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Companheiras indispensáveis: abelhas em crise, imaginário distópico e antropologia no Antropoceno

Indispensable companions: bee crisis, dystopian imaginary and anthropology in the Anthropocene

Resumo

O presente artigo destaca o profundo vínculo entre abelhas e humanos constituído pela intermediação do mel, o qual é produzido pelas abelhas e consumido pelos humanos. De clássicos a trabalhos recentes da antropologia e da sociologia, são mencionados estudos voltados às abelhas e à apicultura. As abelhas são seres fundamentais para a manutenção da vida, ou seja, “companheiras indispensáveis”, sem as quais não podemos viver. São justamente tais seres fundamentais à vida que, no Antropoceno, vêm sofrendo declínios populacionais. A crise das abelhas surge nesse contexto e, junto a ela, emerge um imaginário distópico conforme o qual a vida humana, no limite, se inviabilizaria sem suas companheiras indispensáveis. É desse modo que a antropologia é desafiada por tais temas emergentes, sendo que o presente artigo procura contribuir para os problemas trazidos pelo Antropoceno que ameaça “companheiros indispensáveis” à vida humana.

Palavras-chave:
abelhas; antropologia; distopia; Antropoceno

Abstract

This paper highlights the deep bond between bees and humans constituted by the intermediation of honey, which is produced by bees and consumed by humans. From classics to recent works in anthropology and sociology, studies focused on honeybees and beekeeping are mentioned. Bees are fundamental beings for the maintenance of life, that is, “indispensable companions”, without whom we cannot live. It is precisely these beings fundamental to life that, in the Anthropocene, have been suffering population declines. The bee crisis arises in this context and, along with it, emerges a dystopian imaginary according to which human life, at the limit, would be unfeasible without its indispensable companions. It is in this way that anthropology is challenged by such emerging themes, and the present article seeks to contribute to the problems brought by the Anthropocene that threatens “indispensable companions” to human life.

Keywords:
bees; anthropology; dystopia; Anthropocene

As abelhas e os produtos do trabalho delas têm despertado a atenção de antropólogos e de sociólogos há muito, sobretudo pela vida social desses insetos. A menção em O capital feita por Karl Marx (2017)MARX, K. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2017. às abelhas destaca o trabalho que realizam para a construção da colmeia, comentando que, apesar de sua construção por vezes superar a construção de arquitetos, a diferença entre ambos deve-se à ausência de uma construção mental prévia, que inexistiria no caso das abelhas.

Enquanto Marx (2017)MARX, K. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2017. e Ingold (1983)INGOLD, T. The architect and the bee: reflections on the work of animals and men. Man: new series, v. 18, n. 1, p. 1-20, 1983. atentaram ao trabalho de construção das colmeias pelas abelhas, o que os levou a aproximá-las ao trabalho dos arquitetos, Lévi-Strauss (2004)LÉVI-STRAUSS, C. Do mel às cinzas. São Paulo. Cosac Naify, 2004. em Do mel às cinzas, por sua vez, nota as maneiras pelas quais o mel, fabricado pelas abelhas, é tematizado nos mitos de povos habitantes da América do Sul e Central nos quais é reservado ao mel um lugar de grande relevância.

O antropólogo Gilles Tétart (2004)TÉTART, G. Sang des fleurs: une anthropologie de l’abeille et du miel. Paris: Odile Jacob, 2004., por seu turno, no livro Sang des fleurs, aborda as abelhas e o mel desde a mitologia europeia. Seu artigo “L’abeille et l’apiculture: domestication d’un animal cultivé” (Tétart, 2001TÉTART, G. L’abeille et l’apiculture. Domestication d’un animal cultivé. Techniques & Culture, [s. l.], n. 37, p. 173-196, 2001.) é importante por destacar o estatuto complexo das abelhas no que concerne à domesticação e, também, como um ser situado entre os reinos animal e vegetal.

Em trabalhos recentes, as abelhas têm surgido como objeto de estudo em investigações de antropólogos e de sociólogos motivados, sobretudo, pelo fenômeno de desaparecimento delas, investigando diferentes temas como, por exemplo, a apicultura urbana, que tem surgido como resposta a essa crise em um esforço para “salvar as abelhas”, ou, também, investigando saberes apícolas tradicionais, compreendidos como essenciais para a manutenção da diversidade de abelhas. A pesquisa do etnólogo Romain Simenel, realizada junto a apicultores tradicionais do Marrocos (L’ethnologie…, 2010L’ETHNOLOGIE à la rencontre de l’abeille jaune saharienne et des apiculteurs du Sud Marocain. Réalisation: Luc Markiw. [S. l.]: IRD, 2010. 1 vídeo (12min05s). Publicado no canal Histoire du Maroc Des liens. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zIVX1sOSnu4 . Acesso em: 6 ago. 2023.
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), pergunta-se acerca da importância dos saberes apícolas tradicionais (e locais) como uma forma de evitar a mortandade e o desaparecimento de abelhas, procurando contribuir, nesse sentido, para valorizar esses savoirs-faires (em tradução livre, saber fazer) apícolas tradicionais. No sítio eletrônico em que há a divulgação do projeto e em que é possível assistir ao documentário elaborado a partir deste, Simenel (L’ethnologie…, 2010L’ETHNOLOGIE à la rencontre de l’abeille jaune saharienne et des apiculteurs du Sud Marocain. Réalisation: Luc Markiw. [S. l.]: IRD, 2010. 1 vídeo (12min05s). Publicado no canal Histoire du Maroc Des liens. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zIVX1sOSnu4 . Acesso em: 6 ago. 2023.
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, tradução minha) argumenta que “ao perder a diversidade das suas colmeias tradicionais, gradualmente substituídas por colmeias industriais padrão, o homem perdeu a riqueza dos savoirs-faires apícolas e os conhecimentos sobre a abelha”.

As sociólogas Lisa Moore e Mary Kosut (2013)MOORE, L. J.; KOSUT, M. Buzz: urban beekeeping and the power of the bee. New York: New York University Press, 2013. realizaram uma investigação etnográfica ou, como denominam, uma “apietnografia”, da apicultura urbana em Nova York, estudo publicado no livro Buzz: urban beekeeping and the power of the bee. O fenômeno da “apicultura urbana” tem sido uma prática emergente bastante popularizada especialmente em grandes capitais do mundo. Devido ao desaparecimento das abelhas, europeus e norte-americanos têm promovido atividade de criação de abelhas chamada de “apicultura urbana” e, também, incentivado a plantação de flores para as abelhas terem alimento.

O interesse do sociólogo Richie Nimmo pelas abelhas o levou a criar um sítio eletrônico1 1 Ver Sociological Insect - On bees, humans & hybrids (ver https://sociologicalinsect.com, acessado em 31/07/2023). no qual há publicações suas acerca do tema. Publicou dois artigos que tematiza as abelhas e a apicultura, sendo que num deles, intitulado “The bio-politics of bees: industrial farming and colony collapse disorder” (Nimmo, 2017NIMMO, R. The bio-politics of bees: industrial farming and colony collapse disorder. Humanimalia, [s. l.], v. 6, n. 2, 2015. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.52537/humanimalia.9909 . Acesso em: 3 fev. 2017.
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), aborda o desaparecimento das abelhas em relação à agricultura industrial. Na outra publicação, “Apiculture in the Anthropocene: between posthumanism and critical animal studies”, como o próprio título revela, Nimmo (2015NIMMO, R. Apiculture in the Anthropocene: between posthumanism and critical animal studies. In: HUMAN ANIMAL RESEARCH (ed.). Animals in the Anthropocene: critical perspectives on non-human futures. Sidney: Sydney University Press, 2015. p. 177-199. Disponível em: Disponível em: https://www.escholar.manchester.ac.uk/api/datastream?publicationPid=uk-ac-man-scw:261634&datastreamId=FULL-TEXT.PDF . Acesso em: 3 fev. 2017.
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, p. 195, tradução minha) reflete acerca da apicultura no Antropoceno, destacando que o tipo de fenômeno ocorrido com as abelhas, de rápido declínio populacional no mundo, é o “tipo de crise socioecológica que deveremos ver mais frequentemente no Antropoceno”.

Por sua vez, as antropólogas Rebecca Marsland e Kate Milosavljevic criaram o blog Beelines2 2 Ver www.beelines.org (acessado em 31/07/2023). onde divulgam o projeto de pesquisa “Human societies depend on bees”, no qual investigam as práticas de três diferentes modalidades de apicultura praticadas por apicultores profissionais na Califórnia e Holanda, apicultores urbanos na Inglaterra e Dinamarca, e apicultores “naturais” na Inglaterra. Elas destacam que o declínio das populações de abelhas encontrou uma forte resposta pública e que “é esse alto nível de emoção e cuidado com as abelhas” que inspirou o projeto.

