Acessibilidade / Reportar erro

A cochonilha no mundo luso-brasileiro: o manuscrito setecentista editado por Manuel Joaquim Henriques de Paiva

Cochineals in the Portuguese-Brazilian world: the eighteenth-century manuscript edited by Manuel Joaquim Henriques de Paiva

Resumo

O documento que o leitor encontrará a seguir é a transcrição inédita e modernizada do manuscrito História do descobrimento da cochonilha no Brasil, editado pelo médico e químico Manuel Joaquim Henriques de Paiva entre os anos de 1774 e 1801. O propósito de Paiva, com essa versão revista e anotada do estudo pioneiro de seu irmão, o médico José Henriques Ferreira, era estimular a cultura e o comércio da cochonilha, um inseto produtor de corante avermelhado muito requisitado na Europa. A História..., portanto, fornece indícios do papel capital dos saberes ditos científicos para o fomento e engrandecimento do Reino português e de sua principal colônia.

história luso-brasileira; saberes científicos; cochonilha

Abstract

A previously unpublished, modernized transcript of the manuscript História do descobrimento da cochonilha no Brasil (History of the discovery of the cochineal in Brazil), edited by the physician and chemist Manuel Joaquim Henriques de Paiva between 1774 and 1801, is presented. By bringing out this reviewed, annotated version of the pioneering study by his brother, the physician José Henriques Ferreira, Paiva wanted to encourage the culture and trade of the cochineal, an insect that produced a red dye that was in great demand in Europe. História... thus provides indications of the key role of so-called scientific knowledge in the development and growth of the Portuguese kingdom and their primary colony.

Portuguese-Brazilian history; scientific knowledge; cochineal

Em 1772, o doutor José Henriques Ferreira (1740-1780) ajudou a fundar, em conjunto com o vice-rei marquês de Lavradio (1729-1790) e outros homens de ciências, a Academia Científica do Rio de Janeiro (1772-1779) e finalizou sua Dissertação sobre a cochonilha, história sobre seu descobrimento na América... Pouco tempo depois, o irmão mais jovem de Henriques Ferreira, o promissor médico e químico Manuel Joaquim Henriques de Paiva (1752-1829), reuniu, ampliou e apurou esse trabalho em um novo manuscrito, sob o título de História do descobrimento da cochonilha no Brasil..., com o propósito de “publicá-lo com toda a perfeição”. Embora Henriques Ferreira tenha dedicado “seis anos de contínuas e trabalhosas averiguações” à elaboração de seu estudo, Henriques de Paiva acreditava ser necessário realizar algumas reparações para publicar a Dissertação sobre a cochonilha... Longe de desqualificar o conhecimento científico do irmão acerca da cochonilha, Henriques de Paiva buscava precisar nesse estudo algumas informações ausentes no original, devido, sobretudo, à novidade da matéria, à “pouca exatidão com que os antigos e modernos escritores a trataram, e por [Henriques Ferreira] escrever em um país remoto, onde falta[va]m às vezes os livros de uma erudição mais curiosa” (Ferreira, s.d., fl.3).

A despeito dos empecilhos que dificultavam o incremento dos estudos ditos científicos no Brasil em finais do século XVIII – como a falta de materiais especializados mencionada por Paiva, além, é claro, da inexistência de cursos superiores e de imprensa local –, é importante enfatizar o despertar de uma preocupação luso-brasileira no fomento desses saberes. Exemplo disso foi a empenhada atuação do vice-rei marquês de Lavradio na fundação, em seu palácio, da pioneira Academia Fluviense, Médica, Cirúrgica, Botânica e Farmacêutica, ou Academia de Medicina e História Natural do Rio de Janeiro, ou simplesmente, como ficou conhecida na historiografia, Academia Científica do Rio de Janeiro. Esse “amante das Ciências Naturais”, juntamente com médicos, químicos, naturalistas, entre outros homens de ciências formados no Velho Mundo, dedicou-se, em associação, à investigação dos reinos animal, vegetal e mineral no Rio de Janeiro e à elaboração de dissertações e memórias acerca da flora e fauna cariocas (Silva, 2013SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Cultura letrada e cultura oral no Rio de Janeiro dos vice-reis. São Paulo: Editora Unesp. 2013., p.25-33).

Tais aspirações científicas em terras brasileiras aconteciam em simultâneo com a famigerada reforma da Universidade de Coimbra (1772) nos tempos de dom José I (1714-1777) e de seu ministro Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), o marquês de Pombal. É sabido, a propósito, que o interesse pelas terras brasílicas aparece nos escritos luso-brasileiros desde o século anterior, intensificado na segunda metade do século XVIII, entre outras motivações, pela demarcação de limites entre as monarquias ibéricas deste lado do Atlântico, pela busca de um equilíbrio na balança comercial portuguesa e pelo financiamento régio de memórias acadêmicas e viagens científicas que estreitaram os laços entre Portugal e o Ultramar e buscaram promover estudos no campo das ciências e sobre a agricultura na América portuguesa (Pataca, 2011PATACA, Ermelinda Moutinho. Coletar, preparar, remeter, transportar: práticas de história natural nas viagens filosóficas portuguesas (1777-1808). Revista Brasileira de História da Ciência, v.4, n.2, p.125-138. 2011.; Raminelli, 2008RAMINELLI, Ronald. Viagens ultramarinas: monarcas, vassalos e governo a distância. São Paulo: Alameda. 2008.; Kury, 2004KURY, Lorelai. Homens de ciência no Brasil: impérios coloniais e circulação de informações (1780-1810). História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.11, supl.1, p.109-129. 2004.; Domingues, 2001DOMINGUES, Ângela. Para um melhor conhecimento dos domínios coloniais: a constituição de redes de informação no Império português em finais do Setecentos. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.8, supl., p.823-838. 2001.; Serrão, 1988SERRÃO, José Vicente. O pensamento agrário setecentista (pré-fisiocrático): diagnósticos e soluções propostas. In: Cardoso, José Luís (Org.). Contribuições para a história do pensamento económico em Portugal. Lisboa: Dom Quixote. 1988., p.23-50; Silva, 2013SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Cultura letrada e cultura oral no Rio de Janeiro dos vice-reis. São Paulo: Editora Unesp. 2013., p.37).

É importante recordar que a situação econômica de Portugal em finais do Setecentos e no alvorecer do Oitocentos não era das melhores. A produção mineradora nos sertões do Brasil havia decaído, os rendimentos do quinto eram instáveis e a concorrência estrangeira no mercado açucareiro aumentava, trazendo à tona a necessidade de incrementação da economia e do comércio. Nesse mesmo momento, nota-se o crescente intento dos monarcas e de seus representantes no além-mar – especialmente os secretários de estado e os vice-reis – de alocar o Império português ao patamar material e intelectual das grandes potências europeias, como França, Inglaterra e mesmo a Espanha. A vizinha ibérica, cabe lembrar também, investiu, desde o século XVI, no conhecimento, na descrição e no controle das riquezas naturais de suas possessões americanas, patrocinando diversas crônicas e páginas de história natural da América produzidas por cronistas, missionários, viajantes, médicos e naturalistas, que buscaram fornecer um panorama detalhado das plantas e dos animais considerados úteis à medicina, à agricultura e ao comércio (Ventura, 2016VENTURA, Antoine. Viajeros y naturalistas (s. XV-XIX, Europa-América) o cómo viajar sin precauciones por un tema torrentoso. ELOHI, n.9. Disponível em: <http://doi.org/10.4000/elohi.981. Acesso em: 19. jan. 2019. 2016.
http://doi.org/10.4000/elohi.981...
; Fonseca, 1999FONSECA, Maria Rachel Fróes da. La construcción de la patria por el discurso científico: México y Brasil (1770-1830). Secuencia, n.45, p.5-26. 1999.). Destarte, a promoção de novas culturas, tais como o anil, o linho e a cochonilha – já explorada pelos castelhanos na América espanhola –, e o desenvolvimento de estudos científicos que visavam à melhor utilização dos recursos naturais da América portuguesa foram medidas consideradas fundamentais na tentativa de reestabelecer a economia, fomentar o comércio e adequar os saberes luso-brasileiros àqueles considerados em voga na Europa (Dias, 2005DIAS, Maria Odila da Silva. A interiorização da metrópole e outros estudos. São Paulo: Alameda. 2005.; Kury, 2004KURY, Lorelai. Homens de ciência no Brasil: impérios coloniais e circulação de informações (1780-1810). História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.11, supl.1, p.109-129. 2004.; Wehling, 1977WEHLING, Arno. O fomentismo português no final do século XVIII: doutrinas, mecanismos, exemplificações. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, v.316, p.170-278. 1977.).

Imbuídos de uma noção pragmática e utilitarista da ciência e comprometidos com as demandas de uma política de estado ilustrada que os estimulava com prêmios, cargos e benesses, os letrados luso-brasileiros – tais como os administradores que exerciam cargos políticos nos trópicos, os naturalistas e eclesiásticos formados na Coimbra reformada ou nas bibliotecas dos seminários existentes na colônia, e os integrantes das academias de caráter científico atuantes nos dois lados do Atlântico – escreveram dezenas de opúsculos, memórias acadêmicas, pareceres, cartas e relatórios destinadas a elaborar um diagnóstico do estado da monarquia com vistas ao seu progresso econômico, social, cultural e moral (Rodrigues, 2017RODRIGUES, José Damião. Horizontes de reformas e luzes: uma leitura historiográfica a partir da América portuguesa. In: Godoy, Scarlett O’Phelan; Rodríguez García, Margarita Eva (Coord.). El ocaso del Antiguo Régimen en los Imperios Ibéricos. Lima: Pontificia Universidad Católica del Peru; Lisboa: Cham. 2017., p.169; Domingues, 2001DOMINGUES, Ângela. Para um melhor conhecimento dos domínios coloniais: a constituição de redes de informação no Império português em finais do Setecentos. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.8, supl., p.823-838. 2001., p.829). Os propósitos de desenvolver um saber que instruísse o povo e promovesse o Estado e sua economia foram, portanto, o que homens como José Henriques Ferreira e Manuel Joaquim Henriques de Paiva buscaram implementar nos seus estudos sobre a cochonilha.

Os irmãos Henriques de Paiva e Henriques Ferreira, formados na Universidade de Coimbra, provinham de uma tradicional família de médicos, natural da antiga vila portuguesa de Castelo Branco.1 1 Para mais informações acerca da família de Manuel Henriques Ferreira, conferir, especialmente, Morais, Dias (1955). Entre os ilustres representantes dessa família estavam o pai, cirurgião, boticário e cristão-novo Antônio Ribeiro Paiva (1721-?), os irmãos médicos Francisco Antônio Henriques de Paiva (1757-1831) e Filipe Joaquim Henriques de Paiva (?-?), além do conhecido nome das ciências naturais, seu tio, Antônio Nunes Ribeiro Sanches (1699-1782). José Henriques Ferreira foi o primeiro a aportar em solo americano, em 1763, em companhia do então governador da Bahia, o segundo marquês de Lavradio, Luís de Almeida Portugal Soares de Mascarenhas, para atuar como médico do presídio e comissário do físico-mor do reino. Em 1769, acompanhando a ascensão do marquês de Lavradio, agora como vice-rei do Brasil (1769-1779), Ferreira passou a ocupar, no Rio de Janeiro, o cargo de primeiro médico do Hospital Real Militar e Ultramar, e trouxe para o Brasil o pai, Antônio Ribeiro Paiva, e o irmão Manuel Joaquim Henriques de Paiva, de apenas 17 anos de idade (Dias, 1959DIAS, José Lopes. Duas cartas inéditas do Dr. José Henriques Ferreira, comissário do físico-mor e médico do vice-rei do Brasil, a Ribeiro Sanches. Imprensa Médica (separata). 1959., p.2-3).

A primeira estada do jovem irmão em terras do Brasil foi curta, retornando para Portugal, em 1772, pouco tempo depois da fundação da Academia Científica, para ingressar na Universidade de Coimbra, onde se formou em medicina, em 1781. Henriques de Paiva, além de atuar como médico, químico e ocupar diversos cargos e funções em Portugal e no Brasil,2 2 Manuel Henriques de Paiva foi demonstrador de química e história natural na Universidade de Coimbra, sócio, juntamente com o irmão e o pai, da referida Academia Científica, ocupando o posto de diretor de farmácia; foi, igualmente, sócio da Academia Real das Ciências de Lisboa, da Academia Real das Ciências da Suécia e da Academia Real de Medicina de Madri; ocupou as funções de médico da Casa Real e deputado ordinário da Real Junta do Proto-Medicato. Em 1808, foi preso por ordem do secretário de Estado dos Negócios do Reino, por ser considerado partidário das ideias napoleônicas, e, em 1809, foi sentenciado a cumprir degredo no Ultramar, ocasião em que regressou ao Brasil. De volta aos trópicos, Henriques de Paiva reconstituiu sua carreira; ocupou, em 1820, a cadeira de Matéria Médica e Farmácia no Colégio Médico-Cirúrgico da Bahia e aqui permaneceu até o fim da sua vida. Cf. Morais, Dias (1955, p.232-250); Araújo (2017, p.99); Filgueiras (1991); Marques (2005); Paiva (2015). escreveu, editou e traduziu uma vasta obra sobre medicina, química, farmacopeia, botânica e história natural, e foi o principal organizador e divulgador da obra do irmão (Pita, 1996PITA, João Rui. Farmácia, medicina e saúde pública em Portugal (1772-1836). Coimbra: Minerva. 1996., p.177), esforçando-se para tornar públicos estudos como Discurso crítico em que se mostra o dano que tem feito aos doentes, e aos progressos da medicina em todos os tempos, a introdução, e uso de remédios de segredo, e composições ocultas, não só pelos charlatões, e vagamundos, mas também pelos médicos, que os têm imitado, publicado com José Henriques Ferreira, em 1785, e a Dissertação sobre a cochonilha... (Ferreira, 1772FERREIRA, José Henriques. Dissertação sobre a cochonilha. História do seu descobrimento na América Portuguesa, escrita por José Henriques Ferreira, médico pela Universidade de Coimbra e sócio da Academia de Suécia etc. etc. Oferecida Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Marquês de Anjeja do Conselho de Sua Majestade Fidma. Presidente do Real Erário, inele seu Lugar Ten. e Inspetor da Marinha etc. etc. etc. BR RJANRIO RD.0.DAG.41 (Arquivo Nacional, Rio de Janeiro). [s.l.]: [s.n.] 1772.), trabalho que alimentou o manuscrito História da cochonilha no Brasil... (Ferreira, s.d.), em que trata do modo de cultivar, propagar e colher um inseto que produzia uma substância “avermelhada”, muito rentável no mercado têxtil europeu pelas suas propriedades corantes, que passou a despertar o interesse comercial português, especialmente na segunda metade do Setecentos.

Assim, os estudos sobre a cochonilha no Brasil foram sistematizados com as pesquisas de Henriques Ferreira, no auge da chamada política fomentista3 3 Arno Wehling (1977, p.171) destaca que o apogeu “da política fomentista em relação ao anil e à cochonilha situou-se entre 1769 e 1790”. portuguesa, e resultaram na mencionada Dissertação sobre a cochonilha... (Ferreira, 1772FERREIRA, José Henriques. Dissertação sobre a cochonilha. História do seu descobrimento na América Portuguesa, escrita por José Henriques Ferreira, médico pela Universidade de Coimbra e sócio da Academia de Suécia etc. etc. Oferecida Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Marquês de Anjeja do Conselho de Sua Majestade Fidma. Presidente do Real Erário, inele seu Lugar Ten. e Inspetor da Marinha etc. etc. etc. BR RJANRIO RD.0.DAG.41 (Arquivo Nacional, Rio de Janeiro). [s.l.]: [s.n.] 1772..) Até então, a produção e o comércio do corante extraído da cochonilha utilizado em Portugal e em suas possessões eram realizados pelos espanhóis no México,4 4 A propósito da cultura da cochonilha na América e sua importância para o comércio dos impérios português e espanhol, conferir o estudo da historiadora Ana Filipa Albano Serrano (2017). como bem lembra Henriques Ferreira no estudo aqui transcrito, a saber: “os castelhanos, que não têm os olhos mais perspicazes que nós, souberam fazer dos produtos da História Natural da sua América um negócio de muito rendimento para eles e de muita utilidade para a Europa” (Ferreira, s.d., fl.33). Daí a importância conferida pelos irmãos e pelo próprio vice-rei do Brasil às pesquisas, ao cultivo e à utilidade da cochonilha na América portuguesa (Relatório..., 1812RELATÓRIO... Relatório do marquês de Lavradio, vice-rei do Rio de Janeiro, entregando o Governo a Luiz de Vasconcellos e Souza, que o sucedeu no vice-reinado. Revista Trimensal de História e Geografia, ou Jornal do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro. t.4. 1812., p.473-474), pois, se a cultura fosse bem-sucedida, os portugueses não precisariam adquirir o corante de estrangeiros, estimulando a produção local, o seu comércio e, por conseguinte, o aumento da riqueza do Estado português.

Além dos benefícios econômicos que tal estudo poderia trazer para Portugal e sua principal colônia – vantagens que conferem à História do descobrimento da cochonilha no Brasil... um lugar importante nas produções científicas a serviço do Reino –, outro mérito da obra esteve nas notas de rodapé, grande parte delas produzida por Henriques de Paiva na edição do manuscrito aqui transcrita, em que é possível encontrar um verdadeiro histórico dos estudos sobre a cochonilha, e mesmo de história natural, até aquele momento. O esforço do irmão mais novo para dar a conhecer esse produto era tamanho, que, em suas exaustivas notas, é possível encontrar desde afirmações como as de Pierre Pomet (1658-1699), farmacêutico francês o qual, na sua História geral das drogas (de 1694), dizia ser a cochonilha uma semente, ou as do naturalista holandês Anton van Leeuwenhoek (1632-1723), que, num primeiro momento, também definiu a cochonilha, depois de observá-la no seu famoso microscópio, como um fruto; passando por Charles Plumier (1646-1704), monge botânico francês que, na Descrição das plantas da América (de 1693), declarou ser a cochonilha um vivente; até as definições mais claras de cronistas espanhóis como Francisco Hernández de Toledo (1517-1587), padre José de Acosta (1539-1600) e Antônio de Herrera (1559-1625) e de outros homens de ciências como Nicolaas Hartsoeker (1656-1725), Philipe de La Hire (1640-1718) e Étienne Louis Geoffroy (1725-1810). Sem esquecer, é claro, a classificação de Carl von Lineu (1707-1778) no seu célebre Systema Naturae, de que Paiva chega a questionar algumas definições do conhecido naturalista sueco referentes à classe e ao corpo do inseto.

As tentativas de publicação dos estudos sobre a cochonilha, ou partes deles, portanto, não foram poucas. Em 1774, o próprio Henriques Ferreira exprimia o desejo de imprimir sua Dissertação sobre a cochonilha..., com o intuito de difundir com mais eficácia as propriedades da cochonilha produzida no Brasil e as instruções para o seu desenvolvimento no reino e na colônia.5 5 Em carta de 1774, enviada do Rio de Janeiro a Lisboa para seu tio e médico Antônio Ribeiro Sanches, José Henriques Ferreira faz a seguinte afirmação acerca da sua dissertação: “Ultimamente este ano descobrimos a cochonilha em Santa Catarina e Rio Grande, que não sabiam o que era, ainda que as mulheres tingiam saias e lenços como lá; e a planta onde se criam os tais bichos remeti para Lisboa e aqui tenho no meu quintal a planta que me remeteram de Santa Catarina, na qual há poucos dias vi nascer, com grande gosto meu, muitos bichinhos, e depois de feitas mais algumas averiguações faço tenção [de] publicar sobre ela uma dissertação, pois o que muitos naturalistas têm escrito a respeito do modo da sua produção é errado e muito à parte” (Dias, 1959, p.9). No entanto, foi Henriques de Paiva quem buscou levar a cabo tal empreitada. Embora não seja possível afirmar a data precisa da elaboração da História do descobrimento da cochonilha no Brasil..., é provável que Henriques de Paiva tenha realizado a organização e a revisão da obra do irmão entre 1774 e 1801, período em que exerceu os cargos de demonstrador real da química (1773-1777) e de professor da cadeira de farmácia na Universidade de Coimbra (1801), atividades descritas na folha de rosto daquele que acreditamos ser o manuscrito original da obra, localizado no Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT) (Ferreira, s.d.). Há, aliás, outro manuscrito da História do descobrimento da cochonilha no Brasil... sob a guarda da Academia das Ciências de Lisboa (ACL), que, muito provavelmente, é uma cópia revisada para ser impressa na coleção de memórias dessa instituição (Ferreira, 1780-1811). Apesar de essa versão não conter datação, sabemos que está anexada ao conjunto de memórias “que não tiveram lugar nas coleções da Academia” elaboradas entre 1780 e 1811. Ademais, encontramos a mesma referência presente no manuscrito do ANTT aos cargos exercidos por Henriques de Paiva, o que nos leva a crer que a cópia foi redigida pouco tempo depois do manuscrito original.

