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Desenvolvimento socioeconômico, Igreja Católica e anticomunismo: o Padre Joseph Comblin e Dom Helder Câmara nos preparativos do clero de Pernambuco para a Conferência de Medellín, 1968

Socioeconomic development, Catholic Church and anticomunism: Father Joseph Comblin and Dom Helder Câmara in the preparations of the clergy of Pernambuco for the Conference of Medellín, 1968

Resumo

Este artigo discutirá as repercussões do manifesto escrito pelo padre belga Joseph Comblin, destinado à preparação do clero de Pernambuco para a II Conferência Geral do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), realizado em Medellín, Colômbia, no ano de 1968. O conteúdo desse documento foi considerado subversivo por defender um papel mais ativo da Igreja Católica na reestruturação política para a implantação de um processo de desenvolvimento socioeconômico equitativo para os países da América Latina. Confrontamos o pensamento desse padre em relação ao desenvolvimento com a do seu superior imediato, o Arcebispo Metropolitano de Olinda e Recife, Dom Helder Câmara. O apoio de parte do clero, incluindo de Dom Câmara, proporcionou algumas tensões entre os clérigos, leigos católicos, políticos e militares. Estamos tratando de um momento em que o Brasil estava sob uma Ditadura Civil-Militar. Para tanto, serão utilizadas como fontes históricas: periódicos, correspondências pessoais, entrevistas e documentos produzidos por órgãos de vigilância do governo brasileiro.

Palavras-chave:
Joseph Comblin; Dom Helder Câmara; Igreja Católica; desenvolvimento; Ditadura Civil-Militar

Abstract

This article will discuss the repercussions of the manifesto written by the Belgian Priest Joseph Comblin, aimed to prepare the clergy of Pernambuco for the II General Conference of the Latin American Episcopal Council (CELAM), held in Medellín, Colombia, in 1968. The content of this document was considered subversive for defending a more active role for the Catholic Church in political restructuring for the implementation of an equitable socioeconomic development process for Latin American countries. We compare the thought of this priest in relation to development with that of his immediate superior, the Metropolitan Archbishop of Olinda and Recife, Dom Helder Câmara. The support from certain sectors of the clergy, including Dom Câmara, created some tensions between the clergy, lay Catholics, politicians, and the military. We are dealing with a time when Brazil was under a Militry Civil Dictatorship. For this purpose, historical sources will be used: periodicals, personal correspondence, interviews, and documents produced by surveillance agencies of the Brazilian government.

Keywords:
Joseph Comblin; Dom Helder Câmara; Catholic church; development; Military Civil Dictatorship

América Latina não se pode falar em desenvolvimento sem previamente realizar uma revolução social, que leve à destituição da aristocracia dominante, ou ao advento da raça inferior. Aquela revolução social foi necessária na Europa também, mas não se pode comparar, quanto à amplitude àquela que é necessária na América Latina. Essa revolução não é o desenvolvimento, mas apenas condição prévia. (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 12/06/1968bTEÓLOGO prega reformas e diz que Igreja é colonialista e subdesenvolvida. Diário de Pernambuco, Recife, 12 de junho de 1968b. 2º Cad. p .6 -7, 2º. Cad. p. 6).

O poder deve contar com uma força. Qual será essa força? Às vezes poderá contar com as forças armadas outras vezes é necessário dissolvê-las. Às vezes será necessário distribuir armas ao povo. Outras vezes o centro dos meios de propaganda será suficiente. Em todo caso será necessário montar um sistema repressivo: tribunais novos de exceção contra quem se opõe às reformas. Os procedimentos ordinários da justiça são lentos demais. O poder legislativo também não pode depender de assembléias deliberativas. (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 12/06/1968bTEÓLOGO prega reformas e diz que Igreja é colonialista e subdesenvolvida. Diário de Pernambuco, Recife, 12 de junho de 1968b. 2º Cad. p .6 -7, 2º. Cad. p. 6).

Essas citações são trechos do manifesto do padre belga Joseph Comblin, publicado no Diário de Pernambuco (DP), no dia 12 de junho de 1968, com o título: Teólogo prega reformas e diz que igreja é colonialista e subdesenvolvida. O documento escrito por esse padre - que também era professor do Instituto de Teologia do Recife (ITER) - correspondia a um estudo encomendado por dom Helder Câmara, arcebispo metropolitano de Olinda e Recife. Com o objetivo de preparar os eclesiásticos de Pernambuco para Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e para a II Conferência Geral do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), em Medellín, Colômbia, que ocorreria entre os meses de agosto e setembro de 1968 (DEPARTAMENTO DE POLÍCIA FEDERAL, s/dDEPARTAMENTO de Polícia Federal - Centro de Informações, Prontuário Nº 033: Nome: Joseph Jules Comblin. Prontuário Individual n° 18.209: Padre José Comblin - DOPS-PE/APEJE.; COMBLIN, 2019COMBLIN, Joseph. Entrevista de história de vida com o Padre Joseph Comblin. In: MONTENEGRO, Antonio Torres. Travessias: padres europeus no Nordeste do Brasil (1950-1990). Recife: CEPE, 2019. p. 109-214., p. 146).

O escopo do manifesto do Padre Comblin era promover uma discussão sobre o lugar que a Igreja Católica deveria ocupar frente a uma América Latina que estava, segundo suas palavras, em curso de desenvolvimento socioeconômico. No entanto, o conteúdo do documento produzido por esse padre foi considerado, na época, como subversivo e um perigo aos pilares morais e éticos do catolicismo, tornando-se objeto de análises e de críticas por parte de vários indivíduos ou grupos sociais ligados à Igreja Católica e/ou ao Governo Civil-Militar brasileiro.

Um dia antes da publicação desse escrito no DP, Wandenkolk Wanderley - vereador filiado à Aliança Renovadora Nacional (ARENA) - discursou na Câmara Municipal do Recife, afirmando que tinha em mãos um texto que provaria a presença do comunismo em meio ao clero católico. Ele disse, ainda, que o conteúdo do material de que tinha posse levaria vários padres e o próprio Arcebispo, Dom Helder Câmara, à prisão por representarem uma ameaça à ordem social e política do país (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 12/06/1968cVEREADOR quer a substituição de Dom Helder e a expulsão do padre Comblin. Diário de Pernambuco, Recife, 12 de junho de 1968c. 1º Cad. p. 3.). Não se sabe como o manifesto do padre belga chegou às mãos desse vereador, pois o escrito original tinha sido distribuído para um grupo restrito, entre 12 e 15 sacerdotes de Pernambuco, que tinham o trabalho de ler e contribuir com a elaboração do texto. Provavelmente, um desses padres ou alguém ligado a um deles entregou uma cópia ao político.