O vínculo pelo mel

Os profundos vínculos históricos entre os seres humanos e as abelhas, especialmente mediados pelo mel, são destacados por pesquisadores de diversas maneiras e desde múltiplas perspectivas. Uma pesquisa de cunho arqueológico publicada na revista Nature mostrou que, no início da agricultura e das atividades pastoris durante o Neolítico, era bastante difundida a exploração das abelhas (Apis mellifera) entre agricultores e pastores nas regiões do Oriente Próximo, Europa e Norte da África (Roffet-Salque et al., 2015ROFFET-SALQUE, M. et al. Widespread exploitation of the honeybee by early Neolithic farmers. Nature, [s. l.], n. 527, p. 226-231, Nov. 2015.). Os materiais analisados pelos pesquisadores são resíduos de cera de abelha datados de aproximadamente 9.000 anos. Foi por meio da arte rupestre que arqueólogos encontraram a mais antiga representação das relações entre humanos e abelhas. Ela é datada, justamente, do período Neolítico. Em uma caverna próxima a Valência, na Espanha, nas palavras de Sidney Mintz (1999MINTZ, S. W. Sweet polychrest. Social Research, [s. l.], v. 66, n. 1, p. 85-101, Spring 1999., p. 85, tradução minha), essa “pintura maravilhosa retrata uma figura humana que rouba mel de uma colmeia enquanto abelhas estão zumbindo em torno dela. A pintura, portanto, remete-nos ao fascínio de uma substância verdadeiramente antiga, cantada tanto por hebreus como, também, pelos gregos.” A famosa pintura encontra-se na Gruta de Aranha, Espanha,3 3 Ver Las Cuevas… (2021) e Centenario… (2020). que é datada de, pelo menos, 7.000 a.C. (Hernández-Pacheco, 1924HERNÁNDEZ PACHECO, E. Las pinturas prehistóricas de las cuevas de la Araña (Valencia). Madrid: [s. n.], 1924. (Memoria núm. 34 de la Comisión de Investigaciones Paleontológicas y Prehistóricas).), havendo menções a uma datação que chega a mais de 20 mil anos (Crittenden, 2011CRITTENDEN, A. N. The importance of honey consumption in human evolution. Food and Foodways: explorations in the history and culture of human nourishment, [s. l.], v. 29, n. 4, p. 257-273, 2011.; Mintz, 1999MINTZ, S. W. Sweet polychrest. Social Research, [s. l.], v. 66, n. 1, p. 85-101, Spring 1999.).

Dessa maneira, pode-se dizer que o mel, de sabor fundamentalmente doce, é a substância que aproximou os seres humanos das abelhas. Conforme o etnobiólogo e a etnocientista Edmond Dounias e Geneviève Michon (2011DOUNIAS, E.; MICHON, G. Des forêts et des hommes: 9. Répresentations, usages, pratiques: le miel en forêt: apicollectes, apicultires. Suds en Ligne, [s. l.], janv. 2011. Disponível em: Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/281415992_Des_forets_et_des_hommes_9_Representations_usages_pratiques_le_miel_en_foret_le_miel_en_foret_apicollectes_apicultures . Acesso em: 14 ago. 2023.
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, tradução minha), “o mel é, sem dúvida, a fonte mais concentrada de açúcar disponível em estado selvagem”. Eles também apontam que, no reino animal, o sabor doce é amplamente percebido como agradável, ao contrário do gosto amargo, que alerta para uma provável toxicidade - e, já nas primeiras horas de vida de um bebê humano, induz a um reflexo de repulsão.4 4 Os autores compreendem o açúcar como uma moeda de troca entre as plantas e os animais polinizadores, sendo que, para fabricá-lo, há grande gasto energético das plantas. Segundo Dounias e Michon (2011, tradução minha), a única exceção à lógica do açúcar como uma moeda de troca fabricada, portanto, com interesses reprodutivos das plantas para atrair polinizadores, é o mel, o qual “constitui uma notável exceção: é o único caso onde o produtor de açúcar, a abelha, é explorado sem benefício em troca”, asseveram, sendo por esse motivo que as qualificam como as “inegáveis altruístas”. Lançam, ainda, como questionamento: “O que elas recebem em troca senão profundas alterações e poluições de origem antrópica dos ambientes que elas exploram, ao ponto de suas colônias estarem em perigo?” (Dounias; Michon, 2011, tradução minha). Por sua vez, Eva Crane (1975)CRANE, E. History of honey. In: CRANE, E. (ed.). Honey: a comprehensive survey. New York: Crane, Russak & Company, 1975. p. 439-488. 5 5 Tida como a ”grande dama do mel e das investigações sobre as abelhas”, Eva Crane é reconhecida por suas investigações sobre a história da apicultura. destaca que a predação do mel das abelhas é uma prática que de maneira alguma se restringe aos humanos, afinal, é praticada por diversos animais, especialmente pelos mamíferos. Ela situa o mel como uma substância produzida por alguns insetos e que é explorada por uma série de outros animais. Nesse sentido, a autora aponta que, antes de seres humanos iniciarem a, assim denominada por ela, “caça ao mel”, uma série de outros animais praticavam essa atividade.

Cabe destacar também que, na condição de alimento produzido por insetos, o consumo do mel nos aproxima da entomofagia, isto é, da utilização de insetos na alimentação humana. Se os insetos não são considerados comestíveis por diversos povos, como por exemplo, pelos habitantes da Europa do Oeste e da América do Norte (Fischler, 1995FISCHLER, C. El (h)omnívero: el gusto, la cocina y el cuerpo. Barcelona: Anagrama, 1995.; Maciel, 2001MACIEL, M. E. Cultura e alimentação ou O que têm a ver os macaquinhos de Koshima com Brillat-Savarin? Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 7, n. 16, p. 145-156, dez. 2001. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-71832001000200008. Acesso em: 31 jul. 2023.), é necessário ressaltar que os méis, produzidos por abelhas (que, por sua vez, são insetos), parecem ser universalmente considerados comestíveis. Portanto, ao passo que o consumo de insetos restringe-se a alguns povos, o consumo do mel é generalizado.

Companheiras indispensáveis

No artigo “Earth stalked by man”, Anna Tsing (2016)TSING, A. Earth stalked by man. The Cambridge Journal of Anthropology, [s. l.], v. 34, n. 1, p. 2-16, 2016. denomina os seres fundamentais para a manutenção da vida de “companheiros indispensáveis” (“indispensable companions”). Destaca que, no Antropoceno - era geológica, ou evento-limite, na qual a possibilidade de habitar a Terra está ameaçada6 6 Em 2002, o químico atmosférico Paul Crutzen publicou na revista Nature o artigo “Geology of Humankind”, onde ele afirma que estamos vivendo numa nova era geológica, marcada pela ação humana. Crutzen reivindica ser a Revolução Industrial o ponto inicial dessa era na qual as ações humanas tornaram-se a principal força geológica. Dois anos antes, em 2000, Crutzen junto de seu colega, também químico atmosférico, Eugene Stoermer, pela primeira vez, publicou numa revista o conceito de Antropoceno. Danowski e Viveiros de Castro (2014, p. 16) afirmam que enquanto tais termos, como “Antroceno”, “Antroposfera” e até mesmo “Antropoceno” já haviam sido propostos no século passado, sabe-se que foi durante uma discussão transcorrida no mesmo ano no encontro do International Geosphere-Biosphere Programme (IGBP) próximo à Cidade do México, que Crutzen propôs o conceito pela primeira vez e então publicou com o seu colega Stoermer a reportagem “The Anthropocene”. Por seu turno, Lewis e Maslin (2015) lembram que foi a partir deste artigo - no qual Crutzen e Stoermer sugeriram que o Holoceno teria terminado dando lugar ao novo período geológico marcado pelas ações humanas - que teve início o uso crescente do termo “Antropoceno”. -, definido por ela como a “Terra perseguida pelo Homem” (em tradução livre), tais companhias indispensáveis estão em declínio e, mais que isso, muitas estão em processos de extinção. “Carvalho, faia, freixo: ignoramos essas plantas, mas elas são companheiras indispensáveis. Chame isso de ‘serviços ecossistêmicos’ se preferir. Não podemos viver sem elas” (Tsing, 2016TSING, A. Earth stalked by man. The Cambridge Journal of Anthropology, [s. l.], v. 34, n. 1, p. 2-16, 2016., p. 12, tradução minha).7 7 Compartilho com Donna Haraway o desgosto pelo termo “serviços ecossistêmicos”. A revista Ethnos publicou, em 2016, na série “Antropólogos estão falando” um debate “Sobre o Antropoceno” e, dentre os convidados para a conversa, estava Donna Haraway. Para falar sobre o Antropoceno, ela o comparou aos “serviços ecossistêmicos”, comentando que Jane Lubchenco, a introdutora desse termo na Sociedade Americana de Ecologia, ao descrever o custo de tudo que os mundos vivos da Terra fazem, tinha como objetivo tornar isso tudo visível. No entanto, apesar das boas intenções da autora, os serviços ecossistêmicos “tornaram-se um termo indispensável para monetarizações de todos os temas. Ele também prometeu demolir [a divisão entre] natureza e cultura, porém, sob o custo de transformar tudo em circuitos de monetização e contabilidade” (Haraway et al., 2016, p. 538, tradução minha).

