Acessibilidade / Reportar erro

A propósito do tratamento dos doentes epilépticos no Hospital Nacional dos Alienados durante os anos de 1912 e 1913 (parte 2)

FONTES

A propósito do tratamento dos doentes epilépticos no Hospital Nacional dos Alienados durante os anos de 1912 e 1913* * Continuado do nº 1 do corrente ano, 1915. (parte 2)

Dr. Jefferson de Lemos

Reproduzindo o quadro cerebral organizado por Augusto Comte, ficam enumeradas as 18 funções que constituem o aparelho cerebral, e este quadro, por si só, constitui o melhor resumo desta teoria.

Antes de mais, deve-se notar que o método empregado por Augusto Comte foi o subjetivo que se torna tanto mais necessário às nossas especulações, quanto mais elevados são os fenômenos que se considera. Esse método consiste em subordinar sistematicamente a anatomia à fisiologia, isto é, a descoberta dos órgãos ao exame das funções. Em um aparelho tão complicado, onde todas as funções se exercem sempre sinergicamente, e onde se torna praticamente impossível isolar um órgão de outro, adotar a marcha inversa seria insistir num problema insolúvel. Gall seguiu esse método quando instituiu a sua frenologia; mas falhou porque a sociologia não estava ainda construída, e o exame individual não bastava. Só pela observação da evolução coletiva, completada pela verificação zoológica, podiam ser descobertas as funções superiores de nossa natureza.

A ciência sendo sempre o desenvolvimento sistemático dos apanhados espontâneos do bom-senso vulgar era natural que a construção de Augusto Comte concordasse fundamentalmente com estas descobertas espontâneas. E assim foi realmente.

Segundo a construção de Augusto Comte, a primeira divisão a estabelecer nas funções cerebrais é entre as do espírito e as do coração. No coração temos ainda de reconhecer o sentimento propriamente dito e o caráter, de acordo com o duplo sentido da palavra coração que ora designa ternura, ora energia. Mas no sentimento ainda temos de distinguir entre os impulsos altruístas e os egoístas, segundo se pensa e age por amor, ou se pensa e age por interesse.

Quanto à sede de cada uma dessas regiões, deve-se notar que a inteligência devendo se achar contígua aos aparelhos dos sentidos, por meio dos quais se estabelecem as relações entre o interior e o exterior, não pode deixar de achar-se na parte anterior do cérebro, pois que os órgãos interiores dos sentidos constituídos pelos gânglios da base1 1 Estes gânglios são hoje conhecidos pela denominação de núcleos cinzentos centrais dos hemisférios. Deve-se notar ainda que os dois aparelhos exteriores das funções cerebrais, um sensitivo, outro motor, servem de ponto de partida às localizações porque, neste primeiro estado do problema cerebral, são os únicos conhecidos. Entre eles o cérebro central deve instituir uma ligação estática em harmonia com as funções correspondentes. V. Augusto Comte, Op. cit., t.I, pág. 682. acham-se colocados mais para a sua metade anterior. O órgão exterior do sentido mais intelectual, que é o da visão, é mesmo o que se acha na parte mais anterior da face.

A região afetiva, porém, devendo achar-se mais em relação com as vísceras vegetativas, fica para a parte posterior, pois daí é que partem as ligações nervosas que estabelecem suas relações mútuas. Mas os móveis altruístas sendo de todos os que estimulam mais diretamente as faculdades mais altas da inteligência, mesmo porque os objetos de nosso amor estão fora de nós, devem se achar mais próximos dessa parte da inteligência, e têm sua sede na região superior e anterior do cérebro, por cima dos órgãos intelectuais.

O caráter, recebendo o estímulo direto dessas duas massas afetivas, há de ficar entre elas, colocado na parte média do aparelho cerebral.

Mas só a inteligência e o caráter têm relações diretas com o exterior, através dos aparelhos dos sentidos e do aparelho nervomotor. O sentimento não tem estas relações, daí caber-lhe a denominação de instinto, que coincide ainda com a observação vulgar que sempre o considerou cego na sua espontaneidade. Eles acham-se, no entanto, ligados aos órgãos da inteligência e do caráter, e ligam-se ainda entre si, por fibras nervosas destituídas de membrana. É por esse meio que a região afetiva estimula diretamente a atividade e a inteligência, recebendo ainda através delas as impressões exteriores.

O equilíbrio cerebral só pode ser concebido como resultando da preponderância do sentimento sobre a inteligência e o caráter. Além de apresentar a região afetiva, anatomicamente, uma massa muito maior, é do sentimento que emanam os desejos, e, portanto, o impulso; a inteligência e o caráter não tendo outro ofício senão esclarecer e executar as ações que eles estimulam. Daí a fórmula agir por afeição e pensar para agir, que resume a teoria cerebral.

Levando mais longe a análise das funções elementares do cérebro, Augusto Comte achou 18: 10 motores afetivos, 5 faculdades intelectuais e 3 qualidades práticas. A contemplação só do quadro cerebral basta, porém, para indicar a natureza de cada uma destas funções.

Convém notar, todavia, que, dos instintos da conservação da espécie, o materno é extraordinariamente desenvolvido na mulher e fraco no homem, dando-se o inverso com o instinto sexual, de acordo com a constituição física de cada sexo a que estes órgãos cerebrais se acham respectivamente ligados.

Dos 3 sentimentos altruístas, o apego corresponde ao amor entre os iguais, a veneração, ao amor dos inferiores para com os superiores, e a bondade, ao amor dos superiores para com os inferiores. Desenvolvidos fundamentalmente na família, onde encontramos os tipos respectivos no amor conjugal, no amor filial e no amor materno, estendem-se a todas as nossas relações dentro da pátria, e por fim à Humanidade inteira, ligando-nos ao Passado, pela veneração, e ao Presente pelo apego, e ao Futuro, pela bondade.

Quanto às qualidades práticas, a coragem é o órgão que excita diretamente todos os movimentos, a prudência, ao inverso, retém os movimentos excitados, e a firmeza mantém o resultado da ação dos outros dois. A nossa atividade prática fica assim dependendo do exercício harmônico destas 3 funções.

Todos estes 18 órgãos acham-se colocados simetricamente na superfície dos dois hemisférios cerebrais, menos os correspondentes aos instintos nutritivo e sexual, que ficam no cerebelo: o 1º acha-se ao centro; e o 2º, nas duas massas laterais.

Quanto à sua distribuição na superfície cerebral, realiza-se segundo a ordem de dignidade e o grau de energia, a diminuição desta correspondendo ao aumento daquela, de trás para diante, de baixo para cima, e dos bordos para o meio.

Augusto Comte reserva à aplicação do método objetivo a determinação do volume e da forma particular destes órgãos. Contudo, faz notar que os volumes relativos devem estar de acordo com a energia das funções.2 2 V. Pol. Positive, t.I, págs. 677-678.

Relativamente às faculdades intelectuais, comecemos por notar que os corpos só nos manifestam sua existência pelos fenômenos que são percebidos através dos nossos sentidos. Estes são 8 e não 5, como teremos ainda ocasião de nos referir, dando-nos, cada um, a impressão de um fenômeno distinto, bem definido: do peso, da forma, do calor, da eletricidade, do som, da luz, da sapidez e do aroma. A inteligência tem a faculdade de apreciar esses fenômenos, ou como naturalmente se apresentam, reunidos em cada corpo, ou então de apreciá-los independentemente dos corpos.

Do primeiro modo a inteligência aprecia o corpo com todos os seus atributos, sinteticamente, de modo concreto. Do segundo modo, introduz certo artifício, porque abstrai do corpo para considerar em separado cada um de seus fenômenos, fazendo, por assim dizer, a análise do corpo. O primeiro é mais real, porque nos dá a ideia total, completa, do corpo; o segundo é mais artificial porque só considera um de seus aspectos.

Estas duas faculdades constituem a contemplação, que é concreta quando é relativa aos seres, e abstrata quando é relativa aos fenômenos ou acontecimentos.3 3 A distinção entre o abstrato e o concreto acha-se ligada à separação entre a teoria e a prática. A primeira representa abstratamente o mundo e o homem, com o grau de aproximação requerido pelo conjunto de nossas necessidades, físicas, intelectuais, e morais; a segunda modifica-os de acordo com os dados emanados da teoria. A poesia idealiza-os, aperfeiçoando-os, de modo a satisfazer as nossas necessidades de culto. É muito comum ainda, no entanto, confundir-se a noção de teoria com a de prática, de modo a considerar-se, por exemplo, a medicina como ciência e não como arte. Daí o pensar-se também que se juntou alguma coisa ao cadedal científico da Humanidade quando se realizou algum melhoramento técnico. No entanto, desde Augusto Comte até hoje, não consta que tenha sido descoberta alguma lei científica, e, portanto, abstrata.

Esta parte da inteligência é que fornece as imagens ou ideias concretas e abstratas, que constituem os materiais objetivos das construções subjetivas.

Mas a contemplação por si só é muito passiva. A meditação é que combina esses materiais fornecidos pela contemplação, determinando as construções mentais, cujo caráter subjetivo encontra explicação na sua menor ligação com o exterior, que só se realiza mediante a contemplação, e daí, mais facilidade de ser influenciada pelo interior, isto é, pelos sentimentos.

Citemos textualmente Augusto Comte nesta parte:

"Quant à la méditation, sa décomposition normale est déjà préparée chez tous les vrais penseurs, qui ont apprécié la distinction positive entre l´induction et la déduction. On médite, en effet, de deux manières trés distinctes, mais également nécessaires, en posant des principes, et en tirant des conséquences. D'une part, on compare; de l´autre, on coordone. Le premier mode aboutit à généraliser, et second à systématiser. Tout classement régulier manifeste nettemet leur différence, en exigeant d'abord l'apréciation des rapports propes à former les groupes, et ensuite la détermination de l'ordre hiérarchique. Sous un aspect plus étendu, on doit surtout rattacher à la méditation inductive l'etude des relations statiques ou de similitude, et à la déductive celles des relations dynamiques ou de succession. Ainsi la région cérébrale qui découvre les lois se divise aussi nettement que celle qui observe les faits".4 4 V. Aug. Comte. Systéme de Politique Positive, T.I, pág. 719.

A cada uma dessas quatro funções intelectuais elementares que constituem a concepção correspondem órgãos diferentes, que, como já foi dito, se acham colocados na parte anterior do cérebro. Os da contemplação, devendo se achar em relação com o exterior, ficam mais perto dos gânglios cerebrais, que recebem as impressões externas, e, portanto, abaixo dos da meditação, que ficam por cima deles, onde recebem mais facilmente nossas inspirações interiores, emanadas dos sentimentos.

Mas a contemplação concreta ainda se acha mais ligada às impressões exteriores do que a contemplação abstrata, que pode mesmo operar-se indiretamente, pela decomposição interior das imagens fornecidas pela primeira.

