fiat-diz-que-desculpas-de-mauricio-souza-no-twitter-nao-e-suficiente.htm . Acesso em: 5 fev. 2022.
https://www.uol.com.br/esporte/colunas/o...
). Sob o peso do patrocínio, Maurício postou um vídeo de mais de três minutos na manhã seguinte. Desculpava-se pelo que insistia em enquadrar como opinião, apelava a seu direito de “defender o que acredita”, afirmava que sua opinião não precisava ser “motivo de briga”, externava sua tristeza por não se poder mais opinar, nem defender os valores que se acredita serem os certos:

Respeito todos, sempre respeitei. Na minha carreira joguei com vários homossexuais, nunca desrespeitei, sempre fiz amizade. Tá bom? Então isso não justifica. Não só homossexuais, como também lésbicas, enfim, todo tipo, todo gênero, é, toda pessoa com gênero diferente. Tá bom. É, eu fico triste com tudo o que tá acontecendo porque, é, infelizmente a gente não pode mais dar opinião, a gente não pode mais colocar os valores acima de tudo, os valores de família, os valores do que a gente acredita; mas os valores de vocês a gente tem que respeitar a qualquer custo, senão a gente é tachado como homofóbico, como preconceituosos. Eu não concordo com isso. Tá bom? Eu tou passando por dificuldades no time, talvez eu venha a sair do time por conta de uma opinião. A vontade de vocês foi essa, e está sendo acatada. Tá bom? Hoje em dia a gente não pode mais dar opinião sobre nada, que a gente vai ser penalizado. (Souza, M., 2021eSOUZA, M. L. Hoje estou pedindo desculpas […]. [S. l.], 27 out. 2021e. Instagram: @mauriciodovolei2210. Disponível em: Disponível em: https://www.instagram.com/p/CVioCuPDjTc/ . Acesso em: 5 fev. 2022.
https://www.instagram.com/p/CVioCuPDjTc/...
).

A seu ver, as diferenças podem coexistir graças à liberdade de discordar, de expressar inclusive discordâncias radicais. Em nenhum momento o jogador coloca que cometeu qualquer tipo de violência: pelo contrário, Maurício se diz próximo de homossexuais. Mas vai deixando claro a cada aparição que, a seu ver, o desenho representa um perigo para crianças.

Para seus acusadores, a expressão de preconceitos contra homossexuais está excluída da esfera das discordâncias possíveis. Já para Maurício seria apenas o exercício de sua liberdade de opinar e de defender seus ‘valores de família’, em consonância com a “religião cristã”. Com essa matriz argumentativa, transmuta o enfretamento discursivo acerca da homofobia em um debate sobre democracia e estado de direito no Brasil. Ele contrasta, afinal, o que percebe como cerceamento da sua liberdade de opinar e de defender seus valores com a demanda de seus críticos, que pressionaram o clube e as patrocinadoras, por “respeito”. Busca, com isso, tornar visível o que percebe como uma assimetria entre os que estão na posição dele e os que querem ser respeitados sem respeitar a opinião alheia.

Eu acho que não foi crime nenhum o que eu fiz. Foi apenas defender o que acredito e colocar minha opinião em cima disso. Se isso ofendeu alguém, mais uma vez eu peço desculpas. Não foi minha intenção. Tá certo? […] Eu vi hoje que eu realmente não estou sozinho nessa luta. Tá bom? Que eu não quero que seja luta, eu quero que seja união. As pessoas têm de parar de separar. (Souza, M., 2021eSOUZA, M. L. Hoje estou pedindo desculpas […]. [S. l.], 27 out. 2021e. Instagram: @mauriciodovolei2210. Disponível em: Disponível em: https://www.instagram.com/p/CVioCuPDjTc/ . Acesso em: 5 fev. 2022.
https://www.instagram.com/p/CVioCuPDjTc/...
e).

Como mostra a passagem, o cerne do convívio democrático para ele seria o respeito mútuo. Era essa reciprocidade no respeito ao espaço de enunciação que possibilitaria a reunião daquilo que “as pessoas” insistiam em separar. O código da unidade nacional está implícito. Sua pregação de união contrasta com a afirmação de que sua “luta” é a “luta” de muitos, dado o crescimento de seu número de seguidores, e ainda com a divisão entre “nós” e “vocês”, as pessoas que supostamente não compartilham dos mesmos valores que ele, aquelas que taxam a sua atitude como violenta e homofóbica. A retratação, pois, já trazia elementos da nova acusação que se configura, da disputa de versões que se desenhou a partir do episódio: a de que ele, Maurício, não teria liberdade (ou direito) de expressar publicamente seus valores.

A uma parte da audiência, o vídeo não aponta uma mudança de posicionamento, levando-o a produzir efeito reverso. O técnico do Brasil Renan dal Zotto, inicialmente hesitante em se posicionar, declarou em entrevista ao jornal O Globo, publicada também no Extra (Knoploch , 2021KNOPLOCH, C. Renan dal Zotto fecha as portas da seleção brasileira de vôlei para Maurício Souza. Extra, Rio de Janeiro, 27 out. 2021. Disponível em: Disponível em: https://extra.globo.com/esporte/renan-dal-zotto-fecha-as-portas-da-selecao-brasileira-de-volei-para-mauricio-souza-25254152.html . Acesso em: 5 fev. 2022.
https://extra.globo.com/esporte/renan-da...
), que as portas da Seleção estavam fechadas para ele. A opinião do jogador era inaceitável por expressar um preconceito, independentemente de configurar ou não crime de homofobia.

A ação de comunicação do Minas resultou, enfim, na dissolução do vínculo contratual. Diante dos questionamentos de seus apoiadores, o jogador foi mais uma vez ao Instagram e afirmou, em vídeo, que o Minas teve de ceder às pressões das patrocinadoras:

A culpa de tudo não é do [M]inas! A culpa é da galera que não aceita mais opinião contrária a [sic] deles, qualquer coisa falada que não seja o que eles aprovam você é homofóbico e preconceituoso fato. A tolerância do outro lado é zero! (Souza, M., 2021fSOUZA, M. L. A culpa de tudo não é do minas! [S. l.], 28 out. 2021f. Instagram: @mauriciodovolei2210. Disponível em: Disponível em: https://www.instagram.com/p/CVkn_PfgQAL/ . Acesso em: 18 fev. 2022.
https://www.instagram.com/p/CVkn_PfgQAL/...
).

Mas, como podemos notar, Maurício tem como suposto que a pressão das patrocinadoras seria decorrente da intolerância da ‘turma da lacração’ a toda manifestação contrária aos sentidos e valores que ela compartilha. Da sua ótica, o ‘outro lado’ seria, em outras palavras, refratário ao diferente, embora reivindique a diversidade. “Sigo meu caminho plantando o que acredito, meu legado continua! O que deixarei para meus filhos e netos é o que conta no final” (Souza, M., 2021fSOUZA, M. L. A culpa de tudo não é do minas! [S. l.], 28 out. 2021f. Instagram: @mauriciodovolei2210. Disponível em: Disponível em: https://www.instagram.com/p/CVkn_PfgQAL/ . Acesso em: 18 fev. 2022.
https://www.instagram.com/p/CVkn_PfgQAL/...
), afirma.

Em sua mensagem de despedida, Maurício aciona os códigos de família e patrimônio moral, remetendo ao início do imbróglio: os tipos de família e moralidade defendidos pela nova imaginação DC Comics e de seus personagens inclusivos. Mostrando disposição para o embate, um dia após seu desligamento, o jogador lança uma provocação: posta, agora com cerca de dois milhões de seguidores no Instagram, o desenho em quadrinhos do Super-Homem beijando a Mulher Maravilha (Souza, M., 2021gSOUZA, M. L. Bom dia. [S. l.], 28 out. 2021g. Instagram: @mauriciodovolei2210. Disponível em: Disponível em: https://www.instagram.com/p/CVkgCxJLE8B . Acesso em: 18 fev. 2022.
https://www.instagram.com/p/CVkgCxJLE8B...
). A mesma imagem ou outras semelhantes foram replicadas por seus apoiadores, anônimos ou famosos.

