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Desidratação de sementes de quatro lotes de pupunheira: efeitos sobre a germinação e o vigor

Dehydration effects on germination and vigor of four pejibaye seed lots

Resumos

Com o objetivo de verificar o efeito da desidratação sobre a germinação e o vigor de sementes de pupunheira inerme (Bactris gasipaes Kunth), quatro lotes de sementes, colhidos nas localidades de Yurimaguas, Peru; Camamu e Piraí do Norte, BA e Pindorama, SP, foram submetidos à secagem em câmara seca a partir das testemunhas não desidratadas, retirando-se amostras a cada 24 horas. O efeito da desidratação sobre a qualidade das sementes foi avaliado por meio de teste de germinação (184 dias da semeadura, em vermiculita, 20-30ºC), primeira contagem de germinação (36 dias), velocidade de germinação e teor de água das sementes. Comprovou-se que sementes dessa espécie são sensíveis à desidratação, com germinação inicial alta (59 a 84%) quando não desidratadas (47 a 38% de umidade inicial). Teores de água abaixo da faixa de 28 a 23% reduziram significativamente a germinação e o vigor. Todas as sementes com teores de umidade abaixo de 15% (lotes 2 e 4) e 13% (lotes 1 e 3) morreram.

Bactris gasipaes; deterioração da semente; recalcitrante; teor de água crítico; teor de água letal


The dessication tolerance of four seed lots of spineless pejibaye (Bactris gasipaes Kunth) harvested at Yurimaguas (Peru); Camamu and Piraí do Norte (Bahia State, Brazil) and Pindorama (São Paulo State, Brazil) was identified. The seeds were dried in a drying chamber starting with undried controls. Samples were drawn every 24 hours. Dessication effects were evaluated by means of germination test (until 184 days, vermiculite, 20-30ºC), germination first counting (36 days), germination speed and seed water content. It was verified that seeds from that species are susceptible to dehydration, with higher initial germination percentage (59 to 84%) when undried (47 to 38% of water content). Water contents lower than 28 to 23% reduced significantly seed germination and vigor. All seeds died when the seed water content was lower than 15% (seed lots 2 and 4) and 13% (seed lots 1 and 3).

Bactris gasipaes; peach palm; seed deterioration; recalcitrance; critical water content; lethal water content


PESQUISA

Desidratação de sementes de quatro lotes de pupunheira: efeitos sobre a germinação e o vigor

Dehydration effects on germination and vigor of four pejibaye seed lots

Marilene L.A. BoviI; Cibele Chalita MartinsII; Sandra Heiden SpieringI

IIAC, Centro de Horticultura, C. Postal 28, 13001-970 Campinas–SP; E-mail: mlabovi@iac.sp.gov.br

IIFCA/UNESP, Produção Vegetal, C. Postal 237, 18603-970 Botucatu-SP

RESUMO

Com o objetivo de verificar o efeito da desidratação sobre a germinação e o vigor de sementes de pupunheira inerme (Bactris gasipaes Kunth), quatro lotes de sementes, colhidos nas localidades de Yurimaguas, Peru; Camamu e Piraí do Norte, BA e Pindorama, SP, foram submetidos à secagem em câmara seca a partir das testemunhas não desidratadas, retirando-se amostras a cada 24 horas. O efeito da desidratação sobre a qualidade das sementes foi avaliado por meio de teste de germinação (184 dias da semeadura, em vermiculita, 20-30ºC), primeira contagem de germinação (36 dias), velocidade de germinação e teor de água das sementes. Comprovou-se que sementes dessa espécie são sensíveis à desidratação, com germinação inicial alta (59 a 84%) quando não desidratadas (47 a 38% de umidade inicial). Teores de água abaixo da faixa de 28 a 23% reduziram significativamente a germinação e o vigor. Todas as sementes com teores de umidade abaixo de 15% (lotes 2 e 4) e 13% (lotes 1 e 3) morreram.

Palavras chave:Bactris gasipaes, deterioração da semente, recalcitrante, teor de água crítico, teor de água letal.

ABSTRACT

The dessication tolerance of four seed lots of spineless pejibaye (Bactris gasipaes Kunth) harvested at Yurimaguas (Peru); Camamu and Piraí do Norte (Bahia State, Brazil) and Pindorama (São Paulo State, Brazil) was identified. The seeds were dried in a drying chamber starting with undried controls. Samples were drawn every 24 hours. Dessication effects were evaluated by means of germination test (until 184 days, vermiculite, 20-30ºC), germination first counting (36 days), germination speed and seed water content. It was verified that seeds from that species are susceptible to dehydration, with higher initial germination percentage (59 to 84%) when undried (47 to 38% of water content). Water contents lower than 28 to 23% reduced significantly seed germination and vigor. All seeds died when the seed water content was lower than 15% (seed lots 2 and 4) and 13% (seed lots 1 and 3).

Keywords:Bactris gasipaes, peach palm, seed deterioration, recalcitrance, critical water content, lethal water content.

