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Torrente de loucos: a linguagem da degeneração na psiquiatria portuguesa da transição do século XIX

Resumos

O propósito do presente artigo é mostrar a importância de um modelo das acções humanas fortemente naturalizado que, tomando por eixo uma explicação hereditária, terá sido amplamente usado pela psiquiatria portuguesa da transição do século XIX, em continuidade com o que se passava no contexto europeu. A 'degeneração' instituiu-se como uma espécie de mapa a partir do qual se classificou e descreveu experiências com contornos eventualmente ameaçadores para uma certa concepção de ordem social e política. Fenómenos vários, nosologicamente descritos de formas diferenciadas, viriam a ser integrados na linguagem da degeneração. O seu carácter expansivo e pretensamente metateórico viria a estar implicado na sua agonia, vindo a ser progressivamente substituído por um outro modelo, a psicanálise.

psiquiatria; degeneração; psicanálise; século XIX; Portugal


The scope of this article is to show the importance of a highly naturalized model of human actions that, taking as its pivotal point a hereditary explanation, was widely used by Portuguese psychiatry at the close of the 19th century, in continuity with what was happening in the European context. 'Degeneration' was instituted as a species of chart, based on which experiences were classified and described with occasionally threatening contours for a certain conception of the social and political order. Various phenomena, nosologically described in differentiated forms, came to be integrated into the language of degeneration. Its expansive and supposed metatheoretical character became involved in its death throes, coming to be progressively replaced by another model, psychoanalysis.

psychiatry; degeneration; psychoanalysis; 19th century; Portugal


ANÁLISE

Torrente de loucos: a linguagem da degeneração na psiquiatria portuguesa da transição do século XIX* * Este artigo resulta de uma investigação mais ampla acerca do exercício da psiquiatria forense portuguesa na transição do século XIX. Momentos importantes desse projecto podem ser lidos em Quintais (2002, 2005, 2006). O título "Torrente de loucos" é uma citação/homenagem a O alienista de Machado de Assis (2001).

Luís Quintais

Professor do Departamento de Antropologia / Universidade de Coimbra. Rua do Arco da Traição. 3000-056 Coimbra - Portugal. lfgsq@ci.uc.pt

RESUMO

O propósito do presente artigo é mostrar a importância de um modelo das acções humanas fortemente naturalizado que, tomando por eixo uma explicação hereditária, terá sido amplamente usado pela psiquiatria portuguesa da transição do século XIX, em continuidade com o que se passava no contexto europeu. A 'degeneração' instituiu-se como uma espécie de mapa a partir do qual se classificou e descreveu experiências com contornos eventualmente ameaçadores para uma certa concepção de ordem social e política. Fenómenos vários, nosologicamente descritos de formas diferenciadas, viriam a ser integrados na linguagem da degeneração. O seu carácter expansivo e pretensamente metateórico viria a estar implicado na sua agonia, vindo a ser progressivamente substituído por um outro modelo, a psicanálise.

Palavras-chave: psiquiatria; degeneração; psicanálise; século XIX; Portugal.

No presente estudo, proponho-me tão-só compreender e dar a compreender o alcance geral da 'degeneração' entre os alienistas do período, dos quais se destacam as figuras de Miguel Bombarda, Júlio de Matos e Sobral Cid.

Afigura-se-me relevante dar aqui notícia (ainda que de forma muito sintética) do contexto em que emerge a psiquiatria portuguesa e do labor destas três figuras. O processo de institucionalização da psiquiatria moderna (e a expressão é pleonástica, dado que só há psiquiatria na modernidade) tem efectivamente o seu início em Portugal com a abertura do primeiro hospital para alienados em 1848, o Rilhafoles. Maior impulso veio porém com a figura do médico António Maria de Sena (1845-1890) que foi o primeiro director da segunda instituição do género a surgir em Portugal, o Hospital de Alienados do Conde de Ferreira no Porto, inaugurado em 1883. A Sena deve-se não apenas a fundação do Hospital do Conde de Ferreira, como também a promulgação em 1889 da primeira lei portuguesa da assistência aos doentes mentais, e o primeiro estudo estatístico sobre a alienação em Portugal (Sena, 1884). Miguel Bombarda (1851-1910), ferveroso republicano, virá, por seu turno, a destacar-se ao reformar o Hospital de Rilhafoles, que receberá o seu nome após a sua morte. Bombarda foi um denodado polemista, sendo da sua responsabilidade a criação do Laboratório de Histologia de Rilhafoles em 1887. Júlio de Matos (1857-1923) entrara como adjunto de Sena para o Hospital do Conde de Ferreira em março de 1883, data da sua abertura. Assume a direcção desta instituição em 1890, aquando da morte de Sena. A sua nomeação como médico alienista do Conselho Médico-Legal do Porto data de 1899 (Fernandes, 1957, p.6-8). Em 1911 é destacado como "médico-director de Rilhafoles e transferido da Faculdade de Medicina do Porto para idêntico lugar na de Lisboa" (p.6), assumindo o lugar deixado vago por morte de Miguel Bombarda, que fora assassinado por um ex-paciente seu em Rilhafoles nas vésperas da revolução republicana de 5 de outubro de 1910. José de Matos Sobral Cid (1877-1941), por sua vez, havia sido destacado para Lisboa em 1911 (proveniente de Coimbra) onde, junto da Faculdade de Medicina de Lisboa, veio a desempenhar funções de professor da recém-criada cadeira de psiquiatria forense. Após a morte de Júlio de Matos, Cid virá a leccionar na cadeira de psiquiatria (onde a de psiquiatria forense havia sido incluída). É designado director do manicómio Bombarda em 1923. Aí exercerá funções até ao ano da sua morte (Costa, 1941, p.3; Ilharco, 1981, p.6). Os seus pareceres médico-legais publicados são todos do período em que se associou à Faculdade de Medicina de Lisboa e ao Conselho Médico-Legal da 1ª circunscrição.

Esse momento da história da psiquiatria portuguesa (então em emergência e consolidação) desenha-se tendo em conta os usos de uma linguagem particular, a linguagem da degeneração, mesmo quando ela se afigurava pouco consensual, e mesmo quando a sua agonia se tornava perceptível. Podemos delinear o seu espaço vocabular através de uma citação de Miguel Bombarda:

A herança dos dotes fisiológicos, a herança das múltiplas formas nevropáticas, a transmissão de formas psiquiátricas alternando entre si ou com as primeiras, as relações íntimas da loucura e da criminalidade no ponto de vista da hereditariedade, tudo isto constitui enorme feixe de factos comprovados, sobre os quais a ciência não tem qualquer dúvida e cuja simples exposição tem enchido volumes. A passagem de pais a filhos de estados cerebrais patológicos erige-se hoje à altura de um corpo de doutrina científica. As degenerescências, progressivas ou regressivas, abrangem múltiplos estados de anomalia cerebral, desde as formas geniais, passando pelas nevroses, pela loucura, e pelo crime, até ao idiotismo. E o que é mais, é que essas ligações não se reconhecem só aprés coup, depois das manifestações, depois dos actos, mas ainda se descobrem no indivíduo, até no momento do nascimento, pelas anomalias de forma que constituem o que se chamam estigmas físicos de degenerescência ... [N]o seguimento evolutivo apresentam-se alterações de órgãos e de tecidos, paragens de desenvolvimento e vícios de conformação, alterações que no fundo são verdadeiras monstruosidades. E assim como há desvios teratológicos na pele, no esqueleto ósseo, nas cartilagens, etc. - os estigmas -, assim também os há no órgão cerebral - e daí uma psicologia anormal - loucura, criminalidade, histeria, epilepsia, etc., etc., etc. (Bombarda, 1898, p.64-66)

