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Desenvolvimento e ciências sociais: as agências internacionais nas favelas na década de 1960

Resumo

O artigo apresenta uma análise da atuação de órgãos internacionais nas favelas na década de 1960: o Brasil-Estados Unidos Movimento, Desenvolvimento e Organização de Comunidade, a Ação Comunitária do Brasil e a Organização das Nações Unidas. Tais entidades veicularam o ideal desenvolvimentista pela cooperação técnica aos países considerados subdesenvolvidos, articulando ciências sociais puras e aplicadas por meio do desenvolvimento de comunidade. Os documentos do Fundo Anthony Leeds custodiados na Casa de Oswaldo Cruz foram utilizados para analisar as ações dessas agências nas favelas e as suas concepções de desenvolvimento. Foram comparados documentos oficiais desses órgãos, como jornais e programas, com notas de campo e cartas de cientistas sociais que faziam trabalho de campo nas favelas no período.

favelas; desenvolvimento; história; ciências sociais

Abstract

An analysis is presented of the work of three international entities in Brazilian favelas in the 1960s: Brasil-Estados Unidos Movimento, Desenvolvimento e Organização de Comunidade; Ação Comunitária do Brasil; and the United Nations. These entities conveyed the ideal of developmentalism through technical cooperation with countries deemed underdeveloped, drawing on the pure and applied social sciences through community development. Documents from the Anthony Leeds archive at Casa de Oswaldo Cruz were used to analyze these entities’ actions in the favelas and their conceptions of development. Their official documents were compared, including newspapers and programs, as well as fieldnotes and letters by social scientists engaged in fieldwork in favelas in the period.

favelas; development; history; social sciences

Turbulenta, a década de 1960 nos EUA foi marcada pelo movimento pelos direitos civis, pela formação da new left e, em plena Guerra Fria, pelo aprimoramento das políticas de boa vizinhança para conter o comunismo nos países não desenvolvidos. No Brasil, a década se iniciou com a inauguração da nova capital, Brasília, seguiu com a ditadura militar estabelecida em 1964 por um golpe e com as remoções impostas às favelas, consideradas um problema para a antiga capital, o Rio de Janeiro. As remoções se iniciaram na década de 1950, com os Parques Proletários, e se fortaleceram na década de 1960, na gestão de Carlos Lacerda no estado da Guanabara (Gonçalves, Brum, Amoroso, 2021; Valladares, 1978VALLADARES, Lícia do Prado. Passa-se uma casa: análise do programa de remoção de favelas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1978. ). Foram implementadas por órgãos governamentais como a Fundação Leão XIII, o Serviço Especial de Recuperação de Favelas e Habitações Anti-higiênicas (Serfha) e a Coordenação de Habitação de Interesse da Área Metropolitana do Grande Rio (Chisam) (Gonçalves, Brum, Amoroso, 2021; Valladares, 1978VALLADARES, Lícia do Prado. Passa-se uma casa: análise do programa de remoção de favelas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1978. ).

Contrário à mudança da capital e ao governo de Juscelino Kubitschek, o jornal O Estado de S. Paulo considerava mais adequado destinar recursos às habitações populares ( Valladares, 2005VALLADARES, Lícia do P. A invenção da favela: do mito de origem à favela.com. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2005. ) e encomendou um estudo sobre as favelas cariocas à Sociedade de Análises Gráficas e Mecanográficas Aplicadas às Ciências Sociais (Sagmacs). Coordenado pelos sociólogos José Arthur Rios e Carlos Alberto de Medina, o estudo “Aspectos humanos da favela carioca”, publicado no suplemento do jornal, foi o primeiro realizado com métodos e técnicas de pesquisa das ciências sociais ( Mello et al., 2012MELLO, Marco A.S. et al. (org.) Favelas cariocas: ontem e hoje. Rio de Janeiro: Garamond, 2012. ; Valladares, 2005VALLADARES, Lícia do P. A invenção da favela: do mito de origem à favela.com. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2005. ; Leeds, Leeds, 2015). Já conhecidas pela literatura, pelo teatro, pelo cinema (Lima, Viana, 2018) e pelo serviço social ( Valladares, 2005VALLADARES, Lícia do P. A invenção da favela: do mito de origem à favela.com. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2005. ), as favelas eram identificadas como um problema. Os sentidos dados a esse termo iam desde enclave rural dentro da cidade, com associações ao isolamento e ao atraso, até a sua estigmatização como antros de pobreza, sujeira, doenças, miséria e criminalidade (Lima, Viana, 2018; Gonçalves, Brum, Amoroso, 2021; Valladares, 2005VALLADARES, Lícia do P. A invenção da favela: do mito de origem à favela.com. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2005. ; Lima, 1989LIMA, Nísia V.T. O movimento de favelados do Rio de Janeiro: políticas de estado e lutas sociais. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1989. ). A mudança da capital federal, portanto, motivou a realização do primeiro estudo das ciências sociais sobre as favelas, cujas recomendações apontavam para a sua urbanização.

A partir de 1965, as favelas passaram a ser estudadas com os métodos e técnicas da antropologia por uma rede de pesquisadores formada em torno dos cientistas sociais estadunidenses Anthony e Elizabeth Leeds. O encontro deles no Tuiuti, em 1965, deve-se à atuação de uma das agências internacionais de cooperação técnica formadas no âmbito da política externa estadunidense durante a Guerra Fria, o Peace Corps Volunteers. No entanto, as favelas já conheciam outras agências dessa natureza, tais como o Brasil-Estados Unidos Movimento, Desenvolvimento e Organização de Comunidade (Bemdoc) e a Ação Comunitária do Brasil (ACB). Não por acaso, a Organização das Nações Unidas (ONU) também se debruçava sobre as habitações de baixa renda no mundo, o que também incluía as favelas.

Os documentos que embasam o artigo compõem o Fundo Anthony Leeds, custodiado na Casa de Oswaldo Cruz, e são datados da década de 1960. O acesso aos documentos é aberto e foram consultados durante a realização da pesquisa que resultou na tese Encontros etnográficos e antropologia em rede: a favela do Jacarezinho e a pesquisa de Anthony e Elizabeth Leeds na década de 1960 ( Viana, 2019VIANA, Rachel de A. Encontros etnográficos e antropologia em rede: a favela do Jacarezinho e as pesquisas de Anthony e Elizabeth Leeds na década de 1960. Tese (Doutorado em História das Ciências) – Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2019. ).

Não é possível identificar precisamente, pela documentação disponível no Fundo Anthony Leeds, em quais favelas a ACB atuou na década de 1960. Conforme as cartas e os relatórios de um agente comunitário, a agência pretendia escolher quatro favelas para atuar e cooperar com a Companhia de Habitação (Cohab) na urbanização de Gardênia Azul e Vila Isabel. Entre as favelas visitadas, estão Fernão Cardim, Parque União, Morro dos Urubus, Vila Cândido, Guararapes, Morro do Sossego e Pavão Pavãozinho ( Viana, 2019VIANA, Rachel de A. Encontros etnográficos e antropologia em rede: a favela do Jacarezinho e as pesquisas de Anthony e Elizabeth Leeds na década de 1960. Tese (Doutorado em História das Ciências) – Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2019. ). Segundo Brum (2011)BRUM, Mário S.I. Cidade Alta: história, memórias e estigma de favela num conjunto habitacional do Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2011. , a ACB atuou na Cidade Alta, conjunto habitacional localizado em Cordovil, inaugurado em 1969. O Bemdoc atuou em Borel, Turano/Liberdade e Nova Brasília. A ONU, nesse período, não pretendia atuar diretamente nas localidades, mas subsidiar governos e órgãos voltados para políticas de habitação de baixa renda. Nesse caso apresentado, queria realizar um seminário sobre habitações de baixa renda com especialistas justamente para dar recomendações aos governos.

Ao comparar documentos da ACB, do Bemdoc e da ONU, verifica-se o que seria, na visão delas e por meio de suas ações, o ideal de desenvolvimento voltado para as favelas. O artigo analisa as ações de promoção do desenvolvimento que consolidavam suas interpretações sobre tal ideal, além da articulação com as ciências sociais no período. Trata-se de detalhar as condições e o contexto que propiciaram o questionamento em relação ao desenvolvimento de comunidade e a discussão ética entre os antropólogos da década de 1960, que resultaram no movimento de reconceituação do serviço social e na composição de um código de ética entre os antropólogos estadunidenses. Nos dois casos, o ideal desenvolvimentista somado à política externa estadunidense, de caráter contrainsurgente e anticomunista, impulsionou esses processos. Foram comparados os documentos oficiais dos órgãos mencionados, tais como programas, boletins, cartas, relatórios, jornais e notas de campo. O artigo divide-se em quatro seções: a primeira trata das disputas narrativas que impactaram a antropologia; a segunda traça um histórico da ideia de desenvolvimento e organização de comunidade; a terceira, a atuação dos referidos órgãos internacionais nas favelas na década de 1960; a quarta, da articulação entre as agências e as ciências sociais.

As guerras frias: teorias e antropologias em disputa

Na década de 1960, vimos, na esteira da Guerra Fria, o anticomunismo, a guerra contra a pobreza iniciada em 1964 ( Katz, 1989KATZ, Michael B. The underserving poor: from the war on poverty to the war on welfare. New York: Pantheon Books, 1989. ) e, pautada pelas discussões sobre mudança social levantadas nas décadas anteriores (Botelho, Bastos, Villas Boas, 2008), a teoria da cultura da pobreza veiculada por Oscar Lewis. Concomitantemente às críticas a essa teoria nos anos posteriores ( Katz, 1989KATZ, Michael B. The underserving poor: from the war on poverty to the war on welfare. New York: Pantheon Books, 1989. ; Leeds, Leeds, 2015), as teorias da marginalidade, da dependência, da modernização e do desenvolvimento deram à pobreza não uma solução, mas uma perspectiva mais social e econômica.