"L'organe de l'observation abstraite doit donc être surtout en relation avec l'autre organe contemplatif, et moins rapproché que lui des sens extérieurs. Il siège, par consequent, dans la line médiane, comme l'exige d'ailleurs la solidarité plus intime de ses deux moitiés. La contemplation concrète demande, au contraire, un organe pair, dont chaque partie, placeé au-dessus de l'oeil correspondant, tende vers l'oreille voisine".5 5 Ibidem, pág. 719.

Quanto à sede dos órgãos da meditação, citemos ainda textualmente Augusto Comte:

"La logique déductive, plus élevée et plus intérieure, mais moins indispensable et moins directe, doit avoir un organe impair, au millieu de la partie supérieure du cerveau. Comme la principale prévoyance dépend surtout d'elle, son siège a besoin d'un meilleur contact avec celui des nobles penchants dont la satisfaction habituelle constitue sa destination préponderante. Il faut bien que l'organe coordinateur réside auprès de l'instinct qui rallie. - La logique inductive exige, au contraire, un organe pair, dont chaque moitié, plus exterieure, soit en contact plus direct avec l'organe observateur d'où dépendent davantage ses données habituelles".6 6 Ibdem, pág. 720.

Resta-nos agora uma referência à 5a faculdade intelectual, a expressão. Depois dos pensamentos elaborados, necessitam de ser exteriorizados, a fim de que possam se estabelecer e desenvolver as relações sociais (afetivas, intelectuais e práticas).

A expressão deve assim ficar subordinada às outras funções intelectuais, sem o que, o seu exercício apenas produziria uma vã verbiagem, pois que seu oficio consiste apenas em instituir sinais quaisquer, cuja representação e coordenação só podem ser realizadas pelo concurso da contemplação e da meditação.

Se atendermos a que a expressão acha-se intimamente ligada às funções afetivas e ativas, podemos compreender bem os estados patológicos tão variados, reunidos sob a denominação comum de afasia, em que a origem pode achar-se ou no próprio órgão dos sinais, ou em cada um dos outros órgãos intelectuais, ou nos órgãos do caráter e até dos sentimentos7 7 Como exemplo deste último modo citaremos as afasias histéricas, segundo a concepção positiva da histeria. , ou mesmo nos elementos nervosos que determinam suas ligações mútuas, sem falar já das afasias originadas de lesões exclusivas dos nervos motores.

Quanto à sede dos órgãos da expressão, citaremos ainda, textualmente, Augusto Comte, a fim de se evidenciar bem o valor do método subjetivo, pois muito antes de Broca já Augusto Comte havia rigorosamente assinalado essa localização, na sua maravilhosa construção:

"Nos déterminations antérieures assignent, par exclusion, la place de ce cinquième organe intellectuel, à chaque extrémité latérale de la region spéculative, dont tout le rest appartient dejá aux appareils contemplatif et méditatif; sauf les sièges préalables des ganglions sentitifs. Il doit donc commencer au milieu des bords antérieurs de la région frontale, et s'étendre ensuit vers les tempes, à peu près au lieu où Gall avait logé l'instinct constructeur. Mais cette solution indirecte est confirmée par un examen spécial des covenances subjectives. Car cet organe se trouve ainsi équidistant de l'oeil et de l'oreille, qui constituent ses principaux auxiliaires. Dailleurs, un tel siége le rend contigu e à la région active, qu'il doit spécialment seconder, et dont il forme le seul lien immédiat avec l´ensemble de l'appareil mental".8 8 Ibidem, pág. 723.

A sistematização das funções intelectuais permitiu precisar um certo número de noções da maior importância.

Assim, por exemplo, ela mostra que em todas as nossas concepções há sempre uma parte objetiva e uma parte subjetiva, o mundo fornecendo os materiais e o homem (sujeito), determinando as combinações que eles comportam.

Do equilíbrio normal entre o subjetivo e o objetivo resulta o estado de razão, de acordo com a lei que regula a atividade mental e que nos leva a subordinar as nossas construções subjetivas aos materiais objetivos.9 9 4 a lei de Filosofia Primeira. De modo que se as noções pecarem por excesso de subjetivismo indicam o estado de loucura, e se pecarem por excesso de objetivismo indicam a idiotia. Entre estes dois termos extremos de que a razão é o meio, existe uma infinidade de intermediários.

O estado de razão apresenta dois modos, um mais próprio à ciência, e outro mais próprio à arte: a razão teórica e a razão prática.

"Il semble que la raison théorique et la raison pratique explorent le même domaine, puis qu'elles s'accordent à considérer les événements, pour les prévoir ou les modifier. Mais la première les étudie indépendamment des étres correspondants afin d'en saisir les lois générales, tandis que la seconde ne les sépare jamais des corps, dont elle veut améliorer l'existence. A cet égard, la diversité des deux domaines résulte du contraste entre la simplicité de l'un et la composition de l'autre. Généralisant par abstration, la théorie isole chaque phénomène de tous ceux dont il est réellement accompagné, pour le réunir aux effects semblables que comportent tous les autres cas, même hypothétiques. En sens inverse, la pratique spécifie toute action, d'après l'emsemble des circonstances capables de l'affecter; ce qui constitue un point de vue plus conforme à celui du sentiment, toujours directement syntétique, en tant que spontanément relatif aux êtres.

Sans l´abstration théorique, nous ne pourrions jamais instituer les lois générales qui seules nous permettent des prévisions capables de guider notre intervention. Il faut également reconnaître que la concretion pratique est indispensable pour procurer à nos conceptions une suffisante réalité. Guideé par l'ordre abstrait, la raison concrète a toujours besoin d'en compléter les indications, qui delles mêmes, seraient habituellement chimériques, faute d´avoir pu tenir compte des circonstances propes à chaque cas. Néanmoins, sans les lumières théoriques qui circonscrivent nos essais, le génie pratique s'epuiserait en tâtonnements indéfinis, aussi stériles que pénibles. En considérant que chaque groupe de phénomènes ne pent jamais être entièrement fixe, on reconnaît que l´immuabilitè des lois naturelles ne saurait convenir aux événements composés, et reste toujours bornée à leurs élèments irréductibles.

Telle est la necessité qui, dans l'etat normal de la raison humaine, exige une combinaison permanent entre le dogmatisme et l'empirisme".10 10 Auguste Comte, La Synthèse subjective, Tome premier (seul publié), pág.7.

Estes elementos irredutíveis são os fenômenos, considerados, cada um, destacadamente dos grupos de fenômenos que concorrem nos acontecimentos compostos. A apreciação dos fenômenos idênticos, nos diferentes casos em que se apresentam, permite apanhar o que eles têm de comum, quer quando os acontecimentos compostos coexistem (ponto de vista estático), quer quando se sucedem (ponto de vista dinâmico). Daí a noção de lei natural, que em qualquer caso consiste em verificar o que é constante no meio da variedade.

O trecho supracitado de Augusto Comte mostra ainda que a previsão, que é o caráter principal da ciência, só pode ser conseguida pelo conhecimento das leis abstratas dos fenômenos, não sendo possível uma ciência concreta.

A teoria positiva do cérebro leva ainda a reconhecer que os fenômenos mentais, ou mais propriamente, cerebrais, denominados consciência, atenção, memória, vontade, etc., representam funções complexas e resultam não só da atividade de todo o aparelho intelectual, mas até de todo o cérebro.

Assim, é certo que o que se chama consciência varia até no mesmo indivíduo, conforme as suas disposições morais, e que a atenção, que é a aplicação sustentada da inteligência, exige um forte estímulo afetivo e a participação do órgão da firmeza.

A memória também resulta do exercício de todo o aparelho intelectual e não está só ligada às sensações. Uma rememoração exige muitas vezes os mesmos esforços de indução e dedução que uma descoberta. A rapidez com que rememoramos um fato encontra explicação na lei do hábito que aperfeiçoa o exercício. Um simples sinal basta para fazer surgir no cérebro uma multidão de imagens, de pensamentos e de emoções. Inversamente, as emoções concorrem para despertar as lembranças, o que mostra a influencia das disposições afetivas nas operações intelectuais da memória.

A vontade, segundo a definiu Augusto Comte, é o último estado do desejo, quando a deliberação mental reconheceu a conveniência de um impulso dominante.11 11 V. Systéme de Politique Positive, T.I, pág. 711.

Para se poder compreender como se estabelece a unidade total de nossa natureza, é necessário ter-se uma noção mais completa das ligações de todos os órgãos e aparelhos entre si, quer corporais, quer cerebrais.

Já vimos como Augusto Comte indicou a posição relativa de todos os órgãos cerebrais, segundo o grau de energia e a ordem da dignidade. A ligação entre eles se estabelece ou por contiguidade, ou à distância, por meio de elementos nervosos (nervos sem nevrilema), de modo a se colocarem em relação os diferentes órgãos de cada lado e os órgãos semelhantes das duas metades simétricas.12 12 A anatomia histológica confirma hoje estas noções que foram primeiro estabelecidas pelo método subjetivo, mostrando o cérebro constituído por células que se acham na superfície cinzenta dos hemisférios, e nos seus gânglios centrais; por fibras nervosas sem nevrilema, prolongamento destas células, e que constituem a substância branca; e por uma trama reticular (prolongamentos chamados protoplasmáticos) emanados também das células, e que estabelecem as ligações anatômicas diretas entre as diferentes células cujas funções também diretamente se relacionam. Ibidem, pág. 711. A análise anatômica das ligações especiais é mais difícil de ser realizada. Mas as relações funcionais de todos os órgãos cerebrais não deixa dúvidas quanto à existência dessas ligações.

Já vimos como o sentimento, a inteligência e a atividade são funcionalmente solidários. Estas relações que indicam as ligações anatômicas que devem existir, se estabelecem mais especialmente de alguns órgãos para outros e entre o homem e a mulher é natural que existam diferenças essenciais nessa anatomia. Os órgãos do altruísmo mesmo se ligam aos da personalidade dos quais recebem estímulo, às vezes eficaz, outras vezes perturbador, conforme a disciplina moral que resulta da educação. Assim é fácil notar as ligações do apego com o instinto sexual; da bondade com o instinto materno, da veneração com a vaidade, etc. Já vimos ainda como os diferentes órgãos intelectuais se ligam entre si, e ainda, por um lado, aos gânglios sensitivos, e por outro lado, aos órgãos altruístas.

Os aparelhos sensitivos compõem-se, para cada sentido, de órgãos periféricos de impressão, de nervos transmissores e de centros cerebrais de percepção. Estes se acham colocados na base do cérebro, mais para a metade anterior, e correspondem aos 8 sentidos, que segundo a especialidade crescente e o advento sucessivo na série animal são: um, geral, o do tato, que nos dá a impressão das formas, e 7 especiais: musculação, gustação, calorição, olfação, audição, visão e eletrição.13 13 O desdobramento do sentido do tato, já previsto por Aristóteles, é devido a Blainville. O fenômeno geralmente conhecido pela denominação de dormência, que resulta da compressão de um tronco nervoso devido a uma posição viciosa dos membros, confirma perfeitamente a distinção das 4 formas de sensibilidade: (tato, calorição, musculação e eletrição). A sensação do contato desaparece, assim como se altera a sensação do peso no membro dormente, e a friagem e o formigamento denunciam a participação das sensações térmica e elétrica. Embora nunca tivéssemos lido ou ouvido nenhuma referência a esse fenômeno, essa observação parece-nos justa.

