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“CONTRA O TERRÍVEL MAL DO ANALFABETISMO”: Escopo e raio de ação do jornal “A Escola” (1918-1920)

“CONTRA EL TERRIBLE MAL DEL ANALFABETISMO”: Alcance y rayo de acción del periódico "A Escola" (1918-1920)

“AGAINST THE TERRIBLE EVIL OF ILLITERACY”: Objective and scope of the newspaper "A Escola" (1918-1920)

"CONTRE LE MAL DE TERRIBLE DE L'ALPHABÉTISTION": Portée et rayon de action du journal "A Escola" (1918-1920)

Resumo

A Nova História Cultural inaugura aspectos investigativos de várias áreas do conhecimento a partir de fontes ligadas à imprensa. Na História da Educação, passaram a ser analisados os jornais, boletins, revistas, cartilhas, entre outros materiais considerados de ordem pedagógica. Deste modo, o presente artigo, apoiando-se na vertente teórica citada e tendo como fonte principal o primeiro jornal escolar da cidade de Codó, estado do Maranhão, analisa as mensagens que têm como foco o combate ao analfabetismo e a valorização da instrução escolar, publicadas no jornal “A Escola” no período de 1918 a 1920. Ainda, discute a imprensa como instrumento estratégico educacional e apresenta a origem, materialidade e instância educativa do periódico em questão.

Palavras-Chave:
História da Educação; Externato Codoense; Imprensa escolar

Resumen

La Nueva Historia Cultural inaugura aspectos investigativos de varias áreas del conocimiento a partir de fuentes ligadas a la prensa. En la Historia de la Educación, pasaron a ser analizados los periódicos, boletines, revistas, cartillas, entre otros materiales considerados de orden pedagógico. De este modo, el presente artículo, apoyándose en la vertiente teórica citada y teniendo como fuente principal el primer periódico escolar de la ciudad de Codó, estado de Maranhão, analiza los mensajes que tienen como foco el combate al analfabetismo y la valorización de la educación escolar publicadas en el periódico "A Escola" en el período de 1918 a 1920. Aún, discute la prensa como instrumento estratégico educativo y presenta el origen, materialidad e instancia educativa del periódico en cuestión.

Palabras-Clave:
Historia de la Educación; Externato Codoense; Prensa escolar

Abstract

The New Cultural History inaugurates investigative aspects of various areas of knowledge from sources linked to the press. In the History of Education, newspapers, newsletters, magazines, booklets, and other materials considered of a pedagogical nature began to be analyzed. Based on the aforementioned theoretical framework and the main source of the first school newspaper in the city of Codó, in the state of Maranhão, this article analyzes the messages that focus on the fight against illiteracy and the valorization of published school education in the newspaper "A Escola" from 1918 to 1920. He also discusses the press as a strategic educational tool and presents the origin, materiality and educational instance of the periodical in question.

Keywords:
History of Education; Externato Codoense; School Press

Résumé

La Nouvelle Histoire Culturelle inaugure des aspects d'investigation de divers domaines de la connaissance à partir de sources liées à la presse. Dans l’histoire de l’éducation, les journaux, les bulletins d’information, les magazines, les brochures et d’autres matériels considérés comme pédagogiques ont commencé à être analysés. Basé sur le cadre théorique susmentionné et source principale du premier journal scolaire de la ville de Codó, dans l'État de Maranhão, cet article analyse les messages axés sur la lutte contre l'analphabétisme et la valorisation de l'enseignement scolaire publié dans le journal "The School" de 1918 à 1920. Il aborde également la presse comme outil pédagogique stratégique et présente l'origine, la matérialité et l'instance pédagogique du périodique en question.

Mots-clés:
Histoire de l'éducation; Externato Codoense; Presse scolaire

INTRODUÇÃO

Este artigo analisa as mensagens/manchetes que empreendem uma campanha de combate ao analfabetismo e de valorização da instrução escolar publicadas no jornal “A Escola”. Esse periódico, lançado na cidade de Codó, estado do Maranhão, por um colégio de instrução masculina chamado de Externato Codoense - fundado no ano de 1916 - circulou na cidade de origem e até em outros estados brasileiros, no período de 1918 a 1920, colocando-se como um órgão da imprensa a favor da instrução escolar enquanto uma missão patriótica e consequente combate ao analfabetismo no cenário educacional codoense, mas, também regional e nacional, que alcançava altos e alarmantes índices prejudiciais ao crescimento da nação durante a Primeira República brasileira.

Num contato inicial com o jornal “A Escola” sentiu-se a necessidade de compreensão do periódico e, por conseguinte, da Instituição, tendo em vista que, o jornal e a escola apresentaram-se como a marca de poder da sociedade e de uma época, além de ser o primeiro jornal escolar do município de Codó. Deste modo, discute-se inicialmente, na presente pesquisa, a imprensa como instrumento estratégico necessário à organização das sociedades modernas, seu papel na potencialização da comunicação humana e, ainda, a inserção da imprensa no âmbito pedagógico e como fonte de investigações realizadas no âmbito da História da Educação.

Por conseguinte, apresenta-se a origem, materialidade e instância educativa do jornal “A Escola”, elencando seus dispositivos, os fundadores, escopo, raio de ação e a propaganda empregada pelo Externato Codoense por intermédio das publicações de alguns números do periódico, confirmando a relação instrução e patriotismo que reiteravam os valores propagados no “A Escola” assumidos desde a sua criação, considerando o contexto no qual o mesmo era produzido, bem como a crença que os fundadores do jornal depositavam na imprensa enquanto instrumento de propagação da instrução e de expansão dos valores patrióticos.

A IMPRENSA COMO INSTRUMENTO ESTRATÉGICO EDUCACIONAL

Nas sociedades modernas a imprensa periódica passou a representar e ocupar um destacado papel na vida dos grupos, tendo em vista que uma sociedade culta e letrada - por assim caracterizarem-se as populações modernas - precisaria estar informada das situações que ocorriam e influenciavam suas vidas, tanto nos grupos jurídicos quanto econômicos e de natureza social mais ampla. Era condição sine qua non estar informado dos acontecimentos oriundos das atividades realizadas e as medidas tomadas pelos governos que influenciariam diretamente a vida desses grupos.