Ao compararmos os dois manuscritos mencionados da História do descobrimento da cochonilha no Brasil... e o da Dissertação sobre a cochonilha..., de 1772, notamos que a versão do ANTT é a mais completa, contendo não só as notas de rodapé elaboradas por José Henriques Ferreira, como também aquelas formuladas por Manuel Henriques de Paiva. Além disso, o manuscrito do ANTT reproduz a mesma dedicatória ao marquês de Angeja (1716-1788), presente na Dissertação sobre a cochonilha..., solicitando a proteção necessária para a impressão. Tal dedicatória, vale destacar, talvez tenha sido suprimida no manuscrito da ACL pelo simples fato de que, àquela altura, este seria impresso nas Memórias organizadas pelos membros da Academia e, portanto, já não demandava a busca de um patrono. Ainda sobre nossa proposição de que a versão da História do descobrimento da cochonilha no Brasil... localizada na ACL seja uma cópia, é importante mencionar que, na escrita, encontramos palavras e frases invertidas e algumas passagens suprimidas ou complementadas, demonstrando, assim, tratar-se de uma transcrição do documento do ANTT.

Nos séculos seguintes ao manuscrito, pois, foram localizados alguns poucos fragmentos publicados da História do descobrimento da cochonilha no Brasil.... O mais citado entre os estudiosos, e frequentemente confundido com uma transcrição desse documento, é o Sumário da História do descobrimento da cochonilha no Brasil, publicado por Henriques de Paiva, em 1814, no jornal O Patriota (Paiva, 1814PAIVA, Manuel Henriques de. Sumário da história do descobrimento da cochonilha no Brasil, e das observações que sobre ela fez no Rio de Janeiro o dr. José Henriques Ferreira, médico do vice-rei o marquês do Lavradio. O Patriota, n.1. jan.-fev. 1814., p.3-30). Esse Sumário..., como o próprio título sugere, tinha como propósito sintetizar os principais aspectos da história da cochonilha no Brasil. Uma centúria depois, foi publicada uma obra intitulada Coleção de opúsculos sobre a cochonilha. Esse documento da Biblioteca Nacional de Portugal (BNP) – sem data precisa, local e editor – possui apenas alguns trechos da Dissertação sobre a cochonilha... (Ferreira, 19--) de Henriques Ferreira; o restante provavelmente se perdeu. Assim, malgrado os esforços empreendidos por Henriques de Paiva e pelo próprio Henriques Ferreira, o trabalho na íntegra sobre a cochonilha, ou melhor, a História do descobrimento da cochonilha no Brasil... permanecia ainda em manuscrito.

O documento que o leitor encontrará a seguir é, portanto, a edição inédita, modernizada e completa da História do descobrimento da cochonilha no Brasil..., elaborada a partir do cotejamento de dois manuscritos organizados por Manuel Joaquim Henriques de Paiva entre o final do século XVIII e o alvorecer do XIX.6 6 Optamos por modernizar a linguagem dos manuscritos cotejados a fim de tornar a leitura da presente edição mais fluida. No entanto, tivemos sempre a preocupação de preservar as peculiaridades dos documentos. As inclusões de palavras, frases e símbolos foram sinalizadas e justificadas nas notas de rodapé. Tal edição baseou-se, pois, na transcrição do manuscrito matriz existente no ANTT e na inclusão de algumas passagens modificadas ou acrescentadas pelo editor da obra, e existentes apenas no documento da ACL.

[fl.1] História do descobrimento da cochonilha no Brasil, da sua natureza, geração, criação, colheita e utilidades. Escrita por José Henriques Ferreira, filósofo, médico, sócio e correspondente da Academia Real das Ciências da Suécia, sócio da Academia Real de Medicina de Madri, presidente e fundador da Academia de Medicina e História Natural do Rio de Janeiro. <Publicada e anotada> por <seu irmão>1 1 Os trechos destacados com as aspas angulares não existem no manuscrito original da Torre do Tombo, apenas no documento da Academia das Ciências de Lisboa. Cf.: Historia do Descobrimento da Coxonilha no Brazil da sua natureza geração, Creação, colheita, e utilidades. Escripta por Jozé Henriques Ferreira Filozofo, e Medico Socio e correspondente da Academia Real das Sciencias da Suecia Socio da Academia Real da Medicina de Madrid Prezidente, e Fundador da Academia de Medecina e Historia natural do Rio de Janeiro. Publicada, e anotada por seu Irmão Manoel Joaquim Henriques de Paiva Socio das mesmas Academias, Demonstrador Real da Chimica, e Mestre do Laboratorio na universidade de Coimbra, Professor ordinario de Farmacia, e Chimica Etc. In: Memorias de Fizica, e Economicas que não tiveram lugar nas coleçoens da Academia. Tomo 2. Manuscritos da Série Azul. Ms. n.374, fl.315-347 (Academia das Ciências de Lisboa). [Vários locais]. s.n. 1780-1811. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.) Manuel Joaquim Henriques de Paiva, sócio das mesmas academias, demonstrador real da química, mestre do Laboratório Químico na Universidade de Coimbra, e professor ordinário de Farmácia e Química.

[fl.2] Ao ilustríssimo e excelentíssimo senhor D. Pedro José de Noronha Camões, marquês de Angeja, do Conselho de Guerra e do de sua majestade fidelíssima, gentil homem da sua câmara, tenente general dos exércitos, presidente do Real Erário etc.

Torna a buscar a proteção de vossa excelência este papel, que o seu autor teve a honra de dedicar à vossa excelência, posto que com algumas notas, e poucas emendas, que julguei necessárias. Porque, cuidando de dá-lo à luz pública, e considerando que levaria em frente impresso para maior honra do seu autor, e crédito da obra, o [fl.2v] respeitável nome de vossa excelência, julguei ser indispensável obrigação publicá-lo com toda a perfeição que me fosse possível. Por estas razões, pois, tive a ousadia de mudar coisas em um trabalho, que não é meu, visto que religiosamente lhe conservo até as palavras do autor. Os poucos subsídios que ele achou numa matéria quase nova, pela pouca exatidão com que os antigos e modernos escritores a trataram, e por escrever em um país remoto, onde faltam às vezes os livros de uma erudição mais curiosa, fizeram com que este trabalho de seis anos de contínuas e trabalhosas averiguações necessitasse ainda da última perfeição; e esta foi o objeto do meu trabalho, que tenho a honra de dedicar à vossa excelência, como que de juro lhe é devido. Porque ainda que as ilustres qualidades e virtudes que à vossa excelência adornam, [e]2 2 Utilizamos os colchetes para atualizar os nomes abreviados no manuscrito original do ANTT, para acrescentar palavras que deem um melhor sentido às frases desconexas, para indicar, nas notas de rodapé, a inclusão de trechos do manuscrito da ACL, bem como para apontar a paginação do manuscrito do ANTT. Os nomes citados no manuscrito serão atualizados apenas quando aparecerem pela primeira vez ou quando o autor citar um mesmo nome com grafias diferentes nas notas de rodapé e no corpo do texto. A propósito dos nomes de livros e estudos referenciados pelo autor ou editor da História do descobrimento da cochonilha no Brasil, optamos por manter a grafia original. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.) o eminente posto, a que sua majestade, que Deus guarde tão acertadamente para bem desta monarquia, elevou a vossa excelência, não fossem justíssimos credores desta oferta, razões [fl.3] as mais poderosas que me forçam a levá-la aos pés de vossa excelência.

Vossa excelência foi o primeiro que neste reino acolheu benignamente o estudo da história natural, aplicando-se a ele, não superficial, mas fundamentalmente como quem cuidava já então de receber todas as vantagens que os nossos nacionais podiam dele tirar. Não necessito de dar mais provas disto do que fazer ver o precioso gabinete de vossa excelência onde se acham não só as produções mais raras e preciosas, mas também, e principalmente, as mais úteis e interessantes da natureza. Esta razão da utilidade que deve guiar em todos os trabalhos os homens de gênio e de talento, visto que a humanidade necessita ainda de tantas coisas, fez com que vossa excelência se dignasse de escrever, no ano de 1773, ao autor desta dissertação, sobre a importante descoberta da cochonilha do Brasil, animando-o [fl.3v] a continuar o trabalho que principiava nesta matéria. Conseguiu-se, felizmente, o descobrir-se ali aquele inseto de que a nação pode tirar as grandíssimas vantagens de o não comprar aos estrangeiros e de vendê-lo, abalançando-se por este meio o comércio ativo que as mais nações conosco fazem. Razão porque espero que vossa excelência, como tão amante que é, e desejoso do bem público, não só promoverá e adiantará a cultura deste gênero, mas também honrará com a sua proteção e afeição o seu inventor naqueles países. E se para a execução disto, ou de outra qualquer coisa semelhante, couber na minha inutilidade o concorrer de alguma sorte, vossa excelência me dará as ordens e determinará ao seu mais obrigado e fiel criado.

M.J.H.P. [Manuel Joaquim Henriques de Paiva]

[fl.4] Introdução

Seria supérfluo entreter ao leitor com este pequeno discurso se nele me propusesse só fazer-lhe recomendável a pequena obra, que lhe ofereço acerca da cochonilha, pois, além de que os leitores sensatos não estimam, nem avaliam as obras pelos prólogos, a utilidade da matéria é tão importante e vantajosa que só o frontispício atrairá a curiosidade das pessoas inteligentes. Ninguém ignora os conhecimentos pouco exatos que sobre este gênero tão importante tem ainda as pessoas mais instruídas. Porque, ainda que desde os tempos do seu descobrimento no México houvesse quem reconhecesse ser esta droga vivente, não faltou quem muito depois o negasse, e que é mais fundado, a seu parecer, em observações: isto pelo que pertence à sua natureza. Pelo que respeita, porém, à geração deste vivente, às suas metamorfoses, ainda é mais notável a ignorância que havia, não cuidando os naturalistas em indagar mais a matéria, por se contentarem talvez com [fl.4v] as notícias pouco verídicas, ou pouco exatas, que se encontram nos dicionários de drogas do comércio de história natural.

Nesta obra, pois, acharão os leitores, descrito com toda a veracidade e observação de seis anos, o que o trabalho pôde alcançar na matéria, sem se calarem os enganos em que o autor caiu algumas vezes, o que tudo servirá não só de guiar o naturalista novo observador, mas de advertir aos mais adiantados e proveitos, que as pessoas mais perspicazes e sagazes podem cair em descuidos consideráveis.

E se esta averiguação, ainda olhada simplesmente com os olhos de naturalista, interessa aos homens sábios das nações cultas que empregam os seus trabalhos na indagação da natureza, propondo-se somente conhecerem as suas admiráveis produções, de que proveito não será para nossos nacionais, que dela poderão receber frutos, se não mais, ao menos [fl.5] igualmente vantajosos?

Do corpo da obra se verá que nós possuímos esta droga tão preciosa, que por si só poderá abalançar consideravelmente o comércio passivo que temos com muitas nações da Europa. Ver-se-á com quanta facilidade e pouco custo se pode criar, propagar e recolher este gênero não só nos vastíssimos e férteis países do nosso Brasil, mas ainda em Portugal. Do que tudo se vê, que esta obra não é da classe daquelas que sem utilidade e com vergonha nossa inundam o público. E quanto deve a nação portuguesa ao seu autor, que incansavelmente trabalhou sem maior esperança, que a de servir e ser-lhe útil. Este mesmo motivo, além de outras razões mais estreitas da amizade e reconhecimento, pois, a nosso pai e a ele devo os poucos conhecimentos que tenho de filosofia, história natural, química, [fl.5v] Farmácia e Medicina, que eles ainda antes da reforma pública das letras neste reino o nutriam perfeitamente e ensinavam. Estas razões, digo, me obrigaram a dá-lo ao público com algumas notas. Espero que seja recebido com a estimação que merece uma matéria tão importante e útil, e de que a faz credora o grande desejo com que o autor se interessa nas utilidades de Portugal e aumento das ciências, e eu em agradar e servir aos meus compatriotas.

[fl.6] Primeira seção

Descobrimento da cochonilha no Brasil

A cochonilha é uma droga que os espanhóis transportam do México, onde se produz com abundância em forma de pequenos grãos rugosos, de figura muito irregular, chatos por uma parte e convexos pela outra, e de cor vermelha escura tirando para roxo.3 3 [fl.6] Temos no comércio três espécies desta droga, a que se dão diferentes nomes. Chama-se cochonilha jaspeada, a que é de cor esbranquiçada ou prateada assente em vermelha, e esta se tem por melhores. Aquela que é de cor fusca tirando pelo vermelho se chama cochonilha renegrida, e é inferior à jaspeada. Cochonilha negra finalmente se diz a que é de cor fusca ou negra, e é a mais inferior. Qualquer destas espécies amolecida em água ou vinagre, e examinada pelo microscópio, mostra que o seu corpo é formado de muitos anéis ou rugas transversais, semelhantes às dos mais insetos. Algumas vezes se distingue nos mesmos corpos pernas inteiras com as suas juntas ou pedaços das mesmas pernas. (Nota de M.J.H. de Paiva.) [fl.6v] Até agora se julgou que o México era o único país onde ela crescia, e que só os castelhanos eram os possuidores deste grande tesouro, sendo disto causa o nosso descuido e a nossa ignorância, pois nessa nossa América Portuguesa se produz em muita abundância, e se acha se não em toda, em muita parte dela,4 4 [fl.6v] O P. Plumier [Charles Plumier] nos assegura que ele achara esta droga na Ilha de São Domingos sobre as acácias, cajueiros, pitangueiras e outras árvores. Du-Hamel [Henri-Louis Duhamel du Monceau], médico residente na mesma Ilha certifica o mesmo; e o Padre Labath [Jean-Baptiste Labat] nas suas viagens às ilhas da América, tom. IV, pág. 39 e seguintes, pretende que a cochonilha do México é comum nas ilhas de São Domingos, onde a vira. Porém, depois de exatas averiguações feitas sobre a pretendida cochonilha, se decidiu que nem era a do México nem do mesmo gênero; logo, diz bem o autor que até agora só os castelhanos <são julgados os possuidores dela> [Manuscritos da Série Azul. Ms. n.374, fl.319v, Academia das Ciências de Lisboa]. (Nota de M.J.H. de Paiva.) o descobrimento da qual pouco tempo há que foi feito, e referirei quando e por que meios aconteceu.

[fl.7] No dia 18 de fevereiro do ano de 1772 se deu princípio a uma Academia de História Natural, Medicina etc., nesta cidade do Rio de Janeiro, a qual eu, com outros sócios curiosos e desejosos de saber, erigi debaixo da proteção do ilustríssimo e excelentíssimo marquês do Lavradio, vice-rei do Estado do Brasil;5 5 [fl.7] Este excelentíssimo vice-rei, amante das Ciências Naturais, conhecendo a necessidade que havia delas no Brasil, e que ali promovidas produziriam utilidades maiores do que o mesmo ouro, propôs ao autor e a seu pai, a precisão que havia de estabelecer-se naquele país uma Academia da qual fosse o objeto a Medicina, a História Natural, a Química etc. Esta proposta lhe pareceu tão justa, e a todos aqueles a quem se comunicou, que em breve tempo se associaram muitas pessoas instruídas, as quais se ofereceram a todo o trabalho e despesa. Celebrou-se, enfim, a primeira sessão da Academia a 18 de fevereiro de 1772, na sala do palácio do excelentíssimo vice-rei, e na sua presença e de um numeroso concurso de pessoas de toda a qualidade, [fl.7v] recitaram os diretores da mesma Academia cinco eruditas orações sobre a Medicina, Anatomia, Cirurgia, História Natural, Química e Farmácia; continuou, depois, a Academia a celebrar as suas sessões ou assembleias nas quintas-feiras em casa, e nos sábados no horto botânico, e com tal ardor que em muito pouco tempo os seus sócios (apesar de terem certeza de que nem seriam atendidos, nem se olharia para a estabelecida Academia), leram e ofereceram à Academia um grande número de dissertações eruditíssimas sobre todas as matérias, e descobriram muitas coisas até então desconhecidas. (Nota de M.J.H. de Paiva.) e tratando-se nela várias matérias pertencentes ao seu objeto, [fl.7v] apresentando cada um dos sócios aquelas que achava e de que tinha notícia. O cirurgião-mor do primeiro regimento desta praça do Rio de Janeiro, Maurício da Costa,6 6 [fl.7v] Este é o autor do apêndice seleto, a 3ª parte da Tubalense, e entre os sócios da Academia se distinguiu muito porque além de recitar no dia da abertura, leu orações sobre a Cirurgia e Anatomia, leu em todas as sessões dissertações e apresentou na Academia muitos produtos, um dos quais é o azougue achado naquele país. (Nota de M.J.H. de Paiva.) referiu, em uma sessão da mesma Academia, que viajando pelo continente do Rio Grande [fl.8] de S. Pedro, no tempo em que se determinou fazer a demarcação da América Portuguesa com a Espanhola <– governando no Rio de Janeiro Gomes Freire de Andrade, Conde de Bobadela –>7 7 Manuscritos da Série Azul. Ms. n.374, fl.320v, Academia das Ciências de Lisboa. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.) com um castelhano, com quem caminhava de companhia, e que tinha estado no México, lhes mostrara a cochonilha sobre as plantas opuntias que havia em abundância por todo aquele terreno.

Outros cuidados e embaraços fizeram que não atendesse muito a esta matéria, nem averiguasse mais nada sobre ela, <julgando à primeira vista ser seminis de muitas aranhas que estão sobre as plantas,>8 8 Manuscritos da Série Azul. Ms. n.374, fl.321v, Academia das Ciências de Lisboa. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.) mas nunca perdendo isto da memória, fizera algumas vezes diligência por achar a mesma cochonilha sobre as plantas que crescem aqui no Rio de Janeiro e pelas suas vizinhanças e recôncavo, mas que nunca a encontrara.

Isto ouvido por todos os sócios fez excitar neles o desejo de verem esta produção natural tão interessante, e, para melhor se certificarem da sua existência no nosso país, por mim, como presidente da Academia, foi encarregado o dito sócio Maurício da Costa, que fizesse toda a diligência para a apresentar na mesma Academia. E ele o executou tão prontamente que, passados alguns meses, [fl.8v] apresentou uma pequena quantidade dela quanto foi bastante para se conhecer que era a própria; esta se entregou ao excelentíssimo vice-rei, que a remeteu para a corte.

A distância do lugar e a dificuldade da condução da planta quase fizeram perder de vista a esperança de que aqui a pudéssemos ver propagada. Francisco José da Rocha, sargento-mor de Dragões do Rio Grande, que se achava naquele continente, remeteu ao excelentíssimo vice-rei vários papeis pintados e escritos com a cochonilha, dando notícia que havia lá aquela tinta, de que se serviam os rapazes para escrever e pintar, ignorando o que era; a isto lhe respondeu o excelentíssimo vice-rei, e eu também lhe escrevi, que era a cochonilha, recomendando-lhe a remetesse e fizesse apanhar, e que demonstrasse a todos aqueles habitantes a utilidade que podiam tirar desta produção.