Compondo o universo documental analisado nesta investigação, destacamos um conjunto de correspondências produzidas por Dom Helder Câmara, que recebia o nome de cartas circulares. Essas cartas circulares, escritas entre 1962 e 1982, tinham como interlocutores em grande parte as mulheres que trabalharam com ele no Rio de Janeiro, entre as décadas de 1930 a 1960, e, posteriormente, a partir de 1964, juntaram-se às fiéis leigas que atuaram ao lado desse arcebispo em Pernambuco. Em alguns momentos, encontra-se nas cartas o pedido para que as missivas fossem transmitidas a religiosos, técnicos e intelectuais que originalmente não compunham ao grupo nomeado inicialmente de Família São Joaquim e, a partir de 1964, de Família Mecejanense. Essas cartas - escritas durante as madrugadas como uma forma de meditação - possuem características que as aproximam de um diário, nas quais Dom Helder abordava tanto assuntos de cunho espiritual, como também das atividades do cotidiano, reuniões, debates sobre os textos que ele estava lendo e escrevendo para eventos e, em certos momentos, os seus próprios discursos eram enviados como circulares.

Em uma das cartas circulares, encontra-se um registro do próprio Dom Hélder sobre uma conversa com o padre Marcelo Carvalheira, reitor do Seminário Regional, em que foi acordado entre ambos que o ideal era minimizar a polêmica em torno do manifesto do Padre Comblin. Por isso, o arcebispo confidenciou a seus interlocutores: “antecipei-me e distribuí à imprensa o texto combliniano...” (CÂMARA, 2013CÂMARA, Helder. Circulares Pós-Conciliares: de 25/26 de Fevereiro de 1968 a 30/31 de Dezembro de 1968. Recife: Editora CEPE , 2013. Vol. VI. Tomo II., p. 130). A ideia era que ele, como responsável pela Arquidiocese, divulgasse o conteúdo produzido pelo Padre Comblin antes que o referido vereador da ARENA o fizesse. Wandenkolk - alinhado a grupos tradicionais e ex-delegado de polícia - tinha um histórico de ataques na imprensa pernambucana ao Arcebispo Dom Câmara, acusando-o em vários momentos de ser comunista ou de facilitador da infiltração do pensamento marxista na Igreja Católica.

Três dias depois da publicação do artigo, o sacerdote belga concedeu uma entrevista ao Jornal do Commercio (JC), periódico concorrente do DP no Estado, em que se apresentou insatisfeito com a divulgação de seu escrito, dizendo que o texto era reservado a um público particular, formado pelo prelado do CELAM (JORNAL DO COMMERCIO, 1968FREYRE, Gilberto. Em torno do “Documento”. Jornal do Commercio, Recife, 23 de junho de 1968.). Com a exposição do seu manifesto, os meses seguintes foram marcados por vários embates de membros da Igreja Católica entre si e com representantes do Governo Civil-Militar brasileiro.

Dentre as reflexões que empreendemos neste trabalho, destacamos: como alguns membros do clero em Pernambuco, na década de 1960, compreendiam o papel da Igreja Católica no processo de desenvolvimento socioeconômico da América Latina? No caso deste artigo, confrontamos as percepções do Padre Joseph Comblin e do Dom Helder Câmara, que mesmo apoiando seu subordinado, adotou concepções diferentes em torno do tema do desenvolvimento do Terceiro Mundo e suas viabilidades. Questionamos, também, qual lugar ocupava parte do clero do Recife dentro de um contexto político e religioso marcado por acusações de cunho anticomunistas contra aqueles que eram considerados inimigos do status quo? Lembremos que esse momento precedeu a realização da Conferência de Medellín, berço da Teologia da Libertação e de uma proposta de Igreja dos pobres no continente latino-americano.

Importante ressaltar que as fontes históricas foram produzidas a partir de um lugar social, no caso, sacerdotes católicos que, mesmo preocupados com questões sociais, continuavam atrelados a um momento histórico marcado por um Golpe Civil-Militar no Brasil; a uma região do país liderada por elites oligárquicas; a uma instituição religiosa com forte tradição conservadora. Considerando esses vários vetores, os textos dos sujeitos históricos envolvidos nessa trama indicam caminhos que eles acreditavam viáveis para o processo de desenvolvimento socioeconômico das nações subdesenvolvidas.

Para a elaboração desta, pesquisa mapeamos e analisamos um corpus documental composto por correspondências pessoais, artigos publicados em periódicos, entrevistas, reportagens de jornais e dossiês produzidos pela polícia política brasileira. Compreender o momento em que esses documentos foram produzidos e os grupos/indivíduos envolvidos na construção deles faz parte do esforço do próximo tópico, quando discutiremos as dinâmicas dos membros da Igreja Católica no Recife para a preparação da II Conferência Geral do CELAM, realizada em Medellín no ano de 1968.

Igreja Católica no Recife e os preparativos para II Conferência Geral do Conselho Episcopal Latino-Americano, em Medellín (1968)

Entre os anos de 1962 e 1965, a Igreja Católica vivenciou um processo de reformulação a partir do Concílio Ecumênico Vaticano II, considerado por muitos pesquisadores e religiosos como um dos principais acontecimentos do catolicismo no século XX (BEOZZO, 2001BEOZZO, José Oscar. Padres Conciliares Brasileiros no Vaticano II: Participação e Prosopografia (1959-1965). 2001. Tese (Doutorado em História) - Departamento de Pós-Graduação da Faculdade de Filosofia e Ciência Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001. ; ROMERO, 2014ROMERO, Sigifredo. The progressive Church in Brazil, 1964-1972. 2014. Thesis (Master of Arts) - Florida International University, 2014.). O Concílio, em linhas gerais, foi uma ampla assembleia consultiva e deliberativa, com o objetivo de proporcionar as condições necessárias para criação de uma Igreja apta a enfrentar as peculiaridades do mundo moderno e de criar oportunidades de aproximações entre católicos e não católicos (BEOZZO, 2001BEOZZO, José Oscar. Padres Conciliares Brasileiros no Vaticano II: Participação e Prosopografia (1959-1965). 2001. Tese (Doutorado em História) - Departamento de Pós-Graduação da Faculdade de Filosofia e Ciência Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001. ; LIBANO, 2005LIBANO, João Batista. Concílio Vaticano II: em busca de uma primeira compreensão. Belo Horizonte: Edições Loyola, 2005.; WILTGEN, 2007WILTGEN, R. O Reno se lança no Tibre: o Concílio desconhecido. Rio de Janeiro: Permanência, 2007.).

Desde o começo do Concílio, os bispos da América Latina, ligados ao CELAM, propuseram-se a organizar um plano conjunto de atuação em todo o continente. A dedicação e a articulação em prol de um trabalho específico para o desenvolvimento socioeconômico da América Latina, como registrou em carta circular dom Helder Câmara, permitiu, ainda em 1965, a realização de reuniões para a preparação de um projeto de congresso episcopal para depois do Vaticano II, sob a influência de Dom Manuel Larraín, Bispo de Talca, Chile (CÂMARA, 2009CÂMARA, Helder. Circulares Conciliares: de 10/11 de Setembro a Dezembro de 1965. 2. ed. Recife: Editora CEPE, 2009. p. 345. Vol. I. Tomo III.). Esse evento ficou conhecido posteriormente como a Conferência de Medellín, em 1968, e teve em Dom Helder Câmara uma das figuras mais influentes no debate sobre o papel social da Igreja no mundo subdesenvolvido (SERBIN, 2001SERBIN, Kenneth P. Diálogos na sombra: bispos e militares, tortura e justiça social na ditadura. São Paulo: Companhia das Letras , 2001.).