De tal modo, quando no século XV, houve o advento da imprensa, houve também uma potencialização da comunicação humana por meio da reprodução de informações necessárias ao cotidiano citadino moderno. Um grande feito, quando levado em consideração a periodicidade, quantidade e velocidade com que as informações passaram a chegar para os cidadãos das sociedades modernas. “Assim, paulatinamente, as publicações periódicas se converteram em um verdadeiro fenômeno das massas” (SANTOS; CECCHETTI; SALGADO, 2015SANTOS, Ademir Valdir dos; CECCHETTI, Élcio; SALGADO, Mara. Doutrinação da infância no estado novo brasileiro: O jornal escolar “Tudo pelo Brasil”. In: DÍAZ, José María Hernández (Org). La prensa de los escolares y estudiantes: su contribuición al patrimônio histórico educativo. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2015. (Coleção Aquilafuente; 210)., p. 189). Paulatinamente, porque, em seu início a imprensa era restrita a pequenos grupos intelectuais. Esses pequenos grupos de elite, inicialmente, demonstraram um maior interesse em registrar suas criações, manipulando e criando bens culturais.

Como instrumento estratégico, a imprensa passa a fazer parte do dia a dia de uma sociedade, de modo que, ao lado do café da manhã, deveria ser servido, também, o exemplar dos periódicos que chegavam às casas dos assinantes com a aurora do dia, tornando-se, inclusive, uma cena clássica de um imaginário coletivo a imagem do homem culto, letrado, bem sucedido, sentado à mesa enquanto é abastecido de alimentos para o corpo e para a mente. Antes de sair para o trabalho, o homem moderno já estava ciente dos acontecimentos citadinos e nacionais que poderiam influenciar direta ou indiretamente os seus negócios. Estar informando era necessário para viver nas sociedades modernas.

Deste modo, infere-se que, a imprensa foi projetada para atender interesses específicos. No caso brasileiro, fosse um canal de comunicação do império, uma imprensa contestadora da ordem burguesa, uma imprensa servil de regimes ditatoriais, uma imprensa sensacionalista ou os pequenos jornais sócio-políticos, literários e de entretenimento, todos usavam de artifícios para prender o leitor, para fins políticos, educacionais ou com objetivos de lucro. No entanto, público ou privado, contestador ou governamental, a imprensa e o jornal, em caráter mais específico, por utilizar de um direito público - a informação - “desempenha um papel singular na história, sendo uma das principais fontes de informação histórica” (CAPELATO, 1988CAPELATO, Maria Helena Rolim. A imprensa na História do Brasil. São Paulo: Contexto/EDUSP, 1988., p. 20).

Na História da Educação, emergiram “conceitos, como: circulação de ideias e apropriação de saberes pedagógicos; estratégias discursivas; dispositivos pedagógicos; práticas e representações do campo pedagógico; suportes materiais, entre outros” (FRAGA, 2011, p. 14). Passaram a ser analisados os jornais, boletins, revistas, cartilhas feitas por professores para professores; ou para alunos por seus pares ou professores; ou ainda, pelo Estado ou outras instituições, como sindicatos, partidos políticos, associações de classe, igrejas, que contêm e oferecem perspectivas para a compreensão da história da educação e do ensino (BASTOS, 2015BASTOS, Maria Helena Camara. Impressos e cultura escolar: Percursos da pesquisa sobre a imprensa estudantil no Brasil. In: DÍAZ, José María Hernández (Org). La prensa de los escolares y estudiantes: su contribuición al patrimônio histórico educativo. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2015. (Coleção Aquilafuente; 210).). Deste modo, conceitua-se a imprensa escolar e/ou pedagógica como um conjunto de jornais, revistas e publicações no âmbito escolar e/ou com fins pedagógicos, destinados a professores, alunos, comunidade escolar ou, ainda, produzidos por esses agentes.

Para o historiador da educação,

A imprensa pedagógica se constitui em uma oportunidade documental e patrimonial especial [...] que pela diversidade de meios manifestados convida os pesquisadores a considerarem a magnitude e riqueza deste campo de pesquisa, tomando-a como fonte quantitativa e qualitativa para a investigação histórico-educativa. (SANTOS;CECCHETTI; SALGADO, 2015SANTOS, Ademir Valdir dos; CECCHETTI, Élcio; SALGADO, Mara. Doutrinação da infância no estado novo brasileiro: O jornal escolar “Tudo pelo Brasil”. In: DÍAZ, José María Hernández (Org). La prensa de los escolares y estudiantes: su contribuición al patrimônio histórico educativo. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2015. (Coleção Aquilafuente; 210)., p. 190).

No terreno da Nova História Cultural, principalmente a partir dos estudos realizados por Roger Chartier (1990CHARTIER, Roger. A História Cultural. Rio de Janeiro: Difel, 1990, p. 16-17.), fez-se possível uma imersão teórica que trouxe aspectos investigativos de várias áreas do conhecimento a partir de fontes ligadas à imprensa, pois, segundo o autor, esta exerce um fascínio especial sobre os pesquisadores, uma vez que, o folheio de suas páginas oferecem múltiplos aspectos das mais variadas atividades humanas. Nesta perspectiva, concebeu-se a imprensa e os impressos como privilegiadas fontes de estudos, tomando por base o conceito de representação utilizado por Chartier (1990), isto é, de que os discursos não são neutros e sim forjados à maneira de quem os utiliza.

Em posse de jornais escolares, encontra-se esta oportunidade documental e patrimonial a partir das múltiplas chances de se estudar as realidades educativas manifestadas na imprensa, pois os ideais pedagógicos de determinada instituição estão postos de forma mais visível e, em boa parte, facilitam o trabalho de identificação e catalogação dos discursos vigentes do período, oferecendo um vasto material para o estudo da vida escolar, registradas em suas páginas ou como pistas que deverão ser seguidas pelo pesquisador, onde este fará uma interpretação, por vezes, concluídas com o cruzamento de outras fontes, isto é, quando possível, com a análise de mais documentos públicos (institucionais) ou de acervos pessoais cedidos e ainda, estudos semelhantes. Como afirma Diaz (2018DIÁZ, José Maria Hernández. La prensa pedagógica compañera de viaje de los profesores. In: DÍAZ, José María Hernández (Org). La Prensa pedagógica de los profesores. 1 ed. Octubre, 2018. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2018.):

La prensa pedagógica se ha convertido para el estudioso del pasado educativo, para el investigador en historia de la educación, en un campo de trabajo y de investigación imprescindible para comprender la historia contemporânea, siempre que pueda combinarse com otras vías documentales icónicas, orales, materiales, según las circunstancias y temática de la investigación (DIAZ, 2018DIÁZ, José Maria Hernández. La prensa pedagógica compañera de viaje de los profesores. In: DÍAZ, José María Hernández (Org). La Prensa pedagógica de los profesores. 1 ed. Octubre, 2018. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2018., p. 12).