Nos EUA, as políticas públicas de combate à pobreza classificavam os níveis de pobreza conforme o esforço dos indivíduos ( Katz, 1989KATZ, Michael B. The underserving poor: from the war on poverty to the war on welfare. New York: Pantheon Books, 1989. ). A teoria da cultura da pobreza também trouxe a perspectiva individualizante, determinista e condenatória da pobreza. Entre seus equívocos estava a suposição de que pobreza e desigualdade resultavam de uma cultura, desconsiderando as políticas públicas, os processos históricos e econômicos que produzem exclusão social ( Zaluar, 2000ZALUAR, Alba. A máquina e a revolta: as organizações populares e o significado da pobreza. São Paulo: Brasiliense, 2000. ). Embutido nessa teoria havia o entendimento de que os pobres eram os obstáculos do próprio progresso, de que as favelas eram ninhos de autoperpetuação de miséria, vício e desintegração ( Fischer, 2014FISCHER, Brodwyn. A century in the present tense: crisis, politics and the intelectual history of Brazil’s informal cities. In: Fischer, Brodwin et al. (ed.). Cities from scratch: poverty and informality in urban Latin American. Durham; London: Duke University Press, 2014. ; Silva, 1983SILVA, Luiz A. M. da. Vida e morte da teoria da marginalidade. In: Konder, Leandro; Cerqueira, Gisálio; Figueiredo, Eurico de L. Por que Marx? Rio de Janeiro: Graal, 1983. ). Tendo ganhado críticos e adeptos entre acadêmicos, impregnou tanto as ciências sociais quanto as políticas habitacionais remocionistas e as orientações das agências internacionais na difusão do ideal desenvolvimentista ( Benmergui, 2009BENMERGUI, Leandro. The Alliance for Progress and housing policy in Rio de Janeiro and Buenos Aires in the 1960s. Urban History, v.36, n.2, p.303-326, 2009. ; Fischer, 2014FISCHER, Brodwyn. A century in the present tense: crisis, politics and the intelectual history of Brazil’s informal cities. In: Fischer, Brodwin et al. (ed.). Cities from scratch: poverty and informality in urban Latin American. Durham; London: Duke University Press, 2014. ; Netto, 1998NETTO, José Paulo. Ditadura e serviço social: uma análise do serviço social no Brasil pós-1964. São Paulo: Cortez, 1998. ).

Identificando três modelos da teoria da marginalidade urbana, Silva (1971)SILVA, Luiz A. M. da. Mercados metropolitanos de trabalho manual e marginalidade. Dissertação (Mestrado em Antropologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1971. afirma que todos enfatizam o modo de produção, a organização técnica e a disfuncionalidade dos grupos marginais. Tratando distintamente a cultura da pobreza e a marginalidade, e entendendo-as como ramificações da teoria da modernização, o sociólogo identificou traços comuns: a assimilação incompleta do estilo de vida urbano, a não integração de pessoas e locais e a dualidade tradicional versus moderno. Silva (1983)SILVA, Luiz A. M. da. Vida e morte da teoria da marginalidade. In: Konder, Leandro; Cerqueira, Gisálio; Figueiredo, Eurico de L. Por que Marx? Rio de Janeiro: Graal, 1983. também identificou a atribuição de características sociopsicológicas, tais como a apatia e a incapacidade organizativa dos grupos marginalizados; a ideia de círculo vicioso e da perpetuação das condições de vida através de gerações; e a ideia de desajuste cultural aos padrões modernos.

Mesmo já havendo estudos estatísticos desde 1943 que comprovaram a inserção dos moradores de favelas no mercado de trabalho urbano, as favelas e seus moradores continuavam a ser enquadrados como “marginais”, rústicos, migrantes rurais inadaptáveis à vida urbana ( Oliveira, 2014OLIVEIRA, Samuel. “Trabalhadores favelados”: identificação das favelas e movimentos sociais no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte. Tese (Doutorado em História, Política e Bens Culturais) – Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, 2014. ; Fischer, 2014FISCHER, Brodwyn. A century in the present tense: crisis, politics and the intelectual history of Brazil’s informal cities. In: Fischer, Brodwin et al. (ed.). Cities from scratch: poverty and informality in urban Latin American. Durham; London: Duke University Press, 2014. ; Benmergui, 2009BENMERGUI, Leandro. The Alliance for Progress and housing policy in Rio de Janeiro and Buenos Aires in the 1960s. Urban History, v.36, n.2, p.303-326, 2009. ). A marginalização incluía não ter habitação, trabalho formal e não aderir ao modo de vida e consumo das classes médias. A categoria marginalidade operava junto com a informalidade urbana, e sua retórica estigmatizava as favelas e os pobres como obstáculos ao desenvolvimento ( Benmergui, 2009BENMERGUI, Leandro. The Alliance for Progress and housing policy in Rio de Janeiro and Buenos Aires in the 1960s. Urban History, v.36, n.2, p.303-326, 2009. ; Oliveira, 2014OLIVEIRA, Samuel. “Trabalhadores favelados”: identificação das favelas e movimentos sociais no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte. Tese (Doutorado em História, Política e Bens Culturais) – Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, 2014. ; Fischer, 2014FISCHER, Brodwyn. A century in the present tense: crisis, politics and the intelectual history of Brazil’s informal cities. In: Fischer, Brodwin et al. (ed.). Cities from scratch: poverty and informality in urban Latin American. Durham; London: Duke University Press, 2014. ).

A teoria da modernização se alinhava com a oposição tradicional versus moderno. Modernização e desenvolvimento inseriam-se no contexto latino-americano, acionando categorias como “marginalidade estrutural”, de Costa Pinto; “dilema social brasileiro”, de Florestan Fernandes; e “paradoxo argentino”, de Gino Germani (Villas Bôas, jul.-dez. 2005; Brasil Jr., 2013). Para eles, a produção dos mesmos efeitos sociais gerados pela expansão da sociedade moderna, mesmo em ritmos e trajetórias distintas, é o pressuposto dessa teoria que se atrelava ao desenvolvimento e à mudança social (Brasil Jr., 2013). As teorias do desenvolvimento e da dependência seguiam a oposição centro versus periferia, na qual dependência, marginalidade e informalidade se articulam pelo uso das categorias “massa marginal” e “exército de reserva” ( Burnett, 2013BURNETT, Annahid. O debate sobre dependência, marginalidade e informalidade: para uma perspectiva de abordagem do fenômeno ‘Sulanca’. Em debate: Revista Digital, n.9, p.140-161, 2013. ; Silva, 1983SILVA, Luiz A. M. da. Vida e morte da teoria da marginalidade. In: Konder, Leandro; Cerqueira, Gisálio; Figueiredo, Eurico de L. Por que Marx? Rio de Janeiro: Graal, 1983. ).

Nos teóricos do desenvolvimento da década de 1960 é possível verificar a correlação entre desenvolvimento e modernização, industrialização e incorporação de novos valores. Perroux (1967)PERROUX, François. O desenvolvimento. In: Durand, J.C.G. (org.). Sociologia do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967. p.17-26. e Hoselitz (1967)HOSELITZ, Bert. Os principais conceitos da análise das repercussões sociais da evolução técnica. In: Durand, José C.G. Sociologia do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967. p.41-64. dão protagonismo às classes médias e às elites como veículos de mudança. Sendo pontos-chave para a mudança de mentalidade, valores como interesses utilitários, liberdade, justiça, comportamento inovador e orientação para a industrialização, em vez do lucro e da aquisição de riquezas, dariam o novo padrão cultural necessário ao desenvolvimento ( Perroux, 1967PERROUX, François. O desenvolvimento. In: Durand, J.C.G. (org.). Sociologia do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967. p.17-26. , Hoselitz, 1967HOSELITZ, Bert. Os principais conceitos da análise das repercussões sociais da evolução técnica. In: Durand, José C.G. Sociologia do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967. p.41-64. ). Hagen (1967)HAGEN, Everett. O processo de mudança. In: Durand, José Carlos Garcia. Sociologia do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967. p.27-40. , dentro da dualidade tradicional versus moderno, vê o empreendedorismo como manifestação de um sentimento de insubordinação e desejo de liberdade. Lambert (1967)LAMBERT, Jacques. Obstáculos ao desenvolvimento decorrentes da formação de uma sociedade dualista. In: Durand, José Carlos Garcia. Sociologia do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967. p.65-72. explica as áreas desigualmente desenvolvidas pela dificuldade de penetração de novos traços culturais e da difusão do progresso técnico, fatores que promoveriam o desenvolvimento.

Estabelecida no Ponto IV de Truman em 1949, a cooperação técnica internacional com os países da América Latina abrangia áreas como saúde, educação, administração, energia nuclear, entre outras ( Azevedo, 2007AZEVEDO, Cecília. Em nome da América: os Corpos da Paz no Brasil. São Paulo: Alameda, 2007. ; Figueiredo, 2009FIGUEIREDO, Regina E. D. Histórias de uma antropologia da “Boa Vizinhança”: um estudo sobre o papel dos antropólogos nos programas interamericanos de assistência técnica e saúde no Brasil e no México (1942-1960). Tese (Doutorado em Antropologia) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, 2009. ). Esse ponto colocou a promoção do desenvolvimento de países periféricos na agenda da antropologia, levantou a discussão sobre a autonomia científica na escolha de temas para investigação ( Figueiredo, 2009FIGUEIREDO, Regina E. D. Histórias de uma antropologia da “Boa Vizinhança”: um estudo sobre o papel dos antropólogos nos programas interamericanos de assistência técnica e saúde no Brasil e no México (1942-1960). Tese (Doutorado em Antropologia) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, 2009. ), bem como sobre a ética em pesquisa, o financiamento, a independência das ciências sociais e a subordinação às autoridades não acadêmicas ( Solovey, 2001SOLOVEY, Mark. Project Camelot and the 60’s epistemological revolution: rethinking the politics-patronage-social science nexus. Social Studies of Science, v.31, n.2, special issue, p.171-206, 2001. ; Frank, 2018FRANK, André G. Antropologia liberal versus antropologia da libertação. Plural: antropologias desde America Latina y Caribe, v.1, n.2, p.227-266, 2018. , publicado originalmente em 1969; Stocking Jr., 1992).