Além das plantas mencionadas como companheiras indispensáveis, podemos acrescentar a essa lista das companheiras que são indispensáveis à manutenção da vida as abelhas - sem as quais, portanto, não podemos viver. Até mesmo é possível remodelar a frase de Tsing acerca das companheiras indispensáveis, colocando as abelhas no lugar das plantas: “Jataí, abelha ‘africanizada’, irapuá: ignoramos essas abelhas, mas elas são companheiras indispensáveis. Chame isso de ‘serviços de polinização’ se preferir. Não podemos viver sem elas.”

O termo “companheiras indispensáveis”, por sua vez, encontra o seu ponto de partida no conceito de “espécies companheiras” (“companion species”), elaborado por Donna Haraway em The companions species manifesto (Haraway, 2003HARAWAY, D. The companion species manifesto: dogs, people, and significant otherness. Chicago: Prickly Paradigm Press, 2003.) e em When species meet (Haraway, 2008HARAWAY, D. When species meet. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2008.). Com o conceito de “espécies companheiras”, Haraway destaca que não se refere estritamente a animais de companhia. Pelo contrário, “é uma categoria mais ampla e mais heterogênea do que animal de companhia, e não somente porque se podem incluir alguns seres orgânicos como o arroz, as abelhas, tulipas e flora intestinal, todos aqueles que fazem a vida dos humanos o que ela é - e vice-versa” (Haraway, 2003HARAWAY, D. The companion species manifesto: dogs, people, and significant otherness. Chicago: Prickly Paradigm Press, 2003., p. 15, tradução minha). “Entendo que essa noção é menos uma categoria do que um indicador para um contínuo ‘tornar-se com’ […] Os companheiros não precedem sua relação: tudo o que há, é fruto do tornar-se com” (Haraway, 2008HARAWAY, D. When species meet. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2008., p. 16-17, tradução minha).

A preocupação gerada pelo declínio das abelhas e de outros animais que realizam os assim chamados “serviços de polinização” mobilizou a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e a Organização das Nações Unidas (ONU) por meio da plataforma IPBES,8 8 A Plataforma Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos foi criada em 2012, após quase uma década de negociações. Seu objetivo é a organização de conhecimento sobre a biodiversidade no planeta com o objetivo de subsidiar decisões políticas em âmbito mundial, à semelhança do trabalho realizado (com relação ao clima do planeta) pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês) (Castro, P., 2019). Manuela Carneiro da Cunha integra o IPBES e nele, como destacado em “O desafio de ouvir um grito indígena em meio ao indizível da catástrofe” (Gonçalves; Dias, 2015), reforça a importância da presença dos povos indígenas como integrantes da plataforma para uma colaboração efetiva entre ciência e conhecimentos indígenas tradicionais. uma entidade criada para organizar conhecimentos sobre a biodiversidade em todo o planeta e subsidiar ações e políticas. A preocupação no que concerne aos polinizadores e à diminuição de suas populações - bem como a relevância que têm nos sistemas agroalimentares por meio do trabalho que realizam na produção de alimentos, tendo um papel fundamental para a “segurança alimentar” no planeta - é tão intensa que a primeira força-tarefa mobilizada no interior da plataforma voltou-se, justamente, para o tema dos polinizadores e da polinização.

Concomitantemente ao surgimento da noção de “serviços de polinização”,9 9 A noção de “serviços de polinização” - uma modalidade de “serviço ecossistêmico”- nasceu nas ciências da conservação nos anos 1990 e refere-se aos serviços prestados por agentes polinizadores. seus propositores alertaram a sociedades e governos para o crescente “déficit de polinizadores” que estaria tornando-se um problema global. Como vimos acima, a ONU e a FAO têm desenvolvido iniciativas relacionadas aos polinizadores. Desde o ano de 2000, organizam a “Iniciativa Internacional para Conservação e Uso Sustentável de Polinizadores” (IPI), sendo que, para facilitar e coordenar a iniciativa, foi criada pela FAO a “Ação Global dos Serviços de Polinização para uma Agricultura Sustentável”.10 10 Ver https://www.fao.org/pollination/projects/en/ (acessado em 31/07/2023). No Brasil, há o “Projeto Polinizadores do Brasil”, ligado à IPI, e que é composto por outras redes (Saiba…, 2015SAIBA mais sobre o Projeto Polinizadores do Brasil. In: ABELHA. [S. l.]: ABELHA, 9 abr. 2015. Disponível em: Disponível em: https://abelha.org.br/saiba-mais-sobre-o-projeto-polinizadores-do-brasil/ . Acesso em: 6 ago. 2023.
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).

As atividades de polinização que realizam tornam as abelhas, junto a outros animais polinizadores, fundamentais para a reprodução e para a diversificação das espécies vegetais sexuadas, contribuindo, portanto, para a promoção da biodiversidade. É assim que as abelhas compõem, junto às plantas e a outras espécies vegetais, paisagens multiespecíficas que são fundamentais para a manutenção da vida na Terra, ou, nas palavras de Tsing (2016)TSING, A. Earth stalked by man. The Cambridge Journal of Anthropology, [s. l.], v. 34, n. 1, p. 2-16, 2016., para a manutenção da “habitabilidade multiespecífica”. Para além de habitantes, as abelhas são construtoras das paisagens multiespecíficas, atuando na reprodução e diversificação das plantas, das árvores e de outros vegetais.

Crise das abelhas e distopia

Enquanto as relações e interações entre abelhas e humanos foram tecidas, já em seu início, por meio do interesse humano pelo mel, o alimento energético e muito saboroso das abelhas, contemporaneamente, a importância do mel produzido pelas abelhas tem sido minimizada por biólogos e por outros profissionais ligados à criação de abelhas. A relativização da relevância do mel, em seus discursos, surge como uma forma de destacar a grande importância que as abelhas têm, não pelo trabalho de fabrico do mel, mas como agentes que realizam a polinização das plantas e de muitas espécies vegetais, o que as leva a ter um papel fundamental na reprodução sexuada das espécies vegetais.

Para biólogos envolvidos em projetos de conservação da biodiversidade, o mel é um produto de menor valor quando comparado com a relevância da polinização que é realizada pelas abelhas.11 11 A bióloga Vera Lúcia Imperatriz-Fonseca, em entrevista à Agência Fapesp, afirma que o mel é “um subproduto pequeno quando comparado ao valor do serviço de polinização prestado pelas abelhas, que corresponde a quase 10% do valor da produção agrícola mundial”; inclusive, a reportagem que traz essa entrevista aponta estimativas de cientistas para imaginarmos as dimensões da relevância da polinização e do mel para o mercado mundial. Em 2007, cientistas estimaram que o valor global do mel exportado tenha sido de US$ 1,5 bilhão, enquanto o valor dos serviços ecossistêmicos de polinização em todo o mundo foi calculado em US$ 212 bilhões (Toledo, 2014). É importante notar que esse movimento de relativização da importância das abelhas como produtoras de mel ganha força em um contexto de crise em que é constatado o declínio das populações de polinizadores, especialmente dos insetos, e agravado pelo fenômeno do sumiço das abelhas, chamado de colony colapse disorder (CCD), em português, síndrome do colapso das colônias.

Entretanto, antes de surgir o problema do desaparecimento das abelhas (CCD), que consiste no sumiço das abelhas dos apiários (ou seja, local próprio para a criação onde ficam dispostas as colmeias) de apicultores norte-americanos e também europeus, já havia sido constatado o declínio da população dos polinizadores. Cientistas atribuem como causa desse declínio o desflorestamento, a fragmentação dos habitats, a introdução de espécies exóticas e o exercício de práticas agrícolas pouco harmoniosas com a flora e a fauna nativas.