"Etc., etc., etc.". O que estas prolongadas reticências explicitam é o enorme alcance de uma teoria que haveria de cruzar vários nichos disciplinares durante a segunda metade do século XIX, e cujo projecto científico só viria a soçobrar gradualmente nas primeiras décadas do século XX sob influência de outros quadros teóricos (a psicanálise, por exemplo) e de circunstâncias sociais e políticas que merecem ainda reflexão aturada, pesem embora os inestimáveis contributos de investigadores em que avulta, claramente, Daniel Pick (1996).1 1 Para uma leitura mais ampla das questões aqui identificadas, ver, por exemplo, os textos de Barrows (1990), Gould (1981) e Nye (1984). Refira-se ainda, nas suas implicações racialistas, a análise que Blanckaert (1992) faz da "etnografia da decadência".

Um modelo compreensivo

A degeneração era, pois, um modelo compreensivo da psicologia anormal que, remontando a Bénédict Augustin Morel, radicaria numa inflexão fortemente hereditária de cunho regressivo (Harris, 1989, p.51-79; Pick, 1996, p.44-59). Um modelo que assentaria no facto inquestionável para a psiquiatria da época de que o fundo mórbido se acumularia de geração em geração e que, quando menos se esperasse, irromperia, pondo à prova o tecido social e político vigente.

Há vários modos de compreendermos o significado psiquiátrico e forense disso à luz dos trabalhos dos alienistas portugueses contemplados no presente estudo.

Em 1884, no seu pioneiro Manual das doenças mentais, Júlio de Matos discute entre as "causas predisponentes" da loucura, um factor etiológico de suprema importância, a "hereditariedade". Matos manifesta aí uma inquietação extrema em relação ao alcance que as heranças mórbidas poderiam ter nas populações. Heranças essas difíceis de identificar, quando não sistemática e labororiosamente ocultadas do olhar dos alienistas pelas famílias cujas declarações eram essenciais ao estabelecimento da biografia clínica de um indivíduo (Matos, 1884, p.14). O alcance da explicação degeneracionista era enfatizado nos seguintes termos:

Noutro tempo, os médicos só consideravam hereditário um caso de loucura, quando nos ascendentes do alienado houvesse existido análoga doença; hoje a esfera da ação hereditária tende a dilatar-se, colocando-se sob ela todos os casos de alienação realizados nos descendentes dos nevropatas, dos alcoólicos e dos afectados de doenças diatésicas. Segundo este modo de ver, o alienado representa, não a repetição necessária da loucura ancestral, mas o último termo de uma longa série de íntimas degenerações físicas e psicológicas. (Matos, 1884, p.14, 15)

Os 'degenerados' revelavam o seu fundo mórbido através de um conjunto de características somáticas e psicológicas que se impunha identificar entre os indivíduos de uma população, sendo que na eficácia desse processo de identificação situar-se-ia também a dimensão preventiva em que se abasteceria a Cosmopolis (Toulmin, 1990, p.67-69), isto é, a sociedade regulada pelos preceitos da ciência que era urgente construir. Matos enumera tais índices somáticos e psicológicos, ou estigmas no seu Manual:

Os predispostos por herança à alienação mental distinguem-se aos olhos do observador experimentado por caracteres orgânicos e psíquicos bem apreciáveis.

De ordinário são mal conformados. Os diâmetros crânianos são algumas vezes inferiores à média; outras vezes existe desproporção entre o crânio e a face. A assimetria desta região, a implantação viciosa dos dentes, a conformação irregular das orelhas e as anomalias dos órgãos genitais ... são fenómenos muito comuns. O estrabismo e os tics nervosos ... aparecem algumas vezes ... A evolução infantil destes seres é ordinariamente anormal: são tardios na fala, na marcha e muitas vezes na dentição.

Sob o ponto de vista psíquico, os candidatos à loucura oferecem também caracteres nitidamente patológicos. São excêntricos, utopistas, exaltados, vaidosos, e sobretudo ... revoltantemente egoístas. Apreciam de um modo insuficiente a noção de justiça, lançam a perturbação onde quer que vivam, são coléricos, não têm perseverança ou são teimosos e sentem de ordinário impulsões irresistíveis que os conduzem aos abusos alcoólicos e à devassidão mais abjecta. Às vezes destacam-se da craveira comum das inteligências, excedendo-a muito; entretanto as suas aptidões são sempre exclusivas e restritas. Uns são bons poetas, outros bons músicos ou bons pintores; mas nenhum possui a maleabilidade de espírito que uma educação enciclopédica reclama e exige. (Matos, 1884, p.15, 16)

A predisposição hereditária afigurava-se um dos elementos-chave para compreender a endémica insanidade mental (cujos alcance e contornos para o caso português começara a ser sondada somente naquela década de oitenta do século XIX). A família era, neste sentido, a unidade básica de observação e análise das eventuais patologias e do seu percurso na comunidade. Matos reflecte sobre estas abundantemente, escrevendo a dado momento:

Na espécie humana, como em todas, o produto da fecundação reproduzirá, pela lei da herança, os caracteres típicos dos progenitores. Se estes são perfeitos, o produto deve sê-lo também; mas se são representantes de uma raça em decadência ou de uma família em que existe a mancha hereditária, compreende-se que a consanguinidade de uniões não fará senão acentuar no produto fecundado os caracteres funestos da ascendência. (Matos, 1884, p.17)

O que este alienista revela na sua leitura acentuadamente degeneracionista da insanidade mental é a manifesta articulação entre sexo e sangue que tal matriz explicativa parece justificar.

Se quisermos, sexo e sangue são os dois pólos do sistema degeneracionista. A regulação do sexo através de um "dispositivo de sexualidade", como refere Foucault (1994, p.79-133), articular-se-á insistentemente com uma preocupação veemente com o sangue. Se, como escreve ele (p.127), o "'sangue' da burguesia foi o seu sexo", simetricamente, o sexo da burguesia foi também o seu sangue. Só assim podemos compreender cabalmente a notável observação de que a "família é o cambista da sexualidade e da aliança: ela transporta a lei e a dimensão do jurídico para o dispositivo da sexualidade; e transporta a economia do prazer e a intensidade das sensações para o regime da aliança" (p.111).