Neste tempo foi mandado [fl.9] retirar do Rio Grande o dito sargento Francisco José da Rocha, por ser nomeado governador da fortaleza de Santa Cruz na barra desta cidade, e voltou o governador José Marcelino de Figueiredo que tinha sido mandado vir para esta cidade pelo excelentíssimo vice-rei. A este recomendei a mesma cochonilha, e dei algumas instruções a este respeito, mas nunca me escreveu, nem deu notícia alguma sobre esta matéria.

Chegou, enfim, a esta cidade Francisco José da Rocha, e nela se demorou alguns meses, nos quais falei com ele muitas vezes sobre este objeto e suas utilidades. E sendo depois mandado pelo excelentíssimo vice-rei para a Ilha de Santa Catarina, e nela incumbido de várias diligências a respeito da sua defesa e cultura, por cuja causa se demorou na mesma ilha, e viajou pelos seus terrenos, e por muitas partes da terra firme, nele achou a cochonilha nas plantas que tinha visto no Rio Grande, e de que já [fl.9v] tinha todas as notícias e recomendações. Ele a remeteu logo ao excelentíssimo vice-rei, e a planta transplantada em um caixão com alguma cochonilha pegada nela, e a mim uma pequena caixa com a mesma: esta planta assim me foi entregue pelo excelentíssimo vice-rei muito desejoso de que tudo se propagasse. Eu, com sumo gosto, me incumbi desta diligência e, reservando-a por algum tempo em casa, a fiz depois transplantar para o horto botânico da Academia,9 9 [fl.9v] É na cerca do colégio que foi dos jesuítas, e que hoje serve de hospital militar. Esta cerca se achava inculta, mas à custa do excelentíssimo vice-rei e pelo cuidado do coletor Antônio José Castrioto, está hoje um agradável e útil jardim onde se cultivam muitas plantas. (Nota de M.J.H. de Paiva.) do qual se propagaram outras para diferentes partes, <incumbindo essa diligência ao sócio coletor encarregado de cuidar do horto Antônio José Castrioto, e logo que estas se multiplicaram, se extraíram para diferentes outras partes>10 10 Manuscritos da Série Azul. Ms. n.374, fl.322, Academia das Ciências de Lisboa. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.) e juntamente a mesma cochonilha que nelas se tinha produzido.

Mandei depois por a planta, que aqui se achava natural no Rio de Janeiro, junta à outra de Santa Catarina, da qual [fl.10] tem alguma diferença específica, para ver se a cochonilha se passava para ela e se criava igualmente que na outra, não só por ser pequena e pouca a que tinha sido remetida da ilha, mas também para propagar mais a cochonilha se acaso pegasse nesta: assim sucedeu. A cochonilha repassou e produziu muito mais na planta do Rio de Janeiro do que naquela. Espalhei-a depois por todas as que por aqui se achavam e nelas está propagada abundantemente, ainda que não tanto como pode ser e deve promover-se.

O ilustríssimo e excelentíssimo vice-rei logo recomendou e ordenou ao dito Francisco José da Rocha que cuidasse em fazer propagar muitas mais plantas para maior criação e colheita da cochonilha na Ilha de Santa Catarina. A mesma ordem teve o <governador dela Pedro Antônio da Gama e Freitas,>11 11 Manuscritos da Série Azul. Ms. n.374, fl.322v, Academia das Ciências de Lisboa. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.) o qual continuou a mandar para aqui a dita planta que se tem propagado neste terreno, e ultimamente foi mandado o sócio e secretário da Academia Luís Borges Salgado, <pelo mesmo excelentíssimo vice-rei>,12 12 Manuscritos da Série Azul. Ms. n.374, fl.322v, Academia das Ciências de Lisboa. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.) com as instruções que lhe dei a este respeito, instruções ex vi das quais remeteu [fl.10v] alguma cochonilha boa e bem preparada na forma que vem do México.

A notícia deste descobrimento que aqui comuniquei a José Clarque Lobo, tenente coronel de um regimento da Bahia, ao qual participei <a importância desta matéria>;13 13 Manuscritos da Série Azul. Ms. n.374, fl.322v, Academia das Ciências de Lisboa. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.) ele a mandou para esta cidade com recomendação de que fizessem a diligência para acharem lá a cochonilha, mandou-lhe os sinais para a conhecerem. Correspondeu o efeito à diligência, quase passado pouco tempo veio a notícia de ter aparecido no recôncavo da mesma cidade.

O pouco tempo que estive na Bahia, ao ter lido em Pison [Guilherme Piso] que a cochonilha não se achava na América Portuguesa,14 14 [fl.10v] Haec species Tunae in Nova Hispania profert Cochinillam, quae tamen hic locorum sedulo indagantibus nunquam apparuit. Pison, Hist.Bras. p.190. fez que não a procurasse; e como nunca sai fora dela, foi a causa de não a encontrar, o que poderia suceder facilmente.

É, pois, esta a verdadeira história do descobrimento da [fl.11] cochonilha neste país, e dos meios por que ele se obteve. Continuarei agora com a descrição das plantas em que se produz, e depois passarei a referir as observações muito circunstanciadas que fiz sobre a cochonilha para vir no conhecimento da sua geração, e para os quais me foi preciso muita paciência e muito tempo por causa da pequenez e tenuidade do objeto, e da confusão e pouca certeza com que todos aqueles autores que escreveram dela a referem.

Segunda seção

Das plantas em que se cria a cochonilha

A planta de Santa Catarina, de que se nutre a cochonilha, é chamada por Lineu [Carl von Lineu] Cactus Luna, aquela, porém, que nasce no Rio de Janeiro, para a qual se passou a cochonilha e em que se propagou com maior vantagem, se chama pelo mesmo Lineu Cactus opuntia: ambas elas e outras do mesmo gênero se conhecem [fl.11v] aqui pelos nomes de gerumbela, orumbela e, em Portugal, pelo de figueira da Índia. Descreverei, pois, estas duas espécies com toda a clareza necessária para me entenderem os que não sabem botânica, e os professores da arte me desculpem o apartar-me das genuínas leis das descrições15 15 [fl.11v] Descriptio compendiosissime, tamen perfecte, terminis tantum artis, si sufficientes sint partes depingat secundum Numerum, Figuram, Proportionem, Situm, isto é, a descrição deve decifrar breve e perfeitamente com os termos só de arte se são suficientes as partes segundo o número, proporção, figura e situação. Linn. Philos. Bot. Aph. 229. Descriptio ordinem nascendi sequatur, isto é, as partes das plantas devem descrever-se segundo a ordem que guardam ao nascer. Aph. 230. As outras leis devem ver-se no cap. VIII. Phil. Bot. Linn. que eu deveria individualmente observar, se a presente dissertação não fosse dirigida para toda e qualquer qualidade de pessoas.

[fl.12] A planta do Rio de Janeiro (tab. 1a F. 1a)16 16 Nas duas versões do manuscrito há referência a uma tabela (não localizada) que, provavelmente, fazia menção detalhada às informações sobre a cochonilha apresentadas no texto. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.) tem as raízes fibrosas, delgadas e pequenas. O tronco ou antes talo é redondo, polposo, de 30 polegadas pouco mais ou menos em circunferência; mas quando a planta é nova não se distingue o dito talo, e em seu lugar estão as chamadas folhas nascidas umas das outras.

As folhas17 17 [fl.12] Chama-lhe folhas por usar da frase comum, pois na realidade o não são: e seria mais próprio chamar-lhe ramos o tronco nu a toda a planta. são ovadas, largas, compressas, carnosas, recortadas pela circunferência, cheia de grandes espinhos, mais delgados para as pontas, muito duras, de cor cinzenta e na ponta mais escura.18 18 [fl.12] Usam as mulheres destes espinhos em lugar de alfinetes, e são tão duros que furam a sola. Além destes espinhos tem outros muitos miúdos e imperceptíveis à vista, mas que se percebem com o tato, e farpados,19 19 [fl.12] Por esta razão se não podem tirar das mãos, é necessário muito tempo, e produzem uma comichão grande. porém ambas [fl.12v] estas espécies de espinhos faltam nas folhas quando são novas, e em seu lugar tem uns pequenos botões, donde vêm a nascer os grandes espinhos. As folhas estão pegadas e articuladas umas com as outras com regularidade e comumente duas a duas.

O cálice, perianto, é de uma só peça, ou folha cavada à maneira de canudos, assentada sobre o gérmen, cheio de pequenas folhas ou escamas.

A corolla petulos ou folhas da flor são onze, e algumas vezes mais, outras menos; obtusas, largas, de cor amarela desmaiada, notadas longitudinalmente com uma linha ou raio vermelho. As pétalas externas são mais curtas e as internas maiores.

Os estambres: os seus filamentos são muito adelgaçados para as pontas e enxeridos pela parte inferior à parede externa do cálice; as antenas são oblongas, apoiadas pelas suas bases no ápice ou extremidade dos filamentos.

O pistilo: o seu gérmen está debaixo do tubo [fl.13] ou canudo do cálice; o estilo ou ponteiro é cilíndrico e do comprimento dos estambres.

O estigma é redondo à maneira de cabeça dividido em 5, 6, 7 partes.

O pericarpo: é uma baga cônica ao revés, mais estreita para baixo, carnuda, sucosa, com uma só cavidade cheia de substância gelatinosa de cor esverdeada; pela parte de fora é verde em partes, em outras notada de raios e manchas avermelhadas, quando é nova tem vários botões pequenos e semelhantes aos das folhas novas. A estes botões sucedem muitos espinhos delgados, e na parte superior da baga, onde estavam pegadas as pétalas, lhe fica com sinal redondo e pardo semelhante a uma coroa = G =20 20 É provável que tais símbolos e letras façam referência à tabela mencionada. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.)

As sementes: são muitas, pequenas, de figura de rim, umbilicadas = S = [e] espalhadas pela substância gelatinosa da baga.

A planta de Santa Catarina difere daquela do Rio de Janeiro em ter a folha maior, mais redonda e grossa; a baga mais [fl.13v] comprida e muito vermelha <e a parte verde mais viva>21 21 Manuscritos da Série Azul. Ms. n.374, fl.325, Academia das Ciências de Lisboa. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.) =1=, os espinhos também são maiores e mais grossos, e as pétalas mais regulares e de cores mais vivas; a semente maior, de cor arroxeada, e a figura de rim = R. S. mais perfeita.

Estas plantas nascem e se propagam em todo o terreno, muito melhor no arenoso, sabuloso e junto ao mar, pelas paredes, valados e telhados; mas nos terrenos úmidos apodrecem. Para se propagar basta enterrar uma folha ou pedaço em qualquer das ditas terras, menos na úmida, e em seis dias cresce e se multiplica, e estas pretendidas folhas podem ficar longo tempo fora da terra sem se ressecarem.

As folhas destas plantas não têm algum uso na medicina: a gente do país usa delas em banhos emolientes e, do seu fruto, que é de sabor agridoce, para comer e para fazer doce. Asseguram-me que quem come estes frutos urina cor de sangue, <do que se infere ser o suco desta planta chupado pela cochonilha, causa da sua cor vermelha>.22 22 Manuscritos da Série Azul. Ms. n.374, fl.325v, Academia das Ciências de Lisboa. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.)

[fl.14] E eis aqui finalmente as descrições das plantas em que se cria a cochonilha, e sendo a primeira. Mas dela a que veio de Santa Catarina achou a do Rio de Janeiro de tão boa nutrição e sabor, que onde acha esta deixa a outra e faz nela tanta produção que a seca e destrói logo, sendo causa disto o ser de menos sustância que a outra, por cuja causa será necessário multiplicar-se uma e outra para haver de propagar-se aqui.

Terceira seção

Da natureza, geração e transformação da cochonilha

Todos sabem – os que têm alguma, ainda que leve, notícia da história natural – que por muito tempo se ignorou, disputou, o que era a cochonilha. Julgou-se ser uma baga [fl.14v] ou excrescência da planta, do mesmo modo, que se julgava ser o kermes e outros insetos, os quais depois os naturalistas fizeram reconhecer por viventes; julgou-se também que era a semente de suas pequenas favas, e desta opinião foi Pomet [Pierre Pomet] fundado em suas cartas, que recebera de um seu correspondente da Ilha de São Domingos, e que publicou na página 32 da sua História das drogas, impressa em 1694.23 23 [fl.14v] No tempo em que o P. Plumier comunicou a P. Pomet [Pierre Pomet] uma memória em que se lhe assegurava ser a cochonilha um inseto, o correspondente de Pomet, também da Ilha de São Domingos, lhe escreveu duas cartas: na primeira lhe assegura que a cochonilha é a semente das ditas pequenas favas; e na segunda lhe ofereceu com grande confiança a planta com as mesmas favas, e escarneceu dos conhecimentos do P. Plumier. Como, pois, o talento de Pomet não era capaz de distinguir aquele charlatão do sábio Plumier, respeitou o sentimento deste e abraçou o daquele. Julgou-se finalmente que a cochonilha era a semente dos frutos de uma espécie de cactos, este sentimento confirmou Dampierre [William Dampier] na sua Viagem ao redor do mundo.24 24 [fl.14v] Leeuwenhoek [Anton van Leeuwenhoek] certificou a Mr. Heinsius [Anthonie Heinsius] que ele observara muitas vezes a cochonilha por [fl.15] meio do seu famoso microscópio, e que lhe parecia constantemente fruto de árvore e um fruto semelhante às bagas da uva de urso. Mr. Heinsius pareceu satisfeito com as suas observações e lhe escreveu dizendo que um governador da Jamaica assegurara a Mr. Boyle [Robert Boyle] que a cochonilha era um bicho que nascia sobre a figueira da Índia. Então, Leeuwenhoek confessou o seu erro, e depois de novas observações respondeu a Mr. Heinsius, que a cochonilha lhe parecia a parte de um pequeno animal, do qual a cabeça, pernas e parte dianteira tinham sido destruídos. É digno de admiração que Leeuwenhoek, a quem o uso do microscópio era tão familiar, visse tão mal a cochonilha! Parece que ele via melhor os objetos de uma indizível pequenez, do que aqueles de uma grandeza sensível. (Nota de M.J.H. de Paiva.) [fl.15] Não foi, porém, o P. Plumier [Charles Plumier] o primeiro – como tenho lido em alguns autores – que, no ano de 1692, afirmou e disse ser a cochonilha um vivente, pois o físico-mor do México Francisco Fernandes [Francisco Hernández de Toledo] – cuja história mandada escrever por Felipe II, e que saiu impressa nos anos de 1648-1654, por mandado de Felipe IV– disse ser bicho a [fl.15v] cochonilha.25 25 [fl.15v] Reperiuntur apud Mexicanos in Tunarum quodam genere Nochez nopali, seu Nopalnocheztli vocato hac sola ratione a pecorum, armentorumque injuris quibusdam in locis natura munitis, asserto, vendicatoque vermiculi rotundi, extra candidi, intra vero coccini coloris, interdum sponte ipsius naturae, interdum hominum industria, atque diligentia, semina superioris anni stato tempore Tunis admoventium, quae Indis Nocheztli, nostri vero cochinilla, fortassis a Coco, seo grano cujus species sunt, appelare solent. Cap. XLV pag. mihi 78 edit. 1754. E ainda que este espanhol escreveu em tempo no qual a história natural era um caos, e que havia a geral ignorância de que os kermes e outros desta natureza eram bagas e excrescências, não deixou de conhecer que a cochonilha é vivente, e só arrastado pela preocupação geral de se lhe dar este nome pela semelhança, e servir igualmente que os kermes para tingir as lãs usando promiscuamente de uma e outra coisa os tintureiros e pintores, arrastado, digo, afirmou pertencer a cochonilha a este gênero, ainda que por um juízo errado, e por este mesmo os naturalistas modernos a têm conservado debaixo do mesmo nome kermes assim como o mesmo nome cochonilha. Vê-se, pois, daqui, [fl.16] que não foi o P. Plumier o primeiro que deu esta nota, e que eram escusadas as dúvidas e controvérsias sobre este ponto de história natural lendo-se Hernandes [Francisco Hernández de Toledo] no Cap. 45.26 26 [fl.16] O padre José de Acosta na sua Historia Natural de Las Indias, no Liv. 4º, pág. 254-255, impresso no ano de 1590, diz: “Ay otros tunales, que aunque no dan este fruto, los estiman mucho mas y los cultivan con gran cuidado; por que aunque no dan frutas de tunas, dan empero el beneficio de la grana. Por que en las hojas deste arbol, quando es bien cultivada, nacen unos gusanillos pegados a ella, y cubiertos de cierta telilla delgada, los quales delicadamente cayen, y son la cochonilha bien afamada de las Indyas, con que tiñen la grana fina etc.” Isto mesmo, e com mais clareza e extensão, confirma Antonio de Herrera [Antonio de Herrera y Tordesillas], que no ano de 1596, foi mandado por Felipe 2º para as suas Índias, e que em 1601 publicou La Historia general das Islas, e tierras firmes del mar Oceano: diz ele na pág. 213 Liv. VIII Decad. IV da mesma obra “y siendo cosa digna de ser sabida, como se cria la grana cochonilla que se trahe de Nueva España, que en todo el mundo [fl.15v] y de tanta riqueza, y estimación, no he querido pasar sin dizerlo, pues aunque los Indios la tenian, no hazian caso della, como os castelhanos [sic] les hauian enseñado. Criase la grana en diversas partes de Nueva España, en un arbol, que llaman Tuna, que tiene la hoja mais gruessa; plantase con tres hojas, en partes abrigadas, aonde no le puede alcançar [sic] el cierço; y la cochonilha es cosa viva, a manera de guzanos redondos, del tamaño de huna lenteja, y quando se echa en el arbol es del tamaño de una pulga, e aun menos, y nace semilla del gusano quando esta lleno, y rebientan hijuelos, que son como aradores, y estas enxambran todo un arbol y un huerto de grana etc.” Vê-se, logo, destas ditas autoridades, que muito antes se conheceu por vivente a cochonilha. (Nota de M.J.H. de Paiva.) [fl.16v] Todos finalmente assentaram com certeza que a cochonilha é um vivente,27 27 [fl.16v] E quando? Não obstante a autoridade de [fl.17] Hernandes [Francisco Hernández de Toledo], de Acosta [José de Acosta], de Herrera, e as decisões de Mr. Harsoeker [Nicolaas Hartsoeker] em 1694, de la Hire [Philippe de La Hire] em 1704, e de Geoffrey [Claude-Joseph Geoffroy] em 1714, que aumentaram unanimemente depois de exatas averiguações ser a cochonilha um inseto, continuaram as controvérsias desta sorte, que chegou esta questão a ser decidida quimicamente, como se lê na dissertação de Ruuscher [Melchior de Ruuscher] impressa em Amsterdam no ano de 1729. Mr. Ruuscher disputava com um seu aluno sobre a natureza da cochonilha, este sustentava que era um fruto, e aquele um inseto. A disputa se acendeu de modo que apostaram um contra o outro. Então, eles fizeram vir provas autênticas fornecidas por testemunhas de vista na presença de um juiz e tomadas por um tabelião na Vila de Antiquera, província do México, onde se faz grande colheita de cochonilha. Depois que vieram as ditas provas autênticas se escolheram árbitros dos dois partidos e decidiram que a cochonilha é um inseto vivíparo que passa a maior parte da vida fixo à planta de quem suga pela sua nutrição: assim o depuseram todas as testemunhas. (Nota de M.J.H. de Paiva.) porém, que qualidade de vivente e o modo da sua geração se ignorou e disputou até agora: alguns autores afirmaram que era uma espécie de escaravelho, e deste sentimento foram Pet. Gaz. [James Petiver. Gazophylacii Naturae & Artis] [e] Sloan [Hans Sloane], e outros a puseram entre as aranhas, [fl.17] mas quem não vê à primeira vista que não pertence nem às escaravelhas28 28 [fl.17] Eu não o vi até o ano de 1773 em que erradamente [fl.17v] sustentei. Conta o autor que a cochonilha era a Coccionella Cacti de Lineu [Carl von Lineu] e da ordem Coleoptera, e não o nega ainda hoje Spielmann [Jacob Reinbold Spielmann] na sua Matéria Médica, pág. 398, onde afirma que a cochonilha é a Coccionella Cacti. (Nota de M.J.H. de Paiva.) nem às aranhas? Uns dizem que a cochonilha se [fl.17v] transforma do mesmo modo que as lagartas (erucas) das moscas,29 29 [fl.17v] E quem? Eu não o sei nem li. (Nota de M.J.H. de Paiva.) e neste erro estive eu por algum tempo por uma razão forte que logo referirei; outros, que não padece transformação alguma, e que gera animais semelhantes.30 30 [fl.17v] Uma das tinturas tiradas em Antiquera depois que a cochonilha não passava por metamorfose alguma, e de então para cá todos os autores afirmam o mesmo, menos o desta Dissertação que eu sigo. (Nota de M.J.H. de Paiva.) Uns, finalmente, que não têm asas algumas, de cujo sentimento é Brown [Jean Philippe Breyn], Hernandes [Francisco Hernández de Toledo], e outros que tem asas e são moscas.31 31 [fl.17v] Desta opinião é Dampierre [William Dampier], o qual assegura que a cochonilha é vivente, que ela viva são umas pequenas moscas ou insetos vermelhos, que se criam dentro de um fruto, que se abre espontaneamente, e que estes insetos os índios apanham agitando a planta em que estão, e fazendo-os cair em um pano que estendem de baixo; assegura que quando voam são vermelhos, [fl.18] quando caem, negros, e quando estão secos, brancos. Que mudança de cores em tão pouco tempo! Seriam acaso camaleões que Dampierre via? (Nota de M.J.H. de Paiva.) [fl.18] E como eu não li em algum dos autores destes sentimentos diversos uma observação exatamente descrita, nem um processo averiguado da sua geração que provasse cada uma das asserções deles, fiquei sem poder determinar-me sobre este ponto, e ignorando-o totalmente.