O primeiro destes últimos nos dá a impressão do peso, achando-se assim ligado ao fenômeno da gravidade, e nos permite medir aproximadamente os esforços musculares necessários para um determinado fim. Quanto aos outros, é fácil perceber a ligação de cada um com os fenômenos exteriores correspondentes.

Os centros cerebrais desses aparelhos sensitivos correspondem aos núcleos denominados camas ópticas, corpos estriados, cornos de Amon, gânglios olfativos, tubérculos quadrigêmeos, corpos olivares, etc. Se os órgãos sensoriais estivessem na superfície cerebral, de mistura com os órgãos intelectuais ou outros, perturbariam a regularidade do funcionamento cerebral. Daí se vê a inanidade de se querer descobrir no córtex cerebral a sede das sensações, como já se tem admitido, ainda em nossos dias.

O aparelho nervomotor acha-se diretamente em relação com o cérebro. Segundo observa Augusto Comte, "a íntima solidariedade que caracteriza este aparelho e que faz com que suas diferentes partes se possam mutuamente suprir, não exige nem permite nenhum gânglio especial".

O cérebro coordena diretamente a vida de relação, sem precisar de nenhum intermediário. E assim se verifica também que não se justifica o fato de querer-se atribuir ao cerebelo esta função especial de coordenar os movimentos.

É por meio dos aparelhos sensitivos e nervomotor que o cérebro estabelece as relações com o exterior, sofrendo as impressões e promovendo as modificações convenientes. Mas ele ainda mantém íntima solidariedade com o corpo, do qual recebe certa influência e ao qual ainda modifica.

Esta solidariedade se evidencia pelas incontestáveis reações mútuas entre o físico e o moral. Vejamos quais os órgãos dessas influências recíprocas.

O corpo atua sobre o cérebro pelos nervos sensitivos e os vasos sanguíneos. Para compreender-se a ação dos nervos sensitivos é preciso notar que os órgãos sensitivos periféricos de impressão acham-se disseminados por todo o revestimento mucodérmico.14 14 Daí a sensibilidade de toda a superfície de revestimento interno, donde não devem ser excluídas as serosas. De modo que os nervos do tato, da calorição, e da eletrição não só concorrem para colocar o cérebro em relação com o meio exterior, mas ainda lhes transmitem as impressões viscerais.

Mas o cérebro não trabalha sem sangue, e suas funções serão estimuladas, acalmadas, ou mesmo inteiramente perturbadas, conforme a qualidade e quantidade do líquido sanguíneo, e a intensidade da circulação.

O cérebro atua, por sua vez, sobre o corpo, pelos nervos motores e nutritivos. Aqueles "determinam em todos os órgãos fibrosos as contrações necessárias ao entretenimento dos atos vegetativos".15 15 V. Audiffrent, Appel aux médicins, pág. 51. Os nutritivos (tróficos) entretêm os fenômenos vegetativos de composição e decomposição. Embora estes fenômenos tenham espontaneidade própria, estes nervos são necessários a fim de manter a continuidade e a regularidade dos atos vitais.

Eles representam o mesmo papel que os nervos motores em relação aos músculos. Transmitindo diretamente o estímulo do instinto nutritivo, estes nervos partem do cerebelo pelos pedúnculos cerebelosos inferiores e vão acompanhar os vasos sanguíneos até suas últimas ramificações, de modo a se porem em contato com todos os tecidos.

Mas é necessário ainda que as ações mútuas entre o cérebro e o corpo se estabeleçam de tal modo que o exercício normal deste último não perturbe as funções superiores, os sentimentos, a inteligência e a atividade. Isto é conseguido, por um lado, pelas três séries de gânglios que constituem o aparelho denominado grande simpático, votados a estabelecer diretamente a solidariedade sensitiva, motora e nutritiva, necessária ao entretenimento das funções vegetativas. Este aparelho representa, para a vida vegetativa, o papel da medula em relação à vida animal. Por outro lado, porque as relações especiais entre o corpo e o cérebro restringem-se aos três instintos conservadores (o do indivíduo e os dois da espécie), os outros órgãos afetivos só mantendo com o corpo relações indiretas, através deles.16 16 Estas últimas relações se estabelecem pelos pedúnculos cerebelosos superiores. V. Dr. Audiffrent, op. cit., assim como para a especificação das outras relações especiais do instinto nutritivo e do grande simpático com o conjunto do organismo, acima citadas.

Eis como Augusto Comte especifica estas relações17 17 Este trecho pode dar uma justa ideia da natureza e do valor do método subjetivo. Notemos que o 4º vol. da Política apareceu em Agosto de 1854 :

"Dans le premier volume du présent traité, j´ai déjà borné cette liaison [da vida vegetativa à existência cerebral] à l'appareil affectiff, puisque les deux autres ne comportent directement que des liens extérieurs, actifs ou passifs. En prolongeant le même principe, on la restreint aux instincts personnels, qui seuls concernent le dedans: en sorte que les organes sympathiques ne se rattachent à la vie de nutrition que d´après leurs rapports spéciaux avec les penchants égoïstes. Mais une semblable exclusion doit s'étendre aux plus nobles inclinations de la personnalité, puisque l'orgueil et la vanité s'appliquent autant au dehors que les affections sociales, quoique dans une autre intention. Une dernière extension de ce principe écarte aussi, d'une telle correspondence, les deux instincts du perfectionnement, destructif ou constructif, non moins rélatifs au milieu que la région active qui'ils dominent. L'enchîanement de ces reductions nouvelles conduit à restreindre finalement aux trois instincts conservateurs les relations spécials entre le corps et le cerveau.

Mais ces trois cas doivent encore étre profondément distingués d'après la nature et la destination des organes respectifs. Chez tous les animaux supérieurs, les deux instints relatifs à la conservation de l'espèce comportent l'exclusion précédente, presque autant que ceux qui concernent directement des rapports extêrieurs. Ils ne sont immediatement liés qu'à leurs appareils organiques, l'un envers les germes, l'autre pour les petits. Les deux sexes diffèrent á cet égard, surtout dans notre espèce, puisque la sexualité se trouve plus développée chez l'homme et la maternité chez la femme. Pour faire convenablement apprécier cette diversité, je dois annoncer que les appareils végétatifs qui correspondent à ces deux instincts, outre leur action directe et spéciale sur le cerveau, l'affectent indirectement par le sang qu'il réçoit. En effet, les fluids qu'ils secrètent sont toujurs susceptibles de résorption intérieure, quand ils ne se trouvent point consommés au dehors. Une telle réaction, de plus en plus normale à mesure que l´organisme s'eléve, consiste à stimuler ou calmer, selon qu'elle émane du liquide fécondateurs ou du liquid alimentaire.

Il faut donc reduire les relations spéciales entre l´existence corporelle et la vie cérébrale à la connexité de l'appareil nutritife avec l'instinct de la conservation individuelle, respectivement liés à l'économie correspondente. Mais ce rapport prépondérant et continu ne doit jamais dissimuler ceux qui résultent de la fécondation ou de l'allaitement. Enfin, pour systématiser l'harmonie vitale, il faut toujurs combiner ces liens spéciaux avec le lien génèral émané du sang.

Les trois influences que je viens d'indiquer suffisent pour expliquer toutes les relations normales [entre o físico e o moral] et même celles que suscitent les maladies, tant mentales que corporelles, de manière à faire systématiquement rentrer la médicine dans la science sacrée".18 18 Systéme de Politique Positive, IV Tome, págs. 228 e 229.

Segundo o resumo da teoria cerebral feito por Augusto Comte19 19 V. o quadro cerebral aqui anexo. ,

"o aparelho cerebral, composto de 18 órgãos, afetivos, intelectuais e ativos, estimula, por um lado, a vida de nutrição, e por outro, coordena a vida de relação, ligando suas duas espécies de funções exteriores (sensitivas e motoras). Sua região especulativa comunica com os nervos da sensibilidade, por intermédio dos gânglios sensitivos; e sua região ativa, diretamente com os nervos motores. Mas sua região afetiva não tem conexões nervosas senão com as vísceras vegetativas, por intermédio dos nervos nutritivos emanados do órgão conservador, sem nenhuma correspondência imediata com o mundo exterior, que a ele se liga somente por intermédio das duas outras regiões.

Esta região afetiva, centro essencial de toda a existência humana, funciona continuamente, o que é assegurado pelo repouso alternativo das duas metades simétricas de cada um de seus órgãos. Quanto ao resto do cérebro, a intermitência periódica de suas funções (fenômeno do sono) é tão completa como a dos sentidos e dos músculos a que elas se acham ligadas. A harmonia vital depende assim da principal região cerebral, da região afetiva, sob o impulso da qual as duas outras, intelectual e afetiva, dirigem as relações passivas e ativas (sensitivas e motoras), do animal e do meio".

***

A região afetiva sendo, porém, constituída por elementos múltiplos e divergentes, não basta o seu predomínio sobre as duas outras regiões, para assegurar nossa unidade. Esta necessita da subordinação de todos esses pendores, que procuram igualmente satisfazer-se, a um pendor preponderante. E é forçoso reconhecer que só no altruísmo pode ser encontrada esta condição, porque, além de que só esse predomínio é compatível com a existência social, a sua preponderância não exige a anulação dos outros pendores que ficam votados ao seu destino normal, que consiste em assegurar a existência individual.

Por outro lado, a existência social estimula a todo momento o surto do altruísmo; ao passo que continuamente comprime os instintos pessoais. A lei biológica do aperfeiçoamento, que se relaciona com a do exercício e a do hábito, assegura o desenvolvimento crescente dos nossos pendores benévolos, ao passo que, inversamente, cada vez mais reduz nossas inclinações grosseiras.20 20 Augusto Comte. V. Catecismo Positivista, págs. 94 a 53 (2ª edição brasileira), trad. e an. por Miguel Lemos.

Os sentimentos altruístas sendo três, ainda é necessário, para o completo estado de unidade, que o apego e a veneração se subordinem à bondade, que de todos é, ao mesmo tempo, o mais elevado, e suscetível de uma aplicação exterior mais vasta.

Estes sentimentos altruístas é que nos levam a procurar fora de nós o objetivo de nossa atividade. Ligando-nos pelo apego, pela veneração e pela bondade, respectivamente, à Família, à Pátria e à Humanidade, ainda estabelecem a continuidade humana através de todas as gerações, ligando-nos respectivamente ao Presente, ao Passado e ao Futuro.