O JORNAL “A ESCOLA”: Origem, materialidade e instância educativa

Em 07 de janeiro de 1916 foi fundado na cidade de Codó, estado do Maranhão, um estabelecimento particular de ensino destinado à instrução dos meninos: o Externato Codoense. De propriedade dos irmãos Elisabetho Barbosa de Carvalho e Fernando Barbosa de Carvalho, ambos bacharéis em Direito, passou a ofertar tanto a quem pudesse pagar quanto aos que fossem acolhidos com bolsas de assistência da intendência municipal de Codó, o ensino de primeiras letras, o curso primário e o curso secundário. No ano de 1918, o colégio passou a ofertar, em parceria com a Companhia Manufatureira e Agrícola do Maranhão (Fábrica de tecidos), situada no mesmo município, o ensino noturno para os operários. Além disso, criou um jornal escolar. Este último, tornou-se um importante instrumento de divulgação do colégio, bem como do modelo educacional empregado e os valores e perspectivas sociais e políticas corroboradas pelo docentes do colégio e pelo corpo editorial do periódico, que foi recebido com louvor pela imprensa local:

A ESCOLA

Circulou a 14 do corrente, no mesmo formato do nosso semanário, o bem feito, mensário que tomou o título acima e é órgão do Externato Codoense, importante estabelecimento de instrução que possuímos nesta cidade, e devemos à competência, dedicação e ilustração dos distintos moços que o dirigem e se esforçaram no afanoso empenho de prestar à mocidade codoense este relevantíssimo serviço.[...] Gratos pela visita, enviamos à ilustrada confrade nossas felicitações e votos de feliz e longa vida na nobre missão que objetiva. (JORNAL “CORREIO DO CODÓ”, 16 jan. 1918, p. 01)

Enquanto órgão do Externato Codoense o jornal “A Escola” nasce como uma extensão dos objetivos e das justificativas propostas desde a implantação do colégio, propondo-se ser uma bandeira de luta do movimento patriótico contra o analfabetismo. Tal escopo fazia parte de uma educação moral e cívica pregada com vistas à civilização e ao progresso, que não eram restritos ou característicos apenas à sociedade codoense, ao contrário, faziam parte de uma movimentação nacional, que entre outros espaços utilizava-se de jornais e revistas para promover campanhas públicas consoantes com os aspectos desejados pela Primeira República (FERRO, 1996FERRO, Maria do Amparo Borges. Educação e sociedade no Piauí Republicano. Teresina, Piauí, 1996. ).

Em formato impresso o jornal levaria para a sociedade os ideais com os quais o Externato Codoense assegurava-se comprometido, ajudando na difusão da identidade assumida pela instituição e que a mesma visava imprimir para além dos muros escolares.

O jornal “A Escola” foi apresentado pela imprensa local do mesmo período como o único periódico de propaganda da instrução no Estado do Maranhão e com circulação em quase todo o território nacional. Sobre tal fato, constatou-se na presente pesquisa que, embora anteriormente se tenha jornais escolares e até houve dois periódicos com o mesmo nome na capital do estado - a saber: “A Escola” (crítico e literário) com primeiro número datado de 29 de agosto de 1878 e “A Escola”, revista do Colégio 15 de novembro, com data inicial de circulação em 10 de março de 1902, o jornal codoense era o único a circular no Maranhão, dentro do período em questão, inspirando posteriormente a criação de outros jornais escolares e externatos em cidades vizinhas, a exemplo do também chamado “A Escola”, da cidade de Caxias-Maranhão, que passou a circular no ano de 1920. Além disso, têm-se notícias de sua circulação em outros estados, a exemplo do Piauí, São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná, informação constatada a partir do quadro “na imprensa”, presente em alguns números do jornal “A Escola” que, reproduzia dos mesmos, notas sobre “as visitas de confrades”, isto é, de quando as redações dos jornais realizavam trocas de exemplares.

No catálogo de jornais maranhenses do acervo da Biblioteca Pública Benedito Leite o mesmo é apresentado como um “jornal em prol da instrução, com uma propaganda energética e eficaz contra o terrível mal do analfabetismo” (MARANHÃO, 2007, p. 51), que tinha Fernando Barbosa de Carvalho como diretor-gerente e os seus redatores eram os professores do Externato Codoense. Tal descrição é baseada nas informações do número inicial e na primeira manchete do jornal, abaixo transcrita em sua íntegra, que apresenta o jornal e seus objetivos:

Ao lado do patriótico movimento que se tem levantando, ultimamente, neste País, em prol da instrução, como uma propaganda energética e eficaz contra o terrível mal do analfabetismo, em que ainda jaz a maioria dos brasileiros, aparece hoje A Escola para trazer o seu pequenino contingente; na certeza de que nunca é demais - sempre que se trata de grandes empreendimentos - o menor concurso e por mais insignificante e sem valia que pareça.

O seu raio de ação se estende mais particularmente a esta terra, onde, sem contestação, o analfabetismo impera. E impera de modo assombroso. Entre nós é a ignorância, que domina os espíritos como se ela pudesse substituir a luz, que guia com todo esplendor das suas cintilações as mais sublimes dos sentimentos d’alma. E a treva, que obscurece e embora as consciências, que por isso mesmo, muitas vezes, nos grandes embates da vida, se afastam ou se desmoronam diante dos menores princípios.

Trabalhar, portanto, para atrair aos colégios os nossos patrícios e conterrâneos afim de que possam prestar serviços à Pátria, com brasileiros verdadeiramente conscientes da grandeza dela, preparar as criancinhas de hoje para entrarem amanhã no grande combate da vida no desempenho de missão honesta competentemente exercida, substituir enfim, a ignorância pelo saber, as trevas pela luz. Como sempre, e o é hoje muito principalmente o mais rigoroso dever de todos os brasileiros. A esse escopo, pois se destina A Escola. (JORNAL “A ESCOLA”, 14 jan. 1918, p. 01, grifos das autoras).