A leitura de Lineu, Systema Naturae, impresso em 1756, a respeito da cochonilha, posta por ele na ordem hemíptera, não me dava uma ideia clara da sua geração, vista a costumada brevidade com que este grande naturalista se explica, falando suscintamente na boca, abdômen ou barriga, e em suas asas somente nos machos.32 32 [fl.18] 188 Coccus: Rostrum pectorale/Abdomen pene setosum/Alae duae. Muito menos me podia ajustar com outra posta por ele na ordem coleóptera, tão diversa da cochonilha que eu estava vendo;33 33 [fl.18] 163 Cocionella: Antenae clavatae integrae/ Thorax cum Elytris marginatis hemisphericus. e por outras mais razões, [fl.18v] determinei fazer as observações que me fossem possíveis sobre esta matéria para adquirir a certeza dela, e foram as seguintes.34 34 [fl.18v] Na edição de Lineu citado pelo autor, não me consta que descrevesse a cochonilha de que mostramos, descreve os gêneros Coccus, Cocionella, e quem sabe em qual deles então meteria a cochonilha? (Nota de M.J.H. de Paiva.)

Remetendo Francisco José da Rocha uma caixa com cochonilha da Ilha de Santa Catarina, quando esta se abriu na presença do excelentíssimo vice-rei e outras muitas pessoas, se viram muitas moscas e cascas donde essas tinham saído A. B.:. Isto me fez logo julgar que a cochonilha se transformava e produzia do mesmo modo que [fl.19] as moscas e outros insetos desta natureza: nisto assentei firmemente e assim o comuniquei a diversas pessoas.35 35 [fl.19] Estava tão persuadido o autor de que aquelas moscas tinham sido transformadas da cochonilha, que não só me certificou isto mesmo, em 1773, mas o confirmou por carta do mesmo ano ao excelentíssimo marquês de Angeja, e remeteu ao dito senhor marquês e a mim as moscas delineadas. Eu lhe respondi dizendo que as tais moscas me pareciam de outro gênero e outra ordem, persuadido erradamente que a cochonilha era a Coccionella Cacti de Lineu. O autor se esquentou de modo com a minha resposta e razões, e estava tão preocupado com as ditas moscas, que me respondeu em carta do Rio de Janeiro, a 8 de dezembro de 1774, o seguinte: “Eu recebi uma carta do ilustríssimo e excelentíssimo senhor marquês de Angeja, mas não aquela em que me dizes que ele remete os discursos sobre a cochonilha; tomara já [fl.19v] vê-los ainda que pelo que me dizes, já vejo que são falsos, isto é, errados, assim como erram todos os que falam da cochonilha, dizendo que se não transforma; isto nasce de uma falta que é muito comum: escrever um logo precipitadamente sem toda a averiguação e aquilo que lhe forneceram as suas ideias mal fundadas, ou por informação de outros, que se persuadiam de aparência, e consequentemente os mais que leram o primeiro que adquiriu tal ou tal reputação assim o confirmam; e aqui entras tu não te querendo persuadir que aquelas moscas, que te mandei delineadas, foram transformadas da cochonilha. Ora, eu havia de dizer-te uma coisa como certa que assim não fosse? Se eu as vi sair, se eu vi outras metidas dentro e ainda embrulhadas e encolhidas, se eu ainda tenho as cascas donde elas saíram, que te hei de mandar, como queres mais que o afirme? Dito assim foi, isto assim é, e não tenhas a menor dúvida, nem te venha a memória dizer que os tais bichos serão de [fl.20] outra espécie, pois são os mesmos já vermelhos naquela pequenez, luzindo por baixo do pelo e [quando] esmagados na unha, tingem de vermelho; pelo que fica persuadido serem os mesmos que hei de observar até a sua transformação. Estou vendo e observando o que achar, direi e publicarei na Dissertação que hei de fazer sobre esta matéria, não pondo nada por verdadeiro se não o que vir incontestável, claro e patente, e o que for duvidoso e não chegar a compreender clara e distintamente assim o exporei etc. Que felicidade não seria para nós, e que progressos não fariam as ciências, se todos falassem e escrevessem com a sinceridade! Naquele tempo em que escrevia a carta citada estava tão persuadido do referido acima, e hoje pública e particularmente confessa desta e proclama os seus erros. Que poucos se acham destes! (Nota de M.J.H. de Paiva.) Quão fácil é o engano! Quanta cautela deve haver em julgar e pronunciar pelo que se vê à primeira vista! [fl.19v] Pus em minha casa um vaso com a planta [fl.20] e alguns bichos pegados nela para ver esta [fl.20v] transformação – de que não duvidava – e o modo dela; todos os dias via e observava, bicho por bicho, sem encontrar novidade a este respeito. E passado tempo considerável, que este não numerei positivamente, infinitos bichinhos andando começaram a aparecer por toda a planta, e outros juntos aos grandes de quem nasciam e saíam pela parte posterior do tamanho de um miudíssimo piolho. Vistos com microscópio se lhes distinguiam perfeitamente seis pernas vermelhas, claras e cor de carne, duas antenas36 36 [fl.20v] São aquelas pequenas barbas ou cornos móveis que se veem sobre a cabeça de todos os insetos (Nota de M.J.H. de Paiva.). brancas, o corpo vermelho, mais escuro do que as pernas, mal coberto com um pelo branco muito fino e raro, por baixo do qual se lhe percebiam muito bem as rugas e divisões; percebiam-se-lhes, também, pela parte posterior alguns pelos mais compridos e mais finos que os da teia de aranha, semelhantes na consistência ao algodão finíssimo, como se vê na letra = C =. [fl.21] Isto me fez admirar muito pela falsa esperança em que estava da transformação, e em cujo erro me fez cair a aparição daquelas moscas já mencionadas. Vendo, pois, nascer os filhos das suas mães sem mudança alguma delas, entrei a vacilar sobre esta geração, não acertando no modo dela, pois que me faltavam os machos que tivessem fecundado as fêmeas.

Lembrava-me se aquelas moscas que se tinham achado seriam os machos que Lineu afirma terem duas asas, mas, como elas todas morreram, muito menos podiam ter fecundado aquelas fêmeas e mães dos novos produzidos. Discorri finalmente que estas fêmeas tinham vindo já fecundadas de Santa Catarina, e disto fiquei persuadido, esperando desenganar-me com o tempo e outras observações, mas nunca despersuadido que a transformação, que tinha havido para aquelas moscas, deixasse de ser da cochonilha. Porém, vendo depois que muitos bichinhos daqueles se foram pegando à planta, [fl.21v] nutrindo-se e crescendo, e que passados três meses, tornaram deles a nascer muitos outros do mesmo modo que os primeiros, então me desenganei e cri que se não transformavam nas tais aparecidas moscas. Fiquei na mesma ou maior dúvida, e lembrando-me se seriam estes animais hermafroditas, não me atrevia pronunciar coisa alguma acerca desta ideia, visto o engano que tinha havido com as ditas moscas.

Julguei logo serem outros insetos aqueles de que tinham saído as moscas que vinham misturadas com a cochonilha, e este juízo fez-me confirmar uma lagarta (eruca) que depois se achou na mesma planta, cuja figura se vê na letra D. tabul. f. sua grandeza e aumento com o microscópio; e as informações, que tive de pessoas que estiveram em Santa Catarina e me certificaram terem visto a lagarta, e que era destruidora da cochonilha.

Continuei a vacilar e discorrer sem acertar, esperando que o tempo e a observação [fl.22] me fizessem conhecer a verdade da matéria. Transplantei, pois, para um vaso uma planta sem bicho algum, depois tirei da outra uns poucos recém-nascidos e os pus sobre ela em parte onde não havia mais alguma; tapei esta com uma grande manga de vidro hermeticamente fechada, que eu somente abria para lhe deitar água e deixar entrar o ar às vezes que julgava necessárias. Estes bichinhos foram caminhando, não só pela planta, mas também alguns fora dela e pela circunferência do vaso, no qual ficaram quietos sem alimentos e conservando a mesma pequenez, se fizeram todos brancos, sem o seu corpo aparecer como dantes; não se viram mais pernas, nem antenas, e tomaram justamente a figura de um casulo de bicho de seda, diverso somente na extrema pequenez e não ter sido tecido segundo pude perceber = D =; alguns semelhantes a este ficaram na mesma planta e do mesmo modo. Aqueles que não saíram dela se [fl.22v] foram cobrindo de algodão finíssimo, crescendo e engordando pouco a pouco e adquirindo a figura convexa, cochando-se-lhe o pelo cada vez mais, sem se bulirem nem moverem do lugar último em que ficavam = E =.

No mesmo tempo meti em uma pequena [manga] de vidro alguns casulinhos destes, e outros bichos daqueles sem casulos, para melhor ver e observar a toda hora o sucário com mais facilidade; e passados vinte dias achei que tinham saído de cada um destes casulos uma mosca quase imperceptível, mas que se lhe distinguiam as suas partes. Esta, vista com o microscópio, tinha o corpo vermelho claro, duas antenas da mesma cor, mais compridas que antes da transformação, compostas de nove juntas ou articulações, e semelhantes às suas pequenas contas vermelhas enfiadas em um fio branco (moniliformes); seis pernas vermelhas, duas asas membranáceas planas e estendidas sobre o corpo, e não levantadas nem unidas, brancas, pouco transparentes por causa de uma [fl.23] finíssima e quase imperceptível poeira de que estão cobertas e algumas ramificações vermelhas, duas caudas ou sedas como dois finos cabelos, compridas mais que o corpo, adelgaçadas para as pontas e curvadas ou voltadas para fora, os outros que não tomaram a figura de casulo achei-os mortos e secos. E os casulos, que antes de sair a mosca, esmagados com dedos tingiam de vermelho, depois de vazios não tingiam, e se reduziam a um pó branco como farinha finíssima misturada com um levíssimo pelo; nestes casulos, quando estavam inteiros, se via na ponta o buraquinho por onde saíra a mosca. Estas moscas viveram quatro e cinco dias dentro da caixa de vidro, e logo morreram.

A mesma transformação sucedeu naqueles que pus nas plantas dentro da manga de vidro, saindo as ditas moscas andando e voando por toda ela e por cima dos outros bichinhos que tinham ficado [fl.23v] pegados37 37 [fl.23v] Estas moscas são os machos como se prova das seguintes palavras da obra de Herrera já citada: diz ele, na pág. 213, Lib. VIII, Decad. IV: “procede (a cochonilha) de una palomita nascida del propio gusano, y esta es blanca, y engendra esta semilla, que es en gran muchedumbre, pues hinche un huerto de cien plantas, en especial en un año, que acaece auer dos, y tres cosechas de grana, y esta se entiende de la que se beneficia y cultiva etc.”. A palavra castelhana palomita que corresponde à portuguesa pombinha se deve aqui tomar por uma pequena borboleta ou mosca. Confirma-se a mesma observação do autor e de Herrera pelas palavras seguintes depostas por uma das testemunhas na presença do corregedor e referidas por Ruuscher na pág. 139-140 da sua Dissertação, e que são: [fl.24] “Sa seigneurie a dit avoir oui dire par tous ceux, qui en font métier d'élever la cochonille, que dans le temps, que la cochonille devient grosse, il marche sur elle un petit papillon, qui naît sur les mêmes nopals, et par lequel on dit que la cochonille conçoit”. A palavra francesa papillon é o mesmo que a portuguesa borboleta, e é provável que eles chamem as pequenas moscas borboletas, visto diferirem na cor e no feitio somente. Infere-se desta deposição que eles imaginavam que aquelas moscas eram de diferente natureza da cochonilha. (Nota de M.J.H. de Paiva.) e adquirido maior nutrição, aos quais se foi esta aumentando a proporção do tempo, começando a aparecer-lhe pela parte posterior uma umidade transparente, semelhante [fl. 24] a uma pequena gota de orvalho de cor acobreada clara, a qual pouco a pouco foi passando a vermelha, e esta eu julgo ser excremento deste animalzinho. E chegando ao termo de três meses, pouco mais ou menos, tornarão deles a sair os filhos, como dos outros, que tenho referido, seguindo-se em todo o mesmo processo, sem a menor diferença. E isto mesmo observei depois constantemente em todas as plantas e em todas as produções dos bichos, notando sempre serem em maior número os que se transformam, isto é, os machos.

[fl.24v] Aqueles, que ficam pegados na planta, é que são a cochonilha, que se colhe seca e prepara do modo que a vemos, e que quando nasce tem seis pés com que caminha mais ligeira que os outros que se transformam, e duas antenas se lhe perdem ou se lhe faz inútil e somem quando se pegam na planta e começam a nutrir-se, de sorte que, com o microscópio, se não percebem, nem estas partes lhe são necessárias mais do que no pouco tempo que gastam em buscar o lugar para se acomodarem e nutrirem, sendo este comumente o mais abrigado e encoberto que tem a planta.38 38 [fl.24v] O grande número destes insetos, que se pegam nas folhas das plantas juntos uns dos outros, faz que em muitas partes pareçam uns montes brancos e felpudos, e verte muito pouco do verde da folha. Fig. 1. Tanto há que admirar na natureza – e nas mínimas produções dela! O pelo branco que pouco a pouco se vai roxeando e cobrindo-lhe o corpo, bem como veludo finíssimo pela parte superior e convexa, deixa, contudo, perceber com o microscópio, e ainda com os olhos desarmados, os anéis ou separações do corpo [fl.25] destes animais. O mesmo pelo mais compacto e sólido lhe cobre a barriga, e lhe serve como de colchão, no qual se vê para a parte da cabeça um pequeno buraquinho por onde o inseto chupa o alimento e por onde está pegado à planta; e da parte de trás saem alguns pelos mais compridos que os outros e como cabelos = F =.

Tirada toda esta cobertura e cama com que se preservam das injúrias do tempo, e de muitos insetos que lhe seriam funestos, principalmente as formigas que enquanto pequenos as destroem, se percebe perfeitamente com o microscópio que o seu corpo, assim pela parte convexa e superior como pela barriga, é formado por onze rugas ou anéis = G =. A boca é um buraquinho na parte inferior e no princípio dela, a que se pode chamar peito, respectivamente, aos outros animais formados pelas mesmas rugas que fazem ali a figura de um triângulo, bem semelhante àquela que se vê quando [fl.25v] ajuntamos as cabeças de três dedos39 39 [fl.25v] Similitudinis notam nisi dextra manu notionem character nullus assumat. Linn. Aph. 103. unidos na figura de um triângulo. A cabeça, os olhos, as antenas, os pés se lhe não percebem individualmente. = H =

Aberto um destes bichos quando está no seu maior aumento, se acha todo cheio de um suco vermelho que não deixa aperceber-lhe as entranhas, por ser tudo da mesma cor; mas, por meio do microscópio, se distinguem muitos e inumeráveis bichinhos da mesma figura que tem quando nascem; logo parece que são vivíparos, e não ovíparos como muitos têm afirmado40 40 [fl.25v] Quanta cautela deve fazer nas primeiras observações! Quanto são dificultosas de fazer-se! Hoje o autor demonstra, e segue, que a cochonilha é vivípara, e até 8 de junho de 1774, cria e defendia que era ovípara como se vê das seguintes palavras que me escreveu: “a mesma dúvida citava em saber se ela (a cochonilha) era ovípara ou vivípara, vendo que tu me dizias era vivípara, mas agora depois de estar [fl.26] observando há 8 meses a planta que me veio de Santa Catarina, me persuado (mas não afirmo) ser ovípara, pois há 8 dias que vão crescendo e nutrindo-se; não são como tu dizes sem asas, nem feitio disso, tem 6 pés, tem as 2 barbas na cabeça, que chamam antenas, e são cobertos de um pelo como algodão; e finalmente outras coisas, que com grande gosto estou observando, sobre as quais não quero decidir por não errar assim como todos os outros. Mas já se pode dizer que são ovíparos, cujos ovos ali estavam tão mínimos, que se não percebiam, ainda que eu com o microscópio via na planta uns pequenos pontos brancos. Não se podem já dizer que tem estes ovos postos ali pelas tais moscas? Certamente. (Nota de M.J.H. de Paiva.) talvez sem [fl.26] observarem, e parece não podia ser de outro modo visto que a mãe não se move de um lugar para outro, nem naquele mesmo nunca se lhe percebe o mais mínimo movimento.

Estes bichinhos [fl.26v] quando nascem julgo que não saem logo para fora, pois se acham sempre alguns pegados à mãe e metidos entre o pelo e colchão em que está deitada, vermelhos e sem pelo, adquirindo ali talvez maior vigor, e nascendo-lhe o pequeno e leve pelozinho com que aparecem fora, ficando logo ali juntos à coda da mãe e por cima dela, em montes, principalmente os que formam casulos. Depois, se espalham por toda a parte, e a mãe morre e cai, ficando o cadáver seco e vazio.