Enquanto os eclesiásticos da Igreja Católica vivenciavam os preparativos para a terceira seção do Concílio Vaticano II, em 1964, o clima de inquietude política do Brasil ganhava um novo episódio com os aliados do governo do Presidente João Goulart, organizando, em 13 de março do respectivo ano, um comício na Central do Brasil, Rio de Janeiro. Dentre os principais nomes presentes estavam o de Leonel Brizola e Miguel Arraes, respectivamente deputado federal pelo Guanabara e governador de Pernambuco (FERREIRA; GOMES, 2014FERREIRA, Jorge; GOMES, Ângela de Castro. 1964: o golpe que derrubou um presidente, pôs fim ao regime democrático e instituiu a ditadura no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.).

Em resposta a esse comício, os opositores do Presidente Goulart e a ala mais conservadora da Igreja Católica - com destaque para o cardeal do Rio de Janeiro, Dom Jaime Câmara - organizaram, em São Paulo, no dia 19 de março, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade (CODATO; OLIVEIRA, 2004CODATO, Adriano Nervo; OLIVEIRA, Marcus Roberto. A marcha, o terço e o livro: catolicismo conservador e ação política na conjuntura do golpe de 1964. Revista Brasileira de História, v. 24, n. 47, p. 271-302, 2004. ). Esse evento marcou o apoio de parte da Igreja Católica ao golpe em curso no país.

Na madrugada de 31 de março para 1 de abril de 1964, o Golpe Civil-Militar se concretizou. Dentre as primeiras medidas dos envolvidos estava o afastamento de João Goulart da presidência e a instalação de uma Junta Militar com o objetivo de criar mecanismos de desarticulação das forças políticas consideradas subversivas, comunista/socialistas. Em 15 de abril, Humberto de Alencar Castelo Branco, marechal e um dos conspiradores da implantação da Ditadura Civil-Militar, assumiu a presidência do Brasil. Nesse cenário, parte considerável da alta hierarquia da Igreja Católica no Brasil, representada pela CNBB, apoiou o golpe político (LÖWY, 2007LÖWY, Michael. As esquerdas na ditadura militar: o cristianismo da libertação. In.: FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Aarão (org.). Revolução e democracia (1964...). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2007. p. 304-320.).

No imediato pós-Golpe Civil-Militar brasileiro, a CNBB divulgou uma nota através da qual agradecia “... aos militares que, com grave risco de suas vidas, se levantaram em nome dos supremos interesses da nação, e gratos somos a quantos concorreram para libertarem-na do abismo iminente” (LÖWY, 2007LÖWY, Michael. As esquerdas na ditadura militar: o cristianismo da libertação. In.: FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Aarão (org.). Revolução e democracia (1964...). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2007. p. 304-320., p. 305). A imagem de um abismo iminente era confeccionada a partir de práticas discursivas que mobilizavam enunciados de caráter anticomunista, personificadas naquele momento pelas propostas políticas de reformas de bases defendidas por João Goulart (NAPOLITANO, 2014NAPOLITANO, Marcos. 1964: história do regime militar brasileiro. São Paulo: Contexto, 2014.).

Ao mesmo tempo em que esse imbricado processo se desenrolava na arena política brasileira, em abril de 1964, Dom Helder Câmara, ainda em Roma, devido à sua participação no Concílio, recebia, pelas ondas da rádio Vaticano, a notícia de que ele era o novo Arcebispo de Olinda e Recife. Nesse clima de incerteza e instabilidade política, Dom Câmara chegava a Pernambuco. Ao desembarcar no Nordeste brasileiro, Dom Hélder Câmara já desfrutava de certa fama nacional e internacional por causa do trabalho desempenhado nas favelas cariocas, enquanto ocupava o posto de arcebispo-auxiliar do Rio de Janeiro, entre 1954 e 1964; juntamente com sua atuação no Concílio Ecumênico Vaticano II, entre os anos de 1962 e 1965 (PILETTI; PRAXEDES, 2008PILETTI, Nelson; PRAXEDES, Walter. Dom Helder Câmara, o profeta da paz. 2. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2008.; BANDEIRA, 2013BANDEIRA, Marina. Vigília e testemunho. São Paulo: Ed. Reflexão, 2013.).

O trabalho desempenhado por Dom Helder no campo social tornou Pernambuco um espaço de atração para alguns clérigos, como se observa na entrevista concedida pelo Padre Comblin ao historiador Antônio Torres Montenegro, quando destacou: “No Recife havia a presença de Dom Helder [...] O resto era secundário, ou seja, o ensino no seminário e, depois, no Instituto de Teologia do Recife (ITER). Pensava passar o resto da vida no Recife. Só passei sete anos, mas valeu à pena” (COMBLIN, 2019COMBLIN, Joseph. Entrevista de história de vida com o Padre Joseph Comblin. In: MONTENEGRO, Antonio Torres. Travessias: padres europeus no Nordeste do Brasil (1950-1990). Recife: CEPE, 2019. p. 109-214., p. 140). Para muitos católicos, naquele momento a Arquidiocese de Olinda e Recife era o espaço para se vivenciar os pressupostos defendidos no decorrer do Concílio e de uma Igreja atuante no combate ao subdesenvolvimento do Terceiro Mundo.

Contudo, a vinda do Padre Joseph Comblin para a América Latina esteve relacionada a outras questões. No caso, em 1958, o referido padre - possuindo já o título de doutor em Teologia pela Universidade de Louvain, Bélgica - decidiu responder à Encíclica Fidei Donum (1957), do papa Pio XII, tornando-se missionário na América Latina. O primeiro destino foi o Brasil, aceitando, na ocasião, o convite do Arcebispo Dom Paulo de Tarso Campos, da cidade de Campinas, São Paulo, para atuar como sacerdote e professor no seminário e na Universidade Católica. Em 1962, mudou-se para Santiago do Chile, a convite do padre Marcos McGrath, para dar aula de Teologia no seminário pontifício de Las Condes (COMBLIN, 2019COMBLIN, Joseph. Entrevista de história de vida com o Padre Joseph Comblin. In: MONTENEGRO, Antonio Torres. Travessias: padres europeus no Nordeste do Brasil (1950-1990). Recife: CEPE, 2019. p. 109-214.).