Como extensão da instituição escolar, o jornal “A Escola” não foge aos princípios de instrução intelectual. Tem como pilares o movimento patriótico e a guerra ao analfabetismo e apresenta o cenário educacional codoense no período, ao enfatizar que este impera de modo assombroso. Esses pilares são notados nas reportagens que se seguem ao longo de suas páginas e números, bem como na manchete acima, onde é perceptível um discurso patriótico do jornal visando alcançar as pessoas por intermédio de suas páginas. Há ênfase para que as mesmas vejam na escola e na instrução a ‘luz’ do saber e, com isso, sejam afastadas da ignorância e das trevas, que segundo, os redatores eram produzidas pela ausência de conhecimento. Assim, uma vez ‘instruídos’, ‘iluminados’ e conscientes do seu dever, as pessoas poderiam amar e servir à pátria.

O jornal esclarece que seu raio de ação é a cidade de Codó, porém, seus números alargaram horizontes mediante o envio de exemplares do jornal para outros locais, bem como os constantes deslocamentos de membros do seu corpo docente que, por sua vez, também levavam consigo os números publicados para divulgação.

Na catalogação dos números jornalísticos foi possível encontrar, tanto nos arquivos impressos quanto digitais da Biblioteca Pública Benedito Leite e no material da exposição temporária disposto no Instituto Histórico Geográfico do Codó, números do jornal “A Escola”, organizados em forma de livro, o que evidencia uma tentativa de preservação do periódico e também de necessidade de consultas posteriores por parte dos organizadores. Seu primeiro número (Figura 1) circulou no dia 14 de janeiro de 1918, tendo como editor-chefe o professor e diretor do Externato, Fernando Barbosa de Carvalho, e o último número em 30 de novembro de 1920.

Figura 1
Jornal “A Escola”, nº 01, janeiro de 1918, p.1.

Com exceção do número I, o jornal circulava sempre ao final de cada mês, com a predominância do dia de domingo no ano I. Já nos anos II e III, as publicações permaneceram ao final dos meses, quase sempre correspondente ao último dia do mês. Ainda, no ano I, houve publicações em todos os meses do ano, o que não aconteceu nos dois outros seguintes. Em 1919 foram apenas sete publicações, sendo cinco no primeiro semestre e duas no segundo, reduzindo-se ao número de seis em 1920, com quatro no primeiro semestre e apenas duas no segundo semestre, evidenciando uma decadência no número de publicações que culminariam no fechamento do jornal. Apesar do curto período de vida, dentro do cenário codoense, onde muitos jornais parecem nem ter ultrapassado o primeiro número e apenas três tiveram mais que cinco anos de circulação, o jornal “A Escola”, com vinte e cinco números apresentados, traz em suas páginas consideráveis aspectos da educação e sociedade codoense e adquire o título de primeiro jornal escolar a circular e também a ser produzido na cidade de Codó, Maranhão.

O jornal era impresso em papel tamanho A3 geralmente na cor amarela, mas também se tem alguns números em cor verde e em cor rosa. Todos os números analisados possuíam quatro páginas e apresentava como iconografia, fotos de personagens ilustres da história nacional e local e de professores do Externato, que eram homenagens seguidas de um texto. Os conteúdos de textos, fotos e anúncios eram organizados em quadros e distribuídos em quatro colunas distribuídas no tamanho total da página. As fotos possuíam 6,5 centímetros de largura por 9,5 centímetro de altura, geralmente posicionadas nas colunas 2 e 3 da página 01 do jornal.

Já entre os dispositivos observados, tem-se a diretoria do Externato Codoense enquanto grupo responsável pela publicação com a colaboração de professores, homens públicos e alunos do Externato que escreviam para as escolas, alunos e pais de alunos de cidades diversas, em especial para a sociedade codoense. No entanto, não se pode afirmar quem era o público leitor do jornal, embora se tenha um público alvo, visto que, não foram encontrados dados sobre os reais assinantes do jornal.

As fontes de receita consistiam no arrecadado com a publicidade e investimentos do próprio colégio. O jornal era impresso por duas tipografias existentes na cidade de Codó, identificadas apenas como tipografias “Codoenses”, o que deixa dúvida se o termo “Codoense” estava atrelado a nome fantasia ou à cidade onde estavam localizadas. No ano de 1919, as duas tipografias foram selecionadas por lei militar para prestar serviços ao exército na capital, o que culminou com a mudança das sedes para São Luís, capital do estado, dificultando a impressão do jornal.

No período em que Jorge Nagle (2001NAGLE, Jorge. Educação e Sociedade na Primeira República. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. ) considera como a fase de “entusiasmo pela educação”, isto é, as décadas iniciais da Primeira República - onde há uma multiplicação de escolas e, consequentemente, de valorização das questões educativas como meio de integração da população no trajeto de progresso nacional com vistas a um cenário ideal de nação - o jornal “A Escola”, para tornar-se uma bandeira de luta do movimento patriótico contra o analfabetismo, apresentava em suas páginas mensagens sobre a instrução escolar e cívica, além de exibir uma seção sobre a vida social codoense e divulgar o trabalho realizado no colégio exibindo as notas dos alunos e as festas por ele organizadas. As mensagens eram publicadas de forma poética, publicitária e crônica e os textos de primeira manchete geralmente possuíam tamanho extenso. Alguns anúncios publicados nos jornais tinham cunho patriótico e escolar, sendo divulgadas inicialmente as mensagens governamentais e anúncios de venda e produção de cadernos escolares.

As mensagens/manchetes discutiam assuntos como o analfabetismo, o ensino obrigatório, métodos de ensino, a profissão docente e educação doméstica, numa interlocução com valores patrióticos e morais em vigência no período. Destas, são destacadas neste artigo, as que possuem o combate ao analfabetismo e valorização da instrução de forma mais veemente, conforme organizadas no quadro seguinte:

Quadro 1
Mensagens sobre instrução escolar e analfabetismo no jornal “A Escola”.