Na frase de alguns modernos é verdadeiramente a cochonilha progalinsecto, pois que difere dos galinsetos41 41 [fl.26v] Assim chamam os naturalistas aos insetos semelhantes exteriormente às galhas, ou excrescências das plantas, e que passam a maior parte da sua vida pegadas aos troncos, ramos e folhas das plantas, sem algum nutrimento sensível. Veja-se Mémoire premier tome quatrième de L’Histoire de Mr. Reaumur sur les insectes. (Nota de M.J.H. de Paiva.) em ser vivíparo coberto de pelo dentro do qual, como de um casulo, vive, cresce, nutre-se, pare e morre. [fl.27] O grande Lineu a põe na ordem hemiptera pelas asas que tem o macho, e a fêmea, por falta delas, na aptera; mas, guardando todo o respeito que se deve a este grande homem, eu não percebo, como tendo todas as da ordem hemíptera quatro asas, ele põe a cochonilha nela sendo só duas as que tem o macho, como ele mesmo afirma “alas tantum masculis”.42 42 [fl.27] Quantas outras incoerências, e maiores, senão acham em todo o seu Systema Naturae? Mas como é possível não havê-las se ele é todo artificial? Porque o caráter da ordem deve ser uniforme e constante em todos os gêneros compreendidos nele, parece que todos os insetos da ordem hemíptera deviam ter 4 asas, visto que ele diz na pág. 536, tomo 1, parte 2, “Alae quatuor superiores semicrustaceae incumbentes”, <Hemiptera, e na pág. 687 do mesmo tomo = Hemiptera = “Alae hemelytratae superioribus semicoriaceis etc.”> [Manuscritos da Série Azul, Ms. n.374, fl.337, Academia das Ciências de Lisboa.], mas isto é logo desmentido por todas as espécies do gênero [fl.27v] Coccus, a que só dá duas asas. E não é maior incoerência meter nesta mesma ordem o Cimex lectunarius sem asa alguma, e muitas espécies do gênero Aphis também sem asa alguma como o mesmo Lineu conferia? “Aphides pariunt aestate vivos foectus, autumno ponunt ova. A copula parentum, foecundas nasci filias, neptes, proneptes, abneptes asseverant Entomologi. Aliae apterae, aliae alatae, absque sexus discrimine in eadem specie etc.” Destas, e ainda maiores incoerências, encontro em cada página das suas obras, que não refiro por não vir ao nosso caso, mas que mostrarei a quem quiser. E que fará o naturalista à vista destas espécies, principalmente das que não têm asas? Se ele for principiante, pouco prático e daqueles que se persuadem que a natureza está limitada no seu Systema, tudo lhe parecerão novos gêneros; se for, porém, prático, buscará outros caracteres essenciais ao gênero, e se lembrará que “naturae opus semper est species, et genus, naturae et artis classis, et ordo”. (Nota de M.J.H. de Paiva.) [fl.27v] Além de que a ordem hemiptera difere das [fl.28] outras em serem as asas semicrustáceas43 43 [fl.28] Estas asas nem são tão duras como as elípticas nem tão moles como as membranáceas, e é uma nota muito arbitrária para fundamento da ordem; logo, é necessário buscar caracteres em outras partes como fez Geoffroy [Étienne Louis Geoffroy]. (Nota de M.J.H. de Paiva.) e unidas ou encostadas ao corpo, e as duas asas do macho da cochonilha são membranáceas, alguma coisa transparente, muito finas e estendidas sobre o corpo horizontalmente, por cuja razão parecem ser diptera, de duas asas, visto que ele caracteriza as ordens pelas asas. Estas dúvidas talvez serão nascidas mais da minha ignorância e pouca inteligência do que da inadvertência deste grande sábio, pelo qual eu estimaria ser ensinado, ou por outro qualquer igual ou semelhante. Porém, parece-me que seria justo que houvesse outra ordem, na qual só pusessem os insetos de cuja transformação sucede só nos machos, e poderá haver outra ordem que seja às avessas, e em que as fêmeas fecundadas e transformadas vão depor os ovos em partes acomodadas ao nascimento de seus filhos.

[fl.28v] Na edição décima terceira mais completa do Systema Naturae, que <hoje>44 44 Manuscritos da Série Azul. Ms. n.374, fl.338, Academia das Ciências de Lisboa. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.) tenho de Lineu, descreve este grande naturalista com mais alguma extensão a cochonilha, mas esta descrição45 45 [fl.28v] 229 Coccus cacti: Corpus depressum tomentosum rugis transversis et margines laterales dorsi utrinque duplices superior breviore. Abdomen purpurascens, os punctum sublatum e medio pectoris. Antennae subulatae corpore 1/3 breviores. Pedes breves, nigri. Linn. clas. v. ord. 2. p. 747. é menos exata porque o corpo não é abatido como ele diz, antes redondo e convexo pelas costas, e chato pela barriga; os pés não são negros, mas vermelhos e claros, tanto nas fêmeas como nos machos, antes e depois de transformados, e naquelas os pés ou se perdem ou se unem e desfiguram de tal modo que apenas se podem distinguir com um bom microscópio, e ficam semelhante ao carrapato (Acarus Ricinus) muito cheio de sangue. Esta cor me parece que provém do suco que chupam da planta em que vivem e de que se nutrem.

[fl.29] Eu não pretendo com estas dificuldades e falhas de Lineu ofuscar o seu merecimento, nem também creio que o método de Reaumur [René-Antoine Ferchault de Réaumur], Geoffroy [Étienne Louis Geoffroy] e outros, se deva preferir ao seu sistema. Todos têm suas dificuldades, incoerências e defeitos. O de Lineu tem menos e é mais completo que todos os outros, mas a brevidade, concisão e termos diversos e novos requerem uma erudição extensa para se poder perceber o seu sistema geral e ter-se dele um conhecimento a fundo; seria, pois, justo que todos os naturalistas conviessem e falassem por uma frase geral e não amontoassem métodos.

E concluo, finalmente, de todas as observações referidas nesta seção: [1º] que a cochonilha é um inseto de ordem diptera, que nasce, vive, nutre-se, gera, pare e morre sobre as espécies de cactus referidas. 2º que os machos são aquelas pequenas moscas nascidas da mesma cochonilha para o qual estado se transformam depois de estarem 20 dias pouco mais ou menos metidas nos pequenos casulos. 3º que número dos machos é [fl.29v] maior do que o das fêmeas, suprindo assim a natureza, que nada tem [de] supérfluo, com o número, a extrema pequenez deles. 4º que as fêmeas são as que não passam metamorfose alguma, que crescem e se aumentam sem mudar de figura fixas à planta. 5º que estas são fecundadas passados vinte dias depois de nascerem, pois que neste tempo os machos se transformam e vivem nesta figura somente 4 dias até 5. 6º que parem animais semelhantes em grande número. 7º enfim, que a cochonilha do comércio, e de que nos servimos, são as fêmeas, as quais se colhem do modo que as vemos.

Quarta seção

Da colheita e utilidades da cochonilha

Os espanhóis fazem três colheitas da cochonilha46 46 [fl.29v] Antes da estação fria os índios [fl.30] cortam as folhas em que estão as pequenas cochonilhas, e as abrigam em casa das chuvas e frios, e como as ditas folhas se conservam fora da terra sem secar-se, lhe fornecem alimento suficiente para se nutrirem por todo o tempo, passado o qual os índios fazem uma espécie de ninho com musgos, palha muito fina e barbas de cocos, e em cada um deles metem 12 ou 14 cochonilhas; e assim preparados põem dois ou três sobre cada folha da planta, a qual eles cultivam ao redor das suas habitações. Passados alguns dias estas cochonilhas parem milhões delas. Recolhe-se, então, os ditos ninhos e as cochonilhas que se tinham posto dentro e que morreram depois de parir, e esta é a primeira cochonilha que colhem. Três ou quatro meses depois, se faz a segunda colheita do produto desta geração, e se deixam algumas prenhadas para o fim de outros 3 meses fazer a outra colheita etc. Despega-se a cochonilha das folhas com um pincel. (Nota de M.J.H. de Paiva.) e guardam os restos da [fl.30] última em casa, no tempo do inverno, para depois, no princípio do verão, a porem no campo sobre as plantas, evitando por este modo que as chuvas e o frio rigoroso extingam toda [fl.30v] ou a maior parte dela, e também porque assim se pode obter maior colheita pela maior quantidade que se pode guardar para se propagar.

Nesta cidade do Rio de Janeiro, onde os frios não são sensíveis, e não é grande a diferença do inverno ao verão, será desnecessária a cautela de guardar a cochonilha em casa, pois tenho observado que em todo o tempo produz, ainda que a produção da primavera e [do] verão é sempre maior que a do inverno. Na Bahia, onde a estação é mais constante e quase sempre igual, muito melhor se podem fazer esta colheita, e talvez com mais abundância em todo o tempo e por mais vezes, tirando a que estiver grande e deixando a pequena, como aqui se tem feito; e quando as folhas começam a secar pela muita quantidade que se pega se poderá então tirar toda, o que tenho feito praticar. O tempo e a experiência facilitaram os meios e farão acautelar os sucessos futuros para que se obtenha mais produções e colheita dela, assim como tem sucedido com tudo o mais.

Eu prefiro o modo de a matar em [fl.31] calor de fogo brando,47 47 [fl.31] Ela, ou se mata metida em cestos mergulhando-os em água quente ou fria e, depois, secando-a ao sol, produz a renegrida; ou em pequenos fornos chamados temascales feitos de propósito para se conservarem em um que não dê calor conveniente, em que se mete sobre esteiras e dá a jaspeada; ou finalmente nas mesmas bacias de metal chamadas comales, em que as mexicanas cozinham o seu pão e produz a negra. (Nota de M.J.H. de Paiva.) ao outro de afogá-la em água quente ou fria, pois, de qualquer maneira, destas sempre perde alguma tinta, como se vê depois na água que fica vermelha.

A cochonilha é um dos descobrimentos mais preciosos e importantes que nós temos visto no Brasil com os olhos com que se deve ver e por quem saiba calculá-lo, mas isto é bem fácil, e o cálculo bem demonstrativo, eu passo a fazê-lo ver.

Os castelhanos lucram na cochonilha mais de seis milhões48 48 [fl.31] Refere Acosta, na obra já citada, que [fl.31v] a cochonilha que a frota do ano de 1587 trouxera das Índias para Europa importara em um milhão, vinte mil cruzados e duzentos mil réis, e pelo cálculo feito em 1736 por Mr. Neufville [M. L. De Neufville, pseudônimo de Louis de Jaucourt], consta que cada ano importa a cochonilha que entra na Europa em 7 milhões, quatrocentos e dez mil florins de Holanda, ou em quinze milhões e cinquenta mil seiscentos e noventa e uma libras de França, que corresponde a seis milhões, duzentos e dois mil cruzados e trezentos e cinco mil seiscentos réis do nosso dinheiro. Logo, os sete milhões de que fala o autor devem entender-se do dinheiro de Holanda ou florins. (Nota de M.J.H. de Paiva.) por ano, o que se sabe [fl.31v] pela quantidade que trazem para a Europa, e pelo preço porque a vendem49 49 [fl.31v] O mesmo Acosta diz que, no ano [de] 1587, entraram na Europa, isto é, em Castela, cinco mil, seiscentos e setenta e sete arrobas de cochonilha, e hoje sabemos que entram cada ano pelo menos setecentos mil arráteis dela fina, e cento e oitenta mil da silvestre ou ordinária. (Nota de M.J.H. de Paiva.) [fl.32] compramos para o uso das nossas fábricas,50 50 [fl.32] E que quantidade? Poderia saber vendo-se os livros das entradas das nossas alfândegas e de todos os tribunais em que ela se despacha: e podemos, entretanto, supor com muito fundamento que entram em Portugal cada ano muitos mil arráteis dela, e que em seu lugar saem para fora do reino muitos mil cruzados que daqui em diante podem girar entre nós, porque não há fábrica alguma da tinturaria que não necessite dela para as cores escarlate e carmesim finas. (Nota de M.J.H. de Paiva.) assim como todas as nações. Nós, tendo a cochonilha, <a não compraremos e poderemos também vender às>51 51 Manuscritos da Série Azul. Ms. n.374, fl.340v-341, Academia das Ciências de Lisboa. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.) mesmas nações a quem eles a vendem, e desta forma faremos dois lucros iguais a eles: um na que deixamos de comprar, ficando-nos este dinheiro em casa, e outro na que podemos vender e adquirir o dinheiro de fora. E será lástima que se não atenda a este objeto tão importante, assim como até agora se não tem feito a muitos outros ainda que de menor importância, pois estando-nos, senhores, há tantos anos deste riquíssimo país [fl.32v] abundante de tantas produções quase da primeira necessidade que valem fisicamente mais do que o ouro e diamante. Nós não temos aproveitado,52 52 [fl.32v] As produções da natureza e da arte ou são da primeira necessidade, e estas são as que nos sustentam, nutrem, curam das doenças e vestem, ou da segunda, que nos servem de luxo, divertimento e deleite: de ambas produz o Brasil com liberalidade; se bem que as da primeira necessidade estão esquecidas e perdidas, porque a cobiça arrasta após as outras os seus habitadores. Cuida-se, porventura, da agricultura naquele país? Não. O ouro e diamantes são o primeiro atrativo dos seus habitadores e os dos povoadores da gente africana. Seria mais útil que esta gente empregada em desentranhar à força de trabalho da terra o ouro e os diamantes, se ocupasse na cultura das terras. Que utilidade não tiraríamos do arroz, dos trigos, dos milhos, das farinhas, e de toda a sorte de grãos que ali produz a natureza sem muito trabalho? Não podemos escusar [fl.33] as manteigas, queijos, etc. que outras nações nos vendem? A pescaria naquele país nos pode subministrar o peixe necessário e escusamos o bacalhau de fora. O algodão, lãs, couros, carneiros etc. seriam um grande ramo de comércio promovidos; estas e outras produções são as que o autor diz que valem física e realmente mais que o ouro e diamantes. Verdade eterna incontestável e demonstrada por tristes experiências e pelos políticos mais prudentes! Quem não vê que são mais pobres aqueles povos entre os quais se consentem a extração dos metais nobres e pedras preciosas; que estes são uma riqueza de ficção ou de sinal, e que quanto mais se multiplicam, mais perdem o seu valor, e as produções da primeira necessidade faltam e encarecem. Com razão o III Imperador da XXI Dinastia da China, a quem se trouxeram pedras preciosas achadas em rica mina, a mandou logo fechar, respondendo que não queria fatigar o seu povo a trabalhar por [fl.33v] uma causa que não podia nem nutri-lo nem vesti-lo. Eu não crimino absolutamente semelhantes minas, mas quisera que elas se considerassem como uma parte acessória ao comércio, e jamais como principal, deixando-se por esta causa a agricultura. (Nota de M.J.H. de Paiva.) [fl. 33] os espanhóis o têm sabido fazer, e nós sem os [fl. 33v] imitarmos! Transcreverei por aqui alguns capítulos de uma carta que me escreveu de Paris o Dr. Antônio Ribeiro Sanches em resposta de outra em que se dava notícia da Academia que aqui tinha procurado estabelecer, e de outros materiais e produções deste país. Ele é bem conhecido dos sábios da Europa, e muitos sabem o grande amor que ele tem a Portugal, sua pátria; mas são terminantes à matéria de que estou tratando, diz ele “Haver-se formado essa Academia por indicação de vossas mercês, e estabelecer-se pela inteligente proteção do excelentíssimo senhor marquês do Lavradio, acho de maior consequência para utilidade do comércio do reino [fl.34] se, em Lisboa, quiserem entrar no gênio das nações que pensam a sua conservação e aumento do que até agora estamos muito atrasados. Os castelhanos, que não têm os olhos mais perspicazes que nós, souberam fazer dos produtos da história natural da sua América um negócio de muito rendimento para eles, e de muita utilidade para a Europa. Tiveram a habilidade de fazer entrar no comércio a cochonilha, a quina, a jalapa, a contra-erva, os bálsamos, a cevadilha etc.53 53 [fl.34] Tudo temos, exceto a quina, que talvez haja. Nós tão desasados desde duzentos anos não tivemos habilidade de fazer entrar no comércio a raiz da mil-homens, a casca barbatimão, a almécega, e outras mil raízes, frutos e cascas que podem servir na Medicina e nas artes, nas tintas etc.; e admiro-me como o óleo de cupaiva e ipecacuanha chegou a ser conhecido, o que devemos aos quondam Jesuítas. Temos na Índia Oriental a raiz [fl.34v] colombo, em Moçambique a raiz antac semelhante à aristolochia, em Angola os caroços da árvore chamada coleva; nasce no Reino de Congo a resina da árvore cassanevo, o fruto colla, ou como os negros lhe chamam, toglove, para curar o gálico, vid. Zacut Lusit. Prax. admir. Lib. II obs. 39 [Zacuto Lusitano]. Uma sorte de abóboras que nascem em uma sorte de palmas, das quais se pode fazer mil sortes de móveis melhores do que com o charão da China.54 54 [fl.34v] Também aqui temos. Dando planta aromática como a canela de Ceilão, de muitas virtudes,55 55 [fl.34v] Aqui temos a verdadeira canela que se não cultiva nem colhe. João Hopman tem algumas árvores na sua quinta ou chácara, e delas acorre tão perfeita como a do Ceilão. o ferro excelente que se tira da mina chamada Monte ou Serra de Ferro em Angola,56 56 [fl.34v] Em São Paulo há uma grande serra cheia dele; lá instituiu um para uma fábrica que, por falta de [fl.35] meios e de outros sócios, não pode subsistir, pendendo por esta razão Feliciano Gomes Neves seis mil cruzados, que emprestou para ela ao dito instituidor, o qual, por falta de mais dinheiro e outras algumas desordens, ficou arruinado, não tendo aquele mais como poder suprir, de sorte que hoje pouco ou nada trabalha quando com pouca dispensa poderia continuar com grande utilidade do Estado. a casca da raiz [fl.35] de uma árvore chamada ancassa vomitório. Mandei há poucos anos uma lista dos remédios referidos, e outros muitos, e o modo de adquiri-los a um governador que ali residiu – que por honra sua o não quero nomear –, e foi tal que nunca me respondeu.

Mas que há de ser se não há em Lisboa o droguista real, que propus acima, com seu correspondente assalariado para procurar estes produtos naturais e mandá-los com a sua descrição e para que servem e que uso se faz deles pelos nativos da terra. E este mesmo correspondente, com ordem de procurar dos naturais de que remédios usam para curar as suas queixas, feridas, fraturas, gálico, cancros etc., sem fazer avanços, nem gastar jamais, [fl.35v] haverá nem ciências, nem artes, nem comércio, nem Estado civil. E na Academia, na qual vossa mercê tem tanta parte, seria de utilidade imensa se ao mesmo tempo se estabelecesse em Lisboa o droguista diretor de todas as drogas e remédios químicos, tanto das colônias como do Reino, como dos portos marítimos da Europa. Sem isto, e sem que El-Rei queira gastar em fazer avanços, não creio que esse estabelecimento possa dar a utilidade que podia esperar o reino: um ou três particulares não são bastantes para fundar um comércio geral e aumentar e conservar à sua custa. Isto são desejos de um ratinho criado com ouvir dizer a nossos pais e avós ‘sejam estas ervinhas do campo testamentos que morro pelo meu rei’, assim somos criados, e assim morremos. Eu bem sei que o que acabo de referir vale pouco, ao fundo, não vale nada; se vossa mercê puder pela valia do excelentíssimo senhor marquês fazer alguma coisa para bem dessa esquecida terra, ficará enquanto viver com [fl.36] satisfação de ter vivido em Português e com firme propósito, que será mal premiado, mas este mal é velho, em toda a parte se vem semelhantes desconcertos.