Mas como os sentimentos não têm relação direta com o exterior, o que só se realiza através da inteligência, só esta nos pode fazer descobrir no exterior os objetos do nosso amor. De acordo com o desenvolvimento mental da Humanidade, cujo conhecimento nos é proporcionado pela lei dos três estados, podemos reconhecer que a cada um deles correspondeu um grau no desenvolvimento afetivo, com o predomínio decisivo de um dos três elementos constitutivos do Grão-Ser: a Família, com o fetichismo, a Pátria com o estado teológico metafísico, e por fim, depois de um maior desenvolvimento abstrato da inteligência, o predomínio final da Humanidade.

Tendo uma parte objetiva, a atualidade, e duas subjetivas, a prioridade e a posteridade, é a subordinação cada vez maior do indivíduo ao Grão-Ser que marca o nosso completo estado de unidade. É então que todos os esforços humanos sobre o planeta que habitamos ficam convergindo para o mesmo objetivo, que é a Humanidade, à qual melhor procuramos conhecer, a fim de melhor a podermos amar e servir.

Esse estado de unidade individual supõe, como já tivemos ocasião de referir, uma suficiente solidariedade, ao mesmo tempo que certa independência das funções corporais, vegetativas e animais, mas também uma maior estabilidade do cérebro em ralação ao corpo, a fim de que, por um lado, o cérebro não seja perturbado pelo simples funcionamento normal deste órgãos, e por outro lado, esteja sempre apto a corrigir, por sua influência, as desordens que se verificarem nessas funções subalternas. Já vimos como essa solidariedade dos órgãos vegetativos e animais se realiza respectivamente por intermédio dos dois aparelhos do grande simpático e da medula, e também já ficarão indicados quais órgãos que estabelecem as relações entre o cérebro e o corpo.

***

Notemos ainda que a existência vital resulta da harmonia necessária entre o organismo e o meio, um modificando o outro, por suas influências recíprocas.

É através dos órgãos vegetativos e animais que o organismo recebe esta influência exterior e que reage, promovendo as modificações que lhe convêm.

Cada função vital deve ser assim considerada como o resultado especial de uma relação determinada entre o exterior e o interior.21 21 V. Dr. Audiffrent, Appel aux médicins, pág. 88; T. Mendes, O Positivo e a questão social, págs. 34 e seguintes, Publ. n. 383 do Apostolado Positivista do Brasil. Neste sentido há uma verdadeira gradação de complexidade e dignidade, à medida que se sobe do vegetal ao homem, tendendo sempre a determinar uma maior independência do indivíduo para com o meio, e estabelecendo sempre uma maior unidade subjetiva, à medida que ele se liga também cada vez mais à Humanidade.

Considerando, por exemplo, o fenômeno fundamental da renovação orgânica, que define a própria vida, reconhece-se que no vegetal os diversos atos orgânicos se realizam sob a influência espontânea dos agentes exteriores físico-quimicos. A maior independência do animal para com o meio físico exterior já exige um estímulo cerebral para manter a continuidade dos atos nutritivos.22 22 Ibidem, págs. 96-97. No homem, já não podemos compreender mais a ação do exterior, senão através da Humanidade, pois que esta influência, que a ação contínua do Grão-Ser já grandemente modificou, atua então sobre um ser também por Ele já profundamente modificado.

É no concurso harmônico de todas as funções cerebrais e corporais, isto é, no estado de unidade, que consiste a saúde. A moléstia resulta justamente do rompimento dessa unidade, por excesso ou falta de uma das funções em harmonia.

As influências capazes de determinar a rotura da unidade devem ser procuradas princi-palmente nas relações entre o indivíduo e o meio, físico ou social, se bem que a moléstia possa resultar das condições especiais do próprio organismo, físico ou moral, conforme a natureza de sua organização corpórea e cerebral, e também das transformações determinadas pelo seu desenvolvimento.

Mas, em virtude de nossa unidade só poder ser altruísta, essas influências não podem ocasionar moléstia sem a prévia alteração afetiva, que geralmente só é percebida quando atinge um grau muito acentuado, ou quando se manifesta com subitaneidade. O que se pode, porém, afirmar como uma verdade indiscutível e facilmente verificável, é que, enquanto os pendores altruístas predominam sobre o conjunto das solicitações do egoísmo, o organismo resiste à maioria das influências perturbadoras emanadas do exterior.

Pode-se, por exemplo, reconhecer que é nas épocas de anarquia social determinada pela falta de um governo espiritual (religioso) em que todos os laços sociais se afrouxam, por não terem uma conveniente consagração, que o organismo humano fica mais sujeito à moléstia e é então que os sintomas se apresentam com uma variabilidade extrema e com uma excepcional gravidade. Foi o que sucedeu sempre nas épocas de transição religiosa (interregno espiritual), como na passagem do politeísmo para o monoteísmo, que se realizou em mais de um núcleo social e como ainda se verifica na atual transição do regime católico-feudal para o positivismo, que se efetua cada vez mais anarquicamente, desde o 13º século até nossos dias. É então que as epidemias irrompem com a maior intensidade.

Em uma monografia cínica o Dr. J. Fuster23 23 Monographie clinique sur l'affection catarrhale, por J. Fuster, professeur de Clinique médicale à la Faculté de Montpellier, 1861. Citado pelo Dr. Audiffrent. procurou observar a marcha das epidemias da afecção catarral, cujos sintomas são hoje conhecidos pela denominação de gripe. No quadro em que ele constata essas epidemias, reconhece-se que elas apareceram justamente no XIII século, isto é, quando começou a decomposição católico-feudal e surgiu a transição revolucionária que se foi sempre agravando, e, ao lado dessa agravação, foi sempre tendendo a aumentar o número dessas epidemias:

01 epidemia no XIII século

06 epidemias no XIV século

07 epidemias no XV século

17 epidemias no XVI século

12 epidemias no XVII século

28 epidemias no XVIII século

21 epidemias no XIX século

O Dr. Audiffrent acrescenta, de acordo com a observação de Augusto Comte, que às 21 epidemias deste último século é preciso juntar todas as epidemias de cólera observadas desde 1830.24 24 V. Dr. Audiffrent, op. cit., págs. 114 e 115.

Todas as modificações que podem sobrevir nas relações entre o indivíduo e o meio, ou no próprio organismo individual, estão sujeitas à lei geral da modificabilidade dos fenômenos naturais, lei formulada por Augusto Comte mediante a generalização de um apanhado fundamental de Broussais. Eis esse princípio, que constitui a 3a lei de Filosofia Primeira: "As modificações quaisquer da ordem universal limitam-se à intensidade dos fenômenos, cujo arranjo persiste inalterável".

De acordo com essa lei pode-se, de um modo geral, dizer, em relação ao homem, que a moléstia se declara sempre que são ultrapassados, para mais ou para menos, os limites das variações dos fenômenos físicos, sociais ou individuais que são, normalmente, compatíveis com o estado de saúde.

É assim que se reconhece como é relativa a noção de saúde e também a relatividade que é necessária para uma apreciação conveniente dos sintomas da moléstia, e ainda, quanto é difícil prever as condições em que a saúde se pode manter ou aqueles em que a moléstia se vai declarar.

Para uma conveniente meditação sobre a teoria positiva da moléstia, vamos transcrever aqui os trechos da correspondência de Augusto Comte que a ela se referem:

Première lettre

Mon cher Disciple

Paris, le Samedi, 14 Fréderic, 6625 25 10 de Outubro de 1855.

Par une contradiction décisive, le langage indique partout l'irrationalité générale des conceptions pathologiques. Quoique la maladie soit universellement définie par contraste à la santé, le premier mot devient ordinairement pluriel, tandis que le second reste toujours singulier. Cela signifie que les prétendues maladies classiquement distinguées se réduisent essentiellement à de simples symptômes.

Il ne peut au fond exister q'une seule maladie, consistant á ne pas se bien porter. Or, puisque la santé réside dans l'unité, la maladie résulte toujours d'une alteration de l'unité, par excés on défaut d'une des fonctions en harmonie.

Le désordre peut provenir du dehors ou du dedans, quand les limites normales de variation se trouvent dépassés, en un sens quelconque, par l'action prolongée soit du milien, soit de l'organisme.

A mesure que l'espèce devient plus éminente et plus civilisée c'est surtout le second cas qui prévaut.

Chez les Occidentaux actuels, même masculins, la maladie doit donc être habituellemente atribuée au centre cérebral, qui domine mieux l'ensemble de l'organisme, et d'ailleurs fonctionne davantage. Les altérations émanées du milieu n'acquièrent ordinairement de gravité que d'après leur réaction indirecte sur le cerveau, par les nerfs ou les vaisseaux. Mais on est habituellement trompé sur le vrai siège de la maladie parce que les symptômes affectent rarement les fonctions cérebrales, sant les cas de grand danger. Ils consistent presque toujours dans les altérations que le cerveau troublé détermine sur les autres organes. Vous pouvez ainsi sentir à quel point la pathologie reste eloignée d'une vraie rationalité qu'elle se trouve ainsi forcée d'ériger ces divers symptômes en autant de maladies distinctes, tant qu'elle ne peut diriger l'elaboration, au moins subjective, vers le siège réel.

On ne peut espérer un tel progrès avant d'avoir assez avancé l'annalyse du système nerveux, qui n'est jusqu'ici que grossièremente ébauchée, d'aprés la distinction, d'ailleurs confuse le plus souvent, entre les trois sortes do nerfs, sensitifs, moteurs et nutritifs. Les premiers ont surtout besoin d'une séparation rationelle envers les nerfs respectifs de la musculation, de la calorition et de l'electrition, vaguement fondus jusqu'ici dans ceux du tact. Vos observations cliniques pourront á cet égard fournir d'utiles renseignements sur une distinction aussi délicate qu'importante, sans laquelle les conceptions pathologiques ne comportment jamais assez de précision.

Un tel préambule est ici destiné principalement à vous empécher d'éxagerer, suivant la tendance actuelle, l'importance du classement prématuré que vous me demandez.

Puisque les maladies ne sont que des symptômes, il y faut suivre l'ordre essentielle des fonctions correspondantes. Tel est le principe de classement indiqué dans mon volume final d'aprés la distinction des trois modes végétatifs, animal et cérebral, de l'existence humaine. Il vous suffira de prolonger cette règle, en développant les fonctions correspondantes, pour obtenir un classement raisonnable des maladies végétatives, c'est-à-dire des symptômes du trouble cérébral, d'aprés la vie de nutrition. Cette existence se compose d'absorption et d'exhalation, don't l'une consiste en élaboration suivie d'assimilation, et l'autre en dépuration suivie d´excrétion. Son ensemble a done pour centre la circulation, également nécessaire á ces quatre fonctions génèrals. A chacun de ces groups d'actes et d'agents organiques, apliquez les variations par excès ou défaut, au delà des limites normales (qui sont mal connues encore), vous obtiendrez le classement démandé, des symptômes végétatifs de l'altération cérebrale de l'unité, chez l'homme et les animaux supérieurs, mais sans négliger jamais l'influence continue du milieu.

Deuxième lettre

Mon cher Disciple

Paris, le lundi, 9 Bichat, 6626 26 7 de Dezembro de 1855.