Integrando a antropologia e a cooperação técnica por meio da promoção do desenvolvimento e da mudança social, o Ponto IV também marcou a invenção dos conceitos desenvolvimento e subdesenvolvimento, favorecendo diferentes propostas para a antropologia que buscavam legitimação e disputavam a mesma agenda ( Figueiredo, 2009FIGUEIREDO, Regina E. D. Histórias de uma antropologia da “Boa Vizinhança”: um estudo sobre o papel dos antropólogos nos programas interamericanos de assistência técnica e saúde no Brasil e no México (1942-1960). Tese (Doutorado em Antropologia) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, 2009. ; Andrade, 2015ANDRADE, Rômulo de P. Contribuições para um debate: a antropologia do desenvolvimento e a valorização amazônica da Amazônia (1951-1955). Cadernos do Desenvolvimento, v.10, n.16, p.53-72, 2015. ). Entre elas: development anthropology, anthropology of development ( Andrade, 2015ANDRADE, Rômulo de P. Contribuições para um debate: a antropologia do desenvolvimento e a valorização amazônica da Amazônia (1951-1955). Cadernos do Desenvolvimento, v.10, n.16, p.53-72, 2015. ), action anthropology ( Tax, 1988TAX, Sol. Pride and puzzlement: a retro-introspective record of 60 years of anthropology. Annual Review Anthropology, n.17, p.1-22, 1988. ), a antropologia aplicada ( Almeida, 2018ALMEIDA, Alfredo W. B. de. “Cowboy anthropology”: nos limites da autoridade etnográfica. Entre Rios, Revista do PPGANT – UFPI, v.1, n.1, p.8-35, 2018. ; Gil, 2012GIL, Gastón J. Antropologia, espionaje y contrainsurgencia: los debates sobre la etica en pesquisa en la antropologia norteamericana de la decada del sesenta. Estudios en antropologia social – CAS/IDES, v.2, n.1, p.55-68, 2012. ) e a antropologia da libertação ( Frank, 2018FRANK, André G. Antropologia liberal versus antropologia da libertação. Plural: antropologias desde America Latina y Caribe, v.1, n.2, p.227-266, 2018. ). Apesar das distinções, todas afirmavam a centralidade da ciência pura e assumiam uma proposta política, indo desde a assunção do sentido hegemônico do desenvolvimento até a autodeterminação e insurgência dos povos periféricos e de seus cientistas ( Viana, 2019VIANA, Rachel de A. Encontros etnográficos e antropologia em rede: a favela do Jacarezinho e as pesquisas de Anthony e Elizabeth Leeds na década de 1960. Tese (Doutorado em História das Ciências) – Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2019. ).

Na esteira dessas disputas da antropologia e das teorias que a atravessavam, as agências internacionais de cooperação técnica surgidas nesse contexto espelhavam as mesmas disputas. Se a sua razão de ser era a promoção de desenvolvimento, articulavam essas narrativas na sua prática dentro das favelas e na sua composição interna, fosse absorvendo profissionais que dominavam esses debates, fosse propagando as suas visões de desenvolvimento para os moradores de favelas. Sobre os usos das antropologias, verifica-se outra diversidade, desde a articulação da antropologia pura com a aplicada até o envolvimento dos profissionais com as demandas políticas dos moradores das favelas. Nesse momento os antropólogos puderam buscar novos sentidos para sua prática profissional, além da atuação acadêmica: poderiam atender às demandas políticas do Estado, dos interlocutores com os quais se encontravam, ou aplicar a técnica do desenvolvimento e organização de comunidade veiculadas pelas agências internacionais de cooperação técnica.

O desenvolvimento e organização de comunidade

A antropologia dos EUA, entre as décadas de 1940 e 1960, vinculou-se às políticas desenvolvimentistas ligadas ao Ponto IV ( Figueiredo, 2009FIGUEIREDO, Regina E. D. Histórias de uma antropologia da “Boa Vizinhança”: um estudo sobre o papel dos antropólogos nos programas interamericanos de assistência técnica e saúde no Brasil e no México (1942-1960). Tese (Doutorado em Antropologia) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, 2009. ), base das agências promotoras do desenvolvimento e da mudança social, cujos eixos de atuação foram o desenvolvimento de comunidade, o desenvolvimento e organização de comunidade e a ação comunitária. Sendo abordagens distintas no serviço social ( Ammann, 2009AMMANN, Safira B. Ideologia do desenvolvimento de comunidade no Brasil. São Paulo: Cortez, 2009. ), seus entrelaçamentos com as ciências sociais eram recomendados pelos intelectuais dedicados ao debate ( Paul, 1955PAUL, Benjamin D. Health, culture and community. New York: Russel Sage Foundation, 1955. ; Maio, Lima, 2009). A rigor, o desenvolvimento e organização de comunidade visava à melhoria das condições de vida de uma localidade por meio da organização e do trabalho de seus moradores.

O desenvolvimento de comunidade surgiu na década de 1930 ( Lopes, 2018LOPES, Thiago da C. Comunitarismo, sociologia rural e diplomacia cultural nas relações Brasil – EUA: ciência e reforma social em T. Lynn Smith e José Arthur Rios (1930-1950). Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2018. ), mas somente foi instituído pela ONU no início da década de 1940, como método de promoção do desenvolvimento, seguindo o ideal social-democrata ( Ammann, 2009AMMANN, Safira B. Ideologia do desenvolvimento de comunidade no Brasil. São Paulo: Cortez, 2009. ). Sua entrada no Brasil se deu na década de 1940, por meio de convênios firmados com os EUA para implementar programas comunitários nas áreas rurais ( Ammann, 2009AMMANN, Safira B. Ideologia do desenvolvimento de comunidade no Brasil. São Paulo: Cortez, 2009. ; Lopes, 2018LOPES, Thiago da C. Comunitarismo, sociologia rural e diplomacia cultural nas relações Brasil – EUA: ciência e reforma social em T. Lynn Smith e José Arthur Rios (1930-1950). Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2018. ). Suas abordagens ganharam variações, de modo que se verifica sua historicidade desde a chegada no país, na década de 1940, até a década de 1960, recorte temporal proposto.

Na década de 1950, tanto a ONU quanto a OEA deram ao desenvolvimento de comunidade um ideal de modernidade economicista, tornando-o base para a política de assistência técnica nas Américas, bem como método de integração da população aos planos nacionais de desenvolvimento econômico e social ( Ammann, 2009AMMANN, Safira B. Ideologia do desenvolvimento de comunidade no Brasil. São Paulo: Cortez, 2009. ; Lopes, 2018LOPES, Thiago da C. Comunitarismo, sociologia rural e diplomacia cultural nas relações Brasil – EUA: ciência e reforma social em T. Lynn Smith e José Arthur Rios (1930-1950). Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2018. ). Sendo visto nessa década em projetos nas áreas rurais e nos seminários dos profissionais de serviço social ( Ammann, 2009AMMANN, Safira B. Ideologia do desenvolvimento de comunidade no Brasil. São Paulo: Cortez, 2009. ), também foi aplicado em projeto de saúde e educação rural em Minas Gerais, coordenado por José Arthur Rios e Kalervo Oberg. Segundo eles, a participação dos moradores na solução de seus problemas e o princípio da autoajuda esbarraram em disputas internas que levaram ao malogro do projeto (Oberg, Rios, 1955; Lopes, 2018LOPES, Thiago da C. Comunitarismo, sociologia rural e diplomacia cultural nas relações Brasil – EUA: ciência e reforma social em T. Lynn Smith e José Arthur Rios (1930-1950). Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2018. ; Paul, 1955PAUL, Benjamin D. Health, culture and community. New York: Russel Sage Foundation, 1955. ).

Em 1960, o desenvolvimento de comunidade incorporou as demandas dos movimentos sociais progressistas, sobretudo da Igreja católica. Nesse momento, os profissionais do serviço social passaram a reivindicar a participação popular, visando à sua conscientização e à sua politização ( Ammann, 2009AMMANN, Safira B. Ideologia do desenvolvimento de comunidade no Brasil. São Paulo: Cortez, 2009. ). O foco do desenvolvimento de comunidade passou a ser a participação de líderes comunitários, apesar de alguns especialistas já apontarem o caráter conservador da autoajuda que amenizava contradições e reforçava a estrutura ( Ammann, 2009AMMANN, Safira B. Ideologia do desenvolvimento de comunidade no Brasil. São Paulo: Cortez, 2009. ).

Segundo Ammann (2009)AMMANN, Safira B. Ideologia do desenvolvimento de comunidade no Brasil. São Paulo: Cortez, 2009. , havia três abordagens no trabalho comunitário: a organização de comunidade, processo de provocar e manter um ajuste entre os recursos e as necessidades de bem-estar; a ação comunitária, resultado dos esforços cooperativos de uma comunidade consciente de seus problemas, organizada para resolvê-los com seus próprios recursos, prevendo colaboração de outras entidades; e o desenvolvimento de comunidade, processo de participação da população no planejamento e na realização de programas destinados a elevar o padrão de vida, prevendo colaboração com o governo.

O desenvolvimento e organização de comunidade (DOC) teria surgido em 1957, no Seminário de Educação de Adultos para o Desenvolvimento de Comunidade, promovido pela União Católica e pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) ( Ammann, 2009AMMANN, Safira B. Ideologia do desenvolvimento de comunidade no Brasil. São Paulo: Cortez, 2009. ). Tratando-se da fusão do desenvolvimento de comunidade e da organização de comunidade, o DOC se embasava na criação de centros cívicos, centros sociais e centros comunitários, visando à participação dos membros da comunidade. Entendendo a comunidade como uma unidade, caracterizada pela integração, a participação teria um caráter funcional voltado à estabilidade e ao consenso. Nas favelas, o DOC apresentou-se na formação de centros sociais e em projetos de sua erradicação ou de sua urbanização, canalizando-se em atividades de melhoria ou criação de infraestrutura urbana pela ajuda mútua ( Ammann, 2009AMMANN, Safira B. Ideologia do desenvolvimento de comunidade no Brasil. São Paulo: Cortez, 2009. ).

Entre as críticas feitas ao Desenvolvimento de Comunidade, destacam-se o seu viés conservador da ordem ou reformismo tímido, mantendo intactas as estruturas das relações sociais capitalistas e desiguais. Há autores que ressaltam o seu papel no reforço à hegemonia capitalista e ao ideal desenvolvimentista, no qual a noção de integração opera com a busca por consensos e controle de grupos, por vezes condicionando-os a uma passividade ( Iamamoto, Carvalho, 1982IAMAMOTO, Marilda; CARVALHO, Raul. Relações sociais e serviço social no Brasil: uma interpretação histórico-metodológica. São Paulo: Cortez, 1982. ; Guilherme, 2012GUILHERME, Rosilaine. Desenvolvimento de comunidade e o serviço social: entre o conformismo e a crítica. Emancipação, v.12, n.1, p.131-141, 2012. ; Netto, 1998NETTO, José Paulo. Ditadura e serviço social: uma análise do serviço social no Brasil pós-1964. São Paulo: Cortez, 1998. ). Há, porém, quem veja o seu potencial transformador, se a participação dos sujeitos for crítica e postular mudanças estruturais na sociedade ( Wanderley, 1993WANDERLEY, Mariangela Belfiore. Metamorfoses do desenvolvimento de comunidade. São Paulo: Cortez, 1993. ). Resultante desses questionamentos feitos ao desenvolvimento de comunidade durante a década de 1960, consolidou-se o movimento de reconceituação do serviço social, perdurando até a metade da década seguinte. Assim, o serviço social, até então mais identificado com o estrutural funcionalismo, passou a adotar perspectiva crítica, mais atrelada ao marxismo ( Netto, 1998NETTO, José Paulo. Ditadura e serviço social: uma análise do serviço social no Brasil pós-1964. São Paulo: Cortez, 1998. ; Iamamoto, Carvalho, 1982IAMAMOTO, Marilda; CARVALHO, Raul. Relações sociais e serviço social no Brasil: uma interpretação histórico-metodológica. São Paulo: Cortez, 1982. ; Guilherme, 2012GUILHERME, Rosilaine. Desenvolvimento de comunidade e o serviço social: entre o conformismo e a crítica. Emancipação, v.12, n.1, p.131-141, 2012. ).