Desdobramentos analíticos: as coalizões em operação

O caso em torno da postagem de Maurício se configura, primeiro, em torno da questão da homofobia, termo que tem ao menos dois registros no repertório cívico brasileiro: é um nome do léxico jurídico e um termo classificatório de um imaginário da homossexualidade que vai se moldando em um processo de crítica social e institucional das relações de gênero e sexualidade com base em interpretações de ideias como “direitos humanos” e “diversidade”. Nessa instância, o ‘homofóbico’, mais do que alguém que comete o crime de homofobia, é uma figura pública que se plasma no avesso de uma categoria cujos sentidos são disputados: a homossexualidade.

Na acusação dirigida contra Maurício, a figura do ‘homofóbico’ aparece de partida, ao passo que os contornos da figura que se mostrará sua concorrente, a do “perseguido”, delineiam-se à medida que a coalizão pró-Maurício põe em circulação a acusação de ‘censura’ dirigida contra os acusadores do jogador, que incorreriam em ‘cerceamento da liberdade de expressão’ e ‘autoritarismo’. Com essas contra-acusações, remetem ainda a outras figuras de certo imaginário nacional contemporâneo: a ‘ditadura gay’ e as estratégias de dominação política da sociedade a partir da ‘destruição da família’ e dos ‘valores cristãos’, a unidade básica a partir da qual a nação se reproduziria. Nessa coalizão, os atores buscam emprestar plausibilidade à sua acusação agenciando o nome ‘cristão’, o que produz um deslizamento do seu significado e reenquadra o sentido de democracia.

A homofobia ganhou forma jurídica apenas recentemente no país, em paralelo com a afirmação de direitos e a elaboração de políticas públicas voltadas para a diversidade, que também têm história recente no Brasil. As ações e políticas públicas visando à valorização dos direitos humanos tomam impulso durante os governos Fernando Henrique Cardoso (1994 a 2001),6 6 Nesse período, foi retomada a promoção dos direitos humanos no Brasil, a atuação do Executivo federal enfatizou a promoção e a defesa dos direitos civis e políticos (González, 2010). e nos mandatos de Lula (2002 a 2010) ganham nova orientação, pela qual questões raciais, étnicas, sexuais e reprodutivas passam a ocupar um papel de destaque na elaboração de programas e políticas. A agenda da Secretaria dos Direitos Humanos, criada no governo Fernando Henrique, adere à política dos direitos da diversidade, a partir de diálogos estabelecidos com as demandas dos movimentos LGBTQIA+, feminista, negro, indígena. Nesse contexto, as políticas e direitos voltados para a diversidade entram com força nas esferas política, jurídica e educacional, especialmente.

Exemplo disso foi a última atualização do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH), que propôs uma expansão de direitos, abordou a descriminalização do aborto, da união civil entre pessoas do mesmo sexo, do direito de adoção por casais homoafetivos, entre outros direitos (Adorno, 2010ADORNO, S. História e desventura: o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 86, p. 5-20, 2010.) que, até aquele momento, não haviam sido priorizados pelo governo federal. O lançamento do terceiro PNDH representa o deslocamento dessa agenda para uma posição mais central nas políticas de direitos humanos e pode ser considerado o ápice de um processo que teve início na década de 1990, quando o paradigma da inclusão começa a ganhar cada vez mais espaço no debate sobre questões de justiça no Brasil. Esse paradigma justifica a necessidade de políticas públicas voltadas para a valorização da diversidade e das minorias - sexuais, de gênero, raciais, étnicas, religiosas.

Mas a valorização da diversidade e sua relação com a democracia não se constroem abruptamente. Essa construção é lenta e acompanhada da formação de uma sensibilidade que, ao ser acionada pelos agentes, faz perceber como inaceitáveis a violação de certos corpos (Hunt, 2009HUNT, L. A invenção dos direitos humanos: uma história. Tradução de Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.) e a discriminação dos grupos a que pertencem. Para acioná-la, os agentes usam os códigos da violência e do sofrimento. Nesse contexto significativo, a denúncia de homofobia causa comoção e revolta, levando os agentes a uma intensa produção discursiva.

Tendo tudo isso em conta, interessa-nos analisar nesta seção como, imersas em uma nova sensibilidade, formam-se e operam as coalizões, dando os específicos contornos do affaire. O poder dessas formações está assentado em sua capacidade de apresentarem-se em público como uma totalidade. Registros aglutinadores, como ‘homofobia’, ‘homofóbico’, ‘conservador’, ‘turma da lacração’, ‘cancelamento’, ‘esquerdistas’, e interpretações compartilhadas produzem um efeito de unidade e também de oposição binária, que constitui inimigos comuns a serem combatidos. Por força desse efeito, quem vê a coalizão desde fora imagina organicidade e estabilidade. Nas duas seções seguintes, analisaremos como as coalizões anti-Maurício e pró-Maurício funcionaram a partir de uma análise etnográfica de suas configurações e dos termos acionados por cada uma delas e disputados entre elas.

O inimigo pelo espelho

A formação da coalizão pró-Maurício indica que uma nova versão do caso ganhou plausibilidade. Segundo essa nova interpretação, a ‘liberdade de expressão’ de Maurício teria sido violada. A defesa das liberdades é a causa comum em torno da qual essa coalizão se forma e, de maneira mais ou menos sutil, também a defesa da democracia, dado o caráter crucial da liberdade de expressão no regime democrático.

O código para a percepção de como ‘o homossexual’ assombra a imaginação dos autodeclarados ‘conservadores’ é a “sexualização das crianças”, que tem sido recorrente em ações contra propagandas que publicizam aspectos da vivência homossexual.7 7 Um comentário de Zoe Martínez no programa Morning Show, da Jovem Pan, é exemplar dessa construção (Treta…, 2021). A figura da criança, por sua vez, deve permanecer circunscrita em outra entidade central no debate: a família. Para os defensores do jogador, o beijo do Super-Homem na Mulher Maravilha postado por Maurício põe as crianças no caminho reto, ao passo que ‘o homossexual’ desvia a infância por caminhos que a afastam da heteronorma (Butler, 2018BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.; Foucault, 2012FOUCAULT, M. História da sexualidade I: a vontade de saber. São Paulo: Paz e Terra, 2012.).

Em meio ao embate entre acusadores e defensores de Maurício, o humorista Pedro Manso usou o Instagram para compartilhar uma foto do Super-Homem com sua “família tradicional”, formada por pai, mãe e filho. “Família benção de Deus”, postou. Segundo o portal RD1 (Carvalho, 2021CARVALHO, P. Pedro Manso se envolve em polêmica e defende a “família tradicional”. RD1, [s. l.], 31 out. 2021. Disponível em: Disponível em: https://rd1.com.br/pedro-manso-se-envolve-em-polemica-e-defende-familia-tradicional/ . Acesso em: 5 fev. 2022.
https://rd1.com.br/pedro-manso-se-envolv...
), seus seguidores reforçaram: “Para sempre tradicionais”, assegurou um. “O povo só inventa, quer fazer um super-herói gay inventa um, mas não fica mudando o que a gente já conhece, que mundo estamos vivendo”, disparou outro. Já o humorista Fábio Rabin (Filho…, 2021FILHO do Super Homem gay/Halloween - Fábio Rabin (comédia stand up). [S. l: s. n.], 1 nov. 2021. 1 vídeo (7min6s). Publicado no canal Fábio Rabin. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=lA6vzcFzmM4 . Acesso em: 5 fev. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=lA6vzcFz...
) transforma a questão em alvo de risos em seu show: “Você não precisa se preocupar com isso, mano. Porque, se seu filho for burro nesse nível, ele vai morrer nas páginas anteriores tentando voar.” Ou seja, a apresentação da homossexualidade em imagens seria inofensiva no que se refere à sexualidade que cada um tem ou terá. Mais importante, é o homofóbico, não ‘o homossexual’, que é motivo de piada.