Ainda em 1962, o Padre Comblin foi apresentado a Dom Helder por intermédio do Cardeal de Mechelen-Bruxelas, Dom Leo Jozef Suenens, no decorrer do Concílio Ecumênico Vaticano II. Ao assumir a Arquidiocese Metropolitano de Olinda e Recife, em 1964, Dom Câmara o convidou para ser professor no ITER, tornando-se posteriormente um dos principais nomes do clero em Pernambuco durante as décadas de 1960 e 1970. A título de exemplificação, sob a coordenação de Dom Helder Câmara, em 1968, foi criado o ITER, que incluía na formação dos padres e seminaristas a experiência de viverem nas comunidades mais empobrecidas do Recife, tendo que trabalhar para se sustentar, adotando um modelo parecido com o dos padres operários franceses. Além disso, outra inovação foi a aceitação de leigos e protestantes estudarem junto com os seminaristas no ITER. O Instituto assumiu um caráter ecumênico, procurando construir espaços de atuação para o credo cristão entre católicos e protestantes na Igreja do Nordeste brasileiro (CABRAL, 2001CABRAL, Newton Darwin de Andrade. Báculo no meio dos caminhos: modelos Eclesiais em conflito no Regional Nordestino II (1965-1990). 2001. Tese (Doutorado em História) - Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2001.).

Mesmo assumindo um posicionamento conciliador entre a Igreja e o Estado, nos primeiros anos da Ditadura Militar no Brasil a atuação de Dom Helder Câmara no campo social e o envolvimento dele no processo de modernização da Igreja durante o Vaticano II contribuiu para que ele fosse associado discursivamente, pelos opositores, ao comunismo/socialismo (SERBIN, 2001SERBIN, Kenneth P. Diálogos na sombra: bispos e militares, tortura e justiça social na ditadura. São Paulo: Companhia das Letras , 2001.; BROUCKER, 1979BROUCKER, José de; CÂMARA, Helder. The conversions of a Bishop: an interview with José de Broucker. New York: Collins, 1979.). Em muitos momentos, foi chamado de Arcebispo Vermelho, em alusão a um suposto alinhamento com o comunismo e, por consequência, considerado como um perigo para a fé cristã ou para a manutenção do status quo do Brasil durante os anos de 1964 a 1984 (FERRARINI, 1992FERRARINI, Sebastião Antonio. A imprensa e o Arcebispo Vermelho (1964-1984). São Paulo: Ed. Paulinas, 1992.).

O historiador Rodrigo Patto Sá Motta destacou - com as devidas proporções entre as atuações anticomunistas nos EUA, Europa e Brasil - que a prática discursiva de combate ao comunismo era heterogênea, possuindo origens distintas entre si. Em alguns momentos, perfis ou tipos distintos de combate ao pensamento comunista ou socialista acabavam se entrelaçando, mas, segundo esse autor, uma leitura atenta possibilita enxergar as nuances e especificidades de cada uma delas. Ao analisar panfletos, periódicos e obras de intelectuais brasileiros, Motta classificou os matizes anticomunistas no Brasil em três grandes conjuntos: o catolicismo, o nacionalismo e o liberalismo.

No caso do catolicismo, nicho que interessa em nossa análise, relacionar um sacerdote ou um católico laico ao comunismo e/ou ao materialismo histórico oriundo do pensamento marxista era um esforço na direção de deslegitimar e/ou ligar um indivíduo ou determinada ideia à negação dos preceitos cristãos. Conforme observou Rodrigo Motta, no decorrer do século XX, muitos católicos estiveram envolvidos em campanhas anticomunistas (MOTTA, 2002MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o "Perigo Vermelho": o anticomunismo no Brasil (1917-1964). São Paulo: Perspectiva/ FAPESP, 2002.). Compreender esse cenário de tensões e acusações contribui para entendermos como o manifesto do padre Comblin estava inserido numa imbricada realidade em que alguns eclesiásticos e fiéis se voltavam para discussões a respeito da responsabilidade social por parte da Igreja, enquanto outra ala interpretava em tais práticas como influência do comunismo e acreditavam que a fé cristã estava sob ameaça real de uma ideologia herética, no caso, o materialismo marxista.

Com relação aos espaços de possíveis diálogos ou influências que viabilizaram a escrita do referido manifesto do padre belga, encontramos alguns indícios a partir da própria publicação do texto e no mapeamento das fontes indicadas nesse processo. Nos parágrafos que antecederam a transcrição na íntegra do documento produzido por Pe. Comblin, o DP informou aos seus leitores: “O documento do padre e sociólogo é a interpretação de um texto-base enviado aos bispos da América Latina sobre a realidade continental, pelo Conselho do Episcopado Latino-americano” (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 12/06/1968bTEÓLOGO prega reformas e diz que Igreja é colonialista e subdesenvolvida. Diário de Pernambuco, Recife, 12 de junho de 1968b. 2º Cad. p .6 -7, 2º. Cad. p. 6). A partir dessa notícia, realçamos que o escrito do Padre Comblin partia de um diálogo estabelecido entre membros da Igreja na América Latina.

Mesmo o DP não especificando quais eram esses textos enviados pelos membros do CELAM, encontramos, na Revista Eclesiástica Brasileira, na edição de 2 de junho de 1968, um indício de quais documentos eram esses. Depois dos artigos publicados nessa edição - inclusive, tinha um escrito pelo Padre Joseph Comblin, com o título: “Os estudos pastorais na formação sacerdotal” (COMBLIN, 1968bCOMBLIN, Joseph. Os estudos pastorais na formação sacerdotal. Revista Eclesiástica Brasileira, v. 28, fasc. 2, p. 258-279, 1968b. ) - encontra-se uma seção destinada aos “Documentos para a Presença da Igreja Pós-conciliar na América Latina”. Os textos traduzidos para o português traziam à tona as discussões relativas a como o catolicismo deveria lidar com as particularidades históricas, sociais, culturais e religiosas do Continente latino-americano depois do Vaticano II.

Em vários momentos desses documentos, encontram-se repetições de análises da conjuntura social, política e econômica que versavam recorrentemente no seguinte sentido:

Caracterizam-se os sistemas políticos por várias formas de oligarquia. A falta de grupos intermediários que facilitem a participação e a integração na vida nacional, como sindicatos, organizações camponesas, tem como consequência que grupos pequenos governem sem contrapeso. O estado, por seu turno, exagerou a própria missão e tende a monopolizar toda a atividade humana. Existe igualmente um desequilíbrio entre os escassos grupos de pressão. Em muitos países o grupo militar constitui um poderoso grupo de pressão que passa a ter papel decisivo na política.

A Igreja foi atingida por essa hipertrofia do político. Onde ela é a religião oficial, seus chefes religiosos são identificados com o poder político. Noutras partes são vistos como ligados às classes dominantes e aos poderosos. A igreja constitui também um certo grupo de poder. Ela, infelizmente, permaneceu às vezes calada diante dos abusos do poder civil e militar, sempre que lhe permitiam exercer suas funções culturais e seu papel moralizador (de moral individualista) e suas atividades educacionais. (REVISTA ECLESIÁSTICA BRASILERIA, 06/1968cDOCUMENTAÇÃO - documentos para a presença da Igreja pós-conciliar na América Latina. Revista Eclesiástica Brasileira, v. 28, fasc. 2, p. 431-469, 1968c , p. 438).