O carácter global ou metateórico do modelo degeneracionista pode ser acedido à luz da sua extrema fluidez classificatória (abrangendo algumas das classificações mais expressivas das árvores nosológicas então em uso), e também à luz da recursividade que o esquema denotava entre as categorias do normal e do patológico. Começaria por este último aspecto. Bombarda diz-nos:

As degenerescências são nítidas na sua tradução, porque os factos que abrangem são factos de caracteres brutalmente grosseiros, de uma nitidez de lineamentos que não permite dúvidas ou hesitações. Mas na verdade não são outra coisa senão a amplificação, por vezes caricatural, de coisas normais, porque, fundamentalmente, não há nos fenómenos patológicos nada que não exista nos fenómenos fisiológicos. A energia de manifestação, o modo de combinação, etc., podem ser diferentes, mas a natureza e os caracteres essenciais de uns e de outros são exactamente os mesmos.

Quer dizer, da observação antropológica e psiquiátrica nós podemos fazer as mais legítimas deduções para a psicologia normal e enunciar que o modo de ser da mentalidade depende, por uma parte, da organização cerebral herdada. (Bombarda, 1898, p.68, 69)

Porém, esta metateoria sobre o patológico (pautada pela constante comunicação intersticial com o normal) detinha um perfil bem mais complexo do que se afigura na ênfase estritamente hereditária.

Seria importante perguntarmo-nos sobre o entendimento que aí auferia a noção de hereditariedade invocada. É interessante verificar estarmos perante uma noção de hereditariedade cunhada num território lamarckiano, como refere Harris (1989, p.65). Esta autora revela-nos como o "domínio que a teoria da degenerescência atingiu na parte final do século [XIX] pode apenas ser entendida no contexto da perspectiva lamarckiana francesa sobre a herança (inheritance) e transformação das espécies, uma aproximação que se opunha à ênfase darwiniana sobre a selecção natural" (p.65). Seja como for, e como também não deixa de acrescentar Harris, "é importante reconhecer que nenhuma única e absoluta [logo, essencial] concepção seja 'darwinista' ou 'neo-lamarckiana' pode ser oferecida" (p.65). Sem querer detalhar muito mais, cumpre-me acrescentar, a par de Harris, que não se detectam (e o caso português merece, neste ponto, destaque) em quaisquer das análises degeneracionistas então em vigor, um apelo explícito e inquestionável ao acaso ou à selecção natural como 'motor' do sistema evolutivo. Pelo contrário, o trabalho destes médicos alienistas parece concentrar-se nos esforços do organismo em se adaptar, propositada e direccionalmente, a um meio em permanente mudança (p.67). Neste aspecto, alguns dos alienistas portugueses (em que se destaca Miguel Bombarda) pareciam mimetizar os seus pares franceses, dotando o meio, e não a selecção natural, de uma vectorialidade e de uma criatividade óbvias. Este quadro de transformações pode ser compreendido através de Bombarda:

Um óvulo fecundado, tendo latentes as qualidades paternas, poderá não as apresentar mais tarde, porque foi alterado na sua evolução, por exemplo, por uma doença, ou porque influiu outro factor importante, a educação.

A mentalidade, e portanto os actos do homem, não dependem com efeito exclusivamente da estrutura inicial do cérebro. A educação, no seu sentido mais largo, influi poderosamente sobre o modo por que o homem se conduz e influi actuando na própria base dos actos, isto é, na mesma organização cerebral, que assim se deve considerar, até anatomicamente, como resultante destes dois componentes - estado congénito e acções educativas. (Bombarda, 1898, p.69, 70)

E um pouco adiante não deixa de assinalar a influência que assume a "escola francesa" no seu pensamento, fazendo-a contrastar à "escola italiana":

Tendo porém actuado ou não sobre a própria organização cerebral, o que não tem dúvida é que a educação influi poderosamente sobre os actos dos indivíduos. Esta influência é tão grande que em criminologia se chegou a fundar uma escola, a escola francesa, que considera o factor social como o agente mais importante, senão único, nos factos da criminalidade, em contrário da escola italiana, que vê quase como único factor a organização congênita. (Bombarda, 1898, p.70, 71)

De algum modo, este entrelaçamento entre soma e meio só acentuava as pretensões metateóricas, isto porque pretendia abolir a insanável oposição mente/corpo, enleando-as num único modelo explicativo. Tais pretensões metateóricas sugeriam ainda um fundo comum para a arborescente e sempre instável profusão classificatória. Quando olhamos para as classificações nosológicas do período (nos seus registos teóricos e práticos) compreendemos todo o alcance da observação de Machado de Assis (um contemporâneo de Matos e Bombarda) em O alienista, quando, através da boca do médico Simão Bacamarte, nos diz que a loucura não seria afinal uma "ilha", mas tão-só um "continente".2 2 "A loucura, objecto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente" (Assis, 2001, p.20). O esquema degeneracionista era um modo de circunscrever compreensivamente a pletora de classificações em uso. Repare-se, por exemplo, que o esquema fazia incluir nosologias tão díspares como a 'loucura moral' (que detinha, ela própria, um estatuto classificatório relativamente instável, pautando-se por uma ambiguidade permanente entre patologia e imoralidade, loucura e maldade), a 'epilepsia' ou a 'paranóia' (quaisquer uma destas categorias revelavam uma enorme plasticidade semântica e semiológica). O esquema degeneracionista desdobrava pois as suas ambições longitudinais (Berrios, Beer, 1999, p.324).

Bombarda, fazendo estender o alcance do modelo, ousará detectar na epilepsia o seu fundo degenerativo insofismável. Interrogando a fronteira entre o normal e o patológico, escreve:

Onde existe o espírito idealmente normal, justamente ponderado em todas as suas faculdades, com o quantum exacto de energias volitivas e de potências comotivas? Qual o espírito que não abriga esta ou aquela modalidade que dele faz excepção para o comum dos homens?

Todas estas dúvidas, que ainda se podem sustentar a propósito das degenerescências mais ligeiras, desfazem-se por completo quando profundamos a epilepsia. Estamos quase no extremo oposto da série degenerada. Achamo-nos com os graus mais carregados de estigmatização degenerativa; os factos que encontramos oferecem-se ao mesmo tempo tão fundamente gravados e tão espalhados pelo organismo inteiro que nenhuma hesitação é lícita; achamo-nos francamente no terreno da anormalidade. (Bombarda, 1896a, p.208)

O que esta nosologia revela é pois a constelação degeneracionista em acção, capaz de potenciar deslocamentos entre o normal e o patológico incessantemente reiteradores de avaliações sociais e forenses vastíssimas. Assim, por exemplo, Bombarda (1896a) compara o epiléptico ao louco moral, situando-os em pólos extremos de uma economia da passionalidade, partindo depois para um conjunto de apreciações sobre a natureza humana e sobre os efeitos da civilização na condição essencial do homem:

Os afectos e as paixões dos epilépticos são sempre excessivos ... Desencadeado, sob a influência de uma paixão má, [o epiléptico] é uma besta fera.