Ora, não seja tanto como Sanches diz. Seja alguma coisa, e seja menos dificultosa. A história geral da América há muito tempo se tem dito e conhecido ser necessária,57 57 [fl.36] Conheceram a sua necessidade Diogo de Mendonça Corte Real, Secretário de Estado, seu pai, e nosso bom velho, o Dr. Sarmento [Jacob de Castro Sarmento], como se colige das seguintes palavras escritas na dedicatória do mesmo Sarmento no seu Diretório do uso, e abuso das suas águas: “também tem esta dedicatória por objeto o fazer duas petições a vossa excelência em nome do bem público e gloria da pátria, e uma delas, muito própria do gênio e da repartição de vossa excelência, digo, própria do seu gênio, porque me lembro que, no ano de 1731, tive e executei uma comissão que me mandou o maior ministro [fl.36v] que conheceu Portugal, e o interesse da sua monarquia, excelentíssimo e digno pai de vossa excelência, de perpétua e imitável memória, em que me pedia lhe remetesse os melhores livros de História Natural que eram para vossa excelência, porque tinha uma propensão natural a esta sorte de estudo e se achava muito inclinado a entreprender uma História Natural do nosso Brasil: e esta é a petição que faço a vossa excelência, pedindo-lhe queira lembrar-se e lembrar a sua majestade que, naquele domínio, tem depositado a providência muito maior e mais inestimável tesouro a descobrir por meio de sua História Natural, do que todas as pedras preciosas e ouro que das suas minas se podem extrair. Este grande projeto, bem executado, traria consigo não só grande utilidade a todo o gênero humano, mas seria de glória para este reino, e mais louvável e perpétuo padrão para a posteridade do magnânimo príncipe que ocupa o trono etc.”. (Nota de M.J.H. de Paiva.) [fl.36v] o nosso descuido e inação nesta parte [fl.37] tem sido como os outros. Ela teria feito descobrir muitas coisas, mas de que servia isto se não se atendesse à sua promoção e ao seu comércio.58 58 [fl.37] Eu mandei, no ano de 1772, para a Corte uma relação de várias produções naturais aqui descobertas, úteis na Medicina e no Comércio. A jalapa, sobre a qual meu irmão Manuel Joaquim Henriques de Paiva leu na Academia uma Dissertação e uma Resposta Apologética. O mechoação legítimo, que em Portugal se compra e usa falsamente por ele pela ignorância da maior parte dos botânicos, a raiz de norça negra como, na mesma Academia, mostrou meu pai Antônio Ribeiro de Paiva. A salsaparrilha do Maranhão e Honduras, a resina elemi, a goma anime, a de peixe, o incenso, a canafístula, urucum ou archiote, excelente tinta, o cato, sobre quem meu irmão falou em Dissertação, a goma de caju, a raiz da China, os tamarindos, o azougue, e finalmente vários purgantes [fl.37v] benignos e drásticos de que há abundância assim como de outros muitos gêneros que compramos, tendo-os nós, e não tive resposta, nem determinação alguma sobre isto. [fl.37v] Os espanhóis, que não têm mais habilidade do que nós, conhecendo a utilidade da história natural, mandaram logo escrevê-la da sua Academia, e naquele mesmo tempo que os naturalistas escreviam com muita confusão e sem método, esta lhe aproveitou fazendo dos seus proveitos naturais um grande comércio; e nós, sem termos mais nada escrito do nosso Brasil do que aquela, que demos aos holandeses escrito por Pison e Maregrar [George Marcgrave] no tempo em que estiveram senhores de Pernambuco, os quais conhecendo quanto ela lhe seria útil a mandaram escrever!59 59 [fl.37v] Eu escrevi alguma parte da História Natural do Brasil, e uma Matéria Médica para o mesmo <país>, que conservo <em meu poder e> [Manuscritos da Série Azul. Ms. n.374, fl.345v, Academia das Ciências de Lisboa] que, por particulares razões, não publiquei, mas o farei com toda a brevidade (Nota de M.J.H. de Paiva.). É certo que nisto se despende dinheiro, mas o lucro supre a tudo.

[fl.38] Seiscentos mil cruzados gastaram os castelhanos com a história natural escrita por Hernandes, ornada e notada por outros. Mas quantos seiscentos mil cruzados têm eles ganhado na cochonilha? São muitos milhões.

Aproveitemos nós o que está descoberto, que é muito bastante,60 60 [fl.38] E que está descoberto? O anil que ali se faz excelente e que podia ser melhor trabalhado com [fl.38v] arte e ciência. O archiote ou urucum necessaríssimos para a tinturaria e pintores. A jalapa, a salsaparrilha do Maranhão e de Honduras, com as quais os castelhanos fazem um grande comércio. Azebar perfeitíssimo que se pode obter. A canela, o gengibre, a baunilha, a pimenta longa, o café, o malabastro ou cravo da terra, gêneros de suma utilidade. A resina elemi, copal, anime, bálsamo peruviano, de cupaiva, eufórbio: matérias todas numerosas. A canafístula, raiz da China, contra-erva, mechocão, sassafras, tamarindos, muito paus, raízes, cascas etc. A goma de peixe descoberta pelo pai do autor, enfim, para referir aqui tudo seria necessário estender-me muito. (Nota de M.J.H. de Paiva.) e não se pretenda muito embora mais nada do muito que se pode descobrir. A cochonilha é o único objeto que mais nos deve interessar por promover-se a sua cultura, geração e colheita, na qual é o comércio centro e o lucro infalível. Para isto se conseguir não bastam ordens e recomendações, é necessário dinheiro logo na mão adiantado, pois a gente que há de cultivá-la e apanhá-la não se move por outra coisa, e esta não conhece o lucro que pode tirar; e ainda que se lhe diga tem isto por incerto, <é necessário que o experimentem e se lhe faça ver>.61 61 Manuscritos da Série Azul. Ms. n.374, fl.345, Academia das Ciências de Lisboa. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.)

[fl.38v] Todos trabalham pelo interesse ou da honra ou da glória ou da riqueza; não decido qual seja o primeiro, mas sem isto não se consegue coisa alguma. Isto de zelo da pátria se não é fantasma ou máscara com que se encobre outros objetos, mas sim entidade ou virtude que na verdade há no mundo, acha-se por uma raridade e se conta deste ou daquele como heroísmo, e se formos a olhar [fl.39] ao fim das mesmas ações que esses heróis praticaram, talvez lhe achemos fins de outra natureza.

Porém, eu concedo e consinto de boamente que haja este zelo em muitos e que destes os haja em Portugal: este zelo e este amor da pátria se não há de achar certamente nos que houverem de cultivar a cochonilha, só o lucro e o interesse da riqueza os há de mover, e todas as vezes que eles o conhecerem não será necessário persuadi-los, eles o buscarão.

Se eu me levasse pelo espírito da sórdida lisonja, e não fosse do meu caráter dizer a verdade pura como a entendo, não falasse com esta clareza, mas de outro modo, seria não querer ver efetuado o objeto que proponho, da qual em breve tempo se conseguirá o aumento e as utilidades se sua majestade, que Deus guarde mandar para o Rio Grande, Santa Catarina, Rio de Janeiro e Bahia, ou pelo menos para duas destas partes, <onde a cochonilha é natural e já há abundância dela>,62 62 Manuscritos da Série Azul. Ms. n.374, fl.345v, Academia das Ciências de Lisboa. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.) homens que façam plantar e cultivar a [fl.39v] planta63 63 [fl.39v] Os desejos do autor iam tendo feliz cumprimento pela generosidade do excelentíssimo senhor D. Francisco de Lemos Faria Pereira Coutinho, digníssimo reitor e reformador da Universidade de Coimbra. Este sábio e virtuoso prelado, a quem a reforma das letras em Portugal deve tanto por um zelo incansável e por uma generosidade bem rara, tinha nomeado para ir viajar pelo Brasil à sua custa o meu íntimo amigo Manuel Galvão da Silva, naturalista e mancebo de talentos e esperanças, que sem dúvida desempenharia o zelo do digníssimo senhor quando sua majestade, que Deus guarde, foi servida mandar, que se nomeassem filósofos filhos da nova reforma para o mesmo fim. Espero dos seus talentos e aplicação, e do zelo com que os mancebos portugueses procuraram sempre e conseguiram todas as vantagens que o autor aponta (Nota de M.J.H. de Paiva.). e promover a criação e colheita da cochonilha, dando-se a instrução do modo com que [fl.40] se faz, que é bem fácil com dinheiro pronto para pagar, e sem demoras nem embaraços. Não é necessário que sejam sábios naturalistas,64 64 [fl.40] Ou estes naturalistas se hão de ocupar somente na propagação e colheita da cochonilha, e de alguns outros objetos, ou em escrever a História geral e natural daquele país: para exceção do primeiro são suficientes os curiosos de gênio, e os que têm feito algum estudo na História Natural, ainda que não sejam grandes práticos; mas, para desempenho do segundo, quem não vê que é preciso sejam dos mais sábios e maiores práticos? A falta de experiência e de costume no exame dos corpos naturais faz parecer tudo novo, e em barrancas a cada instante nas produções mais triviais. Quanto enganados vivem aqueles que se persuadem naturalista por saberem de cor os caráteres das classes, das ordens e materialmente alguns gêneros! Porém, mais enganados ainda vivem por se imaginarem capazes com estes conhecimentos de escreverem a História Natural de qualquer país. (Nota de M.J.H. de Paiva.) basta [fl.40v] que tenham gênio ou alguma curiosidade, que destes não faltam aqui em Portugal se lhe derem ordenados para poderem viver e andar por toda a parte do seu distrito circunvizinho.

A cochonilha que se recolhe, se não taxará por um preço baixo, antes, pelo contrário, será mais vantajoso que exceda ou pelo menos iguale aquele por que os castelhanos a vendem, tendo o sujeito encarregado desta matéria, além de ordenado, uma quantia determinada por cada arrátel ou arroba que comprar,65 65 [fl.40v] Não convenho. Este prêmio, que o autor quer se lhe dê por cada arrátel ou arroba que comprar o administrador, acho que se deve antes dar a quem cultivar, determinando-se verbi gratia certo prêmio por quem num ano cultivar maior quantidade de cochonilha. (Nota de M.J.H. de Paiva) <e os lavradores e cultivadores delas alguns privilégios e isenções, conforme a quantidade que apanharem e tiverem>.66 66 Manuscritos da Série Azul. Ms. n.374, fl.346v, Academia das Ciências de Lisboa. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.) Isto tudo fará com que todos cuidem muito no aumento dela onde há tantas terras devolutas e dando-se a planta naquelas que não servem para outra coisa, sendo demais a mais útil para defender as entradas das fazendas, postas as plantas nos velados e muros delas, <mais fácil será a sua maior propagação>.67 67 Manuscritos da Série Azul. Ms. n.374, fl.347, Academia das Ciências de Lisboa. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.)

Sua majestade em pouco tempo virá a lucrar todo o dispêndio que fizer, pois a quantidade [fl.41] e abundância da cochonilha fará com que os lavradores e toda a mais gente que a podem apanhar pelos campos devolutos de Santa Catarina e Rio Grande, a vendam logo por mais baixo e cômodo preço do que se compra aos castelhanos <não só para todo o reino mas também para as reais fábricas>,68 68 Manuscritos da Série Azul. Ms. n.374, fl.347, Academia das Ciências de Lisboa. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.) pois, que nisto despendem pouco ou nada mais que o trabalho. Todo este dinheiro gira pelo negócio e fica no país, e em breve tempo entra pelos direitos nos cofres reais, além daqueles que depois de estar a cultura e produção aumentada e conhecida, o grande número e lucro dela a mesma cochonilha pode pagar a sua majestade na alfândega de Lisboa, assim como os outros gêneros do Brasil; tirando-se, assim, deste uma utilidade geral e grande parte deste negócio aos espanhóis, que nós podemos fazer com vantagem a eles.

Isto é sair fora do plano de simples naturalista, mas o desejo que tenho de ver entre nós este lucro, já que Deus foi servido dar-nos matéria de que o tirar, me fez exceder os limites do primeiro objeto como físico para o segundo e mais interessante para o estado civil. Estou bem persuadido que o nosso sábio e zeloso Ministério não perderá de vista este importante [fl.41v] objeto, e que dará sobre ele mais sábias e acertadas providências do que aquelas que o meu tosco entendimento tem advertido.

Fim

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp n.17/01498-3) o financiamento das pesquisas que resultaram neste artigo; ao nosso grupo de pesquisa “Escritos sobre os Novos Mundos” (Fapesp n.13/14786-6), bem como à Biblioteca Nacional de Portugal (BNP), à Academia de Ciências de Lisboa (ACL), ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT) e ao Arquivo Nacional do Rio de Janeiro (ANRJ), instituições que forneceram os documentos utilizados na presente edição.

REFERÊNCIAS

  • ARAÚJO, Ana Cristina (Coord.). A universidade pombalina: ciência, território e coleções científicas. Coimbra: Universidade de Coimbra. 2017.
  • DIAS, José Lopes. Duas cartas inéditas do Dr. José Henriques Ferreira, comissário do físico-mor e médico do vice-rei do Brasil, a Ribeiro Sanches. Imprensa Médica (separata). 1959.
  • DIAS, Maria Odila da Silva. A interiorização da metrópole e outros estudos. São Paulo: Alameda. 2005.
  • DOMINGUES, Ângela. Para um melhor conhecimento dos domínios coloniais: a constituição de redes de informação no Império português em finais do Setecentos. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.8, supl., p.823-838. 2001.
  • FERREIRA, José Henriques. Dissertação sobre a cochonilha; história do seu descobrimento na América Portuguesa. In: Coleção de opúsculos sobre a cochonilha. (Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa). [s.l.]: [s.n.] 19--.
  • FERREIRA, José Henriques. História do descobrimento da cochonilha no Brasil da sua natureza, geração, criação, colheita e utilidades. Escrita por José Henriques Ferreira, filósofo e médico, sócio e correspondente da Academia Real das Ciências da Suécia, sócio da Academia Real da Medicina de Madrid, presidente e fundador da Academia de Medicina e História Natural do Rio de Janeiro. Publicada e anotada por seu irmão Manoel Joaquim Henriques de Paiva, sócio das mesmas academias, demonstrador real da química e mestre do Laboratório na Universidade de Coimbra, professor ordinário de farmácia e química etc. In: Memórias de física, e econômicas que não tiveram lugar nas coleções da Academia. t.2. Manuscritos da Série Azul, ms n.374, fl.315-347 (Academia de Ciências de Lisboa, Lisboa). 1780-1811.
  • FERREIRA, José Henriques. Dissertação sobre a cochonilha. História do seu descobrimento na América Portuguesa, escrita por José Henriques Ferreira, médico pela Universidade de Coimbra e sócio da Academia de Suécia etc. etc. Oferecida Ao Ilmo. e Exmo. Sr. Marquês de Anjeja do Conselho de Sua Majestade Fidma. Presidente do Real Erário, inele seu Lugar Ten. e Inspetor da Marinha etc. etc. etc. BR RJANRIO RD.0.DAG.41 (Arquivo Nacional, Rio de Janeiro). [s.l.]: [s.n.] 1772.
  • FERREIRA, José Henriques. História do descobrimento da cochonilha no Brasil, da sua natureza, geração, criação, colheita e utilidades etc., escrita por José Henriques Ferreira, filósofo e médico, sócio e correspondente da Academia Real das Ciências da Suécia, sócio da Academia Real de Medicina de Madrid, presidente e fundador da Academia de Medicina e Historia Natural do Rio de Janeiro, etc., etc., etc.: Por M * J* H* P*, sócio das mesmas academias, demonstrador real da química, e mestre do Laboratório Químico na Universidade de Coimbra, profesor ordinário de farmácia e química etc., etc., etc. Manuscritos da Livraria, n.0758 (Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa). s.l.: s.n. s.d.
  • FILGUEIRAS, Carlos A.L. As vicissitudes da ciência periférica: a vida e a obra de Manoel Joaquim Henriques de Paiva. Química Nova, v.14, n.2, p.133-141. 1991.
  • FONSECA, Maria Rachel Fróes da. La construcción de la patria por el discurso científico: México y Brasil (1770-1830). Secuencia, n.45, p.5-26. 1999.
  • KURY, Lorelai. Homens de ciência no Brasil: impérios coloniais e circulação de informações (1780-1810). História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.11, supl.1, p.109-129. 2004.
  • MARQUES, Vera Regina Beltrão. Escola de homens de ciência: a Academia Científica do Rio de Janeiro, 1772-1779. Educar, n.25, p.39-57. 2005.
  • MORAIS, Francisco; DIAS, José Lopes. Estudantes da Universidade de Coimbra naturais de Castelo Branco. Coimbra: Tipografia Minerva. 1955.
  • PAIVA, Manuel Henriques de. Sumário da história do descobrimento da cochonilha no Brasil, e das observações que sobre ela fez no Rio de Janeiro o dr. José Henriques Ferreira, médico do vice-rei o marquês do Lavradio. O Patriota, n.1. jan.-fev. 1814.
  • PAIVA... Paiva, Manuel Joaquim Henriques de. In: Dicionário histórico-biográfico das ciências da saúde no Brasil (1832-1930). Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Disponível em: <http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/iah/pt/verbetes/paimanjohe.htm Acesso em: 19 out. 2018. 2015.
    » http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/iah/pt/verbetes/paimanjohe.htm
  • PATACA, Ermelinda Moutinho. Coletar, preparar, remeter, transportar: práticas de história natural nas viagens filosóficas portuguesas (1777-1808). Revista Brasileira de História da Ciência, v.4, n.2, p.125-138. 2011.
  • PITA, João Rui. Farmácia, medicina e saúde pública em Portugal (1772-1836). Coimbra: Minerva. 1996.
  • RAMINELLI, Ronald. Viagens ultramarinas: monarcas, vassalos e governo a distância. São Paulo: Alameda. 2008.
  • RELATÓRIO... Relatório do marquês de Lavradio, vice-rei do Rio de Janeiro, entregando o Governo a Luiz de Vasconcellos e Souza, que o sucedeu no vice-reinado. Revista Trimensal de História e Geografia, ou Jornal do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro. t.4. 1812.
  • RODRIGUES, José Damião. Horizontes de reformas e luzes: uma leitura historiográfica a partir da América portuguesa. In: Godoy, Scarlett O’Phelan; Rodríguez García, Margarita Eva (Coord.). El ocaso del Antiguo Régimen en los Imperios Ibéricos. Lima: Pontificia Universidad Católica del Peru; Lisboa: Cham. 2017.
  • SERRANO, Ana Filipa Albano. The red road of the Iberian expansion: cochineal and the global dye trade. Tese (Doutorado em História dos descobrimentos e da expansão portuguesa) – Universidade Nova de Lisboa, Lisboa. 2017.
  • SERRÃO, José Vicente. O pensamento agrário setecentista (pré-fisiocrático): diagnósticos e soluções propostas. In: Cardoso, José Luís (Org.). Contribuições para a história do pensamento económico em Portugal. Lisboa: Dom Quixote. 1988.
  • SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Cultura letrada e cultura oral no Rio de Janeiro dos vice-reis. São Paulo: Editora Unesp. 2013.
  • VENTURA, Antoine. Viajeros y naturalistas (s. XV-XIX, Europa-América) o cómo viajar sin precauciones por un tema torrentoso. ELOHI, n.9. Disponível em: <http://doi.org/10.4000/elohi.981 Acesso em: 19. jan. 2019. 2016.
    » http://doi.org/10.4000/elohi.981
  • WEHLING, Arno. O fomentismo português no final do século XVIII: doutrinas, mecanismos, exemplificações. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, v.316, p.170-278. 1977.