Le principe que j'ai posé permet de concevoir leur classement rationnel (des maladies) d'prés leurs sources essentielles, puisque toutes résident dans le cerveau. Car cette classification doit dès lors résulter du tableau cérébral. Puisque la région affective domine dans l'état normal, elle doit surtout prévaloir envers ses perturbations, d'autant plus que son exercise est seul continu. Quant aux deux autres régions cérébrales, elles ne peuvent influer que sur les subdivisions, outre leur participation aux symptômes, lorsque le trouble atteint son maximum. Il faut donc rapporter surtout les maladies au sentiment, don't l'intelligence et l'activité ne sont que les ministres généraux, dépourvue d'ailleurs de relations directes avec la vie végétative.

On est ainsi conduit á distinguer d'abord les maladies em égoïstes et altruïstes, comme les moteurs affectifs. Quoique les unes et les autres puissent avoir lien par excès ou par défaut, le premier cas appartient surtout aux premières et le second aux secondes. Un insufisant essor de l'altruïsme constitue la source secrète d'une foule de perturbations radicalement méconneus. Telles sont surtout les épidémies que succèdent aux commotions politiques, comme les affections cholériques survennues dans ce siècle, après la secousse antibourbonnienne de 1830, la crise républicaine de 1848 et finalement la crise dictatoriale (1850). La source nécessairement cérébrale de toute grave maladie devient spécialement irrécusable envers ces vastes perturbations, que l'empirisme matérialiste proclame inintelligibles.

De ce classement général, on peut, d'aprés le même principe, procéder successivement aux distinctions particulières, en suivant l'ordre normal des instincts, personels ou sympathiques, dont l'intensité mesure celle des perturbations. Vous pourrez ainsi déveloper simultanément, les deux modes essentiels, l'un rationnel et l'autre empirique, que comporte la classification des maladies, en comparant tantôt leurs sources, tantôt leurs symptômes.

Cette synthèse pathologique conduit dans la pratique à des conséquences générales qui ratachent directement la médicine à la morale. En effet, les maladies résultant d'une altération de l'unitè, tandis que l'unitè, repose essentiellement sur la sympathie, il est rigoureusement démontré que le meilleur moyen de se bien porter consiste à developer la bienveillance. La gaieté, la securité, que procure l'habitude de vivre au grand jour, chez ceux qui vivent pour autrui, garantit autant leur santé que leur bonheur; par ontraste à la belle remarque de Hufeland sur la faible longévité des comédiens, et généralement de quiconque est souvent forcé de dissimuler.

En étendant le principe pathologique hors de notre espèce, il permet aussi d´expliquer la moindre diversité, comme la moindre gravite des maladies, parmi les animaux, même les plus rapprochés de nous. Car, privés du mouvement social, ces cerveaux fontionneent beaucoup moins, et d´ailleurs réagissent moins sur les viscères nutritifs.

Telles sont les sommaires indications que je devais joindre ici à mes aperçus antérieurs, envers une doctrine capitale qui ne m'absorbera directement que dans trois ans, et pour laquelle néanmoins je ne regrette pas les efforts que m'a dejà suscités votre demande...

Troisième lettre

Paris, le jeudi, 19 Bichat, 6627 27 17 de Dezembro de 1855.

Mon cher Disciple

Je dois aussi saisir cette occasion de vous résumer l'esemble de mes deux dernières lettres en concluant à l'introduction systématique du point de vue social, tant dynamique que statique, dans toutes les conceptions médicales, qui ne sauraient autrement devenir assez réelles et rationelles.

La pensée biologique ne peut rester binaire qu'envers les animaux, chez lesquels il suffitt de comparer l´organisme et le milieu.

Dans notre espèce on ne doit employer ce dualism qu'en décomposant le prémier élément en individuel et collectif, ce qui rend ternaires les conceptions fondamentales. Pour que les médecins cessent de dégénerer en vétérinaries.

Entre l'homme, et le monde, Il faut l'Humanité.

Sans un tel médiateur, on ne peut assez représenter l'action réciproque des deux éléments du grand dualisme. Car c'est surtout à travers l'Humanité que le monde domine l'homme et que l'homme modifie le monde. Quoique l'ordre universel affecte directement chacun de nous, son influence réelle sur l'individu reste surtout indirect, d'aprés le poids total de l'économie extérieure envers l'ensemble de nos prédécesseurs et de nos contemporains. En comparaison d'une telle résultante, la propre composante de chacun devient de plus en plus minime. D'ailleurs l'Humanité protège l'homme contre le monde, en même temps qu'elle lui transmet la principale action:

Il faut désormais écarter la considération de l'homme isolé, comme une abstraction aussi vicieuse en médecine qu'en politique. En constituant le dualisme médical d'après la reaction naturelle entre le corps et le cerveau, l'existence corporelle reste nécessairement soumise à deux influences continues, l'une exterieure, l'autre intérieure. La première lui transmet l'action du milieu matériel, seul aprécié jusqu'à present, et la seconde celle du milieu social qui tend de plus en plus à prévaloir.

Aprés m'avoir hier entendu lire à nos confrères, votre lettre de dimanche, accompagnée des reflexions qu'elle me suscite, l'excellent docteur C..., que mes précédentes communications sur la théorie synthetique des maladies avaient beaucoup frappé, me fit spécialement remarquer la tendance caractèristique vers une telle philosophie dans l'école propre à Montpellier, du moins avant son altération actuelle, et telle que la résume le principal Traité de Barthez. Cette afinité spontanée constitue la compensation naturelle des inconvénients d'une doctrine ontologique qui néanmoins dispose à la synthèse et détourne du matérialisme si funeste à l'école de Paris, même chez Cabanis et Broussais. Mais une telle tendance ne pouvait devenir décisive que d'après deux grandes conditions successivement remplies par Gall et par moi. Dabord il fallait que Gall eût placé dans le cerveau toutes les fonctions affectives, en éliminant les sièges végétatifs, de manière à constituer l'appareil par lequel les morts gouvernent les vivants. En second lieu, l'existence et sourtout l'évolution de la société devaient être ramenées à des lois positives par ma fondation de la sociologie, sans laquelle les aperçus spontanés des spiritualistes de Montpellier ne pourraient acquérir une vraie consistance, ni comporter une efficacité décisive.

D'aprés la loi d'interposition, le point de vue biologique, en tant qu'intermédiaire entre le cosmologique et le sociologique, ne pouvait être systématisé sans une suffisante institution non-seulement de la cosmologie, mais aussi de la sociologie. C'est-ainsi que la science et l'art tendent partout à se fondre finalement dans la morale, qui, théorique, etablit la connassance, et, pratique, le gouvernement de la nature humaine, seul objet définitif de nos saines spéculations.

Quatrième Lettre

Paris, le vendredi, 14 Moïse, 6728 28 14 de Janeiro de 1856.

Mon cher Disciple

La théorie synthétique des maladies se trouve ainsi résumée par la définition sociologique du cerveau comme appareil de l'action des morts sur les vivants. On peut dès lors apprécier combien l'anarchie occidentale constitue une véritable maladie, puisqu'elle consiste surtout dans une insurrection continue des vivants contre les morts, ce qui tend directement à produire un trouble chronique de l'économie cérébrale. Mais vous povez mieux lier la médecine à la morale en formulant ainsi la définition subjective du cerveau: Le double placenta permanent entre l'homme et l'Humanité.

Il importe de dire double, afin de distinger toujours les deux ordres simultanés de relations subjectives, d'une part envers le passé, de l'autre envers l'avenir. Cela fait même ressortir la gravité de la maladie occidentale qui tend à rompre le placenta dans les deux sens.

Cinquième Lettre

Paris, le dimanche, 21 Guttemberg, 6729 29 6 de Setembro de 1856.

Mon cher Disciple,

Pour render plus précises vos meditations sur l'enveloppe muco-dermique, siège essentiel de la réaction continue entre le corps et le milieu, je vous envite á considérer particulièrement les ganglions sensitifs, et surtout celui du tact, d'après lequel la vie organique affecte directement la vie cérébrale et par suite l'unité vitale. Quoique son influence soit souvent confondue avec celle des ganglions de la calorition et de l'électrition, l'exploration des maladies permet de la distinguer, et conduit à la regarder comme la principale source des perturbations cérébrales dues á l'état du muco-derme l'impulsion extérieure. Les corps modifie le cerveau par ces trois ganglions, comme le cerveau modifie le corps par les nerfs émanés de son organe nutritif. Mais pour concevoir ces relations génèrales, il faut s'écarter de la routine actuelle, dont la conservation constitue la principale source de confusion dans la thèse noblement exceptionelle de M.F., qui trop tard averti par moi, persiste à réunir l'appareil cèrébral á l'ensemble des nerfs, tandis qu'il ne leur appartient pas plus qu'aux muscles. Il n'existe réelement que trois classes de nerfs, nutritifs, sensitifs, et moteurs, qui constituent, si l'on veut, autant de systémes respectivement subordonnés aux trois régions du cerveau, lequel ne forme ni l'aboutissant ni l'origine des nerfs quelconques, mais un appareil distinct et supérieur, dont les nerfs intérieurs se réduisent, sans enveloppe fibreuse, aux faisceaux passifs á l'aide desquels ses differentes parties communiquent entre elles.

Vouz avez pleinement raison de ne pas séparer la pathologie de la thérapeutíque, á laquelle toutes ses conceptions doivent directement viser. Ao fond, la médecine est toujours restée, comme la morale, rebelle à toute vaine séparation entre la théorie et la pratique don't les domaines se confondent envers tout ce qui concerne immédiatement l'homme proprement dit vu la coïncidence entre l'objet et le sujet, d'où résulte que l'abstration se trouve réduite autant que possible. Elle s'y borne à ce qu'exige la généralité des préceptes, toujours destinés à l'homme en général, sans tenir compte des diversités individuelles, lesquelles doivent finalement prévaloir dons l'application, qui ne saurait ainsi comporter jamais une rationalité complète. Quand la médecine sera rentrée dans la morale, dont elle est normalement inséparable, leur commum caractère synthétique deviendra pleinement irrésistible; et fera sentir comment l'Humanité constitue l'intermédiaire nécessaire entre l'homme et le monde, ou le milieu. Si l'on décompose le Grand Être, comme va l'indiquer mon opuscule, dans sa trinité chronologique, en trois êtres collectives (Priorité, Public, et Postérité), on voit que les deux extrèmes se lient directement á l'homme par le placenta cérébral, tandis que le moyen appartient réellement au milieu, qu'il fant ordinairement considérer comme social aussi bien que comme vital et matériel, puisque ces trois influences sont souvent analogues, connexes, tant en médecine qu'en morale.

Sixième Lettre

Paris, le dimanche, 14 Shakespeare, 6730 30 28 de Setembro de 1856.