Aliás, o fenômeno de mortandade das abelhas não é um fenômeno surgido com o desaparecimento das abelhas, ou CCD. Como bem destacam Nocelli et al. (2012NOCELLI, R. C. F. et al. As abelhas e os defensivos agrícolas. In: FONSECA, V. L. I. et al. (org.). Polinizadores no Brasil: contribuição e perspectivas para a biodiversidade, uso sustentável, conservação e serviços ambientais. São Paulo: Edusp, 2012. p. 257-269., p. 257), “os primeiros estudos avaliando os efeitos tóxicos dos defensivos agrícolas sobre as abelhas datam da década de 1940 e tiveram início nos Estados Unidos e na Europa. No Brasil, eles aconteceram posteriormente, por volta da década de 1970 […]”, a exemplo do dossiê, publicado em 1979, chamado La mort des abeilles: un signal d’alarme: les herbicides, une menace pour l’apiculture et le monde vivant (La mort…, 1979LA MORT des abeilles: un signal d’alarme, les herbicides, une menace pour l’apiculture et le monde vivant. Champion: Infor Vie Saine, 1979.), em português, “A morte das abelhas: um sinal de alarme: os herbicidas, uma ameaça para a apicultura e a vida”. O dossiê reúne trabalhos realizados junto a apicultores da Bélgica cujas abelhas foram vítimas do tratamento de herbicidas hormonais, sendo a mortandade então relatada ocorrida em junho de 1977 em apiários do país. Antes disso, em 1962, Rachel Carson (2010CARSON, R. Primavera silenciosa. São Paulo: Gaia, 2010., p. 141) já abordara os impactos dos agrotóxicos sobre as abelhas em Primavera silenciosa, como podemos acompanhar no excerto transcrito a seguir:

[…] Mesmo antes da pulverização de 1957, os apicultores haviam sofrido pesadas perdas com o uso do DDT em pomares. “Até 1953 eu encarava como verdade bíblica tudo o que fosse dito pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos e pelas faculdades de agricultura”, declarou, com amargura, um desses apicultores. Mas, em maio daquele ano, esse homem perdeu oitocentas colônias, depois que o estado mandou pulverizar uma grande área. As perdas foram tão generalizadas e vultosas que outros catorze apicultores se juntaram a ele e processaram o estado, reclamando uma indenização de um quarto de milhão de dólares.

Nesse sentido, cabe pontuar que, no Brasil, as abelhas com ferrão (Apis mellifera) não têm passado pelo fenômeno do desaparecimento, mas por mortandades cuja causa é a utilização de agrotóxicos em lavouras e especialmente em monoculturas, sendo em muitos casos utilizada a pulverização aérea (Bosisio et al., 2023BOSISIO, L. et al. Assentados da reforma agrária enfrentam mortandade de abelhas e peixes após pulverização aérea de agrotóxicos em canaviais. G1, [s. l.], 16 fev. 2023. Disponível em: Disponível em: https://g1.globo.com/sp/presidente-prudente-regiao/noticia/2023/02/16/assentados-da-reforma-agraria-enfrentam-mortandade-de-abelhas-e-peixes-apos-pulverizacao-aerea-de-agrotoxicos-em-plantacoes-de-cana.ghtml . Acesso em: 31 jul. 2023.
https://g1.globo.com/sp/presidente-prude...
; Medeiros, 2016MEDEIROS, C. Chuva de veneno mata abelhas e destrói produção de mel. Sem Abelha Sem Alimento, [s. l.], 27 abr. 2016. Disponível em: Disponível em: https://www.semabelhasemalimento.com.br/chuva-de-veneno-mata-abelhas-e-destroi-producao-de-mel-no-interior-do-rs/ . Acesso em: 31 jul. 2023.
https://www.semabelhasemalimento.com.br/...
). Por sua vez, as abelhas nativas sem ferrão, ainda que também não estejam passando pelo CCD, têm sofrido fortes diminuições populacionais. A diminuição de populações de abelhas nativas sem ferrão tem conduzido, inclusive, algumas espécies dessas abelhas a constar nas listas e nos livros vermelhos de espécies em ameaça de extinção - os quais são, basicamente, instrumentos de controle governamental de vidas não humanas que se encontram em estado vulnerável. No livro Abelhas sem ferrão do Brasil, Cortopassi-Laurino e Nogueira-Neto (2016CORTOPASSI-LAURINO, M.; NOGUEIRA-NETO, P. Abelhas sem ferrão do Brasil. São Paulo: Edusp, 2016., p. 101) destacam que o desmatamento com fragmentação ou alteração dos ecossistemas é o principal inimigo desses insetos pela consequente falta de alimentos e de locais de nidificação que acarretam, sendo que o uso intensivo de herbicidas e pesticidas em culturas agrícolas também contribui para o desaparecimento das abelhas.

No prefácio à obra Pot-honey: a legacy of stingless bees (em tradução livre, “Potes de mel: um legado das abelhas sem ferrão”), Paulo Nogueira-Neto (2013)NOGUEIRA-NETO, P. Foreword: yes, we can. In: VIT, P.; PEDRO, S. R. M.; ROUBIK, D. (ed.). Pot-honey: a legacy of stingless bees. London: Springer, 2013. p. ix., ecologista brasileiro e amante das abelhas sem ferrão, cujos trabalhos são referência nos estudos dessas abelhas, também criador do termo “meliponicultura”, faz um diagnóstico desconfortável - que é quase um manifesto - sobre as abelhas sem ferrão, intitulado “Yes, we can” (“Sim, nós podemos”). Nesse texto, aponta para alguns elementos de contextualização da meliponicultura e finaliza o prefácio afirmando: “Sim, nós podemos salvar as abelhas sem ferrão. Realmente podemos” (Nogueira-Neto, 2013NOGUEIRA-NETO, P. Foreword: yes, we can. In: VIT, P.; PEDRO, S. R. M.; ROUBIK, D. (ed.). Pot-honey: a legacy of stingless bees. London: Springer, 2013. p. ix., p. ix, tradução minha). Destaca também que estamos em um tempo no qual as abelhas parecem estar se tornando escassas se compararmos com quantidades anteriores de abelhas envolvidas em polinização e em produção de mel. Ele menciona que há também competição entre diferentes tipos de abelhas, lembrando que foi no século XIX que a abelha com ferrão (Apis mellifera) chegou e expandiu-se nas Américas e na Austrália. Já no século XX, houve o processo de “invasão” da abelha africanizada (Apis mellifera scutellata) nas Américas tropical e subtropical, concomitantemente a um forte declínio nos números das abelhas sem ferrão.12 12 Para abordagens mais detalhadas sobre a introdução das Apis mellifera (tanto a introdução das abelhas europeias quanto o surgimento da abelha africanizada, híbrida, no Brasil em meio a um experimento científico que almejava produzir uma nova abelha Apis) bem como as diferenças (e aproximações) entre apicultura e meliponicultura, sugiro a leitura de minha tese de doutorado Doces companheiras indispensáveis: um estudo antropológico sobre abelhas e habitabilidade (Pastori, 2017).

Acerca da “crise das abelhas” o sociólogo Richie Nimmo (2015)NIMMO, R. The bio-politics of bees: industrial farming and colony collapse disorder. Humanimalia, [s. l.], v. 6, n. 2, 2015. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.52537/humanimalia.9909 . Acesso em: 3 fev. 2017.
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defende que, na verdade, essa não é uma crise das abelhas, senão do próprio sistema agroalimentar que é baseado em uma única espécie de abelha para realizar a polinização de todos os cultivos. Aponta que tomar “o CCD como uma ‘crise das abelhas’ é aceitar o domínio da Apis mellifera como dado e marginalizar as muitas outras espécies de abelhas nativas que realizavam o trabalho de polinização perfeitamente bem até a globalização da abelha ocidental” (Nimmo, 2015NIMMO, R. The bio-politics of bees: industrial farming and colony collapse disorder. Humanimalia, [s. l.], v. 6, n. 2, 2015. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.52537/humanimalia.9909 . Acesso em: 3 fev. 2017.
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, p. 184, tradução minha).

É importante notar que a ameaça à vida das abelhas - e também de outras companhias indispensáveis à vida - tem alimentado medos e distopias. A crise das abelhas, iniciada por volta de 2006, e que afetou as populações de abelhas nos Estados Unidos e na Europa, fomentou um imaginário distópico. A sentença “Se as abelhas desaparecerem da face da Terra, a humanidade terá somente mais quatro anos de vida!”, atribuída a Einstein, tem sido amplamente usada pelas pessoas que defendem as abelhas. Há variações dessa frase, tais como: “Se as abelhas desaparecerem da face da terra, a humanidade terá apenas mais quatro anos de existência. Sem abelhas não há polinização, não há reprodução da flora, sem flora não há animais, sem animais não haverá raça humana.”13 13 A última versão citada da frase que é atribuída a Einstein foi encontrada nas notas de um vídeo que se chama As abelhas e a extinção da humanidade (2016).

Dessa forma, os desafios à manutenção da habitabilidade que decorrem da ameaça à vida das abelhas e de outras companhias indispensáveis à vida humana interceptam-se com uma contemporânea proliferação de distopias, como constatam Danowski e Viveiros de Castro (2014)DANOWSKI, D.; VIVEIROS DE CASTRO, E. Há mundo por vir?: ensaios sobre os medos e os fins. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2014., as quais se contrapõem ao otimismo “humanista” que predominou nos últimos três ou quatro séculos do Ocidente.

Conforme vai se tornando cada vez mais evidente a gravidade da presente crise ambiental e civilizacional, proliferam novas e atualizam-se velhas variações em torno de uma antiquíssima ideia que chamaremos, em uma simplificação que este ensaio pretende complicar um pouco, “o fim do mundo”. (Danowski; Viveiros de Castro, 2014DANOWSKI, D.; VIVEIROS DE CASTRO, E. Há mundo por vir?: ensaios sobre os medos e os fins. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2014., p. 11).