Esses textos divulgados pelos bispos da América Latina - que antecederam a realização da II Conferência Geral do CELAM - possuíam em seu cerne a discussão sobre o desenvolvimento socioeconômico e do papel que a Igreja deveria assumir nesse processo. Contudo, no próximo tópico, discutiremos como o tema do desenvolvimento estava entrelaçado ao que se chamava de doutrina social da Igreja, isso antes da criação da Teologia da Libertação e da opção pelos mais pobres, frutos de Medellín, 1968. Considerando, nessa abordagem, os posicionamentos distintos e/ou opostos em relação ao tema entre o Padre Joseph Comblin e o Arcebispo Dom Helder Câmara.

Duas formas de entender o papel da Igreja no processo de desenvolvimento socioeconômico da América Latina na década de 1960

O manifesto do Padre Comblin apresentou uma análise em que, para o autor, naquele momento, os estudos no campo da economia e da sociologia sobre a América Latina estavam pautados, em grande parte, em metodologias dedutivas e apresentavam, assim, perspectivas gerais e homogeneizantes de proveniência europeia ou norte-americana. Contudo, ele não revelou quais obras foram analisadas por ele para chegar a tal conclusão. Para ultrapassar as supostas limitações dos economistas e dos sociólogos, o sacerdote decidiu aprofundar a discussão estabelecendo subdivisões com base numa abordagem histórica, dedicando-se, principalmente, às peculiaridades latino-americanas e do papel da Igreja Católica no continente.

Como se observa no seguinte trecho do manifesto do Comblin:

Ora, o específico da América Latina, resultado da sua história, é o fato de constituir uma sociedade altamente aristocrática, uma das mais aristocráticas que jamais houve na história das civilizações. Isso resulta das origens das nações latino-americanas. Elas são resultado da justaposição de diversas raças e classes sociais de nível extraordinariamente desigual: descendentes de escravos ou de índios primitivos ou de civilização muito inferior. A miscigenação modera de certo modo as extraordinárias desigualdades sociais, mas nunca foi levada a tal ponto de envolver a totalidade da população numa mistura total. [...]

Por isso os conceitos da sociologia americana ou européia sobre as classes sociais, ou a mobilidade social, etc., não são pertinentes na América Latina. Aqui, trata-se de uma desigualdade muito superior a uma simples desigualdade de classe social. São duas raças, duas civilizações ainda justapostas. A aristocracia acha normal a extraordinária desigualdade social (ou sócio-racial). América Latina são colônias em que os conquistadores ficaram. Não somente não foram expulsos pelas guerras ou as revoluções da independência mas estas lhes aumentaram ainda o poder. (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 12/06/1968TEÓLOGO prega reformas e diz que Igreja é colonialista e subdesenvolvida. Diário de Pernambuco, Recife, 12 de junho de 1968a. 1º Cad. p. 2, 2º. Cad. p. 6).

Importante destacar o que seria essa abordagem histórica para o Padre Comblin no referido manifesto. O religioso compreendia a história como uma ciência que oferecia um leque de exemplos que poderiam ser seguidos ou não no presente para a construção de um futuro. Além de tratar os fatos históricos como delimitadores para explicar os cenários sociais, políticos e econômicos da América Latina daquele momento em que ele escrevia. Acreditava o Padre Comblin, em seu manifesto, que as experiências das nações latino-americanas poderiam sinalizar o caminho para o desenvolvimento do continente. Nesse sentido, a história ocupava o papel de legitimador para a convocação de uma mobilização de classes sociais consideradas desprovidas e exploradas em prol de melhores condições de vida. Mesmo que para isso fosse necessário o uso da força armada por parte da sociedade civil (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 12/06/1968bTEÓLOGO prega reformas e diz que Igreja é colonialista e subdesenvolvida. Diário de Pernambuco, Recife, 12 de junho de 1968b. 2º Cad. p .6 -7).

Ao analisar o processo de formação dos grupos sócio raciais durante a história da América Latina, o Padre Comblin compreendeu a dinâmica de poder a partir da seguinte organização: “Ao lado de uma categoria de mestiços, houve e há ainda uma aristocracia branca, que acumula a totalidade de poder, das riquezas e da cultura e uma classe de quase-escravos sem poder, sem riqueza e sem cultura” (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 12/06/1968bTEÓLOGO prega reformas e diz que Igreja é colonialista e subdesenvolvida. Diário de Pernambuco, Recife, 12 de junho de 1968b. 2º Cad. p .6 -7, 2º. Cad. p. 6). Desse modo, para o sacerdote belga, a História enquanto campo de saber científico possibilitaria as condições necessárias de análise e discussão sobre os problemas socioeconômicos das nações latinas. De maneira geral, ele evidenciou que a sociedade latino-americana estava marcada por uma aristocracia de brancos ou que se consideravam brancos, atuando a partir de relações sociais, políticas e financeiras desiguais em comparação aos mais pobres, que eram, em grande, parte descendentes de negros e índios. Mesmo ponderando sobre a miscigenação do continente, para o autor as divisões entre esses grupos não foram desfeitas, servindo como delimitadores para distinções sociais e econômicas desses países (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 12/06/1968bTEÓLOGO prega reformas e diz que Igreja é colonialista e subdesenvolvida. Diário de Pernambuco, Recife, 12 de junho de 1968b. 2º Cad. p .6 -7).

Ao apresentar essa visão sobre a constituição da sociedade latino-americana, o padre argumentou que teorias, métodos e categorias de análise da sociologia europeia ou norte-americana não correspondiam ao cotidiano ou às mobilizações sociais latino-americanos. O Padre Comblin destacou no seu documento que considerava ser necessário um esforço do continente latino em produzir um lugar de análise sobre as suas próprias condições e seus problemas relativos às desigualdades sociais e/ou sociorraciais. Além de caber aos países dessa parte do continente projetar um processo sistemático e sólido de desenvolvimento coerente e viável com sua história e potencialidades.

Os latino-americanos deveriam, assim, construir seu próprio percurso para o desenvolvimento socioeconômico e não apenas imitar a Europa e/ou os Estados Unidos. O Padre Comblin entendia que o continente latino-americano, diferente do europeu, precisava empreender uma destituição da elite branca aristocrática do poder para depois tentar um desenvolvimento da sociedade como um todo e não apenas de uma classe de afortunados. Desse modo, a revolução, armada ou não, era um pré-requisito para o desenvolvimento social de equidade entre os mais pobres da América Latina.

Para esse processo de mudança, escreveu o referido padre:

Seria radical demais pensar que uma guerra total dos pobres contra os ricos seja indispensável. Muitos povos conquistaram a independência sem guerra. Assim também uma colaboração internacional poderia conquistar se sem recurso de uma guerra total. Doutro lado, seria pueril achar que as conferências internacionais vão resolver as tensões. As conferências diplomáticas não inspiram medo nos ricos. Sem medo, não se poderão arrancar dos povos ricos as concessões necessárias. (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 12/06/1968TEÓLOGO prega reformas e diz que Igreja é colonialista e subdesenvolvida. Diário de Pernambuco, Recife, 12 de junho de 1968a. 1º Cad. p. 2, 2° Cad. p. 7).