O epiléptico é assim um apaixonado; estamos longe do louco moral, que é um indiferente e um egoísta. Mas nessa paixão é sempre a feição má que se acentua incomparavelmente mais. Não porque nele não existam as duas feições, boa e má, que caracteristicamente se alternam. Mas porque é o lado mau que mais nos fere, porque são os sentimentos maus que mais violentamente e com maior prejuízo de terceiro se podem manifestar, porque na vida são muito mais numerosas as circunstâncias que nos podem contrariar do que aquelas que nos podem favorecer, e finalmente porque a natureza humana é primeiro que tudo maldosa e o epiléptico não faz senão exagerá-la.

Há muito verniz de civilização, muito polimento de polícia, na vida social hodierna. Tirem ao homem essa ligeira e artificial camada de benignidade e o selvagem irrompe. Factos de todos os dias no-lo atestam. É a gargalhada alvar dos que presenceiam uma queda que pode ser desastrosa. É a fúria sexual nas aglomerações. É o insulto com que se afronta a mulher honesta que passa. É a perseguição movida aos fracos, aos aleijados, aos idiotas, aos velhos, quando estão longe as vistas policiais. São os actos sanguinários das multidões, é a fúria da carnificina que as acomete quando libertadas do freio tutelar dos agentes de polícia. É finalmente a violência do despotismo, quando o poder encontra um povo inerme, indiferente e apodrecido.

O epiléptico é o homem normal a quem de todo caiu o verniz da civilização; é o homem civilizado em quem o conjunto de noções reflectidas, que são constituídas pelo respeito para com os direitos dos outros e pelo receio da lei, deixa de ter voz no capítulo da consciência. (Bombarda, 1896a, p.217-219)

Este rigoroso pessimismo antropológico norteará a reflexão e a prática forense dos alienistas portugueses da transição do século. A linguagem da degeneração preenche todo espaço das suas considerações em torno de matérias que se prendem com a extensão legal dos conhecimentos médicos. Para Bombarda, tal como para Matos, não apenas a antropologia criminal seria a ciência de vanguarda dos tempos conturbados em que viviam - a "antropologia criminal é a ciência de nossos dias", escreve Bombarda (1896a, p.335) -, como o crime revelava uma "organização individual" defeituosa, e fatalmente defeituosa (p.336). Bombarda, apesar da sua ambiguidade posicional entre a escola francesa e a escola italiana (em A consciência e o livre arbítrio, publicado dois anos após o seu tratado sobre a epilepsia, Bombarda parece mais próximo das posições da primeira do que da segunda), permanece no essencial sempre o mesmo:

O crime é uma fatalidade de organização. Poderá haver eficaz intervenção de condições mesológicas que venham a influir na sua manifestação. Mas o factor individual fica sempre de pé, como o mais poderoso e o mais necessário. Poderão também as teorias individualistas divergir no modo de ver o criminoso. Mas, se muitas pecam pelo exclusivismo, se o crime não é só um fenómeno epiléptico ou atavístico, se nem sempre é o feito de um louco moral, se pelo contrário tudo isso pode ser e ainda mais que a degenerescência abraça, aquilo em que todas se enlaçam é em ver no criminoso um doente.

É este facto que inflexível se sustenta em ciência positiva. Di-lo o estudo de um passado em que se misturam, se entrelaçam, se confundem, crime, nevrose e loucura. Di-lo a complexa estigmatização que marca mais indelevelmente o criminoso que o ferro em brasa de civilizações recuadas. Di-lo ainda uma vida mental que se libertou de laços sociais e que no seu egoísmo abarcaria o mundo inteiro para seu exclusivo gozo. Di-lo finalmente a indocilidade do criminoso perante todas, absolutamente todas as influências educadoras.

A regeneração do delinquente é a mais assombrosa utopia dos nossos tempos. (Bombarda, 1896a, p.336, 337)

O que importa destacar é que a teoria ou modelo da degeneração iria articular, no seu movimento compreensivo, muitas das nosologias então em voga, entre as quais se destacam a loucura moral, a epilepsia, mas também a 'paranóia', esse locus classicus de toda a psiquiatria moderna.

A paranóia, que é uma aquisição da modernidade psiquiátrica, terá expressão individual ou colectiva. E quando se inscreve já não somente no corpo individual, mas também no corpo colectivo, ela pode apelidar-se de 'conspiração'. O medo das multidões sem freio, simples marionetes nas mãos de conspiradores/sugestionadores é, por exemplo, um dos tópicos mais reincidentes nos textos dos alienistas portugueses (fortemente influenciados pelas ideias do pioneiro da psicologia das multidões, Gustave Le Bon).3 3 Uma espécie de fascínio e repulsa pela forças obscuras contidas na multidão parece ocorrer na Europa ocidental entre os séculos XIX e XX, Cenário que creio ser transponível para o caso português, por razões várias, que, em si mesmas, dariam espaço a um outro projecto. Ver, a este propósito, os influentes estudos de Robert Nye (1975, 1984) e o não menos influente de Susanna Barrows (1990). Bombarda explicitá-lo-á na sua reflexão sobre as figuras religiosas e o seu poder sobre multidões de crédulos. Num apontamento sobre a religião islâmica e o seu fundo epiléptico, logo degenerativo, Bombarda escreve inflamadamente:

Verdadeiras religiões, que trazem submissas raças inteiras e homens aos milhões, vão buscar na epilepsia a sua inspiração original. Tal é o maometismo. Maomé era epiléptico.

Quando se contemplam certos epilépticos levados ao auge do seu delírio religioso, compreende-se o arrastamento que, até só por ele, possam exercer sobre multidões ignaras. (Bombarda, 1896a, p.325)

Refere, no mesmo contexto, as "epidemias da loucura" (Bombarda, 1896a, p.325), uma das imagens mais constantes desta perda de controlo sobre as sugestionáveis multidões degeneradas.

Júlio de Matos não deixará, por sua vez, de chamar a atenção para a enorme capacidade de sugestão exercida pelo efeito da multidão ou do grupo. Uma das traduções mais óbvias disto está nas suas invectivas contra um sistema penitenciário que, ignorante das qualidades intoxicadoras da criminalidade patológica, reunia no mesmo espaço "alienados criminosos" e "alienados comuns" (a degeneração surge-nos aqui não tanto como uma simples doença, mas antes como um indelével traço constitucional):

Em grande número de casos, o crime não é nos alienados um episódio de doença, mas o indício seguro de uma degenerescência regressiva, que lhes dá um carácter especial e que os faz não só eminentemente perigosos, mas deploravelmente indisciplinadores. A entrada de um doente destes numa enfermaria comum, assinala-se não poucas vezes por toda uma série de perturbações internas, que só aprecia quem conhece os serviços manicomais. O espírito de mentira e de intriga desta ordem de doentes, a sua tendência, tão excepcional nos outros, às conspirações, a sua permanente insubordinação, os seus vícios, contraídos nos cárceres e nas casas de libertinagem, a sua constante preocupação de fuga, tudo faz deles um elemento de indisciplina e de desordem. (Matos, 1903, p.22, 23)

À luz desta possibilidade de sugestão e contágio, Matos afinará a sua concepção microbiológica e higienista (preventiva) da criminalidade. Esta modalidade do seu pensamento encontra-se bem patente na sua exegese introdutória ao tratado de Garofalo por si traduzido, Criminologia, estudo sobre o delito e a repressão penal, publicado em português no ano de 1893. Sem querer detalhar, leia-se, por exemplo, a seguinte citação que atesta razoavelmente esta noção microbiológica e higienista do contínuo criminalidade-degeneração:

Assim como os micróbios, ínfimos seres de uma textura rudimentar, se insinuam nos mais elevados organismos e neles vivem parasitariamente, nutrindo-se dos seus elementos, roubando-lhes as energias, produzindo-lhes doenças e muitas vezes a morte, também os delinquentes, espíritos inferiores, irrompem nas mais cultas sociedades, haurindo-lhes as forças, perturbando-lhes as funções, colocando-as em permanente sobressalto.