A coalizão pró-Maurício vai se constituindo a partir de interpretações e acusações que se constroem nas mídias sociais e em veículos como Jovem Pan e RedeTV. Uma de suas considerações, vocalizada pelo comentarista Rodrigo Constantino (Cancelaram…, 2021CANCELARAM Maurício Souza: os fascistas avançam! [S. l: s. n.], 28 out. 2021. 1 vídeo (8min22s). Publicado no canal Rodrigo Constantino. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zj4oVdCCJm4 . Acesso em: 5 fev. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=zj4oVdCC...
), é a de que se trata de uma personagem tradicional, em relação com a qual gerações se formaram e cujo problema “sempre foi com criptonita”, não “com mulher”. Interessantemente, quando apela à importância da personagem na formação de ‘gerações anteriores’, Constantino deixa ver o que está em disputa no embate das duas coalizões, o imaginário social, entendido como uma imagem compartilhada que faz fazer, ou seja, que tem uma dimensão performativa em determinado contexto (Ezrahi, 2012EZRAHI, Y. Imagined democracies: necessary political fictions. New York: Cambridge University Press, 2012.). Buscando um espelhamento que sugerisse simetria entre práticas, Constantino denuncia a existência de uma ‘heterofobia’, que inibiria a manifestação de opiniões como “eu não quero que o Super-Homem seja homossexual”. Segundo ele, práticas como a dos ‘censores’ de Maurício ajudariam a entender a reação do ‘povo’, que tinha saído em apoio maciço ao jogador, multiplicando em muitas vezes seu número de seguidores.

Quando aciona o código do povo, Constantino põe em disputa a unidade social. Da sua parte, essa disputa passa pela afirmação de que o ativismo não representa as minorias. Essa afirmação ecoa, por exemplo, na ex-jogadora de vôlei, atleta olímpica e comentarista Ana Paula Henkel (Web…, 2021WEB sai em apoio a Maurício Souza e posta beijo hétero do Superman. [S. l: s. n.], 28 out. 2021. 1 vídeo (18min59s). Publicado no canal Os Pingos nos Is. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=4T66mUEc8XA . Acesso em: 5 fev. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=4T66mUEc...
), entre outros, segundo a qual o ativismo LGBTQIA+ e o feminismo “não representam os gays conservadores, as mulheres conservadoras”, e foram ‘cooptados’ pela esquerda. Henkel e Constantino argumentam que, ao contrário de representarem o ‘povo’, os movimentos representam uma minoria dentro das minorias (Cancelaram…, 2021CANCELARAM Maurício Souza: os fascistas avançam! [S. l: s. n.], 28 out. 2021. 1 vídeo (8min22s). Publicado no canal Rodrigo Constantino. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zj4oVdCCJm4 . Acesso em: 5 fev. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=zj4oVdCC...
). Esse é um tipo de construção que mina o fundamento da legitimidade da voz do ativismo e, por conseguinte, sua capacidade de angariar apoio público. Vídeos de homossexuais que se declaram ‘de direita’ ou ‘conservadores’ em apoio ao Maurício foram replicados em plataformas como o TikTok para servirem de prova dessa versão dos fatos.8 8 Ver, por exemplo, o vídeo disponível em Eller (2021).

Nessa construção encontra-se um elemento epistêmico proeminente na ideia de democracia veiculada na coalizão pró-Maurício: o problema é interpretado como sendo afeto a uma maioria silenciosa contra uma ‘minoria barulhenta’, que “politiza tudo”, ‘silencia’ aqueles que dela discordam e é, por esse conjunto de razões, ‘fascistoide’, ‘totalitária’ (Cancelaram…, 2021CANCELARAM Maurício Souza: os fascistas avançam! [S. l: s. n.], 28 out. 2021. 1 vídeo (8min22s). Publicado no canal Rodrigo Constantino. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zj4oVdCCJm4 . Acesso em: 5 fev. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=zj4oVdCC...
). Há, em suma, nas falas de atores na coalização pró-Maurício uma sobreposição de ativismo, posição política à esquerda, autoritarismo e censura. Em qualquer caso, é o ativismo LGBTQIA+, e não ‘o homossexual’, o seu antagonista. Já a sobreposição de ativismo, esquerda e autoritarismo deixa ver elementos que permitem caracterizar uma narrativa fechada à ‘esquerda’ e antiminoritária.

Nos jogos de enunciados presentes nesta coalizão, a democracia pressupõe que há assuntos, práticas e esferas que não devem ser politizados, como a infância, e a ação dos movimentos LGBTQIA+ e feministas, ambos descritos como adeptos da ‘ideologia de gênero’, acabaria por politizá-la ao tornar visível aquilo que deveria permanecer circunscrito ao mundo privado dos adultos e do não discutível. Figuras políticas como a vereadora de Londrina Jessicão9 9 Em vídeo que estava disponível em https://m.facebook.com/ZambelliOficial/videos/vereadora-arrebenta-turma-da-lacra%C3%A7%C3%A3o/620599539093121/ e nosso último acesso a ele aconteceu em 05/22/2022. No momento da publicação deste artigo, no entanto, ele está indisponível. Foi retirado do ar, justamente porque a autora está com problemas judiciais por conta da circulação de conteúdo na internet. (PP-PR), que se apresenta como “sapatão raiz e homossexual assumida”, e a deputada federal pelo PSL-SP Carla Zambelli endossaram a posição de Maurício, argumentando que se tratava de proteger as crianças contra a “erotização precoce, contra a ideologia de gênero”. Evocando a autodeclaração do jogador como ‘cristão’, o vereador de Belo Horizonte Nikolas Ferreira (PRTB-MG) acusa a ação da coalizão anti-Maurício de ‘cristofobia’ e interpreta o quadrinho da DC Comics como expressão da uma estratégia de dominação cultural da esquerda (Nikolas…, 2021NIKOLAS Ferreira fala sobre o caso do jogador Maurício Souza. [S. l: s. n.], 28 out. 2021. 1 vídeo (10min32s). Publicado no canal Pânico Jovem Pan. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=scVxKE9BwD0 . Acesso em: 5 fev. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=scVxKE9B...
). Essa posição não implica, contudo, uma total negação da realidade da discriminação por orientação sexual ou de que se trate de um problema social.

Na coalizão anti-Maurício, a seu turno, o nome homofobia é aglutinador. Um grupo de 20 parlamentares de todo o país e diferentes partidos políticos, entre os quais a vereadora de São Paulo e transexual Erika Hilton (PSOL-SP) e o senador Fabiano Contarato (Rede-ES), acionou o Ministério Público contra Maurício. Mas o termo requer esclarecimentos. O que é homofobia? Por que foi homofobia? Ela difere ou não da manifestação de um preconceito? Como dito acima, no Brasil homofobia tem um duplo registro: é um nome do léxico jurídico e um termo classificatório no imaginário da homossexualidade. Ele está inscrito no repertório cívico brasileiro, e não é ‘o homossexual’, a realidade da discriminação contra ele ou a injustiça dela que está em disputa: o que está em disputa são seus limites, em relação aos quais se definem os limites do público, do que pode aparecer e do que não pode aparecer nele, da liberdade de expressão.

No caso, a necessidade dos atores de publicizar uma condenação inequívoca da conduta de Maurício também oblitera tensões que fermentam sob o nome homofobia, como a dificuldade de distinguir as práticas reunidas sob esse nome de opiniões válidas nas democracias constitucionais, sua diferença em relação aos chamados crimes de ódio, seus limites quando se trata de atores religiosos e o modo como ela foi criminalizada no Brasil. Não por acaso, percebe-se na coalizão anti-Maurício certa produção pedagógica sobre o assunto, como a peça de comunicação do jornalista Pedro Dória “Homofobia é liberdade?” (Homofobia…, 2021HOMOFOBIA é liberdade? | Ponto de Partida. [S. l: s. n.], 28 out. 2021. 1 vídeo (11min09s). Publicado no canal Meio. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Wgbprf6TR8s . Acesso em: 5 fev. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=Wgbprf6T...
).

Nela, Dória recorre a um clássico do pensamento liberal, Sobre a liberdade, de John Stuart Mill (1998)MILL, J. S. On liberty. New York: Penguin, 1998., para separar rescisão contratual de censura e pensar a legitimidade da expressão da opinião de Maurício. A partir daí, e em diálogo com a teoria, Dória postula o que muitos atores na coalizão anti-Maurício afirmaram em sua crítica ao jogador: não era um caso de ‘censura’, era o mercado de ideias, tão característico do liberalismo (Mill, 1998MILL, J. S. On liberty. New York: Penguin, 1998.), funcionando contra ao jogador.

Cristãos: a maioria perseguida

O nome ‘cristão’, antes um código para evangélicos,10 10 Neste artigo o termo compreende protestantes históricos, pentecostais e neopentecostais. é acionado com frequência em defesa de Maurício. Na coalização que se forma em prol do jogador, o nome serve como elo de convergência entre diversas redes que defendem o jogador e/ou a postagem realizada por ele.