Mon cher Disciple,

Votre nouvelle question sur l'innervation ne me semble point assez nettement posée, pour que j'y puisse faire maintenant une réponse spéciale. Je vous invite seulement à vous efforcer directement de concevoir le dualisme général entre le corps et le cerveau. Pour cela, vous devez regardez le corps comme compose de trois parties, l'une végétative, les viscères, deux autres animales, active et passive, les muscles (y compris les os), et les sens. Ces trois systèmes corporels sont respectivement subordonnès aux trois régions cérebrales. La liaison s'établit par les trois apparails nerveux, nutritifs, moteur et sensitif, dont la moelle épinière et le grand sympathique constituent seulement des moyens de perfectionnement.

Septième Lettre

Paris, le mardi, 23 Bichat, 6731 31 21 de Dezembro de 1856.

Mon cher Disciple,

En outre, son développement m'a permis la vérification spéciale de ma conception générale sur la source essentiellement cérébrale de la maladie, au moins dans l'homme, surtout civilisé. Car elle a suscité, comme tous les préambules de mes grands travaux, une crise physique, principalment relative à l'appareil digestif, dont la surexcitation m'a contraint a m'abstenir de dîner pendant treize jours. De végétative, la reaction cérébrale est aujourd'hui devenue animale, et consiste dans une agitation convulsive qui, bientôt dissipée, va me ramener à un état pleinement normal, sauf la stimulation durable de la région speculative, succédant à celle de la région active, d'aprés une influence primitivement affective: ce qui me représente en petit, la marche essentielle de nos perturbations; en sorte que, comme mèdecin, vous pouvez utiliser l'incident que je me plais á vous décrire à cette fin.

Huitième lettre

Paris, le vendredi, 8 Charlemagne, 6832 32 26 de Maio de 1857.

Mon cher Disciple,

Quant à vos conjectures sur la longévité, je ne dois que vous encourager à les rendre plus fermes et plus vastes en les systématisant davantage. Nous ne sommes en tout genre, qu'au début du perfectionnement, même envers notre situation et surtout pour notre nature. La longevité, qui suscitait tant de vagues espérances chez Bacon et Descartes, doit nous fournir un ample domaine de conceptions et d'améliorations. Mon père spirituel33 33 Condorcet. allait jusq'à rêver l'extension indéfinie. Quoique la philosophie positive écarte de telles chimères, elle confirme l'espoir continu d'un succès notable et croissant d'après les progrès du régime humain, complétês par l'hérédité.

Ceci me conduit à terminer ma réponse en vous indiquant à cet égard, une conception générale, qui trouvera normalement sa place, en 1858, dans le Traité de la nature humaine, où doit consister la première moitié de ma morale positive. Il faut regarder comme la principale imperfection de notre organisme individuel, l'insuffisant harmonie entre le corps et le cerveau. Le cerveau pourrait, je crois, user deux corps, et peut être trois, si la succession était possible, tant sa constitution est plus stable. Dans la plupart des cas normaux, la statue ne tombe que parce que le piédestal est pourri.

Cette discordance ne convient pas seulement aux morts précoces: elle existe souvent chez de dignes vieillards. Aprés un siècle de durée, le cerveau de Fontenelle ne cessa de fonctionner que faut de base végétative. Vous pouvez dés lors sentir quelle portée comportent nos moyens d'augmenter la longévité, quand ils seront systématiquement dirigés vers l'institution d'une meilleure harmonie entre le corps et le cerveau, par le développement des réactions, à peine ébauchées jusqu'ici, du moral sur le physique.

En fixant à près de deux siécles le maximun de durée compatible avec la constitution humaine, Hufeland n'était inspiré que d'après des observations purement empiriques sur les meilleurs cas de longévité constatée. Mais s'il avait été aidé par la conception précédent, il aurait pu faire miex accueillír son appréciation, en posant la question de longévité systématisée, comme consistant á faire durer le corps autant que le cerveau pourrait naturellement vivre. Ainsi conçue, l'utopie semble finalement réalisable, et même on doit raisonnablement espérer d'augmenter l'intrinsèque longévité du cerveau.

Fin de Lettres34 34 V. Dr. Audiffrent, op. cit., Correspondance inédict, Tome 1.

Estas imortais páginas dão, certamente, uma muito pálida ideia do que seriam os desenvolvimentos que ia receber a teoria da moléstia que, inseparável de toda concepção da moral, teórica e prática, fecharia, de uma vez, os tateamentos da arte médica. Mas muitos ensinamentos da maior valia já se podem daí inferir.

Assim, em vão se procurará neste esboço, qualquer lugar para uma teoria microbiana.35 35 Para esclarecimentos sobre o valor da chamada teoria microbiana, indicamos os boletins do Apostol. Posit. do Brasil ns. 1 P e 2 P, do Cid. R. Teixeira Mendes: Prêmio para a descoberta da origem microbiana e do tratamento da febre amarela, e Carta ao Dr. Julio Trajano de Moura sobre a doutrina microbiana; Dr. Joaquim do C. Bagueira Leal, O despotismo sanitário perante a medicina (Publ. do Apost. Posit. do Brasil). Necessariamente, os micro-organismos são seres com que temos de contar na prática da medicina, pois eles podem infestar nosso organismo como hóspedes ou parasitas mais ou menos perigosos. Mas fazer desses agentes apenas acidentais, a base de toda a teoria médica, esquecendo, por um elemento secundário e de nenhum valor teórico, o que é essencial em concepções tão complexas e tão difíceis que exigem o conhecimento de todas as leis que regem o mundo e o homem, constitui a maior das aberrações a que podia conduzir a preocupação analista da quase totalidade dos cientistas contemporâneos.

A aberração da teoria havia de levar fatalmente à aberração da prática, como realmente se deu, pois que hoje se tenta, embora improficuamente, reduzir a arte médica à pesquisa de um micróbio no organismo doente, e a promover a sua eliminação desse organismo, por qual-quer forma, se por acaso se julgou tê-lo encontrado. E assim se esquece que o essencial, em qualquer doente, quaisquer que sejam as causas que tenham determinado a moléstia, é procurar restabelecer o equilíbrio funcional dos diferentes órgãos, de acordo com as leis que regem a nossa natureza, física e cerebral. O organismo ficará então em condições de reagir eficazmente, tanto quanto suas circunstâncias especiais o permitirem, contra as influências que perturbaram sua unidade. Um judicioso empirismo completará então todas as deduções teóricas que cada caso comporta.

Também não poderíamos encontrar aí nenhum meio de fazer derivar uma outra célebre doutrina, a homeopática, com o seu principio dos semelhantes e com suas doses infinitesimais.36 36 Lemos, há já uns 10 anos, uma publicação de um afamado médico homeopata do Rio de Janeiro, em que ele procura conciliar a dosagem infinitesimal com a lei de Filosofia Primeira denominada lei da equivalência, dizendo que a reação era possível e apreciável, porque a ação se exercia sobre elementos também extremamente pequenos, isto é, as células do nosso organismo. Sem pretender entrar aqui em nenhuma discussão sobre o valor matemático dessa asseveração, porque os nossos conhecimentos na matéria são, infelizmente, pouquíssimos, sabemos, no entanto, que em matemática as quantidades infinitesimais costumam a ser desprezadas nos cálculos por não influírem nos resultados. Ainda uma objeção de ordem fisiológica: a dificuldade, e, muitas vezes, impossibilidade de fazer chegar qualquer substância, alimentar ou não, a elementos que estejam em órgãos engurgitados de sangue, pelas inflamações ou congestões e essa objeção se aplica tanto à homeopatia como à alopatia. Como já havíamos notado, essas intervenções medicamentosas são sempre empíricas, e jamais poderiam ter uma aplicação tão extensa e sistemática como pretende a homeopatia. Seria mesmo ir de encontro à concepção positiva da saúde e da moléstia, se se tentasse dar uma solução assim tão simplificada a um problema tão difícil, pois que tudo se reduziria ainda a achar um medicamento específico para cada sintoma ou conjunto de sintomas.

É só de acordo com a concepção positiva da nossa unidade que se pode instituir a teoria da moléstia, cujas diversas modalidades, tidas como moléstias diferentes, não são senão grupos mais ou menos complexos de sintomas, que resultam da alteração em número e em grau das múltiplas funções do nosso organismo, quaisquer que tenham sido as influências perturbadoras ou causas que ocasionaram a moléstia. Estas deverão ser procuradas, revele-se-nos a insistência, nas relações entre o indivíduo e o meio, físico ou social, mas principalmente neste último, devendo-se ter sempre em vista a lei da modificalidade, quer na apreciação dos sintomas, quer na apreciação das influências recíprocas entre o indivíduo e o meio. Em qualquer caso, entretanto, o ascendente moral do indivíduo tem sempre uma influência decisiva, pois, visto que a unidade repousa na simpatia, o melhor meio de resistir a qualquer perturbação, consistirá em garantir o predomínio do altruísmo sobre o egoísmo, isto é, em desenvolver a moralidade.

Para uma justa apreciação, porém, das relações entre o indivíduo e o meio exterior são necessárias ainda as duas leis de Filosofia Primeira, a da persistência e a da equivalência. A primeira consiste em que "todo estado estático ou dinâmico tende a persistir espontaneamente, sem nenhuma alteração, resistindo às perturbações exteriores". A segunda proclama por toda a parte uma "equivalência necessária entre a reação e a ação, se a intensidade de ambas for medida conforme a natureza de cada conflito".37 37 V. Teixeira Mendes, As últimas concepções de Augusto Comte (9ª conferência).

Mediante estas duas leis é que se pode conceber como as funções orgânicas se exaltam ou se deprimem, determinando a moléstia, quando as variações do meio adquirem certa intensidade, e como, além disso, a saúde se pode ainda manter enquanto estas variações não atingirem um certo limite.

Por outro lado, a lei da persistência explica ainda como o nosso organismo tende a restabelecer-se espontaneamente, desde que cessem as causas que determinaram a perturbação.38 38 É por esta lei que se explica, segundo a observação do Dr. Audiffrent, por que todas as medicinas podem curar, contanto que não sejam muito perturbadoras. E ainda, os sucessos da homeopatia nos casos em que as outras medicinas falharam. De minha parte, posso dar testemunho de haver concorrido para muitas curas, exclusivamente pela supressão de medicações incendiárias. Sinto-me ainda feliz de poder afirmar que até hoje, em minha clínica, dos sintomas conhecidos com a denominação de sarampo, só perdi um único doente, uma criança, no começo de minha carreira médica. No entanto, só numa epidemia na Ilha do Governador, em 1910, tratei de dezenas de doentes, alguns gravíssimos. Abstenho-me sempre de empregar medicamentos, salvo bebidas emolientes, assim como de permitir qualquer alimento, salvo o suco de frutas sem ácidos, quando o doente tolera mal a abstinência completa. Os revulsivos serão empregados contra as fluxões pulmona-res quando se tornar mister previni-las. A cronicidade que tomam certos sintomas deve ser procurada na continuidade das influências que provocaram a moléstia, ou então nas alterações anatômicas (lesões) que se estabeleceram, quer sejam ou não percebidas pelos nossos meios de investigação. Quanto aos órgãos da vida animal, não devemos nos esquecer que eles estão sujeitos à lei do hábito, tanto na saúde como na moléstia, o que exige, muitas vezes, a reeducação, a fim de restabelecer a normalidade da função.