O cólera, a raiva, a gripe, a febre amarela, o carbúnculo, a tuberculose, dezenas de outros flagelos denunciam a presença do inimigo biológico; o assassinato, o roubo, o incêndio, o estupro, a calúnia, dezenas doutros males revelam a existência do inimigo social.

As estatísticas médicas, apontando-nos em cada país a cifra enorme dos que as legiões microbianas todos os dias atiram para os cemitérios, não nos dão senão uma ideia aproximativa do número dos atacados, porque não contam os que a doença deixou para sempre enfraquecidos e irreparavelmente espoliados de um capital de existência, que não pode medir-se; menos aproximada é ainda a ideia que das vítimas dos delinquentes podemos formar em face das estatísticas criminais dos diversos Estados, porque dos seus números estão excluídos todos os que indirectamente sofreram nos seus interesses morais ou económicos pelo facto de cada crime. Pense-se que o assassinato de um só homem pode implicar orfandade de muitas crianças, que o incêndio de uma só propriedade pode conduzir à miséria dezenas de pessoas, que a calúnia lançada sobre um indivíduo se reflecte por incontáveis efeitos sociais sobre os seus descendentes, e ter-se-á compreendido quanto há de obscuro e irredutível a números na tarefa devastadora do delinqüente. (Matos, 1893, p.i, ii)

A psiquiatria nas suas extensões forenses (em convergência com outros saberes) não apenas exerceu um trabalho cultural de produção de ideias que vieram depois a disseminar-se no espaço social sobre estes inimigos internos ao sistema, como, no plano estritamente institucional, veio a desenvolver um trabalho classificatório decisivo na localização de tais inimigos.

A linguagem degeneracionista era moeda corrente na produção de estudos forenses sobre alienados criminosos, tendo, pois, implicações muito concretas sobre a vida de sujeitos específicos. Para exemplo de presentes e futuros especialistas forenses, Matos publica Os alienados nos tribunais, uma trilogia integralmente constituída por estudos de caso forenses que virá a fazer jurisprudência em Portugal durante o século XX (Matos, 1902, 1903, 1907). Entre os estudos de caso aí publicados, são vários os que apelam a uma linguagem degeneracionista.

Um desses casos é o de um tal Manuel Carriço, um natural de Sobreiro (Anadia) de 29 anos de idade (Matos, 1902, p.137-147). Carriço, um quase anónimo jornaleiro (não fora o seu crime, e, sobretudo, não fora a sua entrada para a galeria de casos forenses exemplares de Matos), foi acusado de ter ferido gravemente Manuel Peralta, um seu já idoso vizinho que o ajudara por várias vezes (p.144), com uma foice às seis horas da manhã do dia 12 de abril de 1901. Carriço viria a ser interrogado a 1º de junho no tribunal de Anadia, declarando então que "agredira o Peralta, porque calhou" (p.138; grifos do autor). A aparente ininteligibilidade do gesto de Carriço, "levantou no juiz a suspeita de que o réu fosse alienado". Após a primeira peritagem forense realizada por dois médicos de comarca, que o consideraram 'alienado', o réu haveria de ser objecto ainda de uma cuidada avaliação realizada pelo Conselho Médico-Legal do Porto, cujo relator era Júlio de Matos. Carriço havia cometido um outro crime em 1900 (também sem motivo aparente) que teria consistido no "espancamento de um carreiro" (p.142). No estudo que lhe dedica, Matos escreve a dado momento: "[o]s crimes do Carriço, tanto o de 1900 como o de 1901, são apenas episódios do seu estado mental e não fazem senão denunciar bem caracteristicamente a impulsividade dos degenerados inferiores" (p.145; grifos do autor).

Um outro caso, não menos sintomático, é o de uma "lavradeira" de 51 anos de idade, Ana Joaquina da Costa (Matos, 1902, p.209-223). Natural de Figueiró (Amarante), Ana Joaquina foi acusada de ter incendiado no dia 20 de junho de 1901 a sua casa. Não se descobriu o móbil do crime. E, após ter sido solta a 7 de agosto desse ano, "por falta de pronúncia" (p.210), esta mulher voltou a reincidir, deitando fogo à casa de um vizinho a 8 de agosto. Face à incerteza manifestada pelos facultativos de comarca, Ana Joaquina entrou no manicómio do Conde Ferreira onde, no quadro das competências atribuídas ao Conselho Médico-Legal do Porto, viria a ser objecto de uma análise minuciosa por parte de Matos. Sem negligenciar as suas preocupações antropométricas recorrentes, Matos diz estar-se perante "uma degenerada com estigmas físicos evidentes" (p.216), concluindo a sua observação médico-legal com um conjunto de parágrafos (resposta a quesitos do tribunal) em que se pode ler logo de entrada o seguinte: "Ana Joaquina da Costa é uma degenerada hereditária, mal dotada intelectualmente, sofrendo há muitos anos de epilepsia vertiginosa e ultimamente de acessos delirantes, que substituem as crises somáticas da nevrose" (p.223).

Estamos aqui perante uma rede vocabular que viria a permear fortemente as discussões forenses travadas em torno de alienados criminosos. Mas, de forma mais contextual (e revelatória) do seu carácter discursivamente eficaz na produção da alteridade, no qual a razão técnica dos saberes forenses se enquadrava, importa enfatizar a dimensão generalizada de tal rede vocabular em Portugal (e na Europa ocidental em geral).

O espectro degeneracionista assolava a Europa, e a medicina legal dos alienados, a então emergente psiquiatria forense lusa, era, tal como as suas congéneres europeias (sobretudo a francesa e a italiana), uma oficina de representações culturalmente decisivas para a produção da diferença. A matriz liberal e republicana de então não poderia ser mais propícia à aceitação de tais mecanismos de produção da diferença. E, em grande medida, a medicina legal dos alienados metamorfoseava-se numa medicina legal dos degenerados de contornos, saberes, e exigências profissionais e políticas vastíssimas.