O medo foi tratado no documento do Padre Comblin como instrumento necessário para impulsionar as reformulações estruturais em meio às tensões entre grupos sociais antagônicos. O historiador Pierre Ansart (2004ANSART, Pierre. História e memória dos ressentimentos. In: BRESCIANI, Stella; NAXARA, Márcia. Memória e (res)sentimento: indagações sobre uma questão sensível. Campinas: Ed. da Unicamp, 2004. p. 15-36.), ao discutir sobre os vários níveis e tipos de relações presentes no campo da política, identificou a importância da subjetividade de sentimentos como paixões, angústias, medos, sonhos etc. como forças motrizes de engajamento ou recuo de movimentos ideológicos ou escolhas políticas individuais. O medo, referenciado pelo sacerdote belga, seria imposto por meio da violência, cogitando, assim, o uso das armas e de uma luta armada já na década de 1960.

Essa referência contribuiu com nosso entendimento sobre a forma como o sacerdote belga abordou a questão do medo, que aparece sempre como instrumento a ser utilizado pelos mais pobres no intuito de possibilitar as mudanças estruturais desejadas, enquanto que, diferente do Padre Comblin, algumas alas de eclesiásticos, temerosos em perder os privilégios e o poder que a Igreja possuía no Terceiro Mundo, escolheram construir alianças com as elites econômicas no intuito de manter regalias sociais, políticas e financeiras. Para o padre Comblin, as escolhas desses sacerdotes relegaram a Igreja Católica à categoria de principal instituição do subdesenvolvimento da América Latina.

De forma pessimista, em seu supracitado escrito, o Padre Comblin acreditava que a América Latina não passava por um processo homogêneo e linear de desenvolvimento, mas que possuía algumas áreas financeiras num caminho de crescimento. Em sua argumentação, destoava do resto do continente apenas dois países latino-americanos, em que se poderiam, naquele momento, se discutir sobre a possibilidade de um desenvolvimento, no caso, México e Cuba. Lembremos que, desde a década de 1950, Cuba estava sob regime socialista, liderado na época por Fidel Castro, e, também, sob um embargo econômico imposto pelo governo norte-americano (HOBSBAWM, 2017HOBSBAWM, Eric. Viva la revolucion: a era das utopias na América Latina. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.). Ao indicar esses dois países como exemplos de desenvolvimento no Brasil da década de 1960, principalmente o caso de Cuba, o Padre Comblin assumia um posicionamento no mínimo polêmico e abria espaço para classificá-lo e aos seus interlocutores - como no caso de Dom Helder - na categoria de comunistas ou simpáticos às ideias socialistas.

Ao tratar da Igreja Católica como uma instituição sensível ao tema do desenvolvimento, o Padre Comblin também a classificava enquanto um dos alicerces do subdesenvolvimento na América Latina. Em linhas gerais, o referido sacerdote analisou como a Igreja nesse continente negligenciou por séculos a realidade dos mais pobres, principalmente no meio rural e das condições de subserviência colonial nos países latinos. Desse modo, destacou que a Igreja Católica se encastelou em estruturas e tradições medievais, tornando-se ela um símbolo do subdesenvolvimento do continente. Para ele, a doutrina social da Igreja a partir dos textos Constituição Gaudium et Spes (1965) e da Encíclica Populorum Progressio (1967) falharam ao não apresentarem discussões sobre os “... problemas relacionados com a “arrancada” do desenvolvimento, e, de modo particular, com a arrancada na América Latina” (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 12/06/1968TEÓLOGO prega reformas e diz que Igreja é colonialista e subdesenvolvida. Diário de Pernambuco, Recife, 12 de junho de 1968a. 1º Cad. p. 2, 2º Cad. p. 6).

O sacerdote belga acreditava que um processo de desenvolvimento que alcançasse as classes mais pobres - formadas por negros, indígenas e mestiços - deveria vir com a substituição e reestruturação da elite branca que dominava a política e a economia latino-americana. Nesse sentido, o Padre Comblin encerrou o seu documento defendendo que as transformações necessárias para o desenvolvimento não se dariam de maneiras pacíficas ou por meio de debates acadêmicos ou do poder legislativo ou por sistemas eleitorais. Para tal padre, as mudanças só aconteceriam com a tomada de poder por um grupo decidido a empreender uma reforma, mesmo que sob uma ditadura, daqueles que foram historicamente explorados pelas elites econômicas.

Importante entender a perspectiva teológica que o Padre Comblin se classificava. Em sua entrevista a Montenegro, o sacerdote belga falava sobre ter uma boa circulação entre os teólogos da libertação, mas que ele estava enquadrado numa corrente europeia chamada de Teologia da Revolução (COMBLIN, 2019COMBLIN, Joseph. Entrevista de história de vida com o Padre Joseph Comblin. In: MONTENEGRO, Antonio Torres. Travessias: padres europeus no Nordeste do Brasil (1950-1990). Recife: CEPE, 2019. p. 109-214.). Procurando entender como esse sacerdote entendia esse posicionamento revolucionário a partir da teologia, encontramos um artigo publicado na Revista Eclesiástica Brasileira, em março de 1968, com o título “Para uma tipologia do Catolicismo no Brasil”, do próprio Padre Comblin, que definiu:

a. O Catolicismo Revolucionário [...] Eis os traços principais da consciência revolucionária: o homem é ação para transformar a matéria e a sociedade, e assim se transformar a si mesmo; o homem é responsável de seu porvir e deve conquistar os meios práticos de realizar o seu destino pessoal coletivo; essa ação exige mudanças revolucionárias das estruturas; numa palavra o homem é ser histórico ou historicidade. (COMBLIN, 1968aCOMBLIN, Joseph. Para uma tipologia do Catolicismo no Brasil. Revista Eclesiástica Brasileira, v. 28, fasc. 1, p. 46-73, 1968a., p. 66).

Relevante destacar que o trecho acima foi publicado três meses antes do manifesto analisado no decorrer deste artigo. Essa citação, quando comparada com a análise feita no texto publicado pelo DP, indica-nos a forma como esse sacerdote compreendia a atuação revolucionária que a Igreja deveria tomar frente às dificuldades e às desigualdades presentes nos processos de desenvolvimento empreendidos nos países latino-americanos. Voltando-nos para o documento do padre Comblin, notamos que, diferentemente do Arcebispo Dom Helder, o padre belga tinha uma postura mais agressiva em relação à elite socioeconômica, considerando viável até o uso da violência, caso fosse necessário, enquanto o citado arcebispo procurava criar condições de colaborações mútuas e de conciliações entre grupos sociais distintos (MORAES, 2021MORAES, Márcio André Martins de. “VAMOS AO ÂMAGO DO PROBLEMA”: A atuação de Dom Helder Pessoa Camara na defesa de um desenvolvimento integral para os países/regiões pobres do mundo (1964-1970). 2021. Tese (Doutorado em História) - Programa de Pós-Graduação em História Social, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021.).