O Dr. Audiffrent, na obra já várias vezes citada, Appel aux Médicins, procura interpretar positivamente as noções até hoje muito confusas, conhecidas pelas denominações: constituição médica, temperamentos, diátese, intermitências, simpatias e sinergias, e os estados mórbidos chamados malignos, ataxicos, adinâmicos, etc. Não insistiremos, porém, nestes detalhes, a fim de não alongar estas rápidas indicações. Apenas diremos aqui que o fenômeno da febre deverá ser procurado na alteração das cinco grandes funções nutritivas: elaboração, assimilação, secreção, excreção e circulação.39 39 Deve-se daí inferir o quanto é inútil e até perigoso alimentar um doente cuja febre atingiu um certo grau de intensidade. Qualquer médico terá já verificado a coincidência da agravação da febre com a ingestão de alimentos.

Deve, contudo, prender um pouco nossa atenção o estado chamado de predisposição mórbida. Sujeitos às mesmas influências, umas pessoas adoecem e outras não, como acontece durante as epidemias. Igualmente, em condições que parecem idênticas, o mesmo indivíduo às vezes adoece, e outras vezes fica incólume, e quando adoece, não é sempre com os mesmos sintomas. A esse estado variável da suscetibilidade orgânica é que se chama predisposição. Ainda de acordo com o Dr. Audiffrent, este estado deve ser explicado, segundo a teoria positiva da moléstia, pelo fato de o organismo ter atingido os limites extremos de variação sob uma influência qualquer. Estes limites nunca são transpostos abruptamente, nem na ordem física, nem na ordem moral: há sempre um conjunto de circunstâncias anteriores que preparam a explosão da moléstia. Qualquer influência vai então atuar como causa determinante. É este o estado geral dos organismos no Ocidente, em virtude da anarquia social em que nos achamos. Esta instabilidade, que é tanto física como cerebral, caracteriza-se principalmente como uma perturbação crônica de economia cerebral40 40 V. a 4 a carta de Augusto Comte. , que pode ser transmitida hereditariamente e que necessariamente tende a agravar-se de geração a geração enquanto durar este estado social. Eis porque os indivíduos já nascem com uma fragilidade orgânica tão grande em nossos dias.

***

Antes de terminar estas rápidas referências à teoria da moléstia, torna-se necessário indicar como os apanhados científicos de Broussais concordam com a sistematização filosófica de Augusto Comte. Mais de uma vez já nos referimos ao princípio de Broussais que liga o estado patológico ao estado normal. Mas é preciso fazer notar que este princípio foi, de fato, formulado por Augusto Comte, que o atribuiu a Broussais, porque ele resultava do conjunto de seus trabalhos.41 41 V. Systême de Politique Positive, T.I, pág. 651.

Eis o que diz o nosso supremo mestre:

"Partant de la grande vérité générale entrevue par Brown, que la vie ne s'entretient que par l'excitation, vérité que M. Broussais s'est rendue propre par l'important usage qu'il en a fait, il représente toutes les maladies comme consistant essentiellement dans l'excès on le défaut de l'excitation des divers tissus, au-dessus ou au-dessous du degré qui constitue l'état normal. Cette conception jette une grande lumière sur la nature des maladies, en les montrant comme produites par un simple changement d'intensité dans l'action des stimulants mêmes qui sont indispensables à l'entretien de la santé.

Après avoir établi que plus souvent il y a excès plutôt que défaut dans l'excitation des organes, et même que la diminuiton dans l'action des stimulants d'un organe détermine ordinairement l'irritation d'autres organes, comme par exemple, l'estomac relativement au cerveau, M. Broussais distingue trois dégrés dans l'excitation anormale des organes, la surexcitation proprement dite, la subinflammation et l'inflammattion. Il expose les caracteres de ces trois états dans les principaux systèmes organiques, et surtout dans le système nerveux, qu'il montre, d'accord avec la plupart des physiologistes actuels, comme l'agent général des sympathies. M. Broussais, pousse même l'analyse physiologique des divers tissus qlus loin qu'on ne l'a fait encore, car il considère les éléments organiques dont tous les tissus sont composés, et qu'il réduit à trois: la fibrine, la gélatine et l'albumine, dans chacun desquels il examine les phénomènés de l'irritation. Cette vue doit introduire plus tard une grande et précieuse simplicité dans les premières bases de la physiologie et la pathologie".42 42 V. Augusto Comte, op. cit., T. IV (Examen du traité de Broussais sur l'irritation), Appendice general, pág. 223.

Já vimos acima como a alteração da unidade, que constitui a moléstia, resulta justamente do excesso ou falta de uma das funções do nosso organismo. A função exaltada acaba sempre alterando mais ou menos as outras funções.

Em virtude dos fenômenos denominados simpatias e sinergias ligados à lei do consenso, a circulação se manifesta sempre, mesmo normalmente, com maior ou menor intensidade, segundo os órgãos são mais ou menos excitados em suas funções. Uma vez porém, ultrapassado certo limite de excitação ou de depressão, manifesta-se a moléstia pela inflamação ou pela subinflamação dos tecidos ou dos órgãos, e isto se dá, quaisquer que tenham sido as causas determinantes da moléstia. Devemos ter em vista ainda estes fatos, segundo se passam na circulação sanguínea ou na linfática. Qualquer um deles pode terminar na alteração das partes atingidas, até sua destruição completa. A forma inflamatória parece mais própria dos estados agudos, e a outra dos estados crônicos.

O conhecimento dessa natureza estática (anatômica) da moléstia, como sendo essencialmente inflamatória ou subinflamatoria, tem um grande alcance prático, porque a conduta a seguir no tratamento parece ficar racionalmente evidente. Quando há inflamações ou congestões, que naturalmente impedem o funcionamento dos órgãos atingidos, ameaçando-os ainda de destruição, o meio mais rápido e mais seguro de diminuí-las ou mesmo suprimi-las, será certamente retirar uma certa porção de sangue, quer diretamente, quando se pode atingir o ponto inflamado, quer indiretamente, mediante a circulação geral. A baixa da pressão sanguínea concorrerá ainda para que as inflamações não se estendam a outros órgãos. O organismo ficará assim em condições de reagir mais facilmente à ação geral dos órgãos cerebrais, o que muitas vezes poderia tornar-se impossível, sem essa intervenção salvadora.43 43 Quem já teve a felicidade de seguir essa prática, sabe de quanto os sucessos vão muitas vezes além de tudo que seria lícito dela esperar. Mas, como em toda a intervenção médica, é necessário toda a prudência, a fim de decidir quanto a oportunidade e ao grau em que deverá ser feita a depleção sanguinea, nunca devendo ser desprezada a consideração do temperamento e da constituição do indivíduo.

***

Quanto a uma classificação dos fenômenos da moléstia, deverá ser estabelecida ou de um modo racional, segundo sua origem, ou de um modo empírico, segundo seus sintomas.44 44 V. 2 a carta de Augusto Comte, acima transcrita. A origem de todas as perturbações da saúde sendo sempre afetiva, todas as distinções do primeiro modo deverão ser feitas de acordo com a separação dos motores afetivos em egoístas e altruístas. No que respeita à classificação pelos sintomas, ficarão eles correspondendo aos três modos de existência, vegetativa, animal e social.

Cada uma delas comporta divisões secundárias, segundo suas funções elementares. Assim, por exemplo, os sintomas vegetativos admitem cinco divisões principais, em conformidade com as cinco grandes funções: elaboração, assimilação, circulação, secreção e excreção.45 45 A absorção das substâncias elaboradas, efetuada pelos vasos chilíferos, bem como a absorção dos produtos que resultam da assimilação, exercida pelos vasos linfáticos, são funções que entram na grande função circulatória geral. A res-peito da primeira, lembraremos a observação de Bichat sobre os chilíferos que, só absorvendo, quando em estado normal, as substâncias nutritivas, poderão, em estado patológico, absorver todas as outras que juntamente com as primeiras, se encontrarem no intestino. A este fato poderíamos ligar, talvez, certos casos de intoxicação de origem intestinal, às vezes tão graves, e para os quais só se tem procurado, nestes últimos tempos, uma explicação microbiana. A mesma nota se poderia fazer quanto a certos medicamentos - como, por exemplo, o calomelanos -, que não sendo absorvidos comumente, podem, no entanto, com surpresa do médico, determinar uma intoxicação, às vezes mortal, como já tem acontecido. Quanto aos linfáticos, vem-nos ainda à lembrança que muitas afecções crônicas ainda mal explicadas, certas diáteses, por exemplo, poderiam estar ligadas a uma deficiência de absorção dos vasos corres-pondentes a esta circulação depuradora. Os sintomas da vida animal serão separados segundo se considera a motilidade e a sensibilidade. Nesta, deve-se ter em vista a alteração de cada um dos oito aparelhos dos sentidos. Na primeira se há de compreender a alteração de todos os tecidos fibrosos contrácteis. Nos sintomas da vida social ou cerebral devemos considerar as perturbações da inteligência e do caráter.

Todos os grupos de sintomas das perturbações cerebrais estudados com as denominações de mania, melancolia, paranoias, epilepsia, histeria, etc., assim como os estados denominados catalepsia, sonambulismo, hipnotismo, etc., são explicados com uma surpreendente clareza pela teoria cerebral. Aos desenvolvimentos correspondentes a estes diferentes sintomas da moléstia cerebral, o Dr. Audiffrent dedicou um volume, "Maladies du cerveau et de l'innervation".46 46 Para os fenômenos da sugestão, indicamos ainda a publicação do Dr. Cunha Cruz " Medicina Psiquica", a propósito de uma perícia médico legal. Para uma apreciação sintética dos estados chamados razão, loucura, alienação, idiotia, indicamos aqui a publicação do Apostolado Positivista do Brasil, "Harmonia Mental", de R. Teixeira Mendes. A respeito deles já foi dito, em outra parte deste escrito, que o estado de razão consiste em um suficiente equilíbrio entre o objetivo e o subjetivo, de modo que as construções subjetivas fiquem subordinadas aos materiais objetivos (4a lei de Filosofia Primeira). O estado de loucura existe quando predomina o subjetivismo, e o de idiotia quando predomina o objetivismo. A alienação é um estado no qual, não tendo o indivíduo o subjetivismo de um louco, não pode, no entanto, harmonizar sua conduta com sua situação, que é por ele perfeitamente reconhecida. Muitas vezes é um estado passageiro, como se dá nos acessos de cólera, ou em algum dos movimentos chamados impulsivos.

(Continua)

Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Medicina Legal, Rio de Janeiro, n.2, 1915, p.49-88.

N.E. - Sobre este artigo, ver "O grande mal no Cemitério dos Vivos: diagnósticos de epilepsia no Hospital Nacional de Alienados", de Margarida de Souza Neves, neste número de História, Ciências, Saúde - Manguinhos.