Na difusão do desenvolvimento de comunidade no Brasil destacam-se o sociólogo José Arthur Rios e a assistente social Josephina Albano. Rios, com experiência em campanhas de educação sanitária no interior do Brasil nas décadas anteriores ( Maio, Lima, 2009; Lopes, 2018LOPES, Thiago da C. Comunitarismo, sociologia rural e diplomacia cultural nas relações Brasil – EUA: ciência e reforma social em T. Lynn Smith e José Arthur Rios (1930-1950). Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2018. ), imprimiu em sua atividade profissional o ideal comunitário, inclusive quando atuou na Secretaria de Serviço Social da gestão Lacerda ( Lopes, 2018LOPES, Thiago da C. Comunitarismo, sociologia rural e diplomacia cultural nas relações Brasil – EUA: ciência e reforma social em T. Lynn Smith e José Arthur Rios (1930-1950). Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2018. ; Mello et al., 2012MELLO, Marco A.S. et al. (org.) Favelas cariocas: ontem e hoje. Rio de Janeiro: Garamond, 2012. ). Apesar de ser personagem importante na história do serviço social, há poucos trabalhos que tratam especificamente da trajetória de Josephina Albano. Compondo o quadro docente da Escola de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Josephina Albano dedicou-se à difusão do desenvolvimento e organização de comunidade, organizando cursos na universidade ou promovendo-os nas agências internacionais, como a ACB ( Viana, 2019VIANA, Rachel de A. Encontros etnográficos e antropologia em rede: a favela do Jacarezinho e as pesquisas de Anthony e Elizabeth Leeds na década de 1960. Tese (Doutorado em História das Ciências) – Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2019. ).

As agências internacionais nas favelas

Durante a década de 1960, as habitações de baixa renda ganhavam mais atenção de órgãos internacionais e do Estado, cuja política habitacional desencadeou a resistência de seus moradores contra as remoções ( Valladares, 2005VALLADARES, Lícia do P. A invenção da favela: do mito de origem à favela.com. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2005. , 1978VALLADARES, Lícia do Prado. Passa-se uma casa: análise do programa de remoção de favelas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1978. ; Leeds, Leeds, 2015; Viana, 2014VIANA, Rachel de A. Antropologia, desenvolvimento e favelas: a atuação de Anthony Leeds na década de 1960. Dissertação (Mestrado em História das Ciências) – Casa de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2014. , 2019VIANA, Rachel de A. Encontros etnográficos e antropologia em rede: a favela do Jacarezinho e as pesquisas de Anthony e Elizabeth Leeds na década de 1960. Tese (Doutorado em História das Ciências) – Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2019. ). Marcando a entrada das favelas na agenda de pesquisa das ciências sociais no Brasil, o estudo da Sagmacs rejeitava a remoção, defendia a urbanização, o combate à “demagogia” e estimulava a auto-organização comunitária ( Mello et al., 2012MELLO, Marco A.S. et al. (org.) Favelas cariocas: ontem e hoje. Rio de Janeiro: Garamond, 2012. ), coerente com o ideal de organização de comunidade difundido por Rios (1957RIOS, José Arthur. A educação dos grupos. Rio de Janeiro: Serviço Nacional de Educação Sanitária, 1957. ; Viana, 2019VIANA, Rachel de A. Encontros etnográficos e antropologia em rede: a favela do Jacarezinho e as pesquisas de Anthony e Elizabeth Leeds na década de 1960. Tese (Doutorado em História das Ciências) – Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2019. ; Lopes, 2018LOPES, Thiago da C. Comunitarismo, sociologia rural e diplomacia cultural nas relações Brasil – EUA: ciência e reforma social em T. Lynn Smith e José Arthur Rios (1930-1950). Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2018. ). Partindo da experiência anterior, Rios incentivava a organização de comunidade nas favelas por considerar seus moradores “párias rurais” e por perceber ali uma solidariedade vicinal ( Lopes, 2018LOPES, Thiago da C. Comunitarismo, sociologia rural e diplomacia cultural nas relações Brasil – EUA: ciência e reforma social em T. Lynn Smith e José Arthur Rios (1930-1950). Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2018. ). Rios, durante a gestão de Carlos Lacerda no governo da Guanabara, na Coordenação de Serviços Sociais, estimulou a criação de associações de moradores, envolvendo-os por meio da criação de grupos locais ( Lopes, 2018LOPES, Thiago da C. Comunitarismo, sociologia rural e diplomacia cultural nas relações Brasil – EUA: ciência e reforma social em T. Lynn Smith e José Arthur Rios (1930-1950). Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2018. , p.194, 195; Mello et al., 2012MELLO, Marco A.S. et al. (org.) Favelas cariocas: ontem e hoje. Rio de Janeiro: Garamond, 2012. ; Maio, Lima, 2009; Ammann, 2009AMMANN, Safira B. Ideologia do desenvolvimento de comunidade no Brasil. São Paulo: Cortez, 2009. ).

Mesmo havendo falta de rigor semântico no conceito de desenvolvimento de comunidade no Brasil ( Ammann, 2009AMMANN, Safira B. Ideologia do desenvolvimento de comunidade no Brasil. São Paulo: Cortez, 2009. ), havia experiência técnica e metodológica acumulada, além de estudos que já apontavam a necessidade de entender a cultura local antes do planejamento de qualquer projeto ( Paul, 1955PAUL, Benjamin D. Health, culture and community. New York: Russel Sage Foundation, 1955. ; Oberg, Rios, 1955; Lopes, 2018LOPES, Thiago da C. Comunitarismo, sociologia rural e diplomacia cultural nas relações Brasil – EUA: ciência e reforma social em T. Lynn Smith e José Arthur Rios (1930-1950). Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2018. ; Ammann, 2009AMMANN, Safira B. Ideologia do desenvolvimento de comunidade no Brasil. São Paulo: Cortez, 2009. ; Netto, 1998NETTO, José Paulo. Ditadura e serviço social: uma análise do serviço social no Brasil pós-1964. São Paulo: Cortez, 1998. ). Na década de 1960, portanto, as agências internacionais já tinham conhecimento das dificuldades enfrentadas quando não se apropriavam das ciências sociais. Sabiam que a imposição de modelos de organização vindos de outros contextos culturais levaria os projetos ao fracasso. Os profissionais do serviço social também já questionavam os limites e a perspectiva conservadora do desenvolvimento de comunidade ( Netto, 1998NETTO, José Paulo. Ditadura e serviço social: uma análise do serviço social no Brasil pós-1964. São Paulo: Cortez, 1998. ; Iamamoto, Carvalho, 1982IAMAMOTO, Marilda; CARVALHO, Raul. Relações sociais e serviço social no Brasil: uma interpretação histórico-metodológica. São Paulo: Cortez, 1982. ). Apesar disso, as agências de cooperação técnica nas favelas, se não reincidiram nos mesmos equívocos, não definiram o ideal de desenvolvimento que pretendiam.

A ACB, entidade sem fins lucrativos, surgiu da colaboração de 16 empresários brasileiros, em 1966, e, em 1969, tinha 120 colaboradores. Seu início no Brasil se deu pela mobilização de Paulo Ayres Filho, presidente do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, em articulação com a Action International, que realizava programas de ação comunitária de iniciativa privada nas Américas (ACB, 19 jun. 1969; Ayres Filho, 28 fev. 1966). A ACB destinava-se a inquirir, ordenar e sistematizar o “problema”, mobilizando os recursos locais existentes. Tal como a Acción en Venezuela, a agência integrava a Action International, entidade privada originada em Nova York, em junho de 1965, e que levava assistência social às áreas empobrecidas (ACB, 19 jun. 1969). O Bemdoc era um projeto de cooperação técnica da Agency for International Development (AID), financiada pelo governo estadunidense, voltada para a promoção da metodologia da ação comunitária em parceria com os governos conveniados que solicitassem ajuda técnica (Bemdoc, 26 nov. 1965, s.d.a).

O volume de capital financeiro investido nas agências permitia custear materiais de propaganda e panfletos educativos direcionados aos moradores das favelas. Também custeava a manutenção de pessoal técnico e administrativo envolvido nos projetos, a formação e treinamento de pessoal, a confecção de relatórios e informativos internos e a infraestrutura para o funcionamento dos programas, como aluguel de salas, material de escritório, entre outros. Enquanto a ACB se mantinha com apoio financeiro privado, o Bemdoc era mantido pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) e pela Aliança Para o Progresso.

Do problema à solução: DOC para promover a mudança social

A visão da favela como problema era comum à ACB e à ONU. Para a ACB, a favela também era palco para a realização de um empreendimento: a assistência aos moradores, a sua “solução”. Também entendiam como “problema” um conjunto de aspectos que deveriam ser atacados (ACB, 25 mar. 1966; Ayres Filho, 28 fev. 1966): a migração, o isolamento e a desorganização. Esses elementos consolidavam as teorias da cultura da pobreza e da marginalidade, difundidas no período ( Fischer, 2014FISCHER, Brodwyn. A century in the present tense: crisis, politics and the intelectual history of Brazil’s informal cities. In: Fischer, Brodwin et al. (ed.). Cities from scratch: poverty and informality in urban Latin American. Durham; London: Duke University Press, 2014. ; Oliveira, 2014OLIVEIRA, Samuel. “Trabalhadores favelados”: identificação das favelas e movimentos sociais no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte. Tese (Doutorado em História, Política e Bens Culturais) – Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, 2014. ).

Para a ONU, que pretendia treinar coordenadores de projetos a serem futuramente realizados nas favelas, elas representavam um problema que criava outros. Nas resoluções 1.168 e 1.224 do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, o “problema” da moradia e do desenvolvimento urbano deveria ser prioritário para os governos e agências internacionais, bem como estudos sobre experiências de programas nesse campo (ONU, 5 out. 1967). O Bemdoc (s.d.b) não mencionava a favela como um problema, mas se voltava para a identificação de problemas nas localidades, indicando ser a favela um aglomerado de problemas cuja solução caberia aos moradores, mas com a intermediação da agência. Se para alcançar o desenvolvimento era preciso dar uma solução para as favelas e seus problemas, identificá-los era atividade central das agências. Isso possibilitava mais adequação aos ideais de desenvolvimento, modernização e mudança social da época ( Fischer, 2014FISCHER, Brodwyn. A century in the present tense: crisis, politics and the intelectual history of Brazil’s informal cities. In: Fischer, Brodwin et al. (ed.). Cities from scratch: poverty and informality in urban Latin American. Durham; London: Duke University Press, 2014.) .