Destaca-se que, há pouco tempo, o analfabetismo brasileiro havia tornado-se mundialmente um motivo de vergonha, uma vez que, o país aparece na pior posição quando as estatísticas educacionais de diferentes países começaram a ser veiculadas, tornando-se, assim, um problema nacional, mas também político, tendo em vista os processos eleitorais do regime que se constituía.

De acordo com Paiva (1990PAIVA, Vanilda. Um Século de Educação Republicana. Campinas: Revista Pro-Posições: Cortez Editora/Unicamp. Nº2/julho/1990.):

A questão do analfabetismo no Brasil emerge com a reforma eleitoral de 1882, (Lei Saraiva), que derruba a barreira da renda mas estabelecem a proibição do voto do analfabeto, critérios mantidos pela primeira Constituição republicana. Ela se fortalece com uma maior circulação de idéias ligadas ao liberalismo e se nutre também de sentimentos patrióticos. A divulgação dos índices de analfabetismo em diferentes países do mundo na virada do século revelava a importância que a questão vinha adquirindo nos países centrais e, certamente, tocou os brios nacionais. Entre os países considerados, o Brasil ocupava a pior posição, divulgando-se internacionalmente os dados oferecidos pelo censo de 1890, que indicava a existência de 85, 21% de iletrados, considerando-se a população total [...] (PAIVA,1990PAIVA, Vanilda. Um Século de Educação Republicana. Campinas: Revista Pro-Posições: Cortez Editora/Unicamp. Nº2/julho/1990.,p. 8-9).

Além disso, o analfabetismo, num momento posterior, foi associado à periculosidade e subversão. Fazia-se necessário investir em educação! Uma frase de Victor Hugo, intelectual da Liga Nacionalista contra o analfabetismo, tornou-se um lema: “Abrir escolas é fechar cadeias” (JORNAL “A ESCOLA”, 1919, p.01). Portanto, lutar em prol da instrução brasileira significava opor-se ao analfabetismo e suas mazelas. Para os intelectuais do período, o país - para figurar bem entre as nações - precisava ser alfabetizado e também instruído cívico e moralmente. Neste ensejo é que foram veiculadas as manchetes no jornal “A Escola” analisadas no presente estudo.

Seguindo a ordem de publicação das manchetes apresentadas no Quadro 1, a mensagem “Pela Instrução”, escrita por Américo Tupy, discute a preocupação de se combater o analfabetismo recorrente, segundo ele, em todos os recantos do planeta, onde governantes e cidadãos de modo geral já começavam a se mobilizar em prol da instrução:

Pela Instrução

É hoje uma preocupação generalizada em todos os recantos habitados da terra o combate ao analfabetismo, que domina, infelizmente, a maior parte dos seus habitantes, principalmente no nosso rico, próspero e futuroso país.

[...] Precisamos nós, os dirigentes da opinião pública e os representantes dos poderes públicos unir-nos numa campanha cerrada contra o analfabetismo, dando escolas aos nossos patrícios, que querem aprender.

É calculada a porcentagem dos infelizes privados das luzes do alfabeto em 80% aqui pelo interior.

Essa porcentagem é quase a totalidade da população. Cuidemos de reduzi-la, quanto pudermos, com todo o empenho para em breve vermos esta pátria querida figurar no mapa dos mundos entre as nações mais civilizadas e prósperas do globo! (JORNAL “A ESCOLA”, 28 jul., 1918, p. 02).

No Brasil, segundo o autor da manchete, que se considerava um “dirigente” da opinião pública, fazia-se necessário uma campanha contra o analfabetismo criando escolas para aqueles que desejassem aprender. Emprega o termo “infelizes” aos analfabetos e informa que no interior estes somavam um percentual de 80% da população. Um número que reforçava a necessidade de instrução escolar, por ser quase totalidade da população. Américo solicita o empenho de todos nesta missão que considerava um ato patriótico, tendo em vista que, quanto mais pessoas fossem alfabetizadas, melhor figuraria a pátria entre as nações civilizadas. Américo profere um discurso em consonância com o advento da modernidade, demonstrando preocupação com a emergência de um ideal de nação que neste período começava a ser constituído e, ainda, com os problemas sociais que dificultavam esse ideal (Nagle, 2001NAGLE, Jorge. Educação e Sociedade na Primeira República. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. ).

Por sua vez, Deoclides Mourão, ex-juiz de direito da Comarca de Codó, fala da luta contra o analfabetismo, afirmando que ninguém, “medianamente honesto”, seria capaz de negá-la:

Pela Instrução

[...] De sorte que estou em crer que ninguém, medianamente honesto, será capaz de se negar a combater o analfabetismo.

O crente cristão o combaterá por espírito de caridade, o cidadão, crente ou descrente, o fará por patriotismo.

E, como se vê, no combate em que todos se empenham sob a mesma bandeira, sem distinção de crenças, sem preconceitos de escolas; é um combate, portanto, em que lutadores não podem ter dúvida sobre a vitória. (JORNAL “A ESCOLA”, 25 ago. 1918, p. 02).

O analfabetismo deveria ser combatido por todos, sem distinção de crenças, valores ou ideais de escolas. Para Deoclides, os cristãos deveriam combatê-lo por espírito de caridade e o cidadão, crente ou descrente, por patriotismo. O pensamento do juiz Deoclides, na manchete acima, sinalizava a luta em prol da instrução que mobilizava diferentes setores da elite intelectual no período da Primeira República com o objetivo de desenhar um novo “modelo” de nação e sociedade. Conforme Vechia e Ferreira (2018VECHIA, Ariclé; FERREIRA, Antônio Gomes. A revista A Escola: inovações educacionais e a construção da nacionalidade brasileira. In: DIÁZ, José Maria Hernández. La prensa pedagógica compañera de viaje de los profesores. In: La Prensa pedagógica de los professores. 1 ed. Octubre, 2018. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2018.), a escolarização tinha um papel decisivo neste processo, pois, para desenhar a sociedade, primeiro precisava-se desenhar o homem. Só o homem escolarizado podia servir bem à pátria. O homem analfabeto fazia efeito contrário:

O analfabeto

O analfabeto não é cidadão, não pode votar nem ser votado!

O povo que não lê, que não estuda, que não se instrui, é um povo nulo, inconsciente, inútil.

Da ignorância é que vem a falta de civismo, do patriotismo, o rebaixamento do caráter, a desonra, o vício, o crime, o desamor a tudo que é belo, nobre e sublime, a desgraça e o esfacelamento, enfim, do lar, da família, da sociedade!...