Para um entendimento das distinções entre as formas de ver o papel da Igreja Católica no processo de desenvolvimento do terceiro mundo entre o Padre Comblin e Dom Helder, apresentaremos a partir deste momento um panorama da produção de discursos do arcebispo de Olinda e Recife entre os anos de 1964 e 1968. Utilizando-nos como base o acervo do Centro de Documentação Dom Helder Câmara (CEDOHC), pertencente ao Instituto Dom Helder Câmara (IDHeC). Nesse arquivo, localizamos um total de 69 discursos proferidos por este arcebispo entre os anos de 1964, quando assumiu a Arquidiocese Metropolitana de Olinda e Recife, até o ano de 1968, quando foi publicado o texto do supracitado padre belga. Desses escritos de Dom Helder, 47 deles foram destinados para conferências feitas no Brasil, com uma concentração de aproximadamente 46% das apresentações no Nordeste do país.

Consideremos que essa região do país apresentava um alto índice de desigualdade social e na distribuição de renda, como registrou Milton Santos (SANTOS, 2013SANTOS, Milton. A Urbanização Brasileira. São Paulo: Edusp, 2013.). Nesse sentido, o tema do desenvolvimento se fazia pertinente e necessário na atuação político-pastoral desse clérigo, durante o recorte temporal estudado. Lembremos que, nas décadas de 1950 e 1960, propostas nacional-desenvolvimentistas tinham um lugar de destaque no cenário político e econômico do país (PÉCAUT, 1990PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Editora Ática, 1990.; DREIFUSS, 1981DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe. Petrópolis: Vozes , 1981.).

A diversidade do público, presente nas conferências ministradas por Dom Hélder, abarcava desde eclesiásticos, políticos, acadêmicos, trabalhadores do campo e da cidade, possibilitando ao arcebispo a aplicação de várias estratégias de abordagens e temas discutidos. Com base no mapeamento feito em nossa investigação, observamos, na escrita de Dom Helder Câmara, uma tentativa de conciliação entre questões sociais, econômicas, culturais e espirituais, possibilitando-nos entender as propostas dele, a partir do conceito de desenvolvimento integral. Para exemplificar esse termo nas palestras desse arcebispo, destacamos o seguinte trecho:

Eis aqui porque desenvolvimento para nós é batalha sagrada e sem limites: superando, em absoluto, desenvolvimento parciais, unilaterais, queremos ajudar os sub-homens (quer se trate de sub-humanização pela miséria, quer se trate de desumanização pelo egoísmo) a viver o desenvolvimento integral, cujo limite é o sem-limite, é o sem-fim da própria vida divina. Então, mas só então ganha sentido pleno a definição de desenvolvimento integral: conhecer mais, produzir mais, ter mais, para ser mais. E quando na Missa - mais profunda participada agora com o Cânon em vernáculo - falamos no Cristo, falamos também em nós, que nos tornamos um com Ele, desde o batismo: “Por Ele, Senhor, vós não cessais de criar estes bens, vós os santificais, vós lhes dais a vida, vós os abençoais e no-lo concedeis”. (CÂMARA, 1967CÂMARA, Helder. Igreja e construção do mundo. VIª Assembléia Geral de MIJARC. Assunção, Paraguai, 02 de agosto de 1967., p. 3).

Essa citação, retirada do discurso “Igreja e Construção do Mundo”, apresentado na VIª Assembleia Geral do Movimento Internacional da Juventude Agrária (MIJARC), realizado em Assunção, Paraguai, em agosto de 1967, indica-nos a percepção de desenvolvimento integral de Dom Helder Câmara. Esse excerto é emblemático por sinalizar o entendimento dele de como a Igreja deveria contribuir com um desenvolvimento que não ficasse restrito ao material ou financeiro.

Compreendemos o termo de desenvolvimento integral a partir da análise de um conjunto de textos apresentados em conferências e nos escritos pessoais desse arcebispo, considerando, nesse universo documental, a recorrência de uma postura que entendia que um projeto de desenvolvimento não poderia desconsiderar nenhuma área da vida do homem, sendo ela material ou espiritual. Relevante destacar que, para a confecção desse entendimento, Dom Helder recebeu influências de intelectuais como Jacques Maritain, com o humanismo integral, e do Padre Louis Joseph, com a perspectiva de uma economia humanitária (GODOY, 2020GODOY, José Henrique Artigas. Dom Helder Câmara e Louis-Joseph Lebret: desenvolvimento e práxis progressista Católica nas décadas de 1950 e 1960. Dados - Revista de Ciências Sociais, v. 63, n. 1, p. 1-41, 2020.).

Ao ler os textos apresentados por Dom Helder Câmara em conferências e os seus escritos pessoais, percebemos que uma característica dele era a tentativa de entrelaçar argumentos religiosos e sociopolíticos com dados e projeções técnicas e/ou financeiras de órgãos nacionais ou internacionais. Esse esforço do arcebispo de Olinda e Recife em cruzar informações tinha a intenção de criar legitimidade e dar um ar de cientificidade aos projetos de desenvolvimentos integrais que ele defendia. O escopo de seus discursos, em grande parte, era apresentar propostas de melhorias sociais e econômicas das áreas subdesenvolvidas a partir de uma tentativa de convencimento dos mais ricos de que era um ato de fraternidade cristã uma melhor divisão das riquezas entre as nações.

No decorrer do século XX, a questão do desenvolvimento esteve presente nos trabalhos de vários clérigos católicos, principalmente no pós-Vaticano II, e em documentos que serviram de alicerces para uma Igreja alinhada às questões sociais, com destaque para as Encíclicas papais: Mater et Magistra (1961), Pacem in Terris (1963) de João XXIII; Populorum Progressio (1967) de Paulo VI; e a Constituição Pastoral Gaudium et Spes (1965), resultado do Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965).

Retomando ao momento em que o DP publicou o manifesto do Padre Comblin, especificamente dois dias antes, no caso, as madrugadas de 9 para 10 e 10 para 11 de junho de 1968, Dom Helder Câmara escreveu aos seus interlocutores, por meio de cartas circulares, um anteprojeto para criação da Ação Pacífica no Brasil (CÂMARA, 2013CÂMARA, Helder. Circulares Pós-Conciliares: de 25/26 de Fevereiro de 1968 a 30/31 de Dezembro de 1968. Recife: Editora CEPE , 2013. Vol. VI. Tomo II.). Posteriormente, esse movimento foi nomeado como Ação de Justiça e Paz (AJP). Influenciado pelo movimento da Não-Violência, encabeçado pelo Pastor Martin Luther King nos Estados Unidos, o arcebispo brasileiro procurava adaptar a luta do líder negro norte-americano ao contexto de subdesenvolvimento latino-americano. Essa suposta adequação do pensamento da Não-Violência na escrita de Dom Helder ocorreu a partir de uma interpretação de que a violência maior do continente latino era a miséria e contra ela se tornava necessária uma reação, que, mesmo altiva, não fosse violenta (BROUCKER, 1979BROUCKER, José de; CÂMARA, Helder. The conversions of a Bishop: an interview with José de Broucker. New York: Collins, 1979.; CÂMARA, 1970CÂMARA, Helder. Espiral de Violencia. Espanha, 1970.).