NOTAS

  • 1
    Para mais informações acerca da família de Manuel Henriques Ferreira, conferir, especialmente, Morais, Dias (1955).
  • 2
    Manuel Henriques de Paiva foi demonstrador de química e história natural na Universidade de Coimbra, sócio, juntamente com o irmão e o pai, da referida Academia Científica, ocupando o posto de diretor de farmácia; foi, igualmente, sócio da Academia Real das Ciências de Lisboa, da Academia Real das Ciências da Suécia e da Academia Real de Medicina de Madri; ocupou as funções de médico da Casa Real e deputado ordinário da Real Junta do Proto-Medicato. Em 1808, foi preso por ordem do secretário de Estado dos Negócios do Reino, por ser considerado partidário das ideias napoleônicas, e, em 1809, foi sentenciado a cumprir degredo no Ultramar, ocasião em que regressou ao Brasil. De volta aos trópicos, Henriques de Paiva reconstituiu sua carreira; ocupou, em 1820, a cadeira de Matéria Médica e Farmácia no Colégio Médico-Cirúrgico da Bahia e aqui permaneceu até o fim da sua vida. Cf. Morais, Dias (1955, p.232-250); Araújo (2017ARAÚJO, Ana Cristina (Coord.). A universidade pombalina: ciência, território e coleções científicas. Coimbra: Universidade de Coimbra. 2017., p.99); Filgueiras (1991)FILGUEIRAS, Carlos A.L. As vicissitudes da ciência periférica: a vida e a obra de Manoel Joaquim Henriques de Paiva. Química Nova, v.14, n.2, p.133-141. 1991.; Marques (2005)MARQUES, Vera Regina Beltrão. Escola de homens de ciência: a Academia Científica do Rio de Janeiro, 1772-1779. Educar, n.25, p.39-57. 2005.; Paiva (2015).
  • 3
    Arno Wehling (1977WEHLING, Arno. O fomentismo português no final do século XVIII: doutrinas, mecanismos, exemplificações. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, v.316, p.170-278. 1977., p.171) destaca que o apogeu “da política fomentista em relação ao anil e à cochonilha situou-se entre 1769 e 1790”.
  • 4
    A propósito da cultura da cochonilha na América e sua importância para o comércio dos impérios português e espanhol, conferir o estudo da historiadora Ana Filipa Albano Serrano (2017)SERRANO, Ana Filipa Albano. The red road of the Iberian expansion: cochineal and the global dye trade. Tese (Doutorado em História dos descobrimentos e da expansão portuguesa) – Universidade Nova de Lisboa, Lisboa. 2017..
  • 5
    Em carta de 1774, enviada do Rio de Janeiro a Lisboa para seu tio e médico Antônio Ribeiro Sanches, José Henriques Ferreira faz a seguinte afirmação acerca da sua dissertação: “Ultimamente este ano descobrimos a cochonilha em Santa Catarina e Rio Grande, que não sabiam o que era, ainda que as mulheres tingiam saias e lenços como lá; e a planta onde se criam os tais bichos remeti para Lisboa e aqui tenho no meu quintal a planta que me remeteram de Santa Catarina, na qual há poucos dias vi nascer, com grande gosto meu, muitos bichinhos, e depois de feitas mais algumas averiguações faço tenção [de] publicar sobre ela uma dissertação, pois o que muitos naturalistas têm escrito a respeito do modo da sua produção é errado e muito à parte” (Dias, 1959, p.9).
  • 6
    Optamos por modernizar a linguagem dos manuscritos cotejados a fim de tornar a leitura da presente edição mais fluida. No entanto, tivemos sempre a preocupação de preservar as peculiaridades dos documentos. As inclusões de palavras, frases e símbolos foram sinalizadas e justificadas nas notas de rodapé.
  • 1
    Os trechos destacados com as aspas angulares não existem no manuscrito original da Torre do Tombo, apenas no documento da Academia das Ciências de Lisboa. Cf.: Historia do Descobrimento da Coxonilha no Brazil da sua natureza geração, Creação, colheita, e utilidades. Escripta por Jozé Henriques Ferreira Filozofo, e Medico Socio e correspondente da Academia Real das Sciencias da Suecia Socio da Academia Real da Medicina de Madrid Prezidente, e Fundador da Academia de Medecina e Historia natural do Rio de Janeiro. Publicada, e anotada por seu Irmão Manoel Joaquim Henriques de Paiva Socio das mesmas Academias, Demonstrador Real da Chimica, e Mestre do Laboratorio na universidade de Coimbra, Professor ordinario de Farmacia, e Chimica Etc. In: Memorias de Fizica, e Economicas que não tiveram lugar nas coleçoens da Academia. Tomo 2. Manuscritos da Série Azul. Ms. n.374, fl.315-347 (Academia das Ciências de Lisboa). [Vários locais]. s.n. 1780-1811. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.)
  • 2
    Utilizamos os colchetes para atualizar os nomes abreviados no manuscrito original do ANTT, para acrescentar palavras que deem um melhor sentido às frases desconexas, para indicar, nas notas de rodapé, a inclusão de trechos do manuscrito da ACL, bem como para apontar a paginação do manuscrito do ANTT. Os nomes citados no manuscrito serão atualizados apenas quando aparecerem pela primeira vez ou quando o autor citar um mesmo nome com grafias diferentes nas notas de rodapé e no corpo do texto. A propósito dos nomes de livros e estudos referenciados pelo autor ou editor da História do descobrimento da cochonilha no Brasil, optamos por manter a grafia original. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.)
  • 3
    [fl.6] Temos no comércio três espécies desta droga, a que se dão diferentes nomes. Chama-se cochonilha jaspeada, a que é de cor esbranquiçada ou prateada assente em vermelha, e esta se tem por melhores. Aquela que é de cor fusca tirando pelo vermelho se chama cochonilha renegrida, e é inferior à jaspeada. Cochonilha negra finalmente se diz a que é de cor fusca ou negra, e é a mais inferior. Qualquer destas espécies amolecida em água ou vinagre, e examinada pelo microscópio, mostra que o seu corpo é formado de muitos anéis ou rugas transversais, semelhantes às dos mais insetos. Algumas vezes se distingue nos mesmos corpos pernas inteiras com as suas juntas ou pedaços das mesmas pernas. (Nota de M.J.H. de Paiva.)
  • 4
    [fl.6v] O P. Plumier [Charles Plumier] nos assegura que ele achara esta droga na Ilha de São Domingos sobre as acácias, cajueiros, pitangueiras e outras árvores. Du-Hamel [Henri-Louis Duhamel du Monceau], médico residente na mesma Ilha certifica o mesmo; e o Padre Labath [Jean-Baptiste Labat] nas suas viagens às ilhas da América, tom. IV, pág. 39 e seguintes, pretende que a cochonilha do México é comum nas ilhas de São Domingos, onde a vira. Porém, depois de exatas averiguações feitas sobre a pretendida cochonilha, se decidiu que nem era a do México nem do mesmo gênero; logo, diz bem o autor que até agora só os castelhanos <são julgados os possuidores dela> [Manuscritos da Série Azul. Ms. n.374, fl.319v, Academia das Ciências de Lisboa]. (Nota de M.J.H. de Paiva.)
  • 5
    [fl.7] Este excelentíssimo vice-rei, amante das Ciências Naturais, conhecendo a necessidade que havia delas no Brasil, e que ali promovidas produziriam utilidades maiores do que o mesmo ouro, propôs ao autor e a seu pai, a precisão que havia de estabelecer-se naquele país uma Academia da qual fosse o objeto a Medicina, a História Natural, a Química etc. Esta proposta lhe pareceu tão justa, e a todos aqueles a quem se comunicou, que em breve tempo se associaram muitas pessoas instruídas, as quais se ofereceram a todo o trabalho e despesa. Celebrou-se, enfim, a primeira sessão da Academia a 18 de fevereiro de 1772, na sala do palácio do excelentíssimo vice-rei, e na sua presença e de um numeroso concurso de pessoas de toda a qualidade, [fl.7v] recitaram os diretores da mesma Academia cinco eruditas orações sobre a Medicina, Anatomia, Cirurgia, História Natural, Química e Farmácia; continuou, depois, a Academia a celebrar as suas sessões ou assembleias nas quintas-feiras em casa, e nos sábados no horto botânico, e com tal ardor que em muito pouco tempo os seus sócios (apesar de terem certeza de que nem seriam atendidos, nem se olharia para a estabelecida Academia), leram e ofereceram à Academia um grande número de dissertações eruditíssimas sobre todas as matérias, e descobriram muitas coisas até então desconhecidas. (Nota de M.J.H. de Paiva.)
  • 6
    [fl.7v] Este é o autor do apêndice seleto, a 3ª parte da Tubalense, e entre os sócios da Academia se distinguiu muito porque além de recitar no dia da abertura, leu orações sobre a Cirurgia e Anatomia, leu em todas as sessões dissertações e apresentou na Academia muitos produtos, um dos quais é o azougue achado naquele país. (Nota de M.J.H. de Paiva.)
  • 7
    Manuscritos da Série Azul. Ms. n.374, fl.320v, Academia das Ciências de Lisboa. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.)
  • 8
    Manuscritos da Série Azul. Ms. n.374, fl.321v, Academia das Ciências de Lisboa. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.)
  • 9
    [fl.9v] É na cerca do colégio que foi dos jesuítas, e que hoje serve de hospital militar. Esta cerca se achava inculta, mas à custa do excelentíssimo vice-rei e pelo cuidado do coletor Antônio José Castrioto, está hoje um agradável e útil jardim onde se cultivam muitas plantas. (Nota de M.J.H. de Paiva.)
  • 10
    Manuscritos da Série Azul. Ms. n.374, fl.322, Academia das Ciências de Lisboa. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.)
  • 11
    Manuscritos da Série Azul. Ms. n.374, fl.322v, Academia das Ciências de Lisboa. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.)
  • 12
    Manuscritos da Série Azul. Ms. n.374, fl.322v, Academia das Ciências de Lisboa. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.)
  • 13
    Manuscritos da Série Azul. Ms. n.374, fl.322v, Academia das Ciências de Lisboa. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.)
  • 14
    [fl.10v] Haec species Tunae in Nova Hispania profert Cochinillam, quae tamen hic locorum sedulo indagantibus nunquam apparuit. Pison, Hist.Bras. p.190.
  • 15
    [fl.11v] Descriptio compendiosissime, tamen perfecte, terminis tantum artis, si sufficientes sint partes depingat secundum Numerum, Figuram, Proportionem, Situm, isto é, a descrição deve decifrar breve e perfeitamente com os termos só de arte se são suficientes as partes segundo o número, proporção, figura e situação. Linn. Philos. Bot. Aph. 229. Descriptio ordinem nascendi sequatur, isto é, as partes das plantas devem descrever-se segundo a ordem que guardam ao nascer. Aph. 230. As outras leis devem ver-se no cap. VIII. Phil. Bot. Linn.
  • 16
    Nas duas versões do manuscrito há referência a uma tabela (não localizada) que, provavelmente, fazia menção detalhada às informações sobre a cochonilha apresentadas no texto. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.)
  • 17
    [fl.12] Chama-lhe folhas por usar da frase comum, pois na realidade o não são: e seria mais próprio chamar-lhe ramos o tronco nu a toda a planta.
  • 18
    [fl.12] Usam as mulheres destes espinhos em lugar de alfinetes, e são tão duros que furam a sola.
  • 19
    [fl.12] Por esta razão se não podem tirar das mãos, é necessário muito tempo, e produzem uma comichão grande.
  • 20
    É provável que tais símbolos e letras façam referência à tabela mencionada. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.)
  • 21
    Manuscritos da Série Azul. Ms. n.374, fl.325, Academia das Ciências de Lisboa. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.)
  • 22
    Manuscritos da Série Azul. Ms. n.374, fl.325v, Academia das Ciências de Lisboa. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.)
  • 23
    [fl.14v] No tempo em que o P. Plumier comunicou a P. Pomet [Pierre Pomet] uma memória em que se lhe assegurava ser a cochonilha um inseto, o correspondente de Pomet, também da Ilha de São Domingos, lhe escreveu duas cartas: na primeira lhe assegura que a cochonilha é a semente das ditas pequenas favas; e na segunda lhe ofereceu com grande confiança a planta com as mesmas favas, e escarneceu dos conhecimentos do P. Plumier. Como, pois, o talento de Pomet não era capaz de distinguir aquele charlatão do sábio Plumier, respeitou o sentimento deste e abraçou o daquele.
  • 24
    [fl.14v] Leeuwenhoek [Anton van Leeuwenhoek] certificou a Mr. Heinsius [Anthonie Heinsius] que ele observara muitas vezes a cochonilha por [fl.15] meio do seu famoso microscópio, e que lhe parecia constantemente fruto de árvore e um fruto semelhante às bagas da uva de urso. Mr. Heinsius pareceu satisfeito com as suas observações e lhe escreveu dizendo que um governador da Jamaica assegurara a Mr. Boyle [Robert Boyle] que a cochonilha era um bicho que nascia sobre a figueira da Índia. Então, Leeuwenhoek confessou o seu erro, e depois de novas observações respondeu a Mr. Heinsius, que a cochonilha lhe parecia a parte de um pequeno animal, do qual a cabeça, pernas e parte dianteira tinham sido destruídos. É digno de admiração que Leeuwenhoek, a quem o uso do microscópio era tão familiar, visse tão mal a cochonilha! Parece que ele via melhor os objetos de uma indizível pequenez, do que aqueles de uma grandeza sensível. (Nota de M.J.H. de Paiva.)
  • 25
    [fl.15v] Reperiuntur apud Mexicanos in Tunarum quodam genere Nochez nopali, seu Nopalnocheztli vocato hac sola ratione a pecorum, armentorumque injuris quibusdam in locis natura munitis, asserto, vendicatoque vermiculi rotundi, extra candidi, intra vero coccini coloris, interdum sponte ipsius naturae, interdum hominum industria, atque diligentia, semina superioris anni stato tempore Tunis admoventium, quae Indis Nocheztli, nostri vero cochinilla, fortassis a Coco, seo grano cujus species sunt, appelare solent. Cap. XLV pag. mihi 78 edit. 1754.
  • 26
    [fl.16] O padre José de Acosta na sua Historia Natural de Las Indias, no Liv. 4º, pág. 254-255, impresso no ano de 1590, diz: “Ay otros tunales, que aunque no dan este fruto, los estiman mucho mas y los cultivan con gran cuidado; por que aunque no dan frutas de tunas, dan empero el beneficio de la grana. Por que en las hojas deste arbol, quando es bien cultivada, nacen unos gusanillos pegados a ella, y cubiertos de cierta telilla delgada, los quales delicadamente cayen, y son la cochonilha bien afamada de las Indyas, con que tiñen la grana fina etc.” Isto mesmo, e com mais clareza e extensão, confirma Antonio de Herrera [Antonio de Herrera y Tordesillas], que no ano de 1596, foi mandado por Felipe 2º para as suas Índias, e que em 1601 publicou La Historia general das Islas, e tierras firmes del mar Oceano: diz ele na pág. 213 Liv. VIII Decad. IV da mesma obra “y siendo cosa digna de ser sabida, como se cria la grana cochonilla que se trahe de Nueva España, que en todo el mundo [fl.15v] y de tanta riqueza, y estimación, no he querido pasar sin dizerlo, pues aunque los Indios la tenian, no hazian caso della, como os castelhanos [sic] les hauian enseñado. Criase la grana en diversas partes de Nueva España, en un arbol, que llaman Tuna, que tiene la hoja mais gruessa; plantase con tres hojas, en partes abrigadas, aonde no le puede alcançar [sic] el cierço; y la cochonilha es cosa viva, a manera de guzanos redondos, del tamaño de huna lenteja, y quando se echa en el arbol es del tamaño de una pulga, e aun menos, y nace semilla del gusano quando esta lleno, y rebientan hijuelos, que son como aradores, y estas enxambran todo un arbol y un huerto de grana etc.” Vê-se, logo, destas ditas autoridades, que muito antes se conheceu por vivente a cochonilha. (Nota de M.J.H. de Paiva.)
  • 27
    [fl.16v] E quando? Não obstante a autoridade de [fl.17] Hernandes [Francisco Hernández de Toledo], de Acosta [José de Acosta], de Herrera, e as decisões de Mr. Harsoeker [Nicolaas Hartsoeker] em 1694, de la Hire [Philippe de La Hire] em 1704, e de Geoffrey [Claude-Joseph Geoffroy] em 1714, que aumentaram unanimemente depois de exatas averiguações ser a cochonilha um inseto, continuaram as controvérsias desta sorte, que chegou esta questão a ser decidida quimicamente, como se lê na dissertação de Ruuscher [Melchior de Ruuscher] impressa em Amsterdam no ano de 1729. Mr. Ruuscher disputava com um seu aluno sobre a natureza da cochonilha, este sustentava que era um fruto, e aquele um inseto. A disputa se acendeu de modo que apostaram um contra o outro. Então, eles fizeram vir provas autênticas fornecidas por testemunhas de vista na presença de um juiz e tomadas por um tabelião na Vila de Antiquera, província do México, onde se faz grande colheita de cochonilha. Depois que vieram as ditas provas autênticas se escolheram árbitros dos dois partidos e decidiram que a cochonilha é um inseto vivíparo que passa a maior parte da vida fixo à planta de quem suga pela sua nutrição: assim o depuseram todas as testemunhas. (Nota de M.J.H. de Paiva.)
  • 28
    [fl.17] Eu não o vi até o ano de 1773 em que erradamente [fl.17v] sustentei. Conta o autor que a cochonilha era a Coccionella Cacti de Lineu [Carl von Lineu] e da ordem Coleoptera, e não o nega ainda hoje Spielmann [Jacob Reinbold Spielmann] na sua Matéria Médica, pág. 398, onde afirma que a cochonilha é a Coccionella Cacti. (Nota de M.J.H. de Paiva.)
  • 29
    [fl.17v] E quem? Eu não o sei nem li. (Nota de M.J.H. de Paiva.)
  • 30
    [fl.17v] Uma das tinturas tiradas em Antiquera depois que a cochonilha não passava por metamorfose alguma, e de então para cá todos os autores afirmam o mesmo, menos o desta Dissertação que eu sigo. (Nota de M.J.H. de Paiva.)
  • 31
    [fl.17v] Desta opinião é Dampierre [William Dampier], o qual assegura que a cochonilha é vivente, que ela viva são umas pequenas moscas ou insetos vermelhos, que se criam dentro de um fruto, que se abre espontaneamente, e que estes insetos os índios apanham agitando a planta em que estão, e fazendo-os cair em um pano que estendem de baixo; assegura que quando voam são vermelhos, [fl.18] quando caem, negros, e quando estão secos, brancos. Que mudança de cores em tão pouco tempo! Seriam acaso camaleões que Dampierre via? (Nota de M.J.H. de Paiva.)
  • 32
    [fl.18] 188 Coccus: Rostrum pectorale/Abdomen pene setosum/Alae duae.
  • 33
    [fl.18] 163 Cocionella: Antenae clavatae integrae/ Thorax cum Elytris marginatis hemisphericus.
  • 34
    [fl.18v] Na edição de Lineu citado pelo autor, não me consta que descrevesse a cochonilha de que mostramos, descreve os gêneros Coccus, Cocionella, e quem sabe em qual deles então meteria a cochonilha? (Nota de M.J.H. de Paiva.)
  • 35
    [fl.19] Estava tão persuadido o autor de que aquelas moscas tinham sido transformadas da cochonilha, que não só me certificou isto mesmo, em 1773, mas o confirmou por carta do mesmo ano ao excelentíssimo marquês de Angeja, e remeteu ao dito senhor marquês e a mim as moscas delineadas. Eu lhe respondi dizendo que as tais moscas me pareciam de outro gênero e outra ordem, persuadido erradamente que a cochonilha era a Coccionella Cacti de Lineu. O autor se esquentou de modo com a minha resposta e razões, e estava tão preocupado com as ditas moscas, que me respondeu em carta do Rio de Janeiro, a 8 de dezembro de 1774, o seguinte: “Eu recebi uma carta do ilustríssimo e excelentíssimo senhor marquês de Angeja, mas não aquela em que me dizes que ele remete os discursos sobre a cochonilha; tomara já [fl.19v] vê-los ainda que pelo que me dizes, já vejo que são falsos, isto é, errados, assim como erram todos os que falam da cochonilha, dizendo que se não transforma; isto nasce de uma falta que é muito comum: escrever um logo precipitadamente sem toda a averiguação e aquilo que lhe forneceram as suas ideias mal fundadas, ou por informação de outros, que se persuadiam de aparência, e consequentemente os mais que leram o primeiro que adquiriu tal ou tal reputação assim o confirmam; e aqui entras tu não te querendo persuadir que aquelas moscas, que te mandei delineadas, foram transformadas da cochonilha. Ora, eu havia de dizer-te uma coisa como certa que assim não fosse? Se eu as vi sair, se eu vi outras metidas dentro e ainda embrulhadas e encolhidas, se eu ainda tenho as cascas donde elas saíram, que te hei de mandar, como queres mais que o afirme? Dito assim foi, isto assim é, e não tenhas a menor dúvida, nem te venha a memória dizer que os tais bichos serão de [fl.20] outra espécie, pois são os mesmos já vermelhos naquela pequenez, luzindo por baixo do pelo e [quando] esmagados na unha, tingem de vermelho; pelo que fica persuadido serem os mesmos que hei de observar até a sua transformação. Estou vendo e observando o que achar, direi e publicarei na Dissertação que hei de fazer sobre esta matéria, não pondo nada por verdadeiro se não o que vir incontestável, claro e patente, e o que for duvidoso e não chegar a compreender clara e distintamente assim o exporei etc. Que felicidade não seria para nós, e que progressos não fariam as ciências, se todos falassem e escrevessem com a sinceridade! Naquele tempo em que escrevia a carta citada estava tão persuadido do referido acima, e hoje pública e particularmente confessa desta e proclama os seus erros. Que poucos se acham destes! (Nota de M.J.H. de Paiva.)