É ela, um grande mal, um perigo terrível, um flagelo medonho!...

Combatê-la, portanto, com coragem e tenacidade, é um dos mais sagrados deveres de todo aquele povo que deseja ver a sua Pátria engrandecida, próspera e feliz. (JORNAL “A ESCOLA”, 31 dez. 1918, p. 01).

A manchete “O analfabeto” posiciona-se firmemente quanto à “inutilidade” de alguém que não sabia ler nem escrever. Não podia ser considerado cidadão, pois, sem o conhecimento das letras não podia votar nem ser votado. A soma desse número de analfabetos resultava num povo nulo, inconsciente de seus deveres para com a pátria e consigo mesmo mediante os valores morais vigentes, suscetíveis à desonra, ao crime, ao vício e até à destruição da própria família. Por tais motivos, combater o analfabetismo tornava-se um dever sagrado, necessário à prosperidade da nação. Deste modo, para defender essa ideologia, fazia-se necessário incutir nas pessoas os ideais de civismo e nacionalismo. O caminho para isso foi a inclusão de novas disciplinas no currículo escolar primário (VECHIA E FERREIRA, 2018VECHIA, Ariclé; FERREIRA, Antônio Gomes. A revista A Escola: inovações educacionais e a construção da nacionalidade brasileira. In: DIÁZ, José Maria Hernández. La prensa pedagógica compañera de viaje de los profesores. In: La Prensa pedagógica de los professores. 1 ed. Octubre, 2018. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2018.). Para apresentar “os heróis da nação”, História do Brasil. Para o conhecimento do território nacional, Geografia do Brasil. Para defender a moral e valores do período, Educação Moral e Cívica.

Seguindo com dados sobre a instrução, a mensagem “O analfabetismo no Brasil” traz um balanço sobre a proporção de analfabetos no Brasil, por estados:

Figura em primeiro lugar o da Paraíba, em que há, em cada mil habitantes, 168 que sabem ler para 832 analfabetos. O segundo cabe ao Piauí, com 173 que sabem ler para 827 analfabetos. Vem depois (sempre em cada 1000 habitantes) Pernambuco com 807 analfabetos para 193; Alagoas, com 800; Rio Grande do Norte, com 796, Ceará e Goiás, com igual coeficiente de analfabetos - 782; Bahia com 772; Rio de Janeiro (Estado) com 769; Paraná, com 761; São Paulo e Sergipe com 753; Maranhão, com 746; Minas com 744; Santa Catarina com 743; Espírito Santo, com 731; Mato Grosso, com 730; Pará com 700; Amazonas, com 679; Rio Grande do Sul, com 674 e, finalmente, o Distrito Federal, com 481 analfabetos contra 519 que sabem ler. (JORNAL “A ESCOLA”, 31 dez. 1918, p. 03).

O balanço acima é referente ao ano de 1918 trazendo o estado da Paraíba enquanto possuidor do maior número de analfabetos, o Piauí enquanto o segundo estado e o Distrito Federal (Rio de Janeiro) com o menor número de analfabetos. Já o Maranhão, aparece na nona posição, com 746 analfabetos a cada mil habitantes. Para derrubar estes índices, vários intelectuais brasileiros, dentre eles, Olavo Bilac, acreditava que a instrução deveria ser obrigatória e ainda que, deveria haver um fortalecimento da língua nacional, isto é, da língua portuguesa, uma vez que, no período em questão, havia uma variedade linguística por conta do processo de imigração que o país passava (VECHIA E FERREIRA, 2018VECHIA, Ariclé; FERREIRA, Antônio Gomes. A revista A Escola: inovações educacionais e a construção da nacionalidade brasileira. In: DIÁZ, José Maria Hernández. La prensa pedagógica compañera de viaje de los profesores. In: La Prensa pedagógica de los professores. 1 ed. Octubre, 2018. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2018.).

Já a manchete de Hermes Fontes, intitulada de “Instrução e Trabalho”, dá um contorno diferente dos demais colaboradores em relação à situação do analfabetismo no país e critica fortemente a ideia vendida de Brasil e o sistema político enquanto mantenedor dos índices de analfabetismo:

É o Brasil um aparelhamento nacional efetivo - uma raça estatuída em povo, um povo estabelecido em corpo e alma (país e nação), um Estado, em suma, vivendo organizadamente em movimentos rítmicos de produção e consumo, consciente de seus propósitos, seguro de seus fins, animado de um ideal coletivo, realizando um programa que seja a aspiração geral de todos os seus jurisdicionados?

[...] A Constituição política é a última palavra de liberdade e sabedoria jurídico social. É até quase uma Constituição futurística.

Isso, como fachada, como aparência.

Se, porém, tentarmos balancear as realidades nacionais, o espetáculo não chega a ser cômico, porque é, sobretudo, triste.

O Brasil é uma burla organizada em Estado, uma mentira aparelhada em nacionalidade. Ou, para melhor resumir - o Brasil é uma desorganização suntuosa.

Vamos ver porquê. Politicamente falando tudo entre nós é mentira. Basta dizer que somos uma democracia analfabética [...]

Teoricamente, somos uma federação. Praticamente, somos a centralização mais escandalosa do mundo. As situações políticas centrais influem nos campanários mais remotos da politicagem provinciana [...] E em que pese a essa burocratização geral, o Brasil é um país inadministrado. Basta lançar as vistas ao nosso regime fiscal. As nossas rendas andam quase a par dos nossos impostos.

[...] Nunca se viu tão estrondosa desorganização. Chegamos até mesmo a este incrível paradoxo: Só conseguem organizar-se entre nós as coisas que o Estado proíbe. Exemplos: A lei eleitoral proíbe a fraude. Consequência: a fraude organizou-se em todo país.

[...] O Brasil precisa de organizar-se nacionalmente e caldear em seu sangue a hemoglobina regeneradora da saúde moral [...]. (JORNAL “A ESCOLA”, 23 fev. 1919, p. 03, grifo das autoras).