A “crise das abelhas” ganhou grande visibilidade na mídia e foi explorada de diversos modos. Foi tema de documentários, como é o caso de More than honey, em português “Mais que mel”14 14 Dirigido pelo suíço Markus Imhoof e lançado em 2012, expressa, já em seu título, que a importância das abelhas vai além do mel e que o desaparecimento das abelhas, abordado no filme, ameaça não somente a produção de mel, mas a produção de (muitos) alimentos. e Vanishing of the bees (em tradução livre, “O desaparecimento das abelhas”); abordada em matérias de revistas, com sessões dedicadas a questões relacionadas à crise das abelhas, inclusive propondo que se imagine um “mundo sem abelhas”. Esse foi o caso da revista Time, lançada em agosto de 2013, cuja capa anunciava: “Um mundo sem abelhas: o preço que iremos pagar se não descobrirmos o que está matando a abelha” (cf. A world…, 2013A WORLD without bees. Time, [s. l.], 19 Aug. 2013. Disponível em: Disponível em: https://content.time.com/time/covers/0,16641,20130819,00.html . Acesso em: 14 ago. 2023.
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). Um vídeo chamado NewBees (2014)NEWBEES. [S. l.: s. n. ], 28 abr. 2014. 1 vídeo (2min21s). Publicado no canal Greenpeace International. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=CGTNjPow3LM . Acesso em: 31 jul. 2023.
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- em tradução livre, “Novas abelhas” - foi produzido pela ONG Greenpeace, no qual o futuro é imaginado com abelhas robôs sendo que, ao seu fim, lançam como questionamento, para induzir à reflexão, se acaso não seria melhor preservar o planeta do que ter de criar outro.

Ainda que não seja bem isso, nem Einstein tenha dito essa frase, nem seja bem o caso de que em quatro anos a espécie humana desapareceria se acaso as abelhas sumissem - exercício de questionamento realizado pelo entomólogo Keith Delaplane ([2013])DELAPLANE, K. On Einstein, bees, and survival of the human race. In: UNIVERSITY of Georgia Bee Program. Georgia: UGA, [2013]. Disponível em: Disponível em: https://bees.caes.uga.edu/beekeeping-resources/other-topics/on-einstein--bees--and-survival-of-the-human-race.html . Acesso em: 6 ago. 2023.
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no texto “On Einstein, bees, and survival of the Human Race” -, o receio que surgiu com o desaparecimento de abelhas, ocorrido especialmente em países europeus e nos Estados Unidos, sinaliza tanto para a percepção difusa da dependência dos humanos do trabalho de polinização realizado pelas abelhas como para o medo relativo a um futuro pauperizado e famélico que acabaria, inclusive, inviabilizando a vida humana.

Pode-se constatar que a “crise das abelhas” estimulou uma nova sensibilidade em relação às abelhas, atentando à necessidade de cuidar da vida desses insetos. Uma imagem positiva das abelhas (e voltada para mostrar o trabalho de polinização que realizam) é um ponto importante dos esforços de sensibilização levados a cabo por diversos agentes empenhados na defesa da vida das abelhas.

Nesse sentido, emergiu um movimento em diversas grandes cidades, tais como Tóquio, Paris, Chicago, Hong Kong, Viena, Berlim e Nova York, de resgate da convivência com as abelhas por meio da criação da “apicultura urbana”, cujo objetivo é colaborar com as abelhas e tentar contribuir com a sobrevivência desses insetos. Em Hong Kong, por exemplo, uma organização de artistas e de apicultores engajou-se na tentativa de popularização da criação de abelhas para o mel (Apicultura…, 2011APICULTURA urbana se populariza em ‘selva de pedra’ de Hong Kong. BBC, [s. l.], 12 jul. 2011. Disponível em: Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/videos_e_fotos/2011/07/110712_videoabelhashongkongebc . Acesso em: 31 jul. 2023.
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). O estímulo ao cultivo de flores é uma constante entre os agentes envolvidos com a apicultura urbana e, até mesmo, uma ideia que estimula a sua prática é que nas áreas urbanas não há o uso de inseticidas e de agrotóxicos que há nos cultivos das áreas rurais e, desse modo, criar abelhas nas cidades poderia ser inclusive melhor para as abelhas do que a criação em ambientes rurais (Cidades…, 2014CIDADES podem ser melhores para abelhas do que o campo. Mundo ao Minuto, 12 jan. 2014. Disponível em: Disponível em: https://www.noticiasaominuto.com/mundo/157603/cidades-podem-ser-melhores-para-abelhas-do-que-o-campo . Acesso em: 31 jul. 2023.
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).

Já no Brasil, com objetivos de conscientização dos brasileiros acerca da crise das abelhas e de mobilizar instâncias governamentais para atuarem a favor delas, o geneticista Lionel Segui Gonçalves, que preside o Centro Tecnológico de Apicultura e Meliponicultura do Rio Grande do Norte (Cetapis), criou o movimento “Bee or not to be?”.15 15 Ver http://www.semabelhasemalimento.com.br (acessado em 31/07/2023). O próprio nome do sítio eletrônico sugere, “sem abelha, sem alimento”, a ideia de que a produção de alimentos seria inviabilizada sem as abelhas. Além dessa ação, vale destacar que têm sido disseminadas ações fomentando a presença de colmeias de abelhas sem ferrão em espaços públicos urbanos, especialmente em praças e parques, como ocorrido recentemente nas capitais dos estados de Santa Catarina e de Curitiba (Colmeias…, 2020COLMEIAS de abelhas sem ferrão serão instaladas em praças e parques do Centro da Capital. Floripa Centro, 16 out. 2020. Disponível em: Disponível em: https://floripacentro.com.br/colmeias-de-abelhas-sem-ferrao-serao-instaladas-em-pracas-e-parques-do-centro-da-capital/ . Acesso em: 31 jul. 2023.
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).

A ideia de que as abelhas seriam fundamentais para a “segurança alimentar”, tanto na campanha mencionada anteriormente “Bee or not to be?” quanto em manifestações pelas redes sociais em defesa das abelhas e a favor do banimento de uma série de pesticidas, invoca a possibilidade de um horizonte de fome - com especial ênfase aos agrotóxicos neonicotinoides, derivados da nicotina, como inimigos das abelhas. Um mundo sem abelhas é imaginado como um mundo famélico; caso as abelhas desapareçam, a fome tornar-se-ia o horizonte, sobretudo, da humanidade.

É desse modo que, além dos medos e das distopias, as ameaças à habitabilidade decorrentes de mortandades e declínios populacionais de espécies que são companheiras indispensáveis, como é o caso das abelhas, têm sido utilizadas por agentes para gerar novas políticas e mercados. Portanto, por meio da crise ambiental engendrada por modos de habitar destrutivos e às consequentes ameaças à habitabilidade, proliferam medos, distopias e, também, mercados.

Para Marc Abélès (2008)ABÉLÈS, M. Política de la supervivencia. Buenos Aires: Eudeba, 2008., em Política de la supervivencia, estamos imersos em uma crise de futuro, surgida após o abalo profundo na fé no progresso que alimentou o século XIX e parte do século XX; mas, mais que isso, a crise de futuro é a expressão da perda da fé de que haverá um futuro. “A carência de futuro que está no fundamento do discurso pós-modernista remete a um fenômeno mais profundo que afeta nossa percepção de mundo” (Abélès, 2008ABÉLÈS, M. Política de la supervivencia. Buenos Aires: Eudeba, 2008., p. 41, tradução minha). O autor propõe que, em nosso tempo, a política não se centra mais na “convivência”, no estar juntos, mas na “sobrevivência”, sendo portanto uma “política da sobrevivência” que surge nesse contexto de desconfiança acerca da possibilidade de (in)existência do futuro; a importância da sobrevivência conduziu, inclusive, à inserção da “natureza” (ambiente) nas racionalidades e tecnologias de governo - à ecogovernamentalidade. Ou mesmo a ecogovernamentalidade foi um passo posterior ao “desenvolvimento sustentável”, como destaca Radomsky (2011)RADOMSKY, G. Desenvolvimento, pós-estruturalismo e pós-desenvolvimento - A crítica da modernidade e a emergência de “modernidades” alternativas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 26, n. 75, p. 149-162, 2011..16 16 Radomsky comenta no artigo citado que o lema do desenvolvimento sustentável foi objeto de análise de pesquisadores como Rist - The history of development: from western origins to global faith (2008) - o qual observa que o segundo termo (sustentável) serviu somente para legitimar o primeiro, perpetuando o desenvolvimento como gramática inquestionável. Em seguida, ressalta que Astrid Ulloa na obra The ecological native: indigenous people’s movement and the eco-governmentality in Colombia (2005) e o cientista político indiano Arun Agrawal em Environmentality: technologies of government and the making of subjects (2005) denunciam que a cruzada do desenvolvimento sustentável propiciou o surgimento da ecogovernamentalidade.