  • *
    Continuado do nº 1 do corrente ano, 1915.
  • 1
    Estes gânglios são hoje conhecidos pela denominação de núcleos cinzentos centrais dos hemisférios. Deve-se notar ainda que os dois aparelhos exteriores das funções cerebrais, um sensitivo, outro motor, servem de ponto de partida às localizações porque, neste primeiro estado do problema cerebral, são os únicos conhecidos. Entre eles o cérebro central deve instituir uma ligação estática em harmonia com as funções correspondentes. V. Augusto Comte, Op. cit., t.I, pág. 682.
  • 2
    V.
    Pol. Positive, t.I, págs. 677-678.
  • 3
    A distinção entre o abstrato e o concreto acha-se ligada à separação entre a
    teoria e a
    prática. A primeira representa abstratamente o mundo e o homem, com o grau de aproximação requerido pelo conjunto de nossas necessidades, físicas, intelectuais, e morais; a segunda modifica-os de acordo com os dados emanados da teoria. A
    poesia idealiza-os, aperfeiçoando-os, de modo a satisfazer as nossas necessidades de culto. É muito comum ainda, no entanto, confundir-se a noção de teoria com a de prática, de modo a considerar-se, por exemplo, a medicina como ciência e não como arte. Daí o pensar-se também que se juntou alguma coisa ao cadedal científico da Humanidade quando se realizou algum melhoramento técnico. No entanto, desde Augusto Comte até hoje, não consta que tenha sido descoberta alguma lei científica, e, portanto, abstrata.
  • 4
    V. Aug. Comte.
    Systéme de Politique Positive, T.I, pág. 719.
  • 5
    Ibidem, pág. 719.
  • 6
    Ibdem, pág. 720.
  • 7
    Como exemplo deste último modo citaremos as afasias histéricas, segundo a concepção positiva da histeria.
  • 8
    Ibidem, pág. 723.
  • 9
    4
    a lei de Filosofia Primeira.
  • 10
    Auguste Comte,
    La Synthèse subjective, Tome premier (seul publié), pág.7.
  • 11
    V.
    Systéme de Politique Positive, T.I, pág. 711.
  • 12
    A anatomia histológica confirma hoje estas noções que foram primeiro estabelecidas pelo método subjetivo, mostrando o cérebro constituído por células que se acham na superfície cinzenta dos hemisférios, e nos seus gânglios centrais; por fibras nervosas sem nevrilema, prolongamento destas células, e que constituem a substância branca; e por uma trama reticular (prolongamentos chamados protoplasmáticos) emanados também das células, e que estabelecem as ligações anatômicas diretas entre as diferentes células cujas funções também diretamente se relacionam. Ibidem, pág. 711.
  • 13
    O desdobramento do sentido do tato, já previsto por Aristóteles, é devido a Blainville. O fenômeno geralmente conhecido pela denominação de
    dormência, que resulta da compressão de um tronco nervoso devido a uma posição viciosa dos membros, confirma perfeitamente a distinção das 4 formas de sensibilidade: (tato, calorição, musculação e eletrição). A sensação do contato desaparece, assim como se altera a sensação do peso no membro dormente, e a friagem e o formigamento denunciam a participação das sensações térmica e elétrica. Embora nunca tivéssemos lido ou ouvido nenhuma referência a esse fenômeno, essa observação parece-nos justa.
  • 14
    Daí a sensibilidade de toda a superfície de revestimento interno, donde não devem ser excluídas as serosas.
  • 15
    V. Audiffrent,
    Appel aux médicins, pág. 51.
  • 16
    Estas últimas relações se estabelecem pelos pedúnculos cerebelosos superiores. V. Dr. Audiffrent, op. cit., assim como para a especificação das outras relações especiais do instinto nutritivo e do grande simpático com o conjunto do organismo, acima citadas.
  • 17
    Este trecho pode dar uma justa ideia da natureza e do valor do método subjetivo. Notemos que o 4º vol. da
    Política apareceu em Agosto de 1854
  • 18
    Systéme de Politique Positive, IV Tome, págs. 228 e 229.
  • 19
    V. o quadro cerebral aqui anexo.
  • 20
    Augusto Comte. V.
    Catecismo Positivista, págs. 94 a 53 (2ª edição brasileira), trad. e an. por Miguel Lemos.
  • 21
    V. Dr. Audiffrent,
    Appel aux médicins, pág. 88; T. Mendes,
    O Positivo e a questão social, págs. 34 e seguintes, Publ. n. 383 do Apostolado Positivista do Brasil.
  • 22
    Ibidem, págs. 96-97.
  • 23
    Monographie clinique sur l'affection catarrhale, por J. Fuster, professeur de Clinique médicale à la Faculté de Montpellier, 1861. Citado pelo Dr. Audiffrent.
  • 24
    V. Dr. Audiffrent, op. cit., págs. 114 e 115.
  • 25
    10 de Outubro de 1855.
  • 26
    7 de Dezembro de 1855.
  • 27
    17 de Dezembro de 1855.
  • 28
    14 de Janeiro de 1856.
  • 29
    6 de Setembro de 1856.
  • 30
    28 de Setembro de 1856.
  • 31
    21 de Dezembro de 1856.
  • 32
    26 de Maio de 1857.
  • 33
    Condorcet.
  • 34
    V. Dr. Audiffrent, op. cit., Correspondance inédict, Tome 1.
  • 35
    Para esclarecimentos sobre o valor da chamada teoria microbiana, indicamos os boletins do Apostol. Posit. do Brasil ns. 1 P e 2 P, do Cid. R. Teixeira Mendes:
    Prêmio para a descoberta da origem microbiana e do tratamento da febre amarela, e Carta ao Dr. Julio Trajano de Moura sobre a doutrina microbiana; Dr. Joaquim do C. Bagueira Leal,
    O despotismo sanitário perante a medicina (Publ. do Apost. Posit. do Brasil).
  • 36
    Lemos, há já uns 10 anos, uma publicação de um afamado médico homeopata do Rio de Janeiro, em que ele procura conciliar a dosagem infinitesimal com a lei de
    Filosofia Primeira denominada lei da
    equivalência, dizendo que a reação era possível e apreciável, porque a ação se exercia sobre elementos também extremamente pequenos, isto é, as células do nosso organismo. Sem pretender entrar aqui em nenhuma discussão sobre o valor matemático dessa asseveração, porque os nossos conhecimentos na matéria são, infelizmente, pouquíssimos, sabemos, no entanto, que em matemática as quantidades infinitesimais costumam a ser desprezadas nos cálculos por não influírem nos resultados. Ainda uma objeção de ordem fisiológica: a dificuldade, e, muitas vezes, impossibilidade de fazer chegar qualquer substância, alimentar ou não, a elementos que estejam em órgãos engurgitados de sangue, pelas inflamações ou congestões e essa objeção se aplica tanto à homeopatia como à alopatia. Como já havíamos notado, essas intervenções medicamentosas são sempre empíricas, e jamais poderiam ter uma aplicação tão extensa e sistemática como pretende a homeopatia. Seria mesmo ir de encontro à concepção positiva da saúde e da moléstia, se se tentasse dar uma solução assim tão simplificada a um problema tão difícil, pois que tudo se reduziria ainda a achar um
    medicamento específico para cada sintoma ou conjunto de sintomas.
  • 37
    V. Teixeira Mendes,
    As últimas concepções de Augusto Comte (9ª conferência).
  • 38
    É por esta lei que se explica, segundo a observação do Dr. Audiffrent, por que todas as medicinas podem curar, contanto que não sejam muito perturbadoras. E ainda, os sucessos da homeopatia nos casos em que as outras medicinas falharam. De minha parte, posso dar testemunho de haver concorrido para muitas curas, exclusivamente pela supressão de medicações incendiárias. Sinto-me ainda feliz de poder afirmar que até hoje, em minha clínica, dos sintomas conhecidos com a denominação de sarampo, só perdi um único doente, uma criança, no começo de minha carreira médica. No entanto, só numa epidemia na Ilha do Governador, em 1910, tratei de dezenas de doentes, alguns gravíssimos. Abstenho-me sempre de empregar medicamentos, salvo bebidas emolientes, assim como de permitir qualquer alimento, salvo o suco de frutas sem ácidos, quando o doente tolera mal a abstinência completa. Os revulsivos serão empregados contra as fluxões pulmona-res quando se tornar mister previni-las.
  • 39
    Deve-se daí inferir o quanto é inútil e até perigoso alimentar um doente cuja febre atingiu um certo grau de intensidade. Qualquer médico terá já verificado a coincidência da agravação da febre com a ingestão de alimentos.
  • 40
    V. a 4
    a carta de Augusto Comte.
  • 41
    V.
    Systême de Politique Positive, T.I, pág. 651.
  • 42
    V. Augusto Comte, op. cit., T. IV (Examen du traité de Broussais sur l'irritation),
    Appendice general, pág. 223.
  • 43
    Quem já teve a felicidade de seguir essa prática, sabe de quanto os sucessos vão muitas vezes além de tudo que seria lícito dela esperar. Mas, como em toda a intervenção médica, é necessário toda a prudência, a fim de decidir quanto a oportunidade e ao grau em que deverá ser feita a depleção sanguinea, nunca devendo ser desprezada a consideração do temperamento e da constituição do indivíduo.
  • 44
    V. 2
    a carta de Augusto Comte, acima transcrita.
  • 45
    A
    absorção das substâncias elaboradas, efetuada pelos
    vasos chilíferos, bem como a absorção dos produtos que resultam da assimilação, exercida pelos
    vasos linfáticos, são funções que entram na grande função circulatória geral. A res-peito da primeira, lembraremos a observação de Bichat sobre os chilíferos que, só absorvendo, quando em estado normal, as substâncias nutritivas, poderão, em estado patológico, absorver todas as outras que juntamente com as primeiras, se encontrarem no intestino. A este fato poderíamos ligar, talvez, certos casos de intoxicação de origem intestinal, às vezes tão graves, e para os quais só se tem procurado, nestes últimos tempos, uma explicação microbiana. A mesma nota se poderia fazer quanto a certos medicamentos - como, por exemplo, o calomelanos -, que não sendo absorvidos comumente, podem, no entanto, com surpresa do médico, determinar uma intoxicação, às vezes mortal, como já tem acontecido. Quanto aos linfáticos, vem-nos ainda à lembrança que muitas afecções crônicas ainda mal explicadas, certas diáteses, por exemplo, poderiam estar ligadas a uma deficiência de absorção dos vasos corres-pondentes a esta circulação depuradora.
  • 46
    Para os fenômenos da
    sugestão, indicamos ainda a publicação do Dr. Cunha Cruz "
    Medicina Psiquica", a propósito de uma perícia médico legal.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010
    Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz Av. Brasil, 4365, 21040-900 , Tel: +55 (21) 3865-2208/2195/2196 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: hscience@fiocruz.br