Observamos que o termo ‘cristão’ foi recorrente em páginas do Facebook e canais do YouTube pertencentes a instituições ou grupos religiosos. Foi acionado com frequência em postagens e comentários de páginas e canais vinculados ao catolicismo, como o Centro Dom Bosco, Soldados Católicos, Católicos de Verdade, Instituto Plínio Correa de Oliveira, entre outros, em canais e postagens de proeminentes lideranças de igrejas evangélicas, como os pastores deputados Silas Malafaia e Marcos Feliciano, e em canais que explicitam vínculo com essas religiões, como Crente Ligado, De Crente para Crente, entre outros. Porém, a utilização do termo ‘cristão’ ultrapassa as redes que se autodenominam religiosas (católicas ou evangélicas), estando presente em jornais online, páginas e canais que não são referenciados como evangélicos ou católicos: por exemplo, o jornal Brasil Sem Medo (autoproclamado o maior jornal conservador do país), o canal do YouTube Conserva Talk, o programa de entrevistas Conversa com Lacombe, do canal televisivo RedeTV, e em canais de personalidades que se proclamam ‘conservadoras’ ou ‘de direita’ e que possuem menos circulação e acessos (como o do deputado estadual Cabo Elson, entre outros).

O conteúdo não é produzido em grande quantidade. Observa-se que aquilo que é produzido por figuras de destaque no meio evangélico, como os pastores Marco Feliciano e Silas Malafaia, é compartilhado, com ou sem edição, e interpretado em muitos outros canais e páginas desse grupo. Prática semelhante é observada em relação às publicações de padres ou lideranças de grupos católicos que integram a coalizão pró-Maurício: suas peças comunicacionais circulam intensamente entre grupos e páginas no Facebook, ou são editados e reinterpretados em canais do YouTube.

Nessas mídias, percebe-se a amplitude da utilização da categoria ‘cristão’ em associação com a defesa de Maurício. Além disso, a categoria é recorrentemente acionada nos comentários dos seguidores, o que dá dimensão da sua penetração e reticularidade entre aqueles que assistem, leem e compartilham os conteúdos que circularam na internet sobre esse caso e que concordam com o jogador. Percebemos, portanto, que o nome ‘cristão’ funciona conectando evangélicos, católicos e pessoas que não se declaram religiosas à imagem de uma ordem social informada pela heteronorma.

No caso Maurício, a categoria ‘cristão’ foi usada, principalmente em meios católicos, para a denúncia de ‘perseguição religiosa’ contra os ‘cristãos’. Frequente nos últimos anos no Brasil, a denúncia de ‘perseguição’ aos ‘cristãos’ se tornou discurso oficial no governo Bolsonaro e foi proferido tanto para dentro quanto para fora do país (Watch…, 2019WATCH: Brazil President Bolsonaro’s full speech to the UN General Assembly. [S. l: s. n.], 24 set. 2019. 1 vídeo (32min02s). Publicado no canal PBS NewsHour. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=maaCMiacsO4 . Acesso em: 6 set. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=maaCMiac...
). No caso de que nos ocupamos aqui, ele surte o efeito de transformar o jogador em mais uma vítima, uma vítima situada e encarnada, de uma prática emergente no país. Podemos ler, nas entrelinhas da acusação, que a nova vaga de ‘perseguição aos cristãos’ no Brasil coincidiria com a ascensão política da esquerda, que surfaria com ‘o ativismo’ uma espécie de onda global. Essa associação do código à ideia de perseguição foi observada em canais do YouTube e em publicações no Facebook, estando presente, principal e reiteradamente, nos comentários das publicações nas páginas e nos canais com vinculação ao catolicismo. Os seguidores dessas páginas e canais se colocam como vitimados por uma ‘perseguição’ aos cristãos’, sofrida por eles e por todos os demais ‘cristãos’, como se pode ler na sequência:

Coragem, Maurício! Deus está com você. Não temas! Os cristãos estão sendo perseguidos. Infelizmente, nós estamos caminhando pra um mundo obscuro.

[…]

Trágico porém previsível. Nós cristãos seremos ainda mais perseguidos, mas não nos calarão.

[…]

Nós cristãos seremos perseguidos… somos obrigados a aceitar e não podemos dar nossa opinião… só eles podem.

[…]

“Bem-aventurados os que padecem de perseguição por amor de justiça, porque deles é o Reino do Céu.” Coragem e Fé. Quem está do lado de Jesus, Jesus está do seu lado. Fazem falta, pessoas como Maurício Souza Deus o abençoe e a Virgem Maria, o cubra com o seu manto.11 11 Comentários a vídeo publicado no canal Centro Dom Bosco, no YouTube (Maurício…, 2021).

Nota-se, nos comentários, que a perseguição é percebida como um constrangimento a que cristãos se calem e mesmo se retirem do espaço público, pois que em países europeus, afirma o padre e influenciador digital Overland de Morais, eles são tratados como “criminosos” e pais precisam se “refugiar” para ensinar as crianças a viverem “segundo o Evangelho”.

Isso já está muito perto de acontecer no Brasil e já acontece pelo mundo: para educar os nossos filhos como cristãos nós teremos de ser tratados como criminosos. Em países como a Suécia, a Holanda, pais de crianças estão se refugiando, estão fugindo da vida social para ensinar aquela criança segundo o evangelho. (Padre…, 2021PADRE fala sobre polêmica do Super Man, Caso Maurício Souza. [S. l: s. n.], 30 out. 2021. 1 vídeo (17min20s). Publicado no canal Missão Eucarística Oficial. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=jgylaNT2rho . Acesso em: 28 fev. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=jgylaNT2...
).

É interessante que o padre mencione a Holanda, um país com história de perseguição contra católicos, para ilustrar a perseguição, e, principalmente, que o fato de a prática já ter-se imposto na Europa torna o “refúgio” por força de perseguição a cristãos uma realidade iminente também no Brasil: a menos, claro, que se aja para evitar o pior. Essa construção reaparece em muitos comentários, em outras páginas e canais de vinculação ao catolicismo.

A associação subliminar entre católicos é à perseguição dos defensores da fé cristã, principalmente entre os primeiros cristãos e aos santos mártires da Igreja Católica, quando a fé cristã era minoritária. A necessidade de defesa da fé está atrelada, assim, à condição minoritária dos cristãos nos primórdios do cristianismo, e a condição minoritária dos cristãos os coloca em simetria com outras minorias sociais, inclusive religiosas, como os muçulmanos, que seriam protegidos pela ‘esquerda’. Como mulheres, negros e pessoas LGBTQIA+, os defensores de Maurício acionam o código da violência na denúncia do que percebem como injustiça em função de sua religião.

Com isso, inscrevem sua ação em uma história de perseguição e de luta em defesa da fé. Há um imenso repertório de símbolos, imagens, parábolas, história e iconografia de santos que lhe fazem referência, e ela é contada, reproduzida e encenada múltiplas vezes nas celebrações católicas, como missas, em catecismos, procissões e retiros. Dessa maneira, o fato de cristãos serem perseguidos na defesa de sua fé não é algo novo para a sensibilidade católica; ao contrário, há profundidade histórica nessa associação, pois o referencial da perseguição pela defesa da fé é amplamente difundido, como mostra a história dos santos mártires da Igreja Católica. Mais do que isso, a ‘perseguição aos cristãos’ é considerada uma recorrência na história do cristianismo, é um fato que se repete em diversos momentos e em vários locais, ou seja, é uma situação que já aconteceu, que pode (e irá) se repetir e que, como os atores buscam fazer ver, estaria se repetindo na atualidade. O caso de Maurício seria um exemplo dessa perseguição histórica.

Nesse sentido, cabe ressaltar que, embora haja a defesa do jogador e da sua postura “em defesa do cristianismo”, a referência à perseguição sofrida pelos cristãos é mais ampla e abrangeria todos aqueles que defendem a fé cristã publicamente. Em disputa está, portanto, o lugar do cristianismo no espaço público, e Maurício seria uma vítima circunstancial de uma prática que se estenderia aos demais cristãos, conforme ocorrido em diferentes momentos históricos.