Hermes Fontes posiciona-se firmemente quanto à administração brasileira. Critica a Constituição que não é seguida, os impostos quase a superar a renda, os escândalos, a politicagem, a fraude e a fraude organizada. Alguma semelhança com os dias atuais? Hermes afirma que estes fatores são beneficiados pelos altos índices de analfabetos ou ignorantes, de modo que o lema “ordem e progresso” não é merecido pelo país, a não ser que, antes dele, venha o lema “instrução e trabalho”. Só assim, uma pátria poderia erguer-se. Mas não só Hermes Fontes diz que “somos uma democracia analfabética”. Belisário Pena, em “Doentes e ignorantes” caracteriza o Brasil como um país de analfabetos e doentes onde:

75% da população não distinguem as letras nem garatujam o nome.

Dos 25% restante, – leem por cima e rabiscam o nome; e do quarto final, um terço é constituído de crianças que aprendem o abc ou leem história de carochinha e o resto desses [inelegível] jornais; uma parte, as seções em que se trata de política, outra destinada à vida social, e a maior, as que se ocupam de escândalos e de assuntos policiais e esportivos.

Apenas um milésimo da população (receiamos exagerar para mais o cálculo) lê, assina e acompanha com alguma curiosidade o desenrolar dos acontecimentos.

Igualmente 80% da população rural e 70% da população urbana estão em parte inutilizadas, e seriamente prejudicadas na sua maior parte, por várias doenças endêmicas, evitáveis todas, curáveis quase todas, que até pouco eram atribuídas ao clima, quando a sua causa quase exclusiva é o analfabetismo das massas e a ignorância nos letrados e semiletrados, dirigentes e dirigidos, dos preceitos da higiene moderna, e o descaso e até o desprezo com que uns e outros encaram os ensinamentos da Medicina Social. (JORNAL “A ESCOLA”, 30 jun. 1919, p. 02, grifo das autoras).

Para Belisário Pena, os índices de analfabetismo eram alarmantes. Apenas 25% da população brasileira lia e rabiscava o próprio nome. Porém, a literatura ainda não era a desejada, pois, nela estavam as cartilhas de abc, histórias de carochinha e jornais. Das leituras dos jornais, a preferência eram as seções de escândalos, assuntos policiais e esportivos. Já a parte de acontecimentos - opção mais séria para o autor - era lida por um público ainda menor. Belisário também emprega o termo de “inutilizada” para a população rural e urbana que não sabia ler e, como uma das consequências da falta de instrução, aponta que estas populações eram seriamente prejudicadas por doenças evitáveis e quase todas curáveis, se a população tivesse um mínimo de instrução. A causa exclusiva destes sofrimentos era o analfabetismo, não somente das massas, mas também da ignorância ainda presente nos letrados quanto aos preceitos da higiene moderna. Belisário demonstra acreditar na escola moderna como um local de preparo para a vida que, para além de ensinar a ler e escrever deveria preparar o cidadão com saberes especializados, a exemplo da puericultura e higiene. Além disso, ele vê o analfabetismo como uma vergonha não só para o país, mas também para o próprio analfabeto.

Numa outra manchete “Contra o Analfabetismo”, reproduzida de um periódico carioca, a solução deste, que era considerado um problema nacional, consistia na difusão do ensino primário, sendo necessário espalhar por todo o país, as cartilhas de abc:

Contra o Analfabetismo

[...]

A solução do nosso problema nacional está principalmente na difusão do ensino primário. É preciso espalhar pelo país as modestas cartas de ABC.

Os estudos superiores devem ser uma preocupação secundária ante a importância das primeiras letras. Nenhum perigo se corre em aprender a ler, ao passo que não poucos inconvenientes provém muitas vezes de uma infeliz orientação de estudos finais.

Portanto, é caminhar para a frente, ensinar a ler, muito, com todo o ardor das grandes causas sociais (Do O Jornal, do Rio). (JORNAL “A ESCOLA”, 1919, p. 01).

A manchete acima - não reproduzida em sua totalidade - discute em sua íntegra sobre a valorização do ensino secundário e estudos finais que estava sendo colocada em questão, de modo que, mesmo compreendendo a importância dos estudos superiores, o jornal chama atenção para um problema considerado mais urgente, o ensino de primeiras letras, pois, na ausência de bons estudos iniciais, infeliz seria a orientação para um ensino secundário. Ensinar, portanto, tornava-se uma grande causa social. Silva (2017SILVA, Diana Rocha da. As Casas de ensino no Maranhão: um estudo de sua representação no período republicano (1903-1912) /. Tese (Doutorado em Educação Escolar) - Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Faculdade de Ciências e Letras (Campus Araraquara). Araraquara, SP, 2017.), analisando as casas de ensino no Maranhão, destaca que, no período republicano:

A estruturação das escolas primárias, neste contexto, se fez fundamental, uma vez que estas passaram a ser vistas, pelos governantes, como um instrumento estratégico que possibilitaria a transmissão dos ideais pretendidos pelo novo Regime. Esses ideais preconizavam, dentre outros aspectos, a transmissão de valores pátrios, respeito às autoridades, amor ao trabalho, disciplina, posturas civilizadas e os cuidados com a higiene. Nesse sentido, à escola republicana foi atribuída a missão de consolidar os intentos do Estado, que via na instituição escolar, uma alternativa para a superação dos problemas históricos do analfabetismo e, consequentemente (segundo eles) do atraso socioeconômico da nação (SILVA, 2017SILVA, Diana Rocha da. As Casas de ensino no Maranhão: um estudo de sua representação no período republicano (1903-1912) /. Tese (Doutorado em Educação Escolar) - Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Faculdade de Ciências e Letras (Campus Araraquara). Araraquara, SP, 2017., p. 17).

Nas mensagens já reproduzidas anteriormente e na seguinte, observa-se uma preocupação generalizada com o alcance da instrução num país com dimensões continentais e um número alarmante de analfabetos que, por sua vez, em nada contribuiriam para o avanço da pátria. Para Alcebíades Silva:

Infelizmente, nos nossos dias e na nossa querida pátria a ignorância é a regra e a instrução a exceção. Urge mudarmos essas posições com todo o vigor, afim de imitarmos os nossos velhos amigos norte-americanos, em cujo país é coisa rara encontrar-se um cidadão que não saiba ler.

Há muito se fala, mas não deve passar disso, no ensino obrigatório. E por que não o adotamos?

A primeira vista, parece que nada haverá que se opunha a execução dessa salvadora medida.

[...]