O corolário institucional de tudo isto ocorreu a 11 de maio de 1911, quando foi publicada a primeira grande lei de assistência aos alienados, que teve como principal artífice Júlio de Matos, e que foi subscrita por destacadas figuras da Primeira República, avultando aí os nomes de Joaquim Teófilo Braga, António José de Almeida, Afonso Costa, José Relvas, e Bernardino Machado. É fascinante verificar não apenas a inquietação perante o indeterminável da insanidade mental que tal articulado revela, mas também, e dadas as pretensões profissionais e políticas da psiquiatria e suas extensões forenses, a forma como se pondera a severidade estatística do problema, e, muito particularmente, a forma como se metamorfoseia a linguagem da alienação mental e da criminalidade numa linguagem que se apoia na matriz degeneracionista (de acento fortemente hereditário) emblemática da época. Lê-se aí logo na introdução à lei:

O último caso da população portuguesa revela a existência de 6.600 alienados. Há, porém, sobejas razões para crer que este número está muito aquém da verdade. Uma estatística feita em 1883 pelo professor António Maria de Sena e publicada n'Os alienados em Portugal, denunciava então, apesar de confessadamente incompleta, 8.000 loucos. Ora, tendo-se tornado a vida portuguesa indiscutivelmente mais difícil e penosa, nos últimos 28 anos, não é de modo nenhum provável que aquele número baixasse; ao contrário, deve supor-se que os doentes apurados em 1883, vivendo em liberdade e reproduzindo-se, ao menos em parte, tenham dado origem, mercê das inflexíveis leis da hereditariedade mórbida, a um número considerável de novos alienados. Por outro lado, o alcoolismo, que há 28 anos era ainda entre nós uma intoxicação muito rara, tem-se, desde então, acentuado progressivamente.

Considerações de uma outra ordem nos conduzem ainda a julgar excessivamente diminuta aquela cifra de 6.600 alienados, em que se contavam os assistidos nos manicómios de Lisboa e Porto, em número aproximado de 1.200. Se ela fosse verdadeira, Portugal, com perto de 5 milhões e meio de população, seria um país privilegiado, porque não ofereceria senão 1,02 alienados por cada 1.000 habitantes, o que está abaixo das mais exíguas proporções conhecidas no mundo culto. Ora a verdade é que nem a impressão dos alienistas portugueses que têm visitado o estrangeiro, nem razões especiais de qualquer natureza permitem crer que disfrutemos sob o ponto de vista da loucura uma tão excepcional situação na Europa.

Mas, quando mesmo supusessemos exacta a cifra de 6.600 alienados no território português, nós não deixaríamos de representar, em matéria de assistência, um deplorável e vergonhoso papel. De facto, recolhendo os manicómios de Lisboa e Porto 1.200 doentes apenas, Portugal hospitalizaria menos de uma quinta parte dos seus alienados, deixando as quatro restantes ao abandono, como causa de crimes inconscientes, de sobressaltos sociais e de progressiva degenerescência da raça. Este facto é sem precedentes na história da civilização moderna.

E, infelizmente, porque a cifra de 6.600 alienados não exprime, talvez, senão três quartas partes da realidade, mais sombrio é ainda o quadro da nossa miséria. (Colecção Oficial de Legislação Portuguesa4 4 Doravante denominada COLP. , 1911, p.834; grifos do autor).

A medicina legal dos degenerados tinha assim um efeito determinante nas opções a tomar em relação a indivíduos e colectividades cujos modos de vida e práticas, pouco conformes com a matriz liberal, primeiro, e republicana depois, espelhavam uma ameaça ao sistema. Alcoólicos, prostitutas, homossexuais, de um modo ou de outro, todos foram objeto de enunciações degeneracionistas. O alcance da teoria era de tal ordem que, por exemplo, João Franco, o polémico político liberal, viria a ser apodado em 1907 pelos seus adversários como um caso de degeneração (Ramos, 2001, p.31), e Fernando Pessoa virá a justificar o seu "drama em gente" à luz da leitura que fez da obra de Max Nordau, um dos mais destacados teóricos da degeneração (Simões, 1980, p.259-72).

A agonia de uma linguagem

Isto não quer dizer, porém, que as teorias degeneracionistas fossem rigorosamente consensuais. No plano europeu, sabe-se como tais teorias foram objecto não apenas de contestação, mas também de ironia e sarcasmo. Justamente em 1907, quando, em Portugal, João Franco era objecto de exegese degeneracionista, Joseph Conrad publicava o seu The secret agent, onde abundam os tropos degeneracionistas. Os livros de Conrad, são, como nos mostra Pick (1996, p.160-162), um caso em consideração, isto porque aí podemos detectar o carácter agonístico e impreciso de tais tropos. Se quisermos, os livros de Conrad permitem-nos assistir à inquietação cultural e social in the making que a linguagem da degeneração traduzia, reflectindo-se neles a contestação e a ironia com que era também recebida e apropriada.

A percepção de que se estaria perante uma linguagem dotada de possibilidades miríficas no plano forense, social, e político vigentes não é, pois, uma atribuição anacrónica ou simplesmente retrospectiva. A possibilidade de estarmos perante um vocabulário de pesadelo parece também ter sido compreendida pelos contemporâneos de psiquiatras e psiquiatras forenses da transição do século XIX. Parece inclusive ter sido compreendida pelos próprios psiquiatras. A percepção do maximalismo explicativo dos esquemas degeneracionistas é uma nota coeva de alguns dos seus mais desassombrados defensores.

Em 1896, Miguel Bombarda, destacado agente da Cosmopólis republicana, haveria de publicar em forma de separata "uma contribuição ao estudo médico do anarquismo e do regicídio" (Bombarda, 1896b, p.569). Nesse estudo, Bombarda insurge-se contra a desmesura de certos modos de patologização da criminalidade (o que é uma nota de sintomática singularidade num autor pautado por uma agenda degeneracionista forte). Em particular, diz-nos ser imperioso "reprimir a presteza com a qual se acusa de loucura os feitos que se distanciam por um traço extraordinário ... daqueles que são usuais ou correntes nas sociedades actuais" (p.569). Reportando-se às apressadas associações entre loucura e anarquismo e degeneração e anarquismo, acrescenta:

É fácil de dizer que um atentado anarquista é um acto de alienação mental. Mas coloquemo-nos nós fora da defesa da constituição actual das nossas sociedades, lembremo-nos de tudo o que pode a paixão desesperada ou a energia persuadida pela propaganda daqueles cuja voz é sufocada por uma infinita complexidade de interesses, e poderemos bem estimar se um ou outro dos atentados anarquistas não poderá ser o produto da lógica implacável, da poderosa reflexão de um espírito absolutamente são. Ou então, não haverá nunca revoluções sociais senão aquelas empreendidas por loucos, e a história está repleta de feitos que nos demonstram a conclusão oposta.