Já nos canais e páginas associados a redes evangélicas, ou sem vinculação a instituições religiosas, a associação é de outro tipo. Nesses canais, a categoria ‘perseguição’ raramente aparece. Como demonstrado anteriormente, os comentários mais recorrentes se referem à ideia de censura e cerceamento da liberdade de expressar os dogmas religiosos. Sacerdotes e lideranças religiosas se empenham em explicitar o cerceamento do direito de expressarem opinião informada por interpretações de seus dogmas religiosos.

É nesse sentido que os autodeclarados ‘cristãos’ denunciam que teriam as suas liberdades restringidas, ficando subentendido que a restrição decorre da imposição de uma doxa, de uma opinião correta segundo os acusadores de Maurício, e de que essa opinião representa uma ameaça à própria liberdade de professar a fé em público, como se lê em mensagens de lideranças evangélicas e comentários nas páginas e nos canais pelos quais circularam o vídeo do pastor, editados ou integralmente. Enquanto o padre Overland declara que “querem colocar uma mordaça naqueles que estão nos púlpitos. Naqueles que têm a liberdade de ensinar” (Padre…, 2021PADRE fala sobre polêmica do Super Man, Caso Maurício Souza. [S. l: s. n.], 30 out. 2021. 1 vídeo (17min20s). Publicado no canal Missão Eucarística Oficial. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=jgylaNT2rho . Acesso em: 28 fev. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=jgylaNT2...
), o pastor Marco Feliciano alerta que “amanhã impedirão religiosos cristãos de pregarem contra o pecado. Amanhã fecharão as nossas Igrejas. Essa [é a] ditadura das minorias que o Brasil vive hoje” (Pastor…, 2021PASTOR Marco Feliciano sai em defesa de Maurício Souza e faz duras críticas a “ditadura da minoria”. [S. l: s. n.], 30 out. 2021. 1 vídeo (3min55s). Publicado no canal Rádio Manaus. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=k0aILxn5Mbw . Acesso em: 28 fev. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=k0aILxn5...
), e o pastor Silas Malafaia adverte:

Povo de Jesus, estamos vendo uma censura no século 21 pior que o nazismo, o fascismo, o comunismo e o radicalismo islâmico. […] Onde nós vamos parar, você pode falar mal de pastor, de padre, de Jesus Cristo, do presidente da República. Isso é liberdade de expressão. […] Se você não pensar igual ao lixo moral, eles chamam você de homofóbico, de fundamentalista, de retrógrado. […] Estão querendo criminalizar a opinião, se você não pensar igual o lixo moral que eles apoiam eles querem te banir. (A vergonhosa…, 2021A VERGONHOSA censura ao jogador de vôlei Maurício Souza. [S. l: s. n.], 28 out. 2021. 1 vídeo (2min16s). Publicado no canal Silas Malafaia Oficial. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gFakzsIh68U . Acesso em: 9 fev. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=gFakzsIh...
).

Observa-se, pois, que, nas críticas tecidas ao desligamento de Maurício, há dois tipos de denúncia acionando a categoria ‘cristão’: uma denúncia que se refere à perseguição, narrativa inscrita na longa duração da Igreja Católica; e uma denúncia de censura, cerceamento à liberdade de opinião e de expressão, que tem por referência os direitos. Nos exemplos mencionados, a posição adotada nos comentários se legitima pelo acionamento de um referencial potente no mundo contemporâneo: o do cerceamento das liberdades dos indivíduos. Numa democracia liberal como a brasileira, a referência à censura e à restrição das liberdades individuais encerra uma denúncia de incompatibilidade com a democracia, isto é, de autoritarismo. Mas que autoritarismo seria esse? Quem são seus agentes?

Sob a luz da categoria acionada pela coalizão pró-Maurício, a figura do inimigo ganha contornos especiais quando projetada em adversários comuns dos ‘cristãos’, como é o caso de feministas e dos ativistas LGBTQIA+ (Buss; Herman, 2003BUSS, D.; HERMAN, D. Globalizing family values: the Christian right in international politics. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2003.). Postagens e comentários analisados não deixam margem para dúvida. Uma fala de Álvaro Mendes, vice-presidente do já mencionado Centro Dom Bosco, ilustra:

Todas as pessoas que se sentem atraídas por pessoas do mesmo sexo passam a ser cooptadas por organizações de extrema esquerda, LGBTQ, e passam a odiar de morte todos os cristãos. Alguém [Maurício] crucificado pelo movimento LGBT por divulgar a sua opinião em público. […] Os católicos sofrerão perseguição por defender a moral sexual desde sempre presente no catecismo da Igreja Católica. Sofrem perseguição pela extrema esquerda e pelos movimentos LGBTQ que classificam de homofobia o comportamento defendido desde sempre por Roma.

Todos nós fomos massacrados e perseguidos pelo cruel movimento LGBT somente por emitir a nossa opinião, um pensamento que contrariou essa minoria barulhenta. (Maurício…, 2021MAURÍCIO Souza perde tudo por falar contra ato do Super-Homem. [S. l: s. n.], 28 out. 2021. 1 vídeo (5min48s). Publicado no canal Centro Dom Bosco. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=xqKqwNdstAI . Acesso em: 5 fev. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=xqKqwNds...
).

Na perspectiva do vice-presidente do Dom Bosco, os perseguidores dos cristãos, que os impediriam de expressar sua opinião, são a ‘extrema esquerda’ e o movimento LGBTQIA+, referido como uma parte dela. Esse antagonismo tem uma história que se pode contar com maior recuo, remontando ao Iluminismo e à Revolução Francesa, ou com recuo menor, remontando ao entreguerras (Moyn, 2014MOYN, S. Christian human rights. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2014.), com o envolvimento de católicos e protestantes, mas, em qualquer caso, tem relação com a oposição à separação entre Estado e Igreja postulada por dois tipos concorrentes de materialismo, o liberalismo e o comunismo (Lindkvist, 2013LINDKVIST, L. The politics of article 18: religious liberty in the Universal Declaration of Human Rights. Humanity Journal, [s. l.], v. 4, n. 3, p. 429-447, 2013.). Dessa perspectiva, o problema seria não a existência do múltiplo, e sim como a unidade se forma.

As disputas se configuram, assim, em torno dos sentidos atribuídos a valores caros à democracia, na medida em que contestam e ressignificam noções acerca dos direitos e das liberdades individuais. A denúncia se faz em torno da censura, da restrição imposta ao exercício da liberdade de cristãos de expressarem sua opinião, e de um ânimo persecutório anticristão. Parte de uma minoria, uma “minoria barulhenta”, o movimento LGBTQIA+ encarnaria o papel de ditador, daquele que atenta contra os valores mais caros da democracia.

Conforme apontado anteriormente, os discursos proferidos por atores religiosos também reiteram com frequência que ‘os cristãos’ são uma maioria numérica no Brasil, e que os “inimigos” representariam uma minoria numérica quase residual. Propomos chamar de majoritarismo a tese segundo a qual maiorias numéricas aglutinadas em torno de nomes e figuras do imaginário social brasileiro devem ser o princípio a partir do qual é preciso construir a democracia, corrigindo, assim, o que é percebido como uma distorção dela presente na coalizão anti-Maurício, a qual postula a representação das minorias. No caso analisado, a postulação da precedência de maiorias em relação a minorias se dá em uma situação em que, como estamos mostrando, algumas dessas figuras se fundem e os sentidos do nome ‘cristão’ deslizam em um esforço conjuntamente empreendido por obter adesão à interpretação de que o problema da democracia é o poder que minorias organizadas exercem sobre as maiorias desorganizadas. Em outras palavras, o problema da democracia, a partir dessa episteme, seria o estado de direito.

Não se trataria, a rigor, de uma denúncia dos autodeclarados cristãos contra ‘o homossexual’, mas sim contra sua ação coordenada no espaço público, na figura dos ‘ativistas’ e dos ‘militantes’. Estes, ao ver dos denunciantes, procurariam impor a sua opinião e cercear as liberdades, censurariam os ‘cristãos’ e todos os demais que não compartilham de sua opinião. Nos comentários fica clara a sua percepção de que apenas os ‘ativistas’ podem, na prática, exercer as suas liberdades, ao passo que os ‘cristãos’ deveriam aceitar a “opinião imposta” e não mais defenderem seus “valores” relativos à homossexualidade. Nesse processo de contestação do caráter democrático dos seus oponentes, denunciam inclusive a perda do direito de educar seus filhos de acordo com os “valores morais do cristianismo”, que seriam contrários à prática da homossexualidade.