A pupunheira (Bactris gasipaes) é espécie produtora de palmito, hortaliça não convencional, largamente cultivada no Brasil e em vários países da América Latina. A expansão da área de cultivo, realizada a partir da década de 90, fez crescer a procura por sementes e mudas dessa palmeira, particularmente sobre ecótipos inermes, que por não apresentarem espinhos, facilitam os tratos culturais. No entanto, os conhecimentos sobre a fisiologia da germinação dessa espécie são ainda limitados, sendo essenciais para o desenvolvimento de tecnologias favoráveis à produção e à conservação de suas sementes.

Sementes de Bactris gasipaes foram classificadas como recalcitrantes (Ferreira e Santos, 1992). As sementes recalcitrantes apresentam teores de água definidos como críticos, abaixo dos quais a viabilidade é reduzida. Apresentam também, teores de água letais, relacionados à perda total da viabilidade (Probert e Longley, 1989; Hong e Ellis, 1992). O conhecimento dos teores de água crítico e letal de uma espécie é indispensável para o planejamento e a execução da secagem e do armazenamento das sementes, pois o teor de água é um fator determinante do comportamento das sementes recalcitrantes. Nessas sementes, a água sub-celular está fortemente associada às superfícies macromoleculares assegurando, em parte, a estabilidade de membranas e macromoléculas. A perda de água estrutural durante o processo de secagem causaria a alteração de sistemas metabólicos e de membranas, resultando no início do processo de deterioração (Farrant et al., 1988).

Em estudos com lotes de sementes provenientes de diferentes locais ou de ecótipos de uma mesma espécie é considerada a existência de uma faixa, e não de um valor único, para teores de água crítico e letal. Isso ocorre devido a sensibilidades diferenciadas na tolerância à perda de água observadas dentro de uma mesma espécie (Ellis et al., 1991; Martins et al., 1999 abc), de acordo com o habitat de origem, condições agrobioclimáticas de cultivo e a diversidade genética (Farrant et al., 1988; Martins et al., 1999 abc).

O objetivo do estudo foi verificar o efeito da desidratação de sementes de pupunheiras inermes sobre a germinação e o vigor.

MATERIAL E MÉTODOS

Os frutos foram colhidos em Yurimaguas, Peru; Camamu e Piraí do Norte, BA e Pindorama, SP, em plantas matrizes selecionadas para vigor e ausência de espinhos. Tão logo colhidos, os frutos foram despolpados, e as sementes lavadas e enviadas para Campinas. Cada lote de sementes foi dividido em nove sub-lotes, de peso similar. Um dos sub-lotes foi mantido sem secagem, constituindo o tratamento testemunha e os demais sub-lotes foram colocados em bandejas dentro de câmara seca, retirando-se um sub-lote a cada 24 horas de secagem. Nesse ambiente, a temperatura e a umidade relativa do ar foram 28,5±2,5ºC e 40±10%, respectivamente. A determinação do teor de água das sementes foi realizada antes e após os diversos períodos de secagem, utilizando-se o método da estufa a 105 ± 3ºC por 24 horas, e três subamostras de três sementes inteiras. O efeito da desidratação foi avaliado por meio de teste de germinação, utilizando-se quatro subamostras de 20 sementes por tratamento, em vermiculita, a 20-30ºC e luz (78 mmol s-1m-2 por 8 horas), contabilizando-se as plântulas normais emersas 184 dias após a semeadura.

Como medidas do vigor, foi utilizada a primeira contagem (efetuada aos 36 dias após a semeadura) e o índice de velocidade de germinação, contabilizando-se, semanalmente, até 184 dias da semeadura, as plântulas emersas e adaptando-se o critério estabelecido por Maguire (1962).

Na avaliação, foi considerado como teor de água crítico aquele a partir do qual houve redução significativa na porcentagem de germinação. Considerou-se como teor de água letal, aquele a partir do qual não houve germinação das sementes (Hong e Ellis, 1992).

O delineamento experimental utilizado foi o inteiramente casualizado com os tratamentos em quatro repetições. Foi efetuada a análise de variância, aplicando-se o teste F e comparando-se médias dos tratamentos pelo teste Tukey (5%). A análise conjunta dos dados relativos dos quatro lotes foi realizada via regressão e ajuste de curva, utilizando-se o modelo sigmoidal de Boltzman.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Figura 1 mostra a relação entre o teor de água das sementes e o tempo de secagem, obtida pelo método utilizado. O processo de secagem adotado pode ser classificado como lento (Pammenter et al., 1998), pois demandou 192 horas para que o teor de água inicial das sementes (47 a 38%) baixasse para 14 a 8%. A desidratação progressiva intensificou o processo de deterioração, como verificado na porcentagem média relativa de germinação (Figura 2) e também na análise, por lotes, da distribuição da germinação ao longo do tempo e do índice de velocidade de germinação (Tabela 1), confirmando o comportamento recalcitrante das sementes de Bactris gasipaes, anteriormente reportado por Ferreira e Santos (1992) para o ecótipo mesocarpa com espinhos. Para cada lote de sementes estudado, observa-se que antes mesmo de ser atingido o teor de água crítico, quanto menor o teor de água das sementes, maior o tempo necessário para a germinação (Tabela 1).