No vídeo mencionado anteriormente, NewBees, o Greenpeace sugere imaginarmos um futuro no qual haveria abelhas robôs no lugar das abelhas que teriam desaparecido. Talvez tenham exagerado um pouco, mas não muito. Biofábricas estão surgindo e produzindo, entre outros insetos, alguns polinizadores. Desse modo, se as espécies estão com dificuldades para sobreviver, já existem iniciativas para substituí-las - há fábricas trabalhando nesse sentido. Como exemplo, surgiu um projeto de produção em larga escala (ou, nos termos utilizados pelos pesquisadores, “produção massal”) de abelhas nativas sem ferrão, sendo o objetivo inicial utilizar o trabalho de polinização delas em plantações de tomate (Silveira, 2015SILVEIRA, E. da. Produção alada. Pesquisa Fapesp, São Paulo, n. 236, out. 2015. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/producao-alada/. Acesso em 6 ago. 2023.
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).

A antropologia e o mais que humano

Como bem destacou Ingold (1995INGOLD, T. Humanidade e animalidade. Trad. Vera Pereira. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 10, n. 28, p. 39-53, 1995., p. 39), “a humanidade é o tema peculiar da antropologia”.17 17 Para que a humanidade enquanto espécie se tornasse o tema da antropologia, é importante lembrarmos a relevância que desempenhou, no século XIX, a pressuposição comungada entre os antropólogos evolucionistas acerca da unidade psíquica de toda a espécie humana, permitindo a edificação da disciplina antropológica. Por meio dessa pressuposição, os antropólogos evolucionistas afastavam-se das teses poligenistas, defensoras de que as “raças humanas” teriam origens diferentes e seriam, dessa forma, profundamente diferentes (Castro, C., 2005, p. 28). Os evolucionistas, portanto, reduziram as diferenças existentes na humanidade à história, ou seja, a diferentes etapas de desenvolvimento. Contemporaneamente, motivados por diferentes epistemologias, inquietações, interesses e alianças, antropólogos têm incluído em seus temas de estudo agentes não humanos ao tema disciplinar clássico. Essas inclusões de não humanos nas temáticas de investigação antropológicas têm como premissa uma postura crítica ao assim chamado “excepcionalismo humano”.

Viveiros de Castro, mencionando Lévi-Strauss, comenta de uma maneira muito clara as armadilhas contidas no excepcionalismo humano, como é possível ler no excerto transcrito a seguir:

Tem uma frase que o Lévi-Strauss escreveu certa vez, que é muito bonita. Ele diz que nós começamos por nos considerarmos especiais em relação aos outros seres vivos. Isso foi só o primeiro passo para, em seguida, alguns de nós começar a se achar melhores do que os outros seres humanos. E nisso começou uma história maldita em que você vai cada vez excluindo mais. Você começou por excluir os outros seres vivos da esfera do mundo moral, tornando-os seres em relação aos quais você pode fazer qualquer coisa, porque eles não teriam alma. Esse é o primeiro passo para você achar que alguns seres humanos não eram tão humanos assim. O excepcionalismo humano é um processo de monopolização do valor. É o excepcionalismo humano, depois o excepcionalismo dos brancos, dos cristãos, dos ocidentais… Você vai excluindo, excluindo, excluindo… Até acabar sozinho, se olhando no espelho da sua casa. O verdadeiro humanismo, para Lévi-Strauss, seria aquele no qual você estende a toda a esfera do vivente um valor intrínseco. Não quer dizer que são todos iguais a você. São todos diferentes, como você. Restituir o valor significa restituir a capacidade de diferir, de ser diferente, sem ser desigual. É não confundir nunca diferença e desigualdade. Não é por acaso que todas as minorias exigem respeito. Respeitar significa reconhecer a distância, aceitar a diferença, e não simplesmente ir lá, tirar os pobrezinhos daquela miséria em que eles estão. Respeitar quer dizer: aceite que nem todo mundo quer viver como você vive. ( Viveiros de Castro; Danowski, 2014VIVEIROS DE CASTRO, E.; DANOWSKI, D. Diálogos sobre o fim do mundo. Entrevista concedida a Eliane Brum. El País, 29 set. 2014. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2014/09/29/opinion/1412000283_365191.html. Acesso em: 31 jul. 2023.).

Destacando a necessidade de superar o excepcionalismo humano, Tsing (2012)TSING, A. Unruly edges: mushrooms as companion species. Environmental Humanities, [s. l.], v. 1, p. 141-154, 2012. propõe que o próprio “humano” seja pensado como sendo um relacionamento interespecífico, o qual muda historicamente, seguindo as diversas redes de dependência interespecíficas estabelecidas. Ela afirma que a ciência herdou as histórias de domínio humano das grandes religiões monoteístas, as quais alimentam premissas sobre a autonomia humana e constroem perspectivas tanto acerca do “controle” como do “impacto” humano na natureza, em detrimento de ressaltar as questões voltadas à interdependência das espécies. Para ela, a proposta de tomar a natureza humana como um relacionamento interespécie - “a natureza humana (em todas as suas miríades de formas) é uma relação entre espécies” (Tsing, 2012 apudVan Dooren; Kirskey; Münster, 2016VAN DOOREN, T.; KIRSKEY, E.; MÜNSTER, U. Estudos multiespécie: cultivando artes de atentividade. ClimaCom Cultura Científica: pesquisa, jornalismo e arte, Campinas, ano 3, n. 7, p. 39-66, 2016. Disponível em: Disponível em: http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/wp-content/uploads/2014/12/07-Incertezas-nov-2016.pdf . Acesso em: 6 ago. 2023.
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, p. 41) - possibilita, por exemplo, compreender melhor as diversas redes de domesticação nas quais os humanos enredam-se.

Dentre diversas maneiras de incluir não humanos nos temas de investigação antropológicos, há estudos, especialmente influenciados por uma ética animal, que contemplam animais em suas temáticas. Tais estudos objetivam, sobretudo, incluir os animais nas investigações oferecendo-lhes protagonismo, restituindo-lhes agency ou, também, com o objetivo de compreender processos tais como a humanização dos animais de estimação (Lewgoy et al., 2011LEWGOY, B. et al. Projeto de pesquisa: espelho animal: antropologia das relações entre humanos e animais. [S. l.: s.n.], 2011.; Pastori, 2012PASTORI, É. O. Perto e longe do coração selvagem: um estudo antropológico sobre animais de estimação em Porto Alegre, RS. 2012. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012.; Pastori; Matos, 2015PASTORI, É. O.; MATOS, L. G. de. Da paixão à “ajuda animalitária”: o paradoxo do “amor incondicional” no cuidado e no abandono de animais de estimação. Caderno Eletrônico de Ciências Sociais, [s. l.], v. 3, n. 1, p. 112-132, 2015.; Segata, 2012SEGATA, J. Nós e os outros humanos, os animais de estimação. 2012. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2012.).

Por outro lado, há estudos que ambicionam ir além da inclusão de animais nos seus temas de pesquisa. Especialmente movidos pela questão ambiental, por uma ética ambiental ou pelo tema correlato do Antropoceno, tais estudos propõem diversas maneiras de processar inclusões de agentes não humanos em seus temas de investigação.

O Antropoceno - proposta acerca de uma nova era geológica que ainda está em exame na comunidade científica - assinala uma época da Terra na qual os humanos tornaram-se a principal força geológica.18 18 As implicações para o debate clássico na antropologia entre natureza e cultura que são trazidas por essa perspectiva são múltiplas e complexas, posto que imaginar os humanos na condição de principais modeladores da vida na Terra, promovendo uma destruição cuja dimensão é difícil de imaginar, ameaçando a habitabilidade no planeta, provoca uma impossibilidade de quaisquer concepções dualistas acerca desse par conceitual. O Antropoceno acrescenta elementos à questão ambiental que, na verdade, são bastante dramáticos, por revelar que uma grande catástrofe decorrente das ações humanas já teria ocorrido.

O Antropoceno importa, pois a habitabilidade está ameaçada pelas repercussões das atividades humanas. E nós experimentamos a habitabilidade apenas através dos lugares. O Antropoceno é executado nos lugares apesar de sua circulação global. O Antropoceno é global; ele somente faz sentido numa escala planetária. E, no entanto, o Antropoceno é sempre paroquial, perspectivo e performativo. (Tsing, 2017TSING, A. A threat to Holocene resurgence is a threat to livability. In: BRIGHTMAN, M.; LEWIS, J. (ed.). The anthropology of sustantability: beyond development and progress. New York: Palgrave Macmillan, 2017. p. 51-65., p. 2, tradução minha).