A coalizão pró-Maurício não agrega apenas religiosos. O já mencionado comentarista Rodrigo Constantino (2021)CONSTANTINO, R. A religião, em especial o cristianismo […]. Weston, 18 jan. 2021. Twitter: @Rconstantino. Disponível em: Disponível em: https://twitter.com/Rconstantino/status/1351216151959920640 . Acesso em: 5 fev. 2022.
https://twitter.com/Rconstantino/status/...
, por exemplo, é ateu. Um elemento digno de atenção, no entanto, é que seu relato se aglutina ao dos autodeclarados religiosos, porque afirma a importância de valores que, na sua interpretação, decorrem da “religião”, do cristianismo, e pelos termos de sua crítica à esquerda, que segundo ele vê na “religião, em especial no cristianismo, o obstáculo ao comunismo”. Essa aliança entre religiosos e não religiosos anticomunistas informa sua ideia de Estado laico, que é uma das figuras do ideário iluminista, ou liberal, e que é ressignificada nos seguintes termos:

Sou defensor, naturalmente, de um Estado laico, ou seja, que separa a religião do Estado, por entender que cada cidadão tem direito à sua própria crença e que o Estado não deve ter uma religião oficial. Mas acho que fomos longe demais com esse conceito, e hoje Estado laico mais parece Estado antirreligioso. As pessoas acham que as crenças religiosas devem ficar totalmente afastadas de qualquer debate público, mas isso não faz sentido se muitos valores morais são derivados das crenças religiosas. (Constantino, 2015CONSTANTINO, R. Série “Espiritualidade e Pensamento Liberal”: Rodrigo Constantino (ateísmo/agnosticismo). [Entrevista a Lucas Berlanza]. In: INSTITUTO LIBERAL. Rio de Janeiro: IL, 10 mar. 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.institutoliberal.org.br/blog/serie-espiritualidade-e-pensamento-liberal-rodrigo-constantino-ateismoagnosticismo/ . Acesso em: 5 fev. 2022.
https://www.institutoliberal.org.br/blog...
).

Na passagem acima, retirada de uma entrevista de 2015, Constantino apela à genealogia religiosa de “valores morais”, isto é, de valores largamente compartilhados na “civilização ocidental”. E esclarece que:

É preciso ter em mente que as religiões foram “domesticadas” no Ocidente. O Iluminismo, especialmente o francês racionalista, merece muitas críticas pela arrogância, mas serviu para importantes conquistas que mitigaram os riscos do fanatismo religioso. (Constantino, 2015CONSTANTINO, R. Série “Espiritualidade e Pensamento Liberal”: Rodrigo Constantino (ateísmo/agnosticismo). [Entrevista a Lucas Berlanza]. In: INSTITUTO LIBERAL. Rio de Janeiro: IL, 10 mar. 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.institutoliberal.org.br/blog/serie-espiritualidade-e-pensamento-liberal-rodrigo-constantino-ateismoagnosticismo/ . Acesso em: 5 fev. 2022.
https://www.institutoliberal.org.br/blog...
).

Uma questão para ele é que o Ocidente encontrou meios de ‘domesticar’ os perigos da religião, graças, sobretudo, ao Iluminismo. Na coalizão, há, como fica claro, uma confluência entre os discursos de atores religiosos e atores que ou não se declaram religiosos ou se proclamam não religiosos, entre os quais ateus empenhados na construção pública de um liberalismo que se pretende não antirreligioso. Religiosos logram autorizar sua própria voz em um caso sobre um beijo homossexual na medida em que constroem uma intepretação do problema dentro da linguagem dos direitos, das liberdades e da democracia. Para tanto, as vozes contrárias a eles, representadas nesse embate como oponentes dos direitos, das liberdades e da democracia, precisam ser construídas como inimigos, uma totalidade a ser ferozmente combatida.

Esse tipo de construção se conecta, enfim, com a interpretação que atores como Constantino efetuam do Estado laico, das liberdades, do pluralismo, do ideário liberal, enfim, assegurando no espaço público um lugar para a religião. Comentando o discurso do presidente da República à Assembleia Geral da ONU em 2021, ele critica a esquerda por negar a realidade da ‘cristofobia’12 12 Record News, Rodrigo Constantino faz análise sobre repercussão da fala de Bolsonaro na ONU, YouTube, 2019. O vídeo estava disponível em https://www.youtube.com/watch?v=R7oBbBXzjpU e nosso último acesso a ele aconteceu em 05/22/2022. No momento da publicação deste artigo, no entanto, ele está indisponível. Foi retirado do ar, justamente porque o autor está com problemas judiciais por conta da circulação de conteúdo na internet. no mundo. Já se referindo ao caso em análise, afirma que Maurício, autodeclarado ‘cristão’, está sendo perseguido por ser ‘conservador’, categoria êmica que emerge como um marcador de identidade política (Biroli; Vaggione; Machado, 2020BIROLI, F.; VAGGIONE, J. M.; MACHADO, M. das D. C. Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2020.). O seu enunciado ressoa os discursos presentes nas mídias religiosas sobre a perseguição aos cristãos (cristofobia) e acrescenta a perseguição aos conservadores. Os jogos de enunciados que constituem essa coalizão se encontram na ideia de que, no mundo contemporâneo, a democracia deve proteger a maioria em relação a minorias ‘fascistoides’, autoritárias e/ou persecutórias.

Considerações finais

Analisamos o debate em torno de uma postagem do jogador de vôlei Maurício Souza a propósito do desenho em quadrinho de um beijo homossexual. Com base na sociologia crítica, partimos do pressuposto de que os engajamentos pró- e anti-Maurício assumiram a forma de um affaire, iniciado pela postagem e pela acusação pública de homofobia que se segue a ela. Entretanto, a versão de homofobia não é única. Pelo contrário. Ela desperta denúncia contrária, como a acusação de “censura” e “perseguição” dirigida aos acusadores do jogador. Os dois conjuntos de acusação oferecem versões concorrentes do episódio. Ao longo do processo, o protagonista do caso assume ora a posição de “réu”, ora a posição de “vítima”, de acordo com a acusação e a contra-acusação, sustentadas por formações sociais que chamamos de coalizões, as quais funcionam como máquinas de produção de visões de mundo compartilhadas entre aqueles que as integram.

O embate público representou uma oportunidade para demonstrar o alcance e a utilidade analítica da categoria coalizões. Como foi evidenciado, coalizões não têm fronteiras espaciais, nem espelham grupos corporados, mas projetam na cena pública um objeto simbólico e político valioso: vozes que se fazem consonantes e cujas aglutinações (ou confluências) desenham e explicitam o que seriam a moralidade e a vontade daquilo que é representado como sendo o povo. Mesmo operando em um jogo marcado por fragmentação, contradição e antagonismo, as coalizões disputam o sentido e a amplitude da unidade social.

Embora situacionais, as coalizões produzem rastros, como os nomes classificatórios e descritivos (‘cristão’, ‘homofóbico’, ‘ativistas’, ‘conservadores’), que vão sendo articulados em discursos, peças de comunicação, os quais também vão reconstituindo um passado de interações que pode ser reclamado e repisado no debate de outros problemas. Como evidenciamos na apresentação do caso, as certezas públicas defendidas por cada uma das coalizões sempre estiveram referidas a tradições imaginadas ou continuidades ideológicas ou filosóficas permanentemente reconstruídas, que conferiam validade e aparência de permanência aos termos em debate. Ou seja, coalizões são formações situacionais; porém, se elas funcionam produzindo adesões, é porque são capazes de ligar passados ficcionados que se deseja conservar a futuros que se anunciam como promessas de efetivação desse projeto de conservação.

O caso Maurício permite ainda perceber que duas coalizões podem se encontrar em posições antagônicas e não espelhadas, o que significa dizer que antagonismo não implica simples inversões de posições discursivas. No caso, as coalizões disputam os mesmos espaços (a opinião pública), e suas peças circulam pelos mesmos dispositivos de expressão (redes sociais e mídias digitais, por exemplo), fazendo com que elas se cruzem e se interpenetrem em situações específicas. Porém, ao longo da disputa, cada uma delas produz conteúdos próprios e, por vezes, compatíveis apenas por traduções distorcidas de conteúdos desenhados como outros, que são mais facilmente apreendidos pela produção de imagens estereotipadas.