Os fatores de mudança social explicitados pela ONU são os acessos aos serviços sociais básicos e à moradia. Afinal, as políticas habitacionais eram vistas como antídoto contra o subdesenvolvimento ( Benmergui, 2009BENMERGUI, Leandro. The Alliance for Progress and housing policy in Rio de Janeiro and Buenos Aires in the 1960s. Urban History, v.36, n.2, p.303-326, 2009. ). Isso explica ser a inserção dos moradores no mercado habitacional e a remediação das condições físicas das favelas os objetivos da ONU (5 out. 1967). É possível deduzir a perspectiva de mudança social das outras agências pelos objetivos declarados em seus documentos.

Por parte da ACB, seus objetivos eram: a criação de centros cívicos para a ação comunitária da agência, a criação de comunidades, o desenvolvimento de lideranças e organizações representativas capazes de atender a suas demandas e conduzir as classes sociais mais influentes a participar da solução dos problemas dos moradores das favelas (Ayres Filho, 28 fev. 1966; ACB, 19 jun. 1969). Da parte do Bemdoc, seus objetivos eram a inserção dos moradores no mercado de trabalho; a ajuda técnica para a resolução dos problemas apontados pelos moradores; a preparação de lideranças para ser intermediários do Bemdoc na organização política da favela; a unificação da comunidade por meio da conscientização de seus problemas e a promoção do DOC (Bemdoc, nov. 1965b, nov 1965a, s.d.b, 26 nov. 1965, maio 1966).

O DOC era entendido como um conjunto de pressupostos: a comunidade ser a maior fonte de recursos para a promoção de suas melhorias; as soluções dos problemas estarem na participação voluntária dos moradores e a integração da comunidade com a sociedade ser responsabilidade do governo local e da sociedade por meio de suas instituições (Bemdoc, nov. 1965b). A associação entre comunidade e integração encontrava-se, na ACB e no Bemdoc, por vezes imbricada com as ideias de isolamento e ruralidade. Tais elementos apresentavam-se no desenvolvimento de comunidade e na teoria da marginalidade associada à informalidade urbana, como categorias que se explicam e operam de forma interdependente ( Fischer, 2014FISCHER, Brodwyn. A century in the present tense: crisis, politics and the intelectual history of Brazil’s informal cities. In: Fischer, Brodwin et al. (ed.). Cities from scratch: poverty and informality in urban Latin American. Durham; London: Duke University Press, 2014. ; Wanderley, 1993WANDERLEY, Mariangela Belfiore. Metamorfoses do desenvolvimento de comunidade. São Paulo: Cortez, 1993. ; Guilherme, 2012GUILHERME, Rosilaine. Desenvolvimento de comunidade e o serviço social: entre o conformismo e a crítica. Emancipação, v.12, n.1, p.131-141, 2012. ).

O discurso impresso nos documentos espelhava os debates das ciências sociais e do serviço social que também associavam as favelas à migração, à ruralidade e, consequentemente, ao atraso. Tal associação constituía elemento importante para a construção de um sentido de desenvolvimento para o qual as ciências sociais contribuíram ( Netto, 1998NETTO, José Paulo. Ditadura e serviço social: uma análise do serviço social no Brasil pós-1964. São Paulo: Cortez, 1998. ; Fischer, 2014FISCHER, Brodwyn. A century in the present tense: crisis, politics and the intelectual history of Brazil’s informal cities. In: Fischer, Brodwin et al. (ed.). Cities from scratch: poverty and informality in urban Latin American. Durham; London: Duke University Press, 2014. ). A ACB via a favela como local para um grande empreendimento: a assistência social em rede, sua principal função, conforme propunha a Action International (Ayres Filho, 28 fev. 1966 ) . Problema e solução articulavam-se de modo interdependente para justificar a existência da ACB e o entendimento de que a assistência social era um empreendimento. O Bemdoc (maio 1966, s.d.c, s.d.b) não via a assistência social como um empreendimento, mas apresentava uma complexidade burocrática em sua organização interna e o esforço em reproduzi-la nas favelas.

Se a assistência social se apresentava como uma função para a ACB, para a ONU e o Bemdoc seus papéis e funções eram mais diversificados e menos intervencionistas. A ONU se propunha a prestar consultoria a governos anfitriões na preparação de seus programas, além de oferecer pessoal técnico, informações e avaliação de métodos e resultados (Crooke, 7 ago. 1968). O Bemdoc se resumia a oferecer ajuda técnica e, quando pudesse, o material necessário à realização de obras, como caixa-d’água, manilhamento de esgoto ou vias de acesso. A ajuda técnica do Bemdoc variava conforme os problemas apontados pelos moradores (Bemdoc, s.d.b, 26 nov. 1965) e estava atrelada à forma de organização do trabalho dentro da localidade, tornando-se tão fluida quanto o sentido de desenvolvimento.

Desenvolvimento: sentidos em construção

Apesar de nenhuma das agências declarar suas definições de desenvolvimento, o conjunto de ações para promovê-lo indica a forma como construíram suas noções. É possível deduzir que desenvolvimento era uma categoria em construção no seio da atuação dessas agências e que, sendo constante e ambientada em diversos contextos, poderia assumir formas variadas conforme o contexto social e político nos locais onde estivessem atuando.

Coerente com a visão redentora da habitação ( Benmergui, 2009BENMERGUI, Leandro. The Alliance for Progress and housing policy in Rio de Janeiro and Buenos Aires in the 1960s. Urban History, v.36, n.2, p.303-326, 2009. ), os três órgãos priorizavam as condições físicas das favelas (ACB, 25 mar. 1966, 19 jun. 1969), vistas como promotoras do desenvolvimento. Às vezes, incluíam o saneamento, com a implantação de equipamentos voltados para esgotamento, construção de fossas e abastecimento de água, além da colocação de incineradores de lixo, escoamento das águas da chuva e remediação de seus estragos (Bemdoc, nov. 1965a, s.d.b, nov. 1965c, maio 1966; Rockefeller, Dutra, 5 ago. 1966; Crooke, 7 ago. 1968; ONU, 5 out. 1967).

Outros aspectos surgem nesse conjunto caracterizante do desenvolvimento voltado para as favelas: a legalidade do uso do solo e das moradias; a melhoria das condições sociais, como a construção de escolas, a oferta de alfabetização, do ensino primário e a melhoria do padrão de vida (ONU, 5 out. 1967; Bemdoc, s.d.b; ACB, 19 jun. 1969). Além das atividades educativas, o Bemdoc também realizou atividades recreativas, tais como projeção de filmes, realização de festas, excursões e a formação de comissões recreativas. A ACB registra ações como cursos de alfabetização, corte e costura, cuidados com a criança, teatro infantil e projeção de filmes (Bemdoc, maio 1966, nov. 1965b; ACB, 19 jun. 1969).

As referências aos aspectos sociais, culturais e do padrão de vida estão mais evidentes na proposta da ACB, em que são externados suas visões e seus discursos sobre os moradores das favelas. Partindo da migração como causa das favelas, concluem pela incapacidade de a cidade incorporar migrantes e pela não adaptação deles à vida urbana (ACB, 25 mar. 1966). Somam-se como pressupostos, além das teorias da cultura da pobreza e da marginalidade, o julgamento da pobreza como algo abjeto e o isolamento das favelas em relação à cidade. Apesar de a ACB identificar o padrão de vida como um elemento-chave do que supunha ser o desenvolvimento, não previa ações culturais nesse sentido nem a mudança de mentalidade.

Migração, ruralidade e isolamento: interfaces da marginalidade e da cultura da pobreza

Uma vez apontada como causa do “problema favela” para a ACB e para a ONU, a migração justificava as seguintes ações por parte da ACB: o investimento em capitais e assistência técnica na agropecuária e na cana-de-açúcar na região norte do estado do Rio de Janeiro. O Bemdoc, mesmo não apontando a migração como causa direta das favelas, também atuava em áreas rurais (ACB, 25 mar. 1966, 19 jun. 1969; ONU, 5 out. 1967; Bemdoc, maio 1966).

Apesar de as estatísticas anteriores à década de 1960 constatarem ser improcedente a origem rural preponderante dos moradores ( Oliveira, 2014OLIVEIRA, Samuel. “Trabalhadores favelados”: identificação das favelas e movimentos sociais no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte. Tese (Doutorado em História, Política e Bens Culturais) – Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, 2014. ; Fischer, 2014FISCHER, Brodwyn. A century in the present tense: crisis, politics and the intelectual history of Brazil’s informal cities. In: Fischer, Brodwin et al. (ed.). Cities from scratch: poverty and informality in urban Latin American. Durham; London: Duke University Press, 2014. ), a ACB e o Bemdoc assumiam tal pressuposição, bem como a incapacidade de assimilação da vida urbana. No Bemdoc, os traços culturais dos mais pobres eram descritos como “dos mais primitivos que se podem esperar numa comunidade urbana” (Bemdoc, s.d.c, p.2), representação associada ao isolamento das favelas e à preservação de traços culturais rurais, tais como práticas religiosas, danças folclóricas e roupas típicas (Bemdoc, nov. 1965b). A ACB considerava a incapacidade técnica em relação aos serviços urbanos, mas também admitia a possibilidade de o morador de origem rural assimilar os modos de vida citadina e capacitar-se para o trabalho urbano por meio de seu programa educativo (ACB, 19 jun. 1969). Para a ONU, a migração explicaria a ruralidade das favelas em seus aspectos sociais e culturais, e o suposto isolamento ocorreria no ambiente rural ou urbano. Partindo disso, tornam-se objetivos da ONU a inserção dos moradores no mercado habitacional e a aceleração da assimilação, entendida como um processo feito em etapas, conforme os tipos de migração rural/urbano, cada etapa apresentando os seus problemas específicos (ONU, jul. 1968). As associações entre migração e isolamento e entre vida urbana e integração somavam-se às características da noção de desenvolvimento e modernização dessas agências. Tais associações apresentavam algumas nuanças.