Dividindo sua proposta em duas cartas, respectivamente, nas circulares 397° e 398°, Dom Helder sistematizou suas propostas, que dariam origem ao movimento da Ação de Justiça e Paz. Mesmo que depois de passar pelo crivo dos seus interlocutores, esse projeto deveria ser debatido com membros do episcopado durante a II Conferência Geral do CELAM, em Medellín, que ocorreria naquele ano. A AJP assumiu um papel importante na defesa de ideias desenvolvimentistas e na defesa dos direitos humanos durante a Ditadura Civil-Militar no Brasil, principalmente depois do Ato Institucional nº5, imposto pelo governo militar no final de 1968.

Em certo momento, em uma das suas cartas, dom Helder escreveu:

III) Métodos a adotar 1. Exemplos de pressão moral Quando há direitos fundamentais, existem correspondentes deveres fundamentais. Se direitos fundamentais são negados a milhões de concidadãos - quase sempre sem condições de reclamá-los, sem vez, nem voz - é direito e dever de quem tem visão e dispõe de possibilidade, exercer pressão moral para que a opressão termine. Que pressão moral? Como distingui-la da pressão física e como impedir que haja extravasamento que levem à violência armada? Sempre que pessoas ostensivamente desarmadas e firmes no propósito de não utilizar violência física se reúne para proclamar e exigir direitos pisados, trata-se de pressão moral. (CÂMARA, 2013CÂMARA, Helder. Circulares Pós-Conciliares: de 25/26 de Fevereiro de 1968 a 30/31 de Dezembro de 1968. Recife: Editora CEPE , 2013. Vol. VI. Tomo II., p. 123-124).

Nessa citação, encontram-se indícios de elementos que estiveram presentes tanto nos discursos de Dom Helder, no decorrer da década de 1960, quanto nas ideias que nortearam as atividades dos membros da AJP. A proposta do referido arcebispo de uma pressão moral sem a utilização da força física estava ideologicamente no outro prisma do documento do Padre Comblin, que cogitava a necessidade do uso da violência de uma revolução como pré-requisito para a aplicação de um desenvolvimento que não fosse excludente e elitista.

Esse texto, encontrado nas cartas circulares desse arcebispo - que foi escrito numa data próxima à publicação do texto do Padre Comblin -, apresenta-nos as distâncias na compreensão de como ambos os clérigos entendiam o papel da Igreja e seus membros na luta contra as injustiças sociais. Contudo, mesmo com as diferenças de entendimento, Dom Helder posicionou-se favorável ao seu subordinado, como poderemos ver no próximo tópico.

Repercussão do texto do Padre Comblin e o posicionamento de Dom Helder Câmara

O governo da Ditadura Civil-Militar do Brasil, a partir de seus órgãos de vigilância, acompanhava de perto indivíduos e/ou organizações classificadas como subversivas ou potencialmente perigosas ao status quo político (FICO, 2001FICO, Carlos. Como eles agiam: os subterrâneos da Ditadura Militar: espionagem e polícia política. Rio de Janeiro: Record, 2001.; MORAES, 2019MORAES, Márcio André Martins de. Sob as lentes do DOPS: a vigilância e a repressão da polícia política em torno das atividades de Dom Hélder Câmara (1964-1985). Tempos Históricos, v. 23, n. 1, p. 575-601, 2019.). Considerando essa lógica, as discussões na imprensa e entre religiosos e/ou leigos católicos em relação ao tema do documento do padre Joseph Comblin também foi objeto de vigilância da polícia política. No caso do Departamento de Ordem Política e Social de Pernambuco (DOPS-PE) - um dos órgãos que compunham o complexo de vigilância e repressão da Ditadura Civil-Militar - selecionamos três dossiês, no caso, o Prontuário Funcional nº 3882 - Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade; o Prontuário Individual nº 16.906 - Dom Helder Câmara e o Prontuário Individual nº 18.209 - Padre Joseph Comblin. Nesse universo documental, entramos em contato com relatórios dos agentes da polícia política, como também documentos apreendidos de indivíduos/grupos e recortes de jornais.

No Prontuário Individual de nº 18.209, dedicado às atividades do Padre Comblin, encontram-se indícios que sinalizam como o texto publicado no DP desse sacerdote ganhou a opinião pública em âmbito estadual e nacional. Como exemplo, destacamos um relatório do ano de 1975, em que os investigadores do DOPS fizeram um mapeamento dos recortes de jornais que haviam sido recolhidos sobre o citado sacerdote católico, começando em 1968 e indo até o momento de produção da citada lista (SSP/DSS, 1975SECRETARIA DA SEGURANÇA PÚBLICA (SSP); DELEGACIA DE SEGURANÇA SOCIAL (DSS). Prontuário Individual n° 18.209: Padre José Comblin - DOPS-PE/APEJE. 1975.).

Entre os dias 11 de junho e 15 de julho de 1968, foram registrados na lista um total de 41 notícias em periódicos, sendo 19 do Jornal do Commercio; 17 do Diário de Pernambuco; três do Diário da Noite; um do Cruzeiro e um sem referência. Essa recorrência de abordagens em jornais, em pouco mais de um mês, sinaliza a repercussão do documento do Padre Comblin entre aliados, mas principalmente entre aqueles que se opuseram ao sacerdote e ao seu superior direto, Dom Helder Câmara. Importante considerar que esses recortes de jornais são apenas os que foram registrados, tendo em vista a possibilidade de que outros não foram listados pelos investigadores do DOPS-PE.

Na ocasião da publicação do texto do Padre Comblin, as alas mais conservadoras de religiosos e leigos pertencentes à Igreja Católica interpretaram tal escrito como evidência de que o sacerdote em questão era adepto do comunismo e, consecutivamente, concordar com ele era legitimar suas ideais. Na revista carioca O Cruzeiro, o jornalista Theophilo de Andrade, em sua coluna Política Internacional, a exemplo de outros membros da imprensa na época, classificou o escrito desse padre como subversivo e um atentado “... contra o regime democrático restaurado pela revolução de 1964” (ANDRADE, 1968ANDRADE, Theophilo de. A mensagem do padre sem fé. Cruzeiro, Rio de Janeiro, 06 de julho de 1968. p. 112., p. 112). Nesse cenário, em que o Golpe Civil Militar era tratado como uma revolução na defesa da democracia pelos seus membros e apoiadores, vários segmentos do campo político e religioso começaram a exigir um posicionamento repressivo do