É interessante ressaltar que cada coalização enxergou na outra elementos que emprestavam plausibilidade à acusação de antidemocrático, reafirmando, numa estranha parceria antagônica, um suposto valor da categoria democracia. A reafirmação desse valor poderia nos levar a concluir que a partilha da mesma gramática por ambas as coalizões, apesar das posições antagônicas, significa que elas também partilham a mesma semântica. Procuramos sustentar o argumento de que, ao contrário, tal antagonismo sem espelhamento se dá porque as práticas dos atores, sobretudo as interpretações que propõem e aquelas às quais aderem, são informadas por epistemes distintas. Estas permitem a modelagem de formas reconhecíveis como sendo democráticas no interior de uma das coalizões, mas que são percebidas como antidemocráticas pela outra, em razão de articulações diferentes e irredutíveis entre verdade (sobretudo factual) e a categoria democracia.

Como mostramos, para a coalizão anti-Maurício, a democracia supõe interditos à enunciação de preconceitos contra pessoas pertencentes a comunidades que os atores na coalizão percebem como vítimas de violência e injustiças históricas. São interditos morais que podem representar, como no caso, limites à liberdade de expressão, um direito individual e politicamente crucial nas democracias representativas, e que se constroem em relação com a sobreposição de inclusão a democracia. Essa sobreposição, a seu turno, torna a relação entre minorias e maiorias um aspecto central da coabitação democrática (Benhabib, 2008BENHABIB, S. Another cosmopolitanism. New York: Oxford University Press, 2008.; Fraser, 2009FRASER, N. Reenquadrando a justiça em um mundo globalizado. Lua Nova: revista de cultura e política, São Paulo, n. 77, p. 11-39, 2009.); das relações entre poderes republicanos, na medida em que, no Brasil, o Poder Judiciário tem sido refúgio das primeiras (Alves; Oliveira, 2014ALVES, F. de B.; OLIVEIRA, G. F. de. Democracia e ativismo judicial: atuação contramajoritária do judiciário na efetivação dos direitos fundamentais das minorias. Argumenta, Jacarezinho, n. 20, p. 33-45, 2014.; Sousa; Pires, 2022SOUSA, C. A. de; PIRES, E. R. Poder judiciário, minorias e efetivação dos direitos humanos. Revista Eletrônica de Ciências Jurídicas, Ipatinga, v. 1, n. 1, 2022.); e das relações entre o nacional e o internacional, na medida em que as instâncias regionais (interamericanas) e globais (ONU) têm sido um espaço privilegiado de atuação em matéria de direitos humanos (Nagamine, 2017NAGAMINE, R. R. V. K. Direitos de identidade sexual: a não discriminação por orientação sexual no direito internacional. 2017. Tese (Doutorado em Direito) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.).

Já para a coalizão pró-Maurício, a democracia é o espaço da maioria, a qual, como está posto no artigo, não se faz em processo, mas, ao contrário, é numérica, preexistente às interações e deve ser, na opinião dos atores, a instância em que se define o lugar das minorias no todo. O problema democrático crucial para essa coalizão é, assim, o posicionamento do múltiplo no uno, e para validar suas proposições no espaço público, em que na prática a maioria é desagregada e coabita com minorias, os atores mobilizam formas do universal, como cidadania, nação, liberdades individuais. As falas de Maurício sobre “a família” deixam ver, no entanto, que as formas universais são acionadas em processos de reificação da convenção. Na medida em que um novo imaginário se forma a partir da crítica do gênero e da sexualidade, a imagem do “homossexual” como figura no avesso da criança se borra. Não é que desapareça. Como percebemos no caso analisado, ela se deixa entrever e assombra, mas não se presentifica, nem é nomeada. ‘O homossexual’ não aparece como um perigo per se à sociedade, à nação ou à família. Ele se torna um perigo na medida em que se acerca da infância, que é a instância de reprodução, logo, da persistência da convenção, e assombra a imaginação que adultos têm da infância. Por assombrá-los, ‘o homossexual’ faz adultos falarem contra a “sexualização precoce das crianças”.

A postulação circunstancial e performática da universalidade da convenção outorga e exemplifica esse processo pelo qual o convencional, isto é, o artificial se faz inato. Não por acaso, o jogador remete à heteronorma, quando fala em “a família”, “o certo”, “os nossos valores” e “os valores de vocês”. Então a situação se transmuta de um debate acerca da homofobia (do que seria ou não essa forma de violência) em uma disputa pelos sentidos da democracia, tendo, de um lado, a sobreposição da vontade da maioria ao império da lei e, de outro, a sobreposição de inclusão a democracia.

A categoria coalizão, além de nos facilitar a observação do desenvolvimento do caso Maurício, também nos possibilitou, portanto, observar quais são as epistemes que articulam essa formação social, garantindo suas próprias redes de conexões: uma pluralista, na qual a diferenciação social é organizada na língua da identidade e para a qual a democracia se valida pela inclusão dessas diferenças (anti-Maurício); a outra majoritarista e antipluralista (pró-Maurício), assentada em categorias universalistas, como nação, Deus e humanidade, que são interpretadas com base na maioria como uma unidade total. Trata-se, assim, de um affaire bifronte, no qual o debate público mimetiza o enfrentamento agonístico de “inimigos” inconciliáveis e ao mesmo tempo imprescindíveis, uma vez que cada uma das coalizões assume a posição de contraprova empírica da razão da luta da outra.

Um efeito visível da falta de terreno comum às duas coalizões, o qual remete a um sinal da reconfiguração do debate público contemporâneo, é elas disputarem os sentidos do mesmo nome e não debaterem uma com a outra: elas se conectam apenas por categorias de postulação do social (‘democracia’, ‘família’, ‘povo’) e categorias acusatórias que o organizam (‘cristofóbico’, ‘heterofóbico’, ‘homofóbico’, ‘ativista’), enquanto as interações densas dos atores ocorrem, na realidade, dentro de cada rede. No artigo, mostramos que essas redes de trocas informacionais se tornam, assim, gradualmente autorreferidas: a partir das coalizões, as interações comunicativas estão direcionadas não para a geração de um espaço de trocas entre os diferentes, mas para a formação de unidades coesas que disputam representar a unidade do social.

Entendemos ainda que uma análise das disputas que as coalizões travam em torno da e pela democracia a partir de uma acusação de homofobia pode iluminar como a produção de sentidos se orientou pela eficácia dos enunciados, e ela foi ambivalente: por um lado, a rescisão do contrato; por outro, um ganho de seguidores de cerca de dois milhões da parte de Maurício, que se conectaram com a ideia de democracia prevalecente na coalizão. A adesão o estimulou a concorrer em 2022 ao pleito de deputado federal pelo PL. Se fomos bem-sucedidos em demonstrar tal orientação pela eficácia, podemos considerar, finalmente, que essa modulação dos enunciados põe desafios a um aspecto crucial da episteme da democracia representativa: a suposição de que a discussão de ideias no espaço público - porque as opiniões seriam informadas pela prática de pensar sobre dogmas, preconceitos e suas próprias ideias - resulta na produção de conhecimentos compartilhados e na formação de uma opinião comum refletida, circunstancial e plural.