O problema é sobretudo um problema prático. Devemos reter em asilos os criminosos anarquistas? Eu não hesito em responder negativamente, ainda que os possamos crer sempre e incontestavelmente uns degenerados. O mundo está cheio de desequilíbrio e degeneração. Podemos afirmar que as sociedades não são somente o resultado de espíritos sábios, mas que há sempre e em todo o lado a colaboração de degenerados e de desequilibrados. Mas há mais: se nós ensaiarmos uma análise dos dados através dos elementos atrás expostos, chegaremos à impossibilidade de saber onde termina o espírito normal e onde é este substituído pela degeneração. (Bombarda, 1896b, p.569)

E adiante, acerca da relação entre loucura e regicídio e degeneração e regicídio, escreverá:

O mesmo direi do regicídio. Nós ainda não fizemos a demonstração que a loucura esteja sempre nos fundamentos do acto. É verdade que construímos um regicida tipo tendo por base a loucura; mas a criação está bem longe da realidade; fomos à procura de elementos disseminados entre os regicidas; um fornece-nos os estigmas físicos de degenerescência, um outro dos estigmas mentais, um terceiro apresenta analogias com os criminosos, etc., e os dados de todas estas fontes diferentes foram reunidos num feixe único, o regicida tipo. Nisto há um procedimento onde não podemos reconhecer senão a falsidade; por um tal meio, chegaremos a denunciar como loucos não apenas todos os criminosos, mas grupos inteiros sejam eles quais forem, entre as profissões e classes mais prudentes e mais conservadoras (Bombarda, 1896b, p.569, 570).

Dir-se-ia que o proselitismo psiquiátrico degeneracionista não é abandonado por Bombarda. Mas é como se ele demonstrasse neste texto a consciência dos seus riscos, ou, e de forma mais cínica (mas talvez mais adequada), a consciência que a natureza de tal raciocínio poderia, ironicamente, comprometer as suas pretensões republicanas, senão mesmo revolucionárias.

Seja como for, há todas as razões empíricas para dar crédito à hipótese de que a degeneração serviu de alavanca às pretensões forenses da psiquiatria portuguesa do período, através de uma radicalização da sua retórica que teve largo impacto no espaço público.

Entre a Monarquia Constitucional (1834-1910) e a Primeira República (1910-1926), a psiquiatria portuguesa e as suas extensões forenses estavam seriamente comprometidas com as inflexões civilizacionais que, de forma diversa, eram letra de lei entre a elite intelectual do país. E se, neste sentido, há um contínuo entre a cultura política de liberais e republicanos, é como se, a dado momento, a descontinuidade entre estes dois universos políticos tivesse sido extremada pelos republicanos através de uma ideia acerca do incumprido da monarquia. E fizeram-no valendo-se de insidiosas ameaças sociais que a incúria da monarquia deixara passar em claro, e que, envoltas em tropos degeneracionistas, eram agora chamadas à colação para fazer valer pretensões profissionais, técnicas e institucionais. O nadir disto (a sua consagração institucional) está plasmado na por mim já invocada lei de 1911. A introdução ao articulado não pode ser mais clara acerca deste urgente plano de transformação social que os médicos da República preconizavam e que só a indigência monárquica havia comprometido. Escreve-se aí:

Sentindo vivamente esta degradante situação [este parágrafo sucede-se ao por mim citado fragmento da lei de 1911], conseguiu o prof. António Maria de Sena, primeiro director do manicómio do Conde de Ferreira, fazer aprovar no Parlamento, em 1889, uma lei pela qual o Governo ficava autorizado à construção de quatro novos manicómios e de enfermarias especiais anexas às penitenciárias. Essa lei, porém, não teve, durante os vinte e dois anos que decorreram sobre ela, um começo, ao menos de execução, conquanto integralmente fossem cobradas as receitas, numerosas e abundantes, que criou para as novas edificações ... Tudo se sumiu, na voragem do extinto regime!

É preciso reparar a monstruosidade que a monarquia nos legou. (COLP, 1911, p.834)

O que a República irá intensificar e dramatizar será a operatividade forense, social e política dos saberes médicos e psiquiátricos. É reconhecido por alguns dos mais destacados historiadores da República a relevância que assumiram aí saberes e agentes médicos, e, sobretudo, psiquiátricos. Os republicanos não apenas fundaram a sua filosofia social numa teoria antropológica que presumia a diferença à luz do modelo degeneracionista, pondo as suas práticas de exclusão social de acordo com tal modelo (o caso dos jesuítas é sem dúvida uma das páginas mais sombrias de tal processo5 5 Ver, por exemplo, Ramos (1994, p.404-409). ), como fizeram também deslocar a sua vontade de transformação da humanidade para a matriz médico-psiquiátrica, de que muitos deles eram reputados mediadores. Certeiramente escreve Rui Ramos (1994, p.415) que, a par da pedagogia, "[s]ó outra ciência foi tão acarinhada pelos republicanos: a psiquiatria. Talvez a psiquiatria não precisasse de ser republicana, mas em 1910 os mais famosos psiquiatras portugueses sentiam necessário ser republicanos activos, a começar pelo chefe civil da revolução do 5 de outubro, Miguel Bombarda, director do manicómio de Lisboa e grande figura da Maçonaria".

É de destacar que o espaço político encontrava-se agora repleto de figuras que faziam parte da classe médica. Como escreve mais uma vez Rui Ramos (1994, p.415), "só no governo provisório havia dois médicos e para a Assembleia Constituinte foram eleitos 44 médicos e um estudante de medicina". As diferenças entre a Monarquia Constitucional e a Primeira República não poderiam ser mais evidentes: "Costumava então dizer-se que, se a monarquia fora o império dos bacharéis em direito, a República representava o advento do império dos médicos" (p.415). Compreende-se, pois, que em 1912, Júlio de Matos, então reitor da Universidade de Lisboa e reputado sábio do regime, fosse falado para ministro da Instrução Pública. Compreende-se, também, que José de Matos Sobral Cid venha, em 1914, a assumir esse ministério. Rui Ramos comenta não sem ironia: "A direcção psiquiátrica garantia assim a eficiência da fabricação de saudáveis e activos republicanos" (p.416). A ordem médica e psiquiátrica assumia, pois, o poder.

A emergência e a consolidação da biopolítica à portuguesa parecia encontrar o seu rumo. E o que dizer da linguagem degeneracionista que servira tão bem as pretensões maximalistas da psiquiatria nas suas extensões forenses? Dir-se-ia que ela já se encontrava em desmantelamento (um processo que, apesar de tudo, se virá revelar muito longo para o caso português), e, neste sentido, Sobral Cid afigura-se incontornável.

Trata-se de uma figura de passagem. De algum modo, ele continua a ser tributário da linguagem degeneracionista. Ao mesmo tempo parece recusá-la veementemente. Assim, por exemplo, em 1913, Cid publica em Movimento médico, uma "revista quinzenal de medicina e cirurgia" sediada em Coimbra, um estudo intitulado "As fronteiras da loucura". Nesse trabalho, que é uma exegese em torno de um detalhado parecer forense sobre um caso de "paranóia litigante", o autor, logo no início do seu texto, procura, por um lado, afastar-se das leituras de senso comum sobre a loucura - o "louco da legenda", cujos padecimentos se revelariam "pela desordem dos actos, pela actividade delirante, pela desintegração da personalidade" (Cid, 1913, p.65, 66) -, e, por outro lado, procura afastar-se igualmente das mais cultas e vulgares concepções de loucura entre a burguesia esclarecida do seu tempo que se fundavam, justamente, no modelo degeneracionista (Cid faz neste ponto uma reflexão sobre aquilo que, na época, se chamavam "degenerados superiores", figuras de génio literário ou artístico que pautavam a sua existência por uma extrema sobranceria em relação às regras e convenções estéticas e sociais normais):

o público, hiperculto e letrado, tende a formar da loucura um conceito, que se é muito mais amplo, tem, em compensação, o defeito de ser infinitamente mais vago e elástico.