Para a ACB, a noção de isolamento tinha a ver com a indiferença entre os moradores em relação a eles mesmos. O fato de os moradores não se conhecerem, não fazerem outras atividades coletivas além do futebol e o pouco interesse pela vida dos vizinhos configurava isolamento para essa agência (ACB, 19 jun. 1969). Como alguns autores apontam, o tempo livre do trabalhador deveria ser ocupado, visando discipliná-lo e controlá-lo, em favor do ideal desenvolvimentista e modernizador ( Iamamoto, Carvalho, 1982IAMAMOTO, Marilda; CARVALHO, Raul. Relações sociais e serviço social no Brasil: uma interpretação histórico-metodológica. São Paulo: Cortez, 1982. ). Em “Ação comunitária mostra a vida em cinco ex-favelas”, matéria publicada no Jornal do Brasil , evidencia-se a mudança nas localidades em que houve atuação. É possível deduzir que aqueles locais eram favelas antes da chegada da agência, que lhes levou o ideal de vida associativa. Para a ACB, deixar de ser uma favela significava seguir esse ideal associativo, e não somente mudar o aspecto físico da localidade ou garantir o direito à posse e ao uso do solo. A redenção e o alcance do desenvolvimento estariam além da habitação.

O Bemdoc compreendia o isolamento pela integração, evidenciada pela tentativa de integrar a favela com a classe média local por meio de ações comunitárias, como a oferta de doações e de mão de obra. A integração dos moradores de toda a favela se daria pela vida associativa, traduzida como a participação dos moradores nos diversos grupos organizados e comissões criadas pela agência. O isolamento era entendido como a desunião entre os grupos ou a não interação entre os grupos existentes (Bemdoc, nov. 1965b, nov. 1965c, s.d.c). Reforça-se a ideia de que a habitação geraria hábitos de consumo e comportamento político moderados ( Benmergui, 2009BENMERGUI, Leandro. The Alliance for Progress and housing policy in Rio de Janeiro and Buenos Aires in the 1960s. Urban History, v.36, n.2, p.303-326, 2009. ), bem como o protagonismo dado à difusão de novos traços culturais e à classe média na promoção da mudança social e do desenvolvimento ( Perroux, 1967PERROUX, François. O desenvolvimento. In: Durand, J.C.G. (org.). Sociologia do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967. p.17-26. ; Lambert, 1967LAMBERT, Jacques. Obstáculos ao desenvolvimento decorrentes da formação de uma sociedade dualista. In: Durand, José Carlos Garcia. Sociologia do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967. p.65-72. ; Hoselitz, 1967HOSELITZ, Bert. Os principais conceitos da análise das repercussões sociais da evolução técnica. In: Durand, José C.G. Sociologia do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967. p.41-64. ).

Para o Bemdoc, a ideia de isolamento se dava pelo conflito, e a de comunidade, pelo descarte do conflito nas relações entre moradores e seus grupos organizados, conformando uma visão homogeneizante de comunidade. Somados à assunção de que a integração se daria pela participação de cada membro de toda a comunidade, isolamento e integração são condizentes com a ideia de comunidade e são categorias interdependentes nessa representação. Não haveria comunidade se suas partes não participassem das ações coletivas nem se apresentasse conflito ou divisão entre os grupos. Identifica-se aqui a visão ortodoxa de comunidade, na qual prevalece a unidade consensual, a integração e a participação conforme papéis e funções predefinidos ( Wanderley, 1993WANDERLEY, Mariangela Belfiore. Metamorfoses do desenvolvimento de comunidade. São Paulo: Cortez, 1993. ).

Urbanização versus remoção

Do outro lado da explicação das favelas pela ruralidade, a urbanização do espaço físico e do comportamento de seus moradores figurava como mais um complemento a essas categorias anteriores. Logo, é possível verificar a oposição entre as associações migração/ruralidade-isolamento versus urbanização-integração. A urbanização era uma preocupação da ONU e dos moradores das favelas diante da ameaça de sua remoção para locais de difícil acesso. Enquanto a ONU não vinculava a remoção à urbanização, a ACB apresentou o debate dessa maneira. Apontando a solução fora do governo, a ACB (25 mar. 1966) via o paternalismo do governo e afirmava ser a remoção benéfica somente para a classe alta.

Segundo a ACB (19 jun. 1969), a remoção era paternalista porque o morador recebia a moradia sem precisar lutar por ela ou sem estar preparado para recebê-la. Só defendiam a remoção se houvesse uma preparação do morador, com a finalidade de não reproduzir os mesmos comportamentos no novo local, e se houvesse um levantamento prévio que constatasse boas condições da área para receber o morador removido, de modo que pudesse atender às necessidades dos moradores e garantir acesso ao trabalho. Se a favela fosse considerada urbanizável ou semiurbanizável, não defendiam a remoção. Para alguns colaboradores, a urbanização seria mais adequada do que a erradicação. Entretanto, a política de remoção se justificava no discurso institucional, apesar das condições consideradas pela agência em seu projeto-piloto.

Não sendo explícito nos documentos nem uma posição institucional do Bemdoc, o debate remoção versus urbanização das favelas influenciou o seu trabalho, ao menos no Borel, onde os moradores pensavam ser os técnicos, os promotores da remoção. A ausência do debate nos documentos do órgão talvez se explique porque um dos critérios de escolha das localidades era estar fora do plano de remoção do governo (Bemdoc, s.d.b, s.d.c). A ONU, se não negligenciou completamente o debate, colocou-se timidamente. Ao apontar para ações visando à melhoria das favelas existentes e das futuras, enfatizava mais a urbanização do que o slum clearence (Crooke, 7 ago. 1968).

Considerando o caso das agências analisadas, constata-se que, apesar de não veicular diretamente tal política, assumiram posição ambígua. Ora não se comprometiam a realizá-las diretamente, não estando no escopo de ações institucionais, ora se dispuseram a preparar os moradores e instrumentalizar governos para o processo. Uma vez removidos de favelas da Zona Sul para conjuntos habitacionais na Zona Norte da cidade ( Valladares, 1978VALLADARES, Lícia do Prado. Passa-se uma casa: análise do programa de remoção de favelas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1978. ; Gonçalves, Brum, Amoroso, 2021), o processo impactou espacial e socialmente a cidade sem trazer melhorias urbanas, como transporte público. Para os moradores, as remoções significaram perdas, rearranjos e reinvestimentos financeiros e sociais ( Valladares, 1978VALLADARES, Lícia do Prado. Passa-se uma casa: análise do programa de remoção de favelas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1978. ).

Se as remoções compunham uma rede interconectada de interesses locais, nacionais e transnacionais ( Benmergui, 2009BENMERGUI, Leandro. The Alliance for Progress and housing policy in Rio de Janeiro and Buenos Aires in the 1960s. Urban History, v.36, n.2, p.303-326, 2009. ), é possível entender a ambiguidade institucional das agências sobre o tema. Por outro lado, se as agências queriam identificar os problemas dos moradores para então solucioná-los, as remoções apresentavam-se nesse rol. E, no entanto, não havia nada nos projetos institucionais que direcionasse a atuação das agências para o maior drama vivido pelos moradores de favelas no período. Nesse sentido, cabe detalhar de que forma entendiam as prioridades dadas pelos moradores.

Autoajuda e felt needs: a redenção dos moradores pela educação e pelo trabalho

Como ponto comum nas abordagens desses três órgãos, compondo suas visões de desenvolvimento e conformando suas propostas de desenvolvimento de comunidade, destaca-se a noção de autoajuda, que opera conjuntamente com as felt needs – identificação de problemas e escolha de prioridades a ser resolvidas nas favelas. Para a ACB, a autoajuda era um instrumento ou método para solucionar os problemas encontrados dentro da favela e um princípio filosófico da instituição. Segundo a agência, a autoajuda consistia em fazer o morador da favela utilizar os recursos disponíveis nas proximidades deles, executar serviços para resolver os próprios problemas e evitar o paternalismo. À agência caberia orientar os moradores na identificação de seus problemas e das necessidades da comunidade. Curiosamente, tanto a remoção quanto a autoajuda estavam associadas ao paternalismo, pois a primeira era vista como benesse concedida aos moradores sem que estes precisassem realizar qualquer tipo de esforço para conquista, e a segunda seria o antídoto contra o paternalismo. Logo, se o paternalismo era visto como a doação/recepção de benefícios sem esforço, qualquer doação não estudada desestimularia o morador a tomar iniciativa individual, daí a importância da autoajuda na ruptura desse processo (ACB, 25 mar. 1966, 19 jun. 1969). Além disso, a autoajuda operaria no sentido de mudar os padrões de pensamento e comportamento do morador tanto para realizar o ideal de comunidade da agência quanto para evitar que os conjuntos habitacionais para onde seriam removidos fossem favelizados (ACB, 19 jun. 1969; Brum, 2011BRUM, Mário S.I. Cidade Alta: história, memórias e estigma de favela num conjunto habitacional do Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2011. ). Operando com a visão redentora da educação, o uso da autoajuda e das ações de automelhoria para educar o pobre funcionava como mecanismos de ocupação do tempo ocioso e para favorecer a mudança de hábitos ( Benmergui, 2009BENMERGUI, Leandro. The Alliance for Progress and housing policy in Rio de Janeiro and Buenos Aires in the 1960s. Urban History, v.36, n.2, p.303-326, 2009. ; Iamamoto, Carvalho, 1982IAMAMOTO, Marilda; CARVALHO, Raul. Relações sociais e serviço social no Brasil: uma interpretação histórico-metodológica. São Paulo: Cortez, 1982. ).

O ideal de autoajuda, concretizado pelo mutirão, é apresentado nos documentos do Bemdoc (nov. 1965b, nov. 1965c) como a organização dos moradores para a execução de trabalhos para a melhoria das condições físicas e para a oferta de serviços dentro da favela pelos próprios moradores. Tal como à ACB, ao Bemdoc cabia orientar o morador na identificação das necessidades da favela e no planejamento da solução para os problemas selecionados. Conforme a agência: “A participação integral do morador no planejamento global desenvolve nele visão ampla de seus problemas e soluções, habilitando-o a futuras tomadas de iniciativa, definindo as suas responsabilidades e a do Bemdoc” (Bemdoc, 26 nov. 1965, p.4, 5). Para o Bemdoc (nov. 1965c), a autoajuda era um modo de os moradores operarem a mesma lógica organizativa seguida pela agência, isto é, dividindo-se em comissões e subcomissões, além de ser vista como um veículo da noção de integração idealizada pela agência.