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  • SOUSA, C. A. de; PIRES, E. R. Poder judiciário, minorias e efetivação dos direitos humanos. Revista Eletrônica de Ciências Jurídicas, Ipatinga, v. 1, n. 1, 2022.
  • SOUZA, D. Engraçado que eu não “virei heterossexual” […]. [S. l.], 15 out. 2021. Instagram: @douglasouza. Disponível em: Disponível em: https://www.instagram.com/p/CVDuACZtYWs/ Acesso em: 12 fev. 2022.
    » https://www.instagram.com/p/CVDuACZtYWs/
  • SOUZA, M. L. A é só um desenho […]. [S. l.], 12 out. 2021a. Instagram: @mauriciodovolei2210. Disponível em: Disponível em: https://www.instagram.com/p/CU8ZzR_g8TN/ Acesso em: 12 fev. 2022.
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  • SOUZA, M. L. Olá pessoal, tudo bem? Belo Horizonte, 26 out. 2021b. Twitter: @mauriciovolei1. Disponível em: Disponível em: https://twitter.com/mauriciovolei1/status/1453146279438082060 Acesso em: 5 fev. 2022.
    » https://twitter.com/mauriciovolei1/status/1453146279438082060
  • SOUZA, M. L. Pessoal, após conversar com meus familiares […]. Belo Horizonte, 26 out. 2021c. Twitter: @mauriciovolei1. Disponível em: Disponível em: https://twitter.com/mauriciovolei1/status/1453150862306693132 Acesso em: 5 fev. 2022.
    » https://twitter.com/mauriciovolei1/status/1453150862306693132
  • SOUZA, M. L. Tenho refletindo muito e reitero […]. Belo Horizonte, 26 out. 2021d. Twitter: @mauriciovolei1. Disponível em: Disponível em: https://twitter.com/mauriciovolei1/status/1453151168805343242 Acesso em: 5 fev. 2022.
    » https://twitter.com/mauriciovolei1/status/1453151168805343242
  • SOUZA, M. L. Hoje estou pedindo desculpas […]. [S. l.], 27 out. 2021e. Instagram: @mauriciodovolei2210. Disponível em: Disponível em: https://www.instagram.com/p/CVioCuPDjTc/ Acesso em: 5 fev. 2022.
    » https://www.instagram.com/p/CVioCuPDjTc/
  • SOUZA, M. L. A culpa de tudo não é do minas! [S. l.], 28 out. 2021f. Instagram: @mauriciodovolei2210. Disponível em: Disponível em: https://www.instagram.com/p/CVkn_PfgQAL/ Acesso em: 18 fev. 2022.
    » https://www.instagram.com/p/CVkn_PfgQAL/
  • SOUZA, M. L. Bom dia [S. l.], 28 out. 2021g. Instagram: @mauriciodovolei2210. Disponível em: Disponível em: https://www.instagram.com/p/CVkgCxJLE8B Acesso em: 18 fev. 2022.
    » https://www.instagram.com/p/CVkgCxJLE8B
  • TRETA! Maurício Souza foi homofóbico? [S. l: s. n.], 27 out. 2021. 1 vídeo (16min40s). Publicado no canal Morning Show. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=9eHbpLv5Zjo Acesso em: 5 fev. 2022.
    » https://www.youtube.com/watch?v=9eHbpLv5Zjo
  • VECCHIOLI, D. Patrocinadores dizem que retratação de Maurício no Twitter não é suficiente. UOL, [s. l.], 27 out. 2021. Disponível em Disponível em https://www.uol.com.br/esporte/colunas/olhar-olimpico/2021/10/27/fiat-diz-que-desculpas-de-mauricio-souza-no-twitter-nao-e-suficiente.htm Acesso em: 5 fev. 2022.
    » https://www.uol.com.br/esporte/colunas/olhar-olimpico/2021/10/27/fiat-diz-que-desculpas-de-mauricio-souza-no-twitter-nao-e-suficiente.htm
  • A VERGONHOSA censura ao jogador de vôlei Maurício Souza. [S. l: s. n.], 28 out. 2021. 1 vídeo (2min16s). Publicado no canal Silas Malafaia Oficial. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gFakzsIh68U Acesso em: 9 fev. 2022.
    » https://www.youtube.com/watch?v=gFakzsIh68U
  • WAISBORD, S. ¿Es válido atribuir la polarización política a la comunicación digital? Sobre burbujas, plataformas y polarización afectiva. Revista SAAP, [s. l.], v. 14, n. 2, p. 248-279, 2020.
  • WATCH: Brazil President Bolsonaro’s full speech to the UN General Assembly. [S. l: s. n.], 24 set. 2019. 1 vídeo (32min02s). Publicado no canal PBS NewsHour. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=maaCMiacsO4 Acesso em: 6 set. 2022.
    » https://www.youtube.com/watch?v=maaCMiacsO4
  • WEB sai em apoio a Maurício Souza e posta beijo hétero do Superman. [S. l: s. n.], 28 out. 2021. 1 vídeo (18min59s). Publicado no canal Os Pingos nos Is. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=4T66mUEc8XA Acesso em: 5 fev. 2022.
    » https://www.youtube.com/watch?v=4T66mUEc8XA
  • 1
    Este texto está vinculado ao Projeto Temático Religião, Direito e Secularismo: a reconfiguração do repertório cívico no Brasil contemporâneo, processo nº 2015/02497-5, apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Aproveitamos para agradecer as contribuições dos membros desse grupo de pesquisa. Sua leitura crítica, bem como a dos pareceristas desta revista, ajudaram a aprimorá-lo.
  • 2
    Neste artigo usaremos aspas simples para assinalar categorias êmicas e as aspas duplas para termos retirados de falas dos agentes ou nas hipóteses em que lhe determina o uso a norma culta da língua portuguesa.
  • 3
    Cf. https://twitter.com/search?q=(maur%C3%ADcio)%20(%23homofobiaecrime)&src=typed_query (último acesso: 18/02/2022).
  • 4
    Cf. https://twitter.com/hashtag/ExposedDoAndreoli?src=hashtag_click (último acesso: 18/02/2022).
  • 5
    Cf. https://twitter.com/search?q=%23GloboLixo%20Maur%C3%ADcio%20&src=typed_query&f=top (último acesso: 18/02/2022).
  • 6
    Nesse período, foi retomada a promoção dos direitos humanos no Brasil, a atuação do Executivo federal enfatizou a promoção e a defesa dos direitos civis e políticos (González, 2010GONZÁLEZ, R. S. A política de promoção aos direitos humanos no governo Lula. Revista Debates, Porto Alegre, v. 4, n. 2, p. 107-135, 2010. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.22456/1982-5269.16534 . Acesso em: 20 fev. 2022.
    https://doi.org/10.22456/1982-5269.16534...
    ).
  • 7
    Um comentário de Zoe Martínez no programa Morning Show, da Jovem Pan, é exemplar dessa construção (Treta…, 2021TRETA! Maurício Souza foi homofóbico? [S. l: s. n.], 27 out. 2021. 1 vídeo (16min40s). Publicado no canal Morning Show. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=9eHbpLv5Zjo . Acesso em: 5 fev. 2022.
    https://www.youtube.com/watch?v=9eHbpLv5...
    ).
  • 8
    Ver, por exemplo, o vídeo disponível em Eller (2021)ELLER, K. Jogador de vôlei […]. [S. l.], 28 out. 2021. TikTok: @karolelleroficial. Disponível em: Disponível em: https://www.tiktok.com/@karolelleroficial/video/7024145176176217350 . Acesso em: 5 fev. 2022.
    https://www.tiktok.com/@karolelleroficia...
    .
  • 9
    Em vídeo que estava disponível em https://m.facebook.com/ZambelliOficial/videos/vereadora-arrebenta-turma-da-lacra%C3%A7%C3%A3o/620599539093121/ e nosso último acesso a ele aconteceu em 05/22/2022. No momento da publicação deste artigo, no entanto, ele está indisponível. Foi retirado do ar, justamente porque a autora está com problemas judiciais por conta da circulação de conteúdo na internet.
  • 10
    Neste artigo o termo compreende protestantes históricos, pentecostais e neopentecostais.
  • 11
    Comentários a vídeo publicado no canal Centro Dom Bosco, no YouTube (Maurício…, 2021MAURÍCIO Souza perde tudo por falar contra ato do Super-Homem. [S. l: s. n.], 28 out. 2021. 1 vídeo (5min48s). Publicado no canal Centro Dom Bosco. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=xqKqwNdstAI . Acesso em: 5 fev. 2022.
    https://www.youtube.com/watch?v=xqKqwNds...
    ).
  • 12
    Record News, Rodrigo Constantino faz análise sobre repercussão da fala de Bolsonaro na ONU, YouTube, 2019. O vídeo estava disponível em https://www.youtube.com/watch?v=R7oBbBXzjpU e nosso último acesso a ele aconteceu em 05/22/2022. No momento da publicação deste artigo, no entanto, ele está indisponível. Foi retirado do ar, justamente porque o autor está com problemas judiciais por conta da circulação de conteúdo na internet.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    25 Fev 2022
  • Aceito
    18 Ago 2022
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