A vulgarização da teoria da degenerescência e das doutrinas lombrosianas sobre as relações entre o génio, o crime e a loucura; o teatro escandinavo e certos romances modernos à these médical, colocam-nos num ponto de vista donde se encara sob um ângulo excessivamente aberto o campo das perturbações mentais: fizeram-nos uma mentalidade especial, disposta a decorar com a rubrica da loucura ou a colorir com a etiqueta da degenerescência, todos os personagens da vida real em que se logra vislumbrar o esboço de uma fobia, de uma obsessão, ou que marcam por uma excentricidade evidente, por uma singularidade de conduta ou anomalia de carácter.

Com essa tendência, veio a florescer uma vasta literatura de inquérito psicopático, pronta a esquadrinhar a biografia dos grandes homens, à procura de um diagnóstico retrospectivo que seja a chave explicativa da sua obra genial. (Cid, 1913, p.66)

O que podemos constatar neste trecho é, fundamentalmente, uma inquietação perante um modelo explicativo que, pelo seu carácter latitudinário (parece explicar tudo, e por isso já não explica nada), começa a deixar de satisfazer os alienistas (vimos como em 1896 Bombarda se mostrava descontente com a colossal relevância que a degeneração vinha assumindo). Cid é exemplo desse descontentamento.

O que é mais nítido em Cid, um dos destacados introdutores das correntes psicanalíticas em Portugal, é o progressivo, mas nunca cabalmente realizado, afastamento em relação ao modelo degeneracionista. Dir-se-ia que o seu estudo de 1913 preconiza um radical abandono da degeneração como esquema compreensivo da alienação mental. Mas ainda na década de 1930 fazia publicar um conjunto de estudos de caso médico-forenses, assumidamente cunhados nos famosos Os alienados nos tribunais de Júlio de Matos (Cid, s.d, p.XV)6 6 Ainda que sem data de publicação, esse conjunto de estudos são certamente da década de 1930. O último estudo tem aliás a data de outubro de 1934 (Cid, s.d, p.220). , em que faz apelo a tropos degeneracionistas e esquemas hereditários (as "heranças mórbidas") para capitular as diversas formas de loucura dos criminosos em análise. Ao escrever sobre o caso de um "pseudo-sádico sanguinário" (p.41-59), Cid, reportando-se a práticas de bestialismo do sujeito observado, um soldado que havia violado e assassinado uma menor de nove anos de idade em Palmela, em junho de 1929, diz-nos:

Frequente entre os selvagens e até tolerado e consentido em certas sociedades inferiores, o bestialismo é, pelo seu carácter francamente regressivo, a perversão sexual por excelência dos degenerados de mentalidade rudimentar e primitiva, mesmo naqueles casos - boieiros, moços de estrebaria, pastores - em que a força das circunstâncias exteriores de certo modo o pode explicar.

Assim, a sua presença na história sexual do arguido é mais um elemento a integrar no conjunto homogéneo de reacções e comportamentos, que tão flagrantemente caracterizam o primitivismo da sua organização bio-psíquica (Cid, 1913, p.48).

Cid é o clínico hesitante, recursivamente marcado por dois modelos que nas suas exegeses se digladiam: o modelo degeneracionista que havia herdado dos pais fundadores - Bombarda e Matos, que haveria de qualificar como "inigualáveis predecessores" (Cid, 1930, p.235) -, e o modelo psicanalítico. É importante salientar que a ambiguidade, que se gera no confronto entre esses dois modelos, se faz inscrever iniludivelmente nos seus escritos forenses publicados na década de 1930, e que essa ambiguidade traduz o gradual (e lento) acolhimento que a psicanálise vinha assegurando para si no interior da psiquiatria. Não nos podemos esquecer que Freud morre em 1939, e que a influência da psicanálise se faz sentir desde a década de 1890, quando os seus métodos terapêuticos começam a ser objecto de atenção por parte de elementos exteriores ao círculo de Freud, atravessando, no seu trabalho de afirmação e desgaste de modelos anteriores (em que se contava a psiquiatria biológica degeneracionista), toda a primeira metade do século XX, e vindo a assegurar o seu estatuto normativo já na década de 1960 (Shorter, 1997, p.154).

Seja como for, nas hesitações de Cid descobrimos um dado axial da psiquiatria do século XX: o progressivo abandono da linguagem degeneracionista. Porém, descobrimos também, numa cursiva apreciação do contexto, o trágico desempenho político da agonia de tal linguagem.

Cooptada por eugenistas e higienistas sociais, a degeneração viria a fazer parte integrante da ideologia nazi na década de 1930 (Shorter, 1997, p.99). É durante essa década que Cid publicará a maioria dos seus influentes estudos forenses, alguns deles reunidos em Psicopatologia criminal, outros, talvez os mais estimulantes (pelo detalhe descritivo e hermenêutico que revelam), publicados avulsamente em revistas da especialidade (Cid, 1930, 1935).

NOTAS

Recebido para publicação em janeiro de 2007.

Aprovado para publicação em fevereiro de 2008.

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  • TOULMIN, Stephen. Cosmopolis: the hidden agenda of modernity. Chicago: University of Chicago Press. 1990.
  • *
    Este artigo resulta de uma investigação mais ampla acerca do exercício da psiquiatria forense portuguesa na transição do século XIX. Momentos importantes desse projecto podem ser lidos em Quintais (2002, 2005, 2006). O título "Torrente de loucos" é uma citação/homenagem a
    O alienista de Machado de Assis (2001).
  • 1
    Para uma leitura mais ampla das questões aqui identificadas, ver, por exemplo, os textos de Barrows (1990), Gould (1981) e Nye (1984). Refira-se ainda, nas suas implicações racialistas, a análise que Blanckaert (1992) faz da "etnografia da decadência".
  • 2
    "A loucura, objecto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente" (Assis, 2001, p.20).
  • 3
    Uma espécie de fascínio e repulsa pela forças obscuras contidas na multidão parece ocorrer na Europa ocidental entre os séculos XIX e XX, Cenário que creio ser transponível para o caso português, por razões várias, que, em si mesmas, dariam espaço a um outro projecto. Ver, a este propósito, os influentes estudos de Robert Nye (1975, 1984) e o não menos influente de Susanna Barrows (1990).
  • 4
    Doravante denominada COLP.
  • 5
    Ver, por exemplo, Ramos (1994, p.404-409).
  • 6
    Ainda que sem data de publicação, esse conjunto de estudos são certamente da década de 1930. O último estudo tem aliás a data de outubro de 1934 (Cid, s.d, p.220).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Out 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2008

    Histórico

    • Recebido
      Jan 2007
    • Aceito
      Fev 2008
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