A deterioração causada pela desidratação das sementes de palmeiras, como Euterpe edulis, E. espiritosantensis e E. oleracea (Martins et al., 1999 abc) e Chrysalidocarpus lutescens (Becwar et al., 1982) afeta, também, o vigor, danificando as membranas celulares, tornando a germinação mais lenta e diminuindo o crescimento das estruturas das plântulas (Becwar et al., 1982; Martins et al., 1999 abc). Isso faz com que sementes e plântulas fiquem mais vulneráveis e sujeitas, por mais tempo, às condições adversas do meio.

Em sementes recalcitrantes, a água sub-celular está fortemente associada às superfícies macromoleculares, assegurando em parte, a estabilidade de membranas e macromoléculas. Farrant et al. (1988) esclarecem que a perda de água estrutural durante o processo de secagem de sementes recalcitrantes pode causar severas alterações dos sistemas metabólicos e de membranas, dando início ao processo de deterioração dessas sementes.

Os lotes estudados apresentaram qualidades fisiológicas distintas, com diferenças significativas de teor de água inicial, germinação e índice de velocidade de germinação. Considerando esses fatores, a Tabela 1 mostra que para as sementes não desidratadas, o lote 2, com maior teor de água (46,6%), foi o que apresentou menor porcentagem final de germinação (59,2%) e o lote 3, com menor teor de água (38,3%), foi o que apresentou maior porcentagem final de germinação. Os lotes 1 e 4, por sua vez, mantiveram-se numa categoria intermediária quanto ao teor de água (43,4 e 43,9%, respectivamente) e germinação inicial (65,0 e 66,7%, respectivamente). Porcentagem final de germinação entre 95 e 40% foi reportado anteriormente para 373 lotes de pupunheiras inermes da mesma localidade (Bovi et al., 1994). Para sementes provenientes de germoplasma com espinhos alguns autores relataram porcentagem final de germinação variando de 64,4 a 86,3% (Coates-Beckford e Chung, 1987; Carvalho e Müller, 1998).

Para todos os lotes, a secagem das sementes até teores de água inferiores a valores entre 23 a 28% reduziu significativamente a porcentagem de germinação e o vigor, caracterizando uma faixa de teor de água crítico para a espécie (Tabela 1). A mortalidade total das sementes foi observada com a desidratação até teores de água abaixo de 13 a 15%, dependendo do lote, caracterizando a faixa de teor de água letal para a pupunheira.

A faixa de teor de água crítico obtida no presente trabalho apresenta valores inferiores aos observados por Ferreira e Santos (1992) e Carvalho e Müller (1998) para sementes da mesma espécie.

Por sua vez a faixa de teor letal é superior à descrita por Carvalho e Müller (1998) e inferior à relatada por Ferreira e Santos (1992).

Há provavelmente, sensibilidade diferenciada na tolerância à perda de água entre ecótipos de origem diferente dentro de uma mesma espécie (Farrant et al., 1988; Ellis et al., 1991; Martins et al., 1999ab). No presente trabalho foram utilizadas sementes do ecotipo inerme proveniente originalmente de Yurimaguas, material genético responsável atualmente por acima de 95% da pupunha cultivada no Brasil (Bovi, 1998). Por sua vez, as sementes utilizadas por Ferreira e Santos (1992) e também por Carvalho e Müller (1998) foram provenientes de material genético com espinho, originário do Pará e de Manaus, respectivamente.

A análise conjunta dos dados relativos dos quatro lotes (Figura 2) permitiu estimar a que redução de água os valores crítico e letal correspondem. Dessa forma, o teor de água crítico foi atingido quando houve perda igual ou superior a 40% do teor de água inicial das sementes. Perdas iguais ou acima de 70% do teor de água inicial das sementes levaram à letalidade.

Comprovou-se que sementes de pupunheira são recalcitrantes, com germinação inicial alta (59 a 84%) quando não sujeitas à desidratação (47 a 38% de umidade inicial). Reduções significativas na germinação e vigor iniciam-se a partir de teores de umidade entre 28 e 23%. Houve diferenças entre lotes em relação à germinação e ao vigor das sementes, e em relação à sensibilidade à desidratação, indicando que essas características são influenciadas pela colheita e manuseio das sementes, pelas condições agrobioclimáticas de cultivo e, possivelmente, componente genético.

LITERATURA CITADA

Recebido para publicação em 09 de abril de 2003 e aceito em 10 de outubro de 2003

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Maio 2004
  • Data do Fascículo
    Mar 2004

Histórico

  • Recebido
    09 Abr 2003
  • Aceito
    10 Out 2003
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