Em Há mundo por vir?: ensaios sobre os medos e os fins, Danowski e Viveiros de Castro (2014)DANOWSKI, D.; VIVEIROS DE CASTRO, E. Há mundo por vir?: ensaios sobre os medos e os fins. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2014. abordam alguns dissensos em torno da ideia de Antropoceno, propostos basicamente por Bruno Latour e Isabelle Stengers. Para a filósofa, é preferível falar em “Gaia” a “Antropoceno”, sendo que Gaia seria um antídoto ao conceito de Antropoceno, o qual poderia encobrir uma metafísica antropocêntrica ou dar “ao Homo sapiens um poder ‘destinal’ sobre a história do planeta” (Danowski; Viveiros de Castro, 2014DANOWSKI, D.; VIVEIROS DE CASTRO, E. Há mundo por vir?: ensaios sobre os medos e os fins. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2014., p. 145).

Não são apenas as sociedades que integram a civilização dominante, de matriz ocidental, cristã, capitalista-industrial, mas toda a espécie humana, a própria ideia de espécie humana, que está sendo interpelada pela crise - mesmo, portanto e sobretudo, aqueles tantos povos, culturas e sociedades que não estão na origem da dita crise. Isso para não falarmos nos muitos milhares de outras linhagens de viventes que se acham sob ameaça de extinção, ou que já desapareceram da face da terra devido às modificações ambientais causadas pelas atividades “humanas”. (Danowski; Viveiros de Castro, 2014DANOWSKI, D.; VIVEIROS DE CASTRO, E. Há mundo por vir?: ensaios sobre os medos e os fins. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2014., p. 12).

Por sua vez, o antídoto oferecido por Tsing para o Antropoceno é o “patchy Anthropocene”, em tradução livre “Antropoceno irregular”, imaginado como um modo de existência que é desigual e fragmentado. Ela afirma que, apesar dos muitos movimentos de modernização, os modos de existência do Holoceno ainda compõem o mundo contemporâneo, e eles são opostos aos modos de existência do Antropoceno.

Holoceno e Antropoceno não irão oferecer uma cronologia singular, mas apontar para modos ecológicos divergentes que se entrelaçam e coexistem ao longo do tempo histórico, mesmo quando eles fazem histórias. Para preservar a habitabilidade, nós precisaremos conservar as ecologias do Holoceno - e para isso, precisamos prestar atenção nelas. (Tsing, 2017TSING, A. A threat to Holocene resurgence is a threat to livability. In: BRIGHTMAN, M.; LEWIS, J. (ed.). The anthropology of sustantability: beyond development and progress. New York: Palgrave Macmillan, 2017. p. 51-65., p. 54, tradução minha).

Para Danowski e Viveiros de Castro, o Antropoceno coloca em questão a própria noção de anthropos, ou seja, de falarmos em termos de um sujeito universal. “O que o Antropoceno põe em xeque, justamente, é a própria noção de anthropos, de um sujeito universal (espécie, mas também, classe ou multidão) capaz de agir como um só povo.” (Danowsky; Viveiros de Castro, 2014DANOWSKI, D.; VIVEIROS DE CASTRO, E. Há mundo por vir?: ensaios sobre os medos e os fins. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2014., p. 121, grifo dos autores).

Monastersky (2015)MONASTERSKY, R. The human age. Nature, [s. l.], n. 519, p. 144-147, Mar. 2015. destaca que o conceito de Antropoceno vem sendo mencionado por arqueólogos, historiadores e também por pesquisadores dos estudos de gênero, e muitos museus pelo mundo têm exibido arte inspirada pelo Antropoceno, assim como alguns veículos de comunicação têm adotado a ideia, como foi o caso da revista The Economist, que anunciou em 2011: “Welcome to the Anthropocene” (“Bem-vindos ao Antropoceno”). Este é um tema emergente extremamente desafiador para a antropologia e que começou a mobilizar antropólogos para debates (Haraway et al., 2016HARAWAY, D. et al. Anthropologists are talking: about the Anthropocene. Ethnos, v. 81, n. 3, p. 535-564, 2016.), conferências19 19 Como a conferência “Os mil nomes de Gaia” (ver https://osmilnomesdegaia.eco.br/, acessado em 06/08/2023). e, inclusive, há grupos de pesquisa emergindo.20 20 Como é o caso do Aarhus University Research on Anthropocene (AURA), na Universidade de Aarhus, na Dinamarca, coordenado por Anna Tsing.

Destaque-se, nesse sentido, que a crise das abelhas, ou seja, situação na qual as companheiras indispensáveis à vida humana estão com suas populações em declínio, pode ser compreendida como uma das manifestações do Antropoceno em seus modos de existência que ameaçam a habitabilidade multiespécie e que, por sua vez, como já apontado anteriormente, tem alimentado um imaginário distópico.