Quanto à ONU, a melhoria das condições de vida, das condições físicas, sociais e econômicas seria feita pela participação dos moradores e por organizações de automelhoria. Essa noção se reforça no objetivo declarado: promover ações usando a capacidade do povo para investir e trabalhar. As ações seriam escolhidas conforme as felt needs , mas entendia-se que nem toda ação das agências governamentais deveria coincidir com estas para o seu sucesso (Crooke, 7 ago. 1968; ONU, 5 out. 1967). Sendo a autoajuda e o mutirão fundamentais para o desenvolvimento de comunidade e para o ideal desenvolvimentista das agências, apresentam-se como práticas disciplinadoras dos moradores. Não só preencheria o tempo ocioso ( Fischer, 2014FISCHER, Brodwyn. A century in the present tense: crisis, politics and the intelectual history of Brazil’s informal cities. In: Fischer, Brodwin et al. (ed.). Cities from scratch: poverty and informality in urban Latin American. Durham; London: Duke University Press, 2014. ), como também adaptaria os “marginais” à vida urbana ( Oliveira, 2014OLIVEIRA, Samuel. “Trabalhadores favelados”: identificação das favelas e movimentos sociais no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte. Tese (Doutorado em História, Política e Bens Culturais) – Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, 2014. ) e favoreceria a difusão dos outros ideais, sobretudo a integração e a adoção de novos comportamentos. Nesse sentido, as ações de caráter educativo se manifestavam de maneiras diversas, muitas vezes voltadas para a vida econômica dos moradores.

A inserção dos moradores no mercado de trabalho é por vezes atrelada às ações educativas, tais como a promoção de cursos técnicos e o treinamento vocacional. De fato, o Bemdoc voltou-se para essa tarefa nas localidades onde atuou: Borel, Turano e Nova Brasília (Bemdoc, s.d.b, maio 1966; Crooke, 7 ago. 1968). Em relação à ACB, a inserção no mercado de trabalho não figura entre os objetivos propostos no projeto, embora tenham sido promovidas ações de treinamento técnico voltado para a qualificação profissional nas localidades onde atuou (ACB, 19 jun. 1969; Brum, 2011BRUM, Mário S.I. Cidade Alta: história, memórias e estigma de favela num conjunto habitacional do Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2011. ). Outras propostas da ONU, não encontradas nas demais agências, são a inserção dos moradores no mercado habitacional e a melhoria da eficiência da máquina administrativa. A relevância desta última era justificada pelo entendimento de ser responsabilidade dos governos a provisão de assistência social. Essa assistência deveria coincidir com as felt needs e com os recursos locais, incluindo a força de trabalho local e a capacidade dos moradores em adequar a máquina técnico-administrativa para que o programa pudesse ser realizado (ONU, 5 out. 1967).

Cabe observar que a prática do mutirão já existia nas favelas (Leeds, Leeds, 2015). Sendo assim, sabiam definir suas prioridades. É possível, portanto, questionar em que medida as prioridades dos moradores coincidiam com as identificadas pela agência ou quais eram os possíveis descompassos entre esses atores.

Os moradores

Não menos frequente, mas obliterada, é a discussão sobre a relação dessas agências com os moradores, somente evidenciada nos documentos do Bemdoc. Neles verifica-se tanto a idealização dessa relação por parte da agência quanto o que de fato viram e vivenciaram. Segundo o programa-piloto, a agência esperava a participação dos moradores em todas os grupos e fases organizados pelo projeto. O envolvimento dos moradores era uma estratégia para trazer os representantes dos grupos locais já existentes. A relação com os moradores pode ser observada na intenção de inserir a participação do morador na montagem do planejamento global da entidade. O objetivo seria estudar e planejar, junto com a equipe da entidade, os problemas e soluções encontrados. Para a agência, essa colaboração neutralizaria os conflitos dos grupos locais e evitaria o envolvimento do Bemdoc. Aliás, essa posição de neutralidade em relação aos conflitos já existentes nas favelas era algo que não agradava os moradores (Bemdoc, 26 nov. 1965, s.d.c). À medida que as equipes se deparavam com grupos, interesses e conflitos já existentes, somados à conjuntura política da ditadura militar que retraía a movimentação política dos moradores, tinham de lidar com conflitos de interesses dos moradores em relação ao projeto.

O primeiro conflito remete à natureza do projeto. De um lado, havia a expectativa dos moradores em obter da agência a ajuda material para a execução de obras de melhorias físicas, nem sempre fornecida conforme as expectativas dos moradores. De outro lado, o objetivo principal do Bemdoc era a formação de lideranças para a mobilização dos moradores em ações e projetos de autoajuda, além da capacitação de mão de obra. Segundo os documentos da agência, os moradores a viam como executora e financiadora de obras, mas reconheciam que a situação resultava da interpretação dada no lançamento do programa (Bemdoc, nov. 1965c, 26 nov. 1965).

A articulação com as ciências sociais

Verifica-se que as agências buscavam definir a sua metodologia de trabalho o mais próximo possível das ciências sociais para fundamentar e orientar seus planos de ação. Afinal, a identificação das demandas dos moradores e a entrada nas favelas, entre outras facetas da atuação das agências, requeriam a articulação e o uso das ciências sociais. A apropriação desses métodos e técnicas variava conforme a concepção construída individualmente pelas agências em relação às favelas ou squatter settlements , frequentemente acionados, por mais pontuais que fossem as informações coletadas. Também acionavam as técnicas para a entrada nas favelas, ainda que não se preocupassem em se enquadrar no campo da antropologia aplicada, da antropologia do desenvolvimento, do development anthropology ou da action anthropology . É possível questionar até que ponto se apropriavam da ciência pura para traçar suas metodologias de trabalho seguindo um rigor teórico-metodológico. Além disso, havia identificação com a antropologia estrutural funcionalista nos programas de desenvolvimento de comunidade ( Benmergui, 2009BENMERGUI, Leandro. The Alliance for Progress and housing policy in Rio de Janeiro and Buenos Aires in the 1960s. Urban History, v.36, n.2, p.303-326, 2009. ; Guilherme, 2012GUILHERME, Rosilaine. Desenvolvimento de comunidade e o serviço social: entre o conformismo e a crítica. Emancipação, v.12, n.1, p.131-141, 2012. ).

Isso era mais evidente na ONU e no Bemdoc, enquanto a ACB parecia fazer um uso mais pontual e utilitário das técnicas das ciências sociais. Por parte da ONU, a busca por uma metodologia cientificamente mais adequada, reunindo especialistas para o treinamento de pessoal, antes de elaborar projetos e programas, já evidencia essa preocupação. O pedido de sugestões e críticas a Anthony Leeds, cientista social, feita por Patrick Crooke, arquiteto e técnico do órgão, ambos dedicados aos squatter settlements (Crooke, 7 ago. 1968; Leeds, 16 out. 1968), também evidencia essa preocupação prévia à elaboração de qualquer programa. Afinal, a moradia de baixa renda era uma prioridade da agência, a exemplo da resolução tratando somente do tema. Não menos importante, o intercâmbio profissional verificado nesses órgãos, como com Anthony Leeds, evidenciava a busca pelas ciências sociais como um elo entre eles.

Apesar de a ACB ter declaradamente adotado os princípios e métodos da ação comunitária, estabelecendo também critérios de escolha para as localidades onde atuaria, o modo como adentrava as favelas seguia um procedimento semelhante ao dos cientistas sociais: estabelecer uma porta de entrada antes do convívio. O processo de convencimento dos moradores envolvia a inserção de quadros da agência no cotidiano da favela e na vida diária de seus moradores. A resistência deles era desvencilhada pela colaboração de “pessoas-chave da favela”, como líderes religiosos, donos de biroscas, times de futebol, controladores de água, entre outros (ACB, 19 jun. 1969).

O treinamento teórico era oferecido aos agentes comunitários que atuariam nas favelas e realizado na Venezuela. Anthony Leeds, Josephina Albano e José Arthur Rios foram convidados a reger o curso básico de Ação Comunal realizado pelo departamento de treinamento da ACB em 1967. O antropólogo Anthony Leeds e a cientista política Elizabeth Leeds já vinham pesquisando as favelas com métodos e técnicas das ciências sociais desde 1965 ( Valladares, 2005VALLADARES, Lícia do P. A invenção da favela: do mito de origem à favela.com. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2005. ; Viana, 2014VIANA, Rachel de A. Antropologia, desenvolvimento e favelas: a atuação de Anthony Leeds na década de 1960. Dissertação (Mestrado em História das Ciências) – Casa de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2014. , 2019VIANA, Rachel de A. Encontros etnográficos e antropologia em rede: a favela do Jacarezinho e as pesquisas de Anthony e Elizabeth Leeds na década de 1960. Tese (Doutorado em História das Ciências) – Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2019. ; Lima, Viana, 2018). Josephina Albano era um quadro importante da escola de serviço social da PUC-Rio e do Centro de Pesquisas Habitacionais, órgão do Banco Nacional de Habitação ( Viana, 2014VIANA, Rachel de A. Antropologia, desenvolvimento e favelas: a atuação de Anthony Leeds na década de 1960. Dissertação (Mestrado em História das Ciências) – Casa de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2014. , 2019VIANA, Rachel de A. Encontros etnográficos e antropologia em rede: a favela do Jacarezinho e as pesquisas de Anthony e Elizabeth Leeds na década de 1960. Tese (Doutorado em História das Ciências) – Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2019. ). O sociólogo José Arthur Rios acumulava bastante experiência na pesquisa sociológica e na aplicação das ciências sociais, a exemplo de sua atuação no Serviço Especial de Saúde Pública e nos projetos de desenvolvimento de comunidade (Maio, Lima, 2009; Lopes, 2018LOPES, Thiago da C. Comunitarismo, sociologia rural e diplomacia cultural nas relações Brasil – EUA: ciência e reforma social em T. Lynn Smith e José Arthur Rios (1930-1950). Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2018. ; Oberg, Rios, 1955; Mello et al., 2012MELLO, Marco A.S. et al. (org.) Favelas cariocas: ontem e hoje. Rio de Janeiro: Garamond, 2012. ). Treinando os agentes em temas como “Ação comunitária”, “Aspectos gerais da favela – história e migração”; “Favelas in relation to society” e “Urbanization – Future”, a ACB (s.d.) articulava as ciências sociais aos seus propósitos institucionais. A presença desses intelectuais em um curso da ACB ilustra não somente o quanto eles eram referências em desenvolvimento de comunidade, bem como para a articulação entre cientistas sociais e assistentes sociais, e entre ciências sociais puras e aplicadas. Tal entrecruzamento no desenvolvimento de comunidade dava-se não somente por iniciativas desse tipo, mas na construção metodológica constante, embasada no registro das experiências ( Iamamoto, Carvalho, 1982IAMAMOTO, Marilda; CARVALHO, Raul. Relações sociais e serviço social no Brasil: uma interpretação histórico-metodológica. São Paulo: Cortez, 1982. ). Quanto a Rios e Albano, tinham ligações com a Igreja católica por meio do movimento Economia e Humanismo. A conexão deles com a ACB demonstra essa aproximação entre a academia e os órgãos que executavam os programas de desenvolvimento e organização de comunidade.