  • 36
    [fl.20v] São aquelas pequenas barbas ou cornos móveis que se veem sobre a cabeça de todos os insetos (Nota de M.J.H. de Paiva.).
  • 37
    [fl.23v] Estas moscas são os machos como se prova das seguintes palavras da obra de Herrera já citada: diz ele, na pág. 213, Lib. VIII, Decad. IV: “procede (a cochonilha) de una palomita nascida del propio gusano, y esta es blanca, y engendra esta semilla, que es en gran muchedumbre, pues hinche un huerto de cien plantas, en especial en un año, que acaece auer dos, y tres cosechas de grana, y esta se entiende de la que se beneficia y cultiva etc.”. A palavra castelhana palomita que corresponde à portuguesa pombinha se deve aqui tomar por uma pequena borboleta ou mosca. Confirma-se a mesma observação do autor e de Herrera pelas palavras seguintes depostas por uma das testemunhas na presença do corregedor e referidas por Ruuscher na pág. 139-140 da sua Dissertação, e que são: [fl.24] “Sa seigneurie a dit avoir oui dire par tous ceux, qui en font métier d'élever la cochonille, que dans le temps, que la cochonille devient grosse, il marche sur elle un petit papillon, qui naît sur les mêmes nopals, et par lequel on dit que la cochonille conçoit”. A palavra francesa papillon é o mesmo que a portuguesa borboleta, e é provável que eles chamem as pequenas moscas borboletas, visto diferirem na cor e no feitio somente. Infere-se desta deposição que eles imaginavam que aquelas moscas eram de diferente natureza da cochonilha. (Nota de M.J.H. de Paiva.)
  • 38
    [fl.24v] O grande número destes insetos, que se pegam nas folhas das plantas juntos uns dos outros, faz que em muitas partes pareçam uns montes brancos e felpudos, e verte muito pouco do verde da folha. Fig. 1.
  • 39
    [fl.25v] Similitudinis notam nisi dextra manu notionem character nullus assumat. Linn. Aph. 103.
  • 40
    [fl.25v] Quanta cautela deve fazer nas primeiras observações! Quanto são dificultosas de fazer-se! Hoje o autor demonstra, e segue, que a cochonilha é vivípara, e até 8 de junho de 1774, cria e defendia que era ovípara como se vê das seguintes palavras que me escreveu: “a mesma dúvida citava em saber se ela (a cochonilha) era ovípara ou vivípara, vendo que tu me dizias era vivípara, mas agora depois de estar [fl.26] observando há 8 meses a planta que me veio de Santa Catarina, me persuado (mas não afirmo) ser ovípara, pois há 8 dias que vão crescendo e nutrindo-se; não são como tu dizes sem asas, nem feitio disso, tem 6 pés, tem as 2 barbas na cabeça, que chamam antenas, e são cobertos de um pelo como algodão; e finalmente outras coisas, que com grande gosto estou observando, sobre as quais não quero decidir por não errar assim como todos os outros. Mas já se pode dizer que são ovíparos, cujos ovos ali estavam tão mínimos, que se não percebiam, ainda que eu com o microscópio via na planta uns pequenos pontos brancos. Não se podem já dizer que tem estes ovos postos ali pelas tais moscas? Certamente. (Nota de M.J.H. de Paiva.)
  • 41
    [fl.26v] Assim chamam os naturalistas aos insetos semelhantes exteriormente às galhas, ou excrescências das plantas, e que passam a maior parte da sua vida pegadas aos troncos, ramos e folhas das plantas, sem algum nutrimento sensível. Veja-se Mémoire premier tome quatrième de L’Histoire de Mr. Reaumur sur les insectes. (Nota de M.J.H. de Paiva.)
  • 42
    [fl.27] Quantas outras incoerências, e maiores, senão acham em todo o seu Systema Naturae? Mas como é possível não havê-las se ele é todo artificial? Porque o caráter da ordem deve ser uniforme e constante em todos os gêneros compreendidos nele, parece que todos os insetos da ordem hemíptera deviam ter 4 asas, visto que ele diz na pág. 536, tomo 1, parte 2, “Alae quatuor superiores semicrustaceae incumbentes”, <Hemiptera, e na pág. 687 do mesmo tomo = Hemiptera = “Alae hemelytratae superioribus semicoriaceis etc.”> [Manuscritos da Série Azul, Ms. n.374, fl.337, Academia das Ciências de Lisboa.], mas isto é logo desmentido por todas as espécies do gênero [fl.27v] Coccus, a que só dá duas asas. E não é maior incoerência meter nesta mesma ordem o Cimex lectunarius sem asa alguma, e muitas espécies do gênero Aphis também sem asa alguma como o mesmo Lineu conferia? “Aphides pariunt aestate vivos foectus, autumno ponunt ova. A copula parentum, foecundas nasci filias, neptes, proneptes, abneptes asseverant Entomologi. Aliae apterae, aliae alatae, absque sexus discrimine in eadem specie etc.” Destas, e ainda maiores incoerências, encontro em cada página das suas obras, que não refiro por não vir ao nosso caso, mas que mostrarei a quem quiser. E que fará o naturalista à vista destas espécies, principalmente das que não têm asas? Se ele for principiante, pouco prático e daqueles que se persuadem que a natureza está limitada no seu Systema, tudo lhe parecerão novos gêneros; se for, porém, prático, buscará outros caracteres essenciais ao gênero, e se lembrará que “naturae opus semper est species, et genus, naturae et artis classis, et ordo”. (Nota de M.J.H. de Paiva.)
  • 43
    [fl.28] Estas asas nem são tão duras como as elípticas nem tão moles como as membranáceas, e é uma nota muito arbitrária para fundamento da ordem; logo, é necessário buscar caracteres em outras partes como fez Geoffroy [Étienne Louis Geoffroy]. (Nota de M.J.H. de Paiva.)
  • 44
    Manuscritos da Série Azul. Ms. n.374, fl.338, Academia das Ciências de Lisboa. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.)
  • 45
    [fl.28v] 229 Coccus cacti: Corpus depressum tomentosum rugis transversis et margines laterales dorsi utrinque duplices superior breviore. Abdomen purpurascens, os punctum sublatum e medio pectoris. Antennae subulatae corpore 1/3 breviores. Pedes breves, nigri. Linn. clas. v. ord. 2. p. 747.
  • 46
    [fl.29v] Antes da estação fria os índios [fl.30] cortam as folhas em que estão as pequenas cochonilhas, e as abrigam em casa das chuvas e frios, e como as ditas folhas se conservam fora da terra sem secar-se, lhe fornecem alimento suficiente para se nutrirem por todo o tempo, passado o qual os índios fazem uma espécie de ninho com musgos, palha muito fina e barbas de cocos, e em cada um deles metem 12 ou 14 cochonilhas; e assim preparados põem dois ou três sobre cada folha da planta, a qual eles cultivam ao redor das suas habitações. Passados alguns dias estas cochonilhas parem milhões delas. Recolhe-se, então, os ditos ninhos e as cochonilhas que se tinham posto dentro e que morreram depois de parir, e esta é a primeira cochonilha que colhem. Três ou quatro meses depois, se faz a segunda colheita do produto desta geração, e se deixam algumas prenhadas para o fim de outros 3 meses fazer a outra colheita etc. Despega-se a cochonilha das folhas com um pincel. (Nota de M.J.H. de Paiva.)
  • 47
    [fl.31] Ela, ou se mata metida em cestos mergulhando-os em água quente ou fria e, depois, secando-a ao sol, produz a renegrida; ou em pequenos fornos chamados temascales feitos de propósito para se conservarem em um que não dê calor conveniente, em que se mete sobre esteiras e dá a jaspeada; ou finalmente nas mesmas bacias de metal chamadas comales, em que as mexicanas cozinham o seu pão e produz a negra. (Nota de M.J.H. de Paiva.)
  • 48
    [fl.31] Refere Acosta, na obra já citada, que [fl.31v] a cochonilha que a frota do ano de 1587 trouxera das Índias para Europa importara em um milhão, vinte mil cruzados e duzentos mil réis, e pelo cálculo feito em 1736 por Mr. Neufville [M. L. De Neufville, pseudônimo de Louis de Jaucourt], consta que cada ano importa a cochonilha que entra na Europa em 7 milhões, quatrocentos e dez mil florins de Holanda, ou em quinze milhões e cinquenta mil seiscentos e noventa e uma libras de França, que corresponde a seis milhões, duzentos e dois mil cruzados e trezentos e cinco mil seiscentos réis do nosso dinheiro. Logo, os sete milhões de que fala o autor devem entender-se do dinheiro de Holanda ou florins. (Nota de M.J.H. de Paiva.)
  • 49
    [fl.31v] O mesmo Acosta diz que, no ano [de] 1587, entraram na Europa, isto é, em Castela, cinco mil, seiscentos e setenta e sete arrobas de cochonilha, e hoje sabemos que entram cada ano pelo menos setecentos mil arráteis dela fina, e cento e oitenta mil da silvestre ou ordinária. (Nota de M.J.H. de Paiva.)
  • 50
    [fl.32] E que quantidade? Poderia saber vendo-se os livros das entradas das nossas alfândegas e de todos os tribunais em que ela se despacha: e podemos, entretanto, supor com muito fundamento que entram em Portugal cada ano muitos mil arráteis dela, e que em seu lugar saem para fora do reino muitos mil cruzados que daqui em diante podem girar entre nós, porque não há fábrica alguma da tinturaria que não necessite dela para as cores escarlate e carmesim finas. (Nota de M.J.H. de Paiva.)
  • 51
    Manuscritos da Série Azul. Ms. n.374, fl.340v-341, Academia das Ciências de Lisboa. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.)
  • 52
    [fl.32v] As produções da natureza e da arte ou são da primeira necessidade, e estas são as que nos sustentam, nutrem, curam das doenças e vestem, ou da segunda, que nos servem de luxo, divertimento e deleite: de ambas produz o Brasil com liberalidade; se bem que as da primeira necessidade estão esquecidas e perdidas, porque a cobiça arrasta após as outras os seus habitadores. Cuida-se, porventura, da agricultura naquele país? Não. O ouro e diamantes são o primeiro atrativo dos seus habitadores e os dos povoadores da gente africana. Seria mais útil que esta gente empregada em desentranhar à força de trabalho da terra o ouro e os diamantes, se ocupasse na cultura das terras. Que utilidade não tiraríamos do arroz, dos trigos, dos milhos, das farinhas, e de toda a sorte de grãos que ali produz a natureza sem muito trabalho? Não podemos escusar [fl.33] as manteigas, queijos, etc. que outras nações nos vendem? A pescaria naquele país nos pode subministrar o peixe necessário e escusamos o bacalhau de fora. O algodão, lãs, couros, carneiros etc. seriam um grande ramo de comércio promovidos; estas e outras produções são as que o autor diz que valem física e realmente mais que o ouro e diamantes. Verdade eterna incontestável e demonstrada por tristes experiências e pelos políticos mais prudentes! Quem não vê que são mais pobres aqueles povos entre os quais se consentem a extração dos metais nobres e pedras preciosas; que estes são uma riqueza de ficção ou de sinal, e que quanto mais se multiplicam, mais perdem o seu valor, e as produções da primeira necessidade faltam e encarecem. Com razão o III Imperador da XXI Dinastia da China, a quem se trouxeram pedras preciosas achadas em rica mina, a mandou logo fechar, respondendo que não queria fatigar o seu povo a trabalhar por [fl.33v] uma causa que não podia nem nutri-lo nem vesti-lo. Eu não crimino absolutamente semelhantes minas, mas quisera que elas se considerassem como uma parte acessória ao comércio, e jamais como principal, deixando-se por esta causa a agricultura. (Nota de M.J.H. de Paiva.)
  • 53
    [fl.34] Tudo temos, exceto a quina, que talvez haja.
  • 54
    [fl.34v] Também aqui temos.
  • 55
    [fl.34v] Aqui temos a verdadeira canela que se não cultiva nem colhe. João Hopman tem algumas árvores na sua quinta ou chácara, e delas acorre tão perfeita como a do Ceilão.
  • 56
    [fl.34v] Em São Paulo há uma grande serra cheia dele; lá instituiu um para uma fábrica que, por falta de [fl.35] meios e de outros sócios, não pode subsistir, pendendo por esta razão Feliciano Gomes Neves seis mil cruzados, que emprestou para ela ao dito instituidor, o qual, por falta de mais dinheiro e outras algumas desordens, ficou arruinado, não tendo aquele mais como poder suprir, de sorte que hoje pouco ou nada trabalha quando com pouca dispensa poderia continuar com grande utilidade do Estado.
  • 57
    [fl.36] Conheceram a sua necessidade Diogo de Mendonça Corte Real, Secretário de Estado, seu pai, e nosso bom velho, o Dr. Sarmento [Jacob de Castro Sarmento], como se colige das seguintes palavras escritas na dedicatória do mesmo Sarmento no seu Diretório do uso, e abuso das suas águas: “também tem esta dedicatória por objeto o fazer duas petições a vossa excelência em nome do bem público e gloria da pátria, e uma delas, muito própria do gênio e da repartição de vossa excelência, digo, própria do seu gênio, porque me lembro que, no ano de 1731, tive e executei uma comissão que me mandou o maior ministro [fl.36v] que conheceu Portugal, e o interesse da sua monarquia, excelentíssimo e digno pai de vossa excelência, de perpétua e imitável memória, em que me pedia lhe remetesse os melhores livros de História Natural que eram para vossa excelência, porque tinha uma propensão natural a esta sorte de estudo e se achava muito inclinado a entreprender uma História Natural do nosso Brasil: e esta é a petição que faço a vossa excelência, pedindo-lhe queira lembrar-se e lembrar a sua majestade que, naquele domínio, tem depositado a providência muito maior e mais inestimável tesouro a descobrir por meio de sua História Natural, do que todas as pedras preciosas e ouro que das suas minas se podem extrair. Este grande projeto, bem executado, traria consigo não só grande utilidade a todo o gênero humano, mas seria de glória para este reino, e mais louvável e perpétuo padrão para a posteridade do magnânimo príncipe que ocupa o trono etc.”. (Nota de M.J.H. de Paiva.)
  • 58
    [fl.37] Eu mandei, no ano de 1772, para a Corte uma relação de várias produções naturais aqui descobertas, úteis na Medicina e no Comércio. A jalapa, sobre a qual meu irmão Manuel Joaquim Henriques de Paiva leu na Academia uma Dissertação e uma Resposta Apologética. O mechoação legítimo, que em Portugal se compra e usa falsamente por ele pela ignorância da maior parte dos botânicos, a raiz de norça negra como, na mesma Academia, mostrou meu pai Antônio Ribeiro de Paiva. A salsaparrilha do Maranhão e Honduras, a resina elemi, a goma anime, a de peixe, o incenso, a canafístula, urucum ou archiote, excelente tinta, o cato, sobre quem meu irmão falou em Dissertação, a goma de caju, a raiz da China, os tamarindos, o azougue, e finalmente vários purgantes [fl.37v] benignos e drásticos de que há abundância assim como de outros muitos gêneros que compramos, tendo-os nós, e não tive resposta, nem determinação alguma sobre isto.
  • 59
    [fl.37v] Eu escrevi alguma parte da História Natural do Brasil, e uma Matéria Médica para o mesmo <país>, que conservo <em meu poder e> [Manuscritos da Série Azul. Ms. n.374, fl.345v, Academia das Ciências de Lisboa] que, por particulares razões, não publiquei, mas o farei com toda a brevidade (Nota de M.J.H. de Paiva.).
  • 60
    [fl.38] E que está descoberto? O anil que ali se faz excelente e que podia ser melhor trabalhado com [fl.38v] arte e ciência. O archiote ou urucum necessaríssimos para a tinturaria e pintores. A jalapa, a salsaparrilha do Maranhão e de Honduras, com as quais os castelhanos fazem um grande comércio. Azebar perfeitíssimo que se pode obter. A canela, o gengibre, a baunilha, a pimenta longa, o café, o malabastro ou cravo da terra, gêneros de suma utilidade. A resina elemi, copal, anime, bálsamo peruviano, de cupaiva, eufórbio: matérias todas numerosas. A canafístula, raiz da China, contra-erva, mechocão, sassafras, tamarindos, muito paus, raízes, cascas etc. A goma de peixe descoberta pelo pai do autor, enfim, para referir aqui tudo seria necessário estender-me muito. (Nota de M.J.H. de Paiva.)
  • 61
    Manuscritos da Série Azul. Ms. n.374, fl.345, Academia das Ciências de Lisboa. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.)
  • 62
    Manuscritos da Série Azul. Ms. n.374, fl.345v, Academia das Ciências de Lisboa. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.)
  • 63
    [fl.39v] Os desejos do autor iam tendo feliz cumprimento pela generosidade do excelentíssimo senhor D. Francisco de Lemos Faria Pereira Coutinho, digníssimo reitor e reformador da Universidade de Coimbra. Este sábio e virtuoso prelado, a quem a reforma das letras em Portugal deve tanto por um zelo incansável e por uma generosidade bem rara, tinha nomeado para ir viajar pelo Brasil à sua custa o meu íntimo amigo Manuel Galvão da Silva, naturalista e mancebo de talentos e esperanças, que sem dúvida desempenharia o zelo do digníssimo senhor quando sua majestade, que Deus guarde, foi servida mandar, que se nomeassem filósofos filhos da nova reforma para o mesmo fim. Espero dos seus talentos e aplicação, e do zelo com que os mancebos portugueses procuraram sempre e conseguiram todas as vantagens que o autor aponta (Nota de M.J.H. de Paiva.).
  • 64
    [fl.40] Ou estes naturalistas se hão de ocupar somente na propagação e colheita da cochonilha, e de alguns outros objetos, ou em escrever a História geral e natural daquele país: para exceção do primeiro são suficientes os curiosos de gênio, e os que têm feito algum estudo na História Natural, ainda que não sejam grandes práticos; mas, para desempenho do segundo, quem não vê que é preciso sejam dos mais sábios e maiores práticos? A falta de experiência e de costume no exame dos corpos naturais faz parecer tudo novo, e em barrancas a cada instante nas produções mais triviais. Quanto enganados vivem aqueles que se persuadem naturalista por saberem de cor os caráteres das classes, das ordens e materialmente alguns gêneros! Porém, mais enganados ainda vivem por se imaginarem capazes com estes conhecimentos de escreverem a História Natural de qualquer país. (Nota de M.J.H. de Paiva.)
  • 65
    [fl.40v] Não convenho. Este prêmio, que o autor quer se lhe dê por cada arrátel ou arroba que comprar o administrador, acho que se deve antes dar a quem cultivar, determinando-se verbi gratia certo prêmio por quem num ano cultivar maior quantidade de cochonilha. (Nota de M.J.H. de Paiva)
  • 66
    Manuscritos da Série Azul. Ms. n.374, fl.346v, Academia das Ciências de Lisboa. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.)
  • 67
    Manuscritos da Série Azul. Ms. n.374, fl.347, Academia das Ciências de Lisboa. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.)
  • 68
    Manuscritos da Série Azul. Ms. n.374, fl.347, Academia das Ciências de Lisboa. (Nota de C.B. dos Santos e M.S. Pereira.)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2020

Histórico

  • Recebido
    29 Jul 2018
  • Aceito
    4 Abr 2019
Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz Av. Brasil, 4365, 21040-900 , Tel: +55 (21) 3865-2208/2195/2196 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: hscience@fiocruz.br