Referências

  • ABÉLÈS, M. Política de la supervivencia Buenos Aires: Eudeba, 2008.
  • AS ABELHAS e a extinção da humanidade. [S. l.: s. n. ], 22 maio 2016. 1 vídeo (8min2s). Publicado no canal Meliponário Bela Vista. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=DWbvfxOg26U Acesso em: 31 jul. 2023.
    » https://www.youtube.com/watch?v=DWbvfxOg26U
  • APICULTURA urbana se populariza em ‘selva de pedra’ de Hong Kong. BBC, [s. l.], 12 jul. 2011. Disponível em: Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/videos_e_fotos/2011/07/110712_videoabelhashongkongebc Acesso em: 31 jul. 2023.
    » https://www.bbc.com/portuguese/videos_e_fotos/2011/07/110712_videoabelhashongkongebc
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    » https://content.time.com/time/covers/0,16641,20130819,00.html
  • 1
    Ver Sociological Insect - On bees, humans & hybrids (ver https://sociologicalinsect.com, acessado em 31/07/2023).
  • 2
    Ver www.beelines.org (acessado em 31/07/2023).
  • 3
    Ver Las Cuevas… (2021)LAS CUEVAS de la Araña (Bicorp) y la recolectora de miel. In: PREHISTORIA Viva. Málaga: Prehistoria Viva, 16 fev. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.prehistoriaviva.es/l/copia-de-las-cuevas-de-la-arana-bicorp-y-la-recolectora-de-miel5/ . Acesso em: 14 ago. 2023.
    https://www.prehistoriaviva.es/l/copia-d...
    e Centenario… (2020)CENTENARIO del descubrimiento del Santuario mundial de la Apicultura. In: APIADS. [S. l: s. n], 17 dez. 2020. Disponível em: Disponível em: https://apiads.es/centenario-descubrimiento-santuario-mundial-apicultura/ . Acesso em: 14 ago. 2023.
    https://apiads.es/centenario-descubrimie...
    .
  • 4
    Os autores compreendem o açúcar como uma moeda de troca entre as plantas e os animais polinizadores, sendo que, para fabricá-lo, há grande gasto energético das plantas. Segundo Dounias e Michon (2011DOUNIAS, E.; MICHON, G. Des forêts et des hommes: 9. Répresentations, usages, pratiques: le miel en forêt: apicollectes, apicultires. Suds en Ligne, [s. l.], janv. 2011. Disponível em: Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/281415992_Des_forets_et_des_hommes_9_Representations_usages_pratiques_le_miel_en_foret_le_miel_en_foret_apicollectes_apicultures . Acesso em: 14 ago. 2023.
    https://www.researchgate.net/publication...
    , tradução minha), a única exceção à lógica do açúcar como uma moeda de troca fabricada, portanto, com interesses reprodutivos das plantas para atrair polinizadores, é o mel, o qual “constitui uma notável exceção: é o único caso onde o produtor de açúcar, a abelha, é explorado sem benefício em troca”, asseveram, sendo por esse motivo que as qualificam como as “inegáveis altruístas”. Lançam, ainda, como questionamento: “O que elas recebem em troca senão profundas alterações e poluições de origem antrópica dos ambientes que elas exploram, ao ponto de suas colônias estarem em perigo?” (Dounias; Michon, 2011DOUNIAS, E.; MICHON, G. Des forêts et des hommes: 9. Répresentations, usages, pratiques: le miel en forêt: apicollectes, apicultires. Suds en Ligne, [s. l.], janv. 2011. Disponível em: Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/281415992_Des_forets_et_des_hommes_9_Representations_usages_pratiques_le_miel_en_foret_le_miel_en_foret_apicollectes_apicultures . Acesso em: 14 ago. 2023.
    https://www.researchgate.net/publication...
    , tradução minha).
  • 5
    Tida como a ”grande dama do mel e das investigações sobre as abelhas”, Eva Crane é reconhecida por suas investigações sobre a história da apicultura.
  • 6
    Em 2002, o químico atmosférico Paul Crutzen publicou na revista Nature o artigo “Geology of Humankind”, onde ele afirma que estamos vivendo numa nova era geológica, marcada pela ação humana. Crutzen reivindica ser a Revolução Industrial o ponto inicial dessa era na qual as ações humanas tornaram-se a principal força geológica. Dois anos antes, em 2000, Crutzen junto de seu colega, também químico atmosférico, Eugene Stoermer, pela primeira vez, publicou numa revista o conceito de Antropoceno. Danowski e Viveiros de Castro (2014DELAPLANE, K. On Einstein, bees, and survival of the human race. In: UNIVERSITY of Georgia Bee Program. Georgia: UGA, [2013]. Disponível em: Disponível em: https://bees.caes.uga.edu/beekeeping-resources/other-topics/on-einstein--bees--and-survival-of-the-human-race.html . Acesso em: 6 ago. 2023.
    https://bees.caes.uga.edu/beekeeping-res...
    , p. 16) afirmam que enquanto tais termos, como “Antroceno”, “Antroposfera” e até mesmo “Antropoceno” já haviam sido propostos no século passado, sabe-se que foi durante uma discussão transcorrida no mesmo ano no encontro do International Geosphere-Biosphere Programme (IGBP) próximo à Cidade do México, que Crutzen propôs o conceito pela primeira vez e então publicou com o seu colega Stoermer a reportagem “The Anthropocene”. Por seu turno, Lewis e Maslin (2015)LEWIS, S.; MASLIN, M. Defining the Anthropocene. Nature, [s. l.], n. 519, p. 171-180, Mar. 2015. lembram que foi a partir deste artigo - no qual Crutzen e Stoermer sugeriram que o Holoceno teria terminado dando lugar ao novo período geológico marcado pelas ações humanas - que teve início o uso crescente do termo “Antropoceno”.
  • 7
    Compartilho com Donna Haraway o desgosto pelo termo “serviços ecossistêmicos”. A revista Ethnos publicou, em 2016, na série “Antropólogos estão falando” um debate “Sobre o Antropoceno” e, dentre os convidados para a conversa, estava Donna Haraway. Para falar sobre o Antropoceno, ela o comparou aos “serviços ecossistêmicos”, comentando que Jane Lubchenco, a introdutora desse termo na Sociedade Americana de Ecologia, ao descrever o custo de tudo que os mundos vivos da Terra fazem, tinha como objetivo tornar isso tudo visível. No entanto, apesar das boas intenções da autora, os serviços ecossistêmicos “tornaram-se um termo indispensável para monetarizações de todos os temas. Ele também prometeu demolir [a divisão entre] natureza e cultura, porém, sob o custo de transformar tudo em circuitos de monetização e contabilidade” (Haraway et al., 2016HARAWAY, D. et al. Anthropologists are talking: about the Anthropocene. Ethnos, v. 81, n. 3, p. 535-564, 2016., p. 538, tradução minha).
  • 8
    A Plataforma Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos foi criada em 2012, após quase uma década de negociações. Seu objetivo é a organização de conhecimento sobre a biodiversidade no planeta com o objetivo de subsidiar decisões políticas em âmbito mundial, à semelhança do trabalho realizado (com relação ao clima do planeta) pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês) (Castro, P., 2019CASTRO, P. D. de. Conheça a IPBES. In: BPBES. Campinas: BPBES, 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.bpbes.net.br/conheca-a-ipbes/ . Acesso em: 6 ago. 2023.
    https://www.bpbes.net.br/conheca-a-ipbes...
    ). Manuela Carneiro da Cunha integra o IPBES e nele, como destacado em “O desafio de ouvir um grito indígena em meio ao indizível da catástrofe” (Gonçalves; Dias, 2015GONÇALVES, M.; DIAS, S. O desafio de ouvir um grito indígena em meio ao indizível da catástrofe. ClimaCom, Campinas, 3 fev. 2015. Disponível em: Disponível em: http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/o-desafio-de-ouvir-um-grito-indigena-em-meio-ao-indizivel-da-catastrofe/ . Acesso em: 31 jul. 2023.
    http://climacom.mudancasclimaticas.net.b...
    ), reforça a importância da presença dos povos indígenas como integrantes da plataforma para uma colaboração efetiva entre ciência e conhecimentos indígenas tradicionais.
  • 9
    A noção de “serviços de polinização” - uma modalidade de “serviço ecossistêmico”- nasceu nas ciências da conservação nos anos 1990 e refere-se aos serviços prestados por agentes polinizadores.
  • 10
    Ver https://www.fao.org/pollination/projects/en/ (acessado em 31/07/2023).
  • 11
    A bióloga Vera Lúcia Imperatriz-Fonseca, em entrevista à Agência Fapesp, afirma que o mel é “um subproduto pequeno quando comparado ao valor do serviço de polinização prestado pelas abelhas, que corresponde a quase 10% do valor da produção agrícola mundial”; inclusive, a reportagem que traz essa entrevista aponta estimativas de cientistas para imaginarmos as dimensões da relevância da polinização e do mel para o mercado mundial. Em 2007, cientistas estimaram que o valor global do mel exportado tenha sido de US$ 1,5 bilhão, enquanto o valor dos serviços ecossistêmicos de polinização em todo o mundo foi calculado em US$ 212 bilhões (Toledo, 2014TOLEDO, K. Serviços de polinização representam 10% do valor da produção agrícola mundial. Agência Fapesp, [s. l.], 25 mar. 2014. Disponível em: Disponível em: https://agencia.fapesp.br/servicos-de-polinizacao-representam-10-do-valor-da-producao-agricola-mundial/18807/ . Acesso em: 6 ago. 2023.
    https://agencia.fapesp.br/servicos-de-po...
    ).
  • 12
    Para abordagens mais detalhadas sobre a introdução das Apis mellifera (tanto a introdução das abelhas europeias quanto o surgimento da abelha africanizada, híbrida, no Brasil em meio a um experimento científico que almejava produzir uma nova abelha Apis) bem como as diferenças (e aproximações) entre apicultura e meliponicultura, sugiro a leitura de minha tese de doutorado Doces companheiras indispensáveis: um estudo antropológico sobre abelhas e habitabilidade (Pastori, 2017PASTORI, É. O. Doces companheiras indispensáveis: um estudo antropológico sobre abelhas e habitabilidade. 2017. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2017.).
  • 13
    A última versão citada da frase que é atribuída a Einstein foi encontrada nas notas de um vídeo que se chama As abelhas e a extinção da humanidade (2016)AS ABELHAS e a extinção da humanidade. [S. l.: s. n. ], 22 maio 2016. 1 vídeo (8min2s). Publicado no canal Meliponário Bela Vista. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=DWbvfxOg26U . Acesso em: 31 jul. 2023.
    https://www.youtube.com/watch?v=DWbvfxOg...
    .
  • 14
    Dirigido pelo suíço Markus Imhoof e lançado em 2012, expressa, já em seu título, que a importância das abelhas vai além do mel e que o desaparecimento das abelhas, abordado no filme, ameaça não somente a produção de mel, mas a produção de (muitos) alimentos.
  • 15
    Ver http://www.semabelhasemalimento.com.br (acessado em 31/07/2023).
  • 16
    Radomsky comenta no artigo citado que o lema do desenvolvimento sustentável foi objeto de análise de pesquisadores como Rist - The history of development: from western origins to global faith (2008) - o qual observa que o segundo termo (sustentável) serviu somente para legitimar o primeiro, perpetuando o desenvolvimento como gramática inquestionável. Em seguida, ressalta que Astrid Ulloa na obra The ecological native: indigenous people’s movement and the eco-governmentality in Colombia (2005) e o cientista político indiano Arun Agrawal em Environmentality: technologies of government and the making of subjects (2005) denunciam que a cruzada do desenvolvimento sustentável propiciou o surgimento da ecogovernamentalidade.
  • 17
    Para que a humanidade enquanto espécie se tornasse o tema da antropologia, é importante lembrarmos a relevância que desempenhou, no século XIX, a pressuposição comungada entre os antropólogos evolucionistas acerca da unidade psíquica de toda a espécie humana, permitindo a edificação da disciplina antropológica. Por meio dessa pressuposição, os antropólogos evolucionistas afastavam-se das teses poligenistas, defensoras de que as “raças humanas” teriam origens diferentes e seriam, dessa forma, profundamente diferentes (Castro, C., 2005CASTRO, C. Evolucionismo cultural: textos de Morgan, Tylor e Frazer. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005., p. 28). Os evolucionistas, portanto, reduziram as diferenças existentes na humanidade à história, ou seja, a diferentes etapas de desenvolvimento.
  • 18
    As implicações para o debate clássico na antropologia entre natureza e cultura que são trazidas por essa perspectiva são múltiplas e complexas, posto que imaginar os humanos na condição de principais modeladores da vida na Terra, promovendo uma destruição cuja dimensão é difícil de imaginar, ameaçando a habitabilidade no planeta, provoca uma impossibilidade de quaisquer concepções dualistas acerca desse par conceitual.
  • 19
    Como a conferência “Os mil nomes de Gaia” (ver https://osmilnomesdegaia.eco.br/, acessado em 06/08/2023).
  • 20
    Como é o caso do Aarhus University Research on Anthropocene (AURA), na Universidade de Aarhus, na Dinamarca, coordenado por Anna Tsing.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Set 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    29 Ago 2022
  • Aceito
    27 Fev 2023
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