A semelhança entre a ACB e o Bemdoc era o contato com a administração regional e as associações existentes antes da entrada na favela, bem como a preparação dos moradores para receber as equipes de pesquisa. Houve esforço do Bemdoc em embasar a sua atuação nas favelas com estudos científicos promovidos pela própria equipe. Tinha em sua estrutura organizativa um departamento de estudos científicos, dividido em três setores: sociologia, psicologia e estatística (Bemdoc, s.d.c, nov. 1965b, nov. 1965c, maio 1966).

A elaboração do Plano de Trabalho do Departamento de Estudos Científicos por um experiente antropólogo deu à agência uma base científica mais robusta para suas ações. Além de estudar as favelas com a observação de campo, também aplicaria testes sociométricos para selecionar líderes e candidatos ao Bemdoc I (Bemdoc, maio 1966). Conforme o plano de trabalho do departamento, a criação de um centro permanente de documentação e pesquisa sobre favelas geraria informações melhores, pois se embasaria na ciência pura para formular programas de ação.

Tais iniciativas de articulação com as ciências sociais ilustram o contexto em que se questionavam a aplicação destas e os impactos éticos envolvidos. Tendo em vista o caráter contrainsurgente e anticomunista da política de cooperação técnica internacional dos EUA ( Solovey, 2001SOLOVEY, Mark. Project Camelot and the 60’s epistemological revolution: rethinking the politics-patronage-social science nexus. Social Studies of Science, v.31, n.2, special issue, p.171-206, 2001. ; Netto, 1998NETTO, José Paulo. Ditadura e serviço social: uma análise do serviço social no Brasil pós-1964. São Paulo: Cortez, 1998. ), é preciso reavaliar o quanto as ciências sociais e seus profissionais também não enfrentaram essa intenção original, dando novos sentidos às agências e à atuação profissional dos cientistas sociais.

Considerações finais

Se o período da Guerra Fria e o atendimento de suas demandas propiciou a valorização das ciências sociais e a absorção de seus profissionais nos quadros das agências internacionais estadunidenses, no Brasil o processo foi semelhante. Não é possível quantificar os cientistas sociais brasileiros absorvidos pelas agências em seus quadros nem comparar com aqueles dos EUA, mas verifica-se o intercâmbio profissional entre as agências, a exemplo de Anthony Leeds, bem como o acionamento das ciências sociais, ora embasando as ações das agências nas favelas, ora em uso pontual. Na maior parte dos casos, deu-se mais para viabilizar a entrada das agências nas favelas do que para atender às demandas de seus moradores ou para concretizar qualquer ideal de desenvolvimento que se pretendia veicular. A tentativa mais concreta de ampliar os usos das ciências sociais foi a proposta de tornar o departamento de estudos do Bemdoc um centro de referência sobre as favelas.

O conhecimento propiciou às agências identificar lideranças e veicular a ideia de felt needs , ou a escolha de prioridades dos moradores das favelas. No entanto, a resolução dos problemas ou o atendimento às felt needs , porque eram vistos como responsabilidade dos moradores, isentavam as agências de qualquer mobilização, fosse material ou política. O acionamento do poder público não é sequer mencionado nos princípios ou na agenda dessas agências. Se a promoção do desenvolvimento cabia aos indivíduos, também os obstáculos eram responsabilidade deles. Apesar do discurso comunitarista, a favela e a promoção do desenvolvimento nelas eram vistos de forma individualizante. Articulada às noções de felt needs e de integração, a autoajuda de certa maneira obliterava o papel do poder público e, de alguma forma, o isentava de suas responsabilidades com os moradores. Afinal, a autoajuda contém o caráter individualizante, impresso no ideal desenvolvimentista dessas agências. Reforçava, portanto, as teorias da cultura da pobreza e da marginalidade, assim como integração, isolamento e ruralidade também operavam juntos e conectavam-se a tais teorias.

Se a autoajuda na forma de mutirão era praticada entre os moradores anteriormente, bem como a definição de suas prioridades (Leeds, Leeds, 2015), os moradores não precisavam, portanto, das agências internacionais. Cabe também considerar os possíveis descompassos entre os moradores e as agências, pois, diante da constante ameaça de remoção, a legalização de suas habitações e a urbanização das favelas tornavam-se demandas mais caras. Do ponto de vista das agências, a perspectiva redentora da educação e do trabalho justificava sua presença nas favelas e suas ações como se estas fossem as felt needs dos moradores. De alguma forma, reafirmava-se a ideia de degeneração social e de incapacidade organizativa dos moradores.

No que tange às teorias da mudança social e do desenvolvimento, é possível verificar uma articulação com os imprecisos ideais de DOC difundidos pelos órgãos, vistos como veículos de mudança social. As ideias de felt needs e autoajuda operavam com a de integração, sendo centrais na promoção do desenvolvimento. Porém, sem a ação dos moradores não haveria a das agências, que, supostamente, ali promoveriam o desenvolvimento. Afinal, os moradores já se organizavam e decidiam suas ações prioritárias. O ideal de integração das agências pressupunha que as favelas fossem enclaves ou que o isolamento se desse por ação dos moradores, dos indivíduos, e não por processos históricos e sociológicos de longa duração que permeiam a sociedade, como as entrecruzadas relações raciais e de trabalho.

Se as favelas eram locais com muitas organizações e vida política movimentada, bastaria às agências acionar os recursos já existentes, incluindo os trabalhadores. Por um lado, sua atuação dependia das já existentes associações e organizações dos moradores. Por outro, os limites políticos e institucionais não lhes permitiam atender às demandas prioritárias dos moradores: a urbanização das favelas e a resistência às remoções. Estas últimas vinham sendo realizadas desde 1952 e tinham ganhado força ao longo da década de 1960, justificadas pelos pressupostos da marginalidade, da cultura da pobreza e da visão das favelas como problema (Gonçalves, Brum, Amoroso, 2021; Benmergui, 2009BENMERGUI, Leandro. The Alliance for Progress and housing policy in Rio de Janeiro and Buenos Aires in the 1960s. Urban History, v.36, n.2, p.303-326, 2009. ; Valladares, 2005VALLADARES, Lícia do P. A invenção da favela: do mito de origem à favela.com. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2005. ). A assunção desses discursos pelas agências favorecia, em alguma medida, as remoções.

Mesmo não havendo consenso em relação às remoções dentro das agências, elas pouco interferiram para sanar ou reduzir danos aos moradores removidos, bem como não assumiram publicamente uma posição contrária nem reforçaram diretamente a campanha. O caso da ACB é curioso porque, sendo uma entidade do empresariado, alguns de seus membros, muito provavelmente, teriam interesses nas remoções e, consequentemente, nas benesses da especulação imobiliária e da construção civil. No entanto, o tema não era consenso entre eles, nem uma pauta provocadora de mobilização institucional notória a favor das remoções. A despeito da incompatibilidade política e administrativa que as agências tinham com as organizações dos moradores, elas conseguiram estabelecer conexões e executar ações dentro das favelas. Podem não ter solucionado o que diziam ser problema – as favelas –, mas colocaram em questão a política habitacional da época, que era, de fato, o problema dos moradores. Para estes, se as remoções os distanciavam da cidade, a luta pela urbanização significava a permanência de suas redes, seus investimentos, capitais políticos e sua inserção no mercado de trabalho.

Condizente com uma visão que responsabilizava os moradores pelas condições materiais e físicas das favelas, para o bem ou para o mal, é possível ver, por parte das agências, a reprodução das teorias da cultura da pobreza e da marginalidade. Se não reproduziam intencionalmente, pelo menos reforçavam os estigmas. Ainda que buscassem as demandas dos moradores e as soluções possíveis, a despeito das limitações institucionais e de conhecimento empírico, é possível questionar em que medida as agências permitiam o protagonismo dos moradores nas decisões e ações por elas promovidas.

Mesmo havendo particularidades no entendimento de categorias-chave do desenvolvimentismo nas agências, as ações convergiam para as condições físicas das favelas e para a inserção dos moradores no mercado de trabalho. As noções de desenvolvimento não englobavam saneamento nem tangenciavam qualquer ideia de direito ou de cidadania. Se for considerada a adoção dessa noção hegemônica, economicista, referenciada pelos padrões de vida de uma determinada classe média, não é possível afirmar o sucesso de suas ações. Se for considerada a elasticidade e a multiplicidade nas interpretações do desenvolvimento, é possível afirmar algum êxito. Considerando que o combate à marginalização incluía um conjunto de ações visando à integração dos moradores de favelas nos mercados de trabalho e habitacional e à adesão aos hábitos de consumo da classe média, as agências internacionais elegeram, no ideal desenvolvimentista e no desenvolvimento de comunidade, a educação popular e o trabalho como redentores dos marginalizados.

O conservadorismo do desenvolvimento de comunidade se dava pela manutenção de uma estrutura social e pela redução do significado de desenvolvimentismo. Porém, havia possibilidades de sentidos mais progressistas ao desenvolvimento de comunidade, já sendo gestados no período. Mesmo não sendo consensual tal conceito, havia pontos em comum, mas abordados com diversas nuanças. Diante delas, é possível visualizar potenciais divergências dentro dos órgãos, sobretudo a abordagem dada às remoções e a diversidade de colaboradores e técnicos. As tentativas de articulação mais sólida com as ciências sociais puras e as iniciativas de formação de quadros técnicos são aspectos que ajudam a entender melhor como se pavimentaram o caminho rumo à reconceituação do serviço social, a discussão sobre os usos estratégicos da antropologia e a superação das teorias da marginalidade e da cultura da pobreza. Nesse período, apesar da movimentação crítica na antropologia e no serviço social, o discurso institucional das agências não acompanhou a mesma tendência, mas a atuação individual de alguns técnicos, a exemplo dos do Peace Corps Volunteers ( Azevedo, 2007AZEVEDO, Cecília. Em nome da América: os Corpos da Paz no Brasil. São Paulo: Alameda, 2007. ).

Como a reconceituação do serviço social e a discussão ética na antropologia mostraram, já havia tendência a questionar a efetividade do desenvolvimento de comunidade quanto à mudança social e ao desenvolvimento. A ambiguidade institucional em relação a temas como a urbanização e a remoção já apontava nessa direção. Havia orientação conservadora, mas também entendimento dissonante daquele demandado pela Guerra Fria, que visava à contrainsurgência e à contenção comunista, deflagrando, portanto, outras disputas no âmago do desenvolvimentismo.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Nísia Trindade Lima, Tamara Rangel Vieira e Carolina Arouca Gomes de Brito o apoio e a leitura atenta e crítica.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    12 Out 2021
  • Aceito
    15 Abr 2022
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