Mas, para por em execução um princípio tão justo como esse, encontra ela muitas dificuldades.

Nas cidades grandes ser-lhe há mais fácil pô-lo em prática. No nosso interior, porém, onde justamente há maior soma de analfabetos disseminados de casas de longe em longe, será quase inexequível essa obrigatoriedade, porque os pobres roceiros precisam do auxílio dos filhos em condições de servi-los, para que consigam recursos alimentícios [...] (JORNAL “A ESCOLA”, 1919, p. 01, grifos das autoras).

De acordo com Alcebíades Silva, a realidade brasileira tinha a instrução como uma exceção e havia a necessidade de instalar o ensino obrigatório para resolver este problema. No entanto, havia empecilhos devido à extensão do país, de modo que, na zona urbana, esta poderia ser uma atitude a ser colocada em prática, porém, na zona rural, onde se encontrava a maior parcela de analfabetos, havia maiores complicações, pois, os filhos eram a ajuda dos pais em seu sustento nas roças e sem os mesmos ajudando na manutenção da casa, as famílias seriam punidas. Seria mais prudente espalhar professores por esses lugares, porém, não havia recursos para isto. Assim, deveria continuar, ao menos, fazendo propaganda para que, aos poucos, o problema fosse resolvido. Alcebíades Silva considera a realidade do Nordeste, em especial da cidade de Codó. Para responder essa demanda, segundo Silva (2017), o governo do Maranhão iniciou a construção de cadeiras e alguns grupos escolares, além da criação de externatos para recebimento de alunos no interior do estado, onde se fazia numeroso número de analfabetos.

Para o corpo editorial do jornal “A Escola”, mais que trazer estatísticas sobre o quadro do analfabetismo no Brasil, era urgente combatê-lo:

O Analfabetismo

Combatamo-lo!

Precisamos, quanto antes, de dar forte combate ao nefando e execrável analfabetismo, que tanto infelicita este nosso abençoado e querido solo brasileiro.

Trabalhemos, como verdadeiros e dedicados filhos, pelo progresso de nossa amada Pátria, pela sua grandeza, valor e brilho. Deixemos assim, esse criminoso e revoltante indiferentismo para com o ensino, para com a instrução, de que só restará vexames, dissabores e agonias [...]. (JORNAL “A ESCOLA”, 1920, p. 02).

Aos professores, dirigentes do país, cidadãos de modo geral, fazia-se necessário um efetivo trabalho de valorização da instrução, que culminaria no progresso da Pátria. O indiferentismo para com essa luta consistia num ato criminoso e revoltante.

É nessa conjuntura que a escola começa a ser utilizada como elemento de civilização; seguindo uma ótica modeladora, ela passa a ser adotada como meio eficaz para ensinar a população, ou parte dela, a conter os maus hábitos, estimular o amor à pátria e o respeito às autoridades (SILVA, 2017SILVA, Diana Rocha da. As Casas de ensino no Maranhão: um estudo de sua representação no período republicano (1903-1912) /. Tese (Doutorado em Educação Escolar) - Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Faculdade de Ciências e Letras (Campus Araraquara). Araraquara, SP, 2017., p. 64).

Por fim, a última manchete elencada para este artigo, presente no número 23, afirma que “ninguém, pois, tem o direito de não saber ler; mas o dever, a obrigação de sabê-lo” (JORNAL “A ESCOLA”, 1920, p. 4) e, deste modo, confirma a relação instrução e engrandecimento da pátria como valores propagados pelo jornal em questão, onde para construção de uma nação próspera e civilizada, a instrução escolar estava acima de um direito a ser garantido, mas um dever a ser exercido. Assim, imbuídos desse ideal que configurava como uma verdadeira “missão patriótica” circulou até o ano de 1920, o jornal “A Escola”, afirmando em suas manchetes o compromisso com a propaganda da instrução.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao analisar as mensagens contra o analfabetismo presentes no jornal “A Escola”, percebeu-se que as mesmas fazem menção comum ao progresso do país, colocando a instrução como fator de desenvolvimento, onde o cidadão poderia aperfeiçoar-se em qualquer profissão. Com vocação para artista, agricultor, comerciante, industrial, funcionário público ou outro só poderia produzir obras perfeitas se passasse pela instrução.

Os números do analfabetismo, para os editores do jornal, externavam uma grande tristeza quanto ao futuro de uma nação que precisava crescer, ao mesmo tempo em que deveria tornar-se força motriz para motivar e inspirar políticos e cidadãos a trabalharem em prol da instrução.

Por papel social, mas também político, o jornal “A Escola” defendia o trabalho da imprensa como locomotiva do progresso, promovendo instrução e civilização nas páginas do periódico lançado. Os fundadores do “A Escola” acreditavam no papel educador da imprensa e no alcance que a mesma poderia ter, bem como no jornal enquanto um instrumento que poderia diminuir a falta de instrução e de livros, somando esforços para a diminuição do analfabetismo e consequente progresso do país por meio de força e auxílio dado àqueles que batalhavam para o engrandecimento da nação. E com esta crença propagava em suas páginas as mensagens de educação e instrução veiculadas no jornal.

O jornal era escolar, criado por uma escola na cidade de Codó, mas revelava contextos locais, regionais e nacionais. Empreendia uma forte campanha em prol da instrução, contra o analfabetismo, em todas as suas seções. Do primeiro ao último número analisado, notou-se aquilo que os fundadores afirmaram: o jornal não fugiu do que se propôs a fazer. E o fez de acordo com a sua época e com os valores que acreditavam: isto é, ser um instrumento de propaganda da instrução, “travando uma guerra contra o analfabetismo”.

A partir do conceito de representação de Chartier (1990CHARTIER, Roger. A História Cultural. Rio de Janeiro: Difel, 1990, p. 16-17.), que guiou a perspectiva analítica das manchetes, os conteúdos revelaram as práticas escriturárias dos colaboradores do jornal, que demonstravam interesse em divulgar a instrução escolar como um ideal de progresso e valorização da nação, denunciando o analfabetismo como um fator de atraso ao tão desejado sonho republicano. Estes colaboradores, considerados intelectuais da época, ao apropriarem-se do discurso republicando vigente, acreditavam exercer influência na “propagação do saber” e na consolidação destes ideais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    28 Set 2018
  • Aceito
    04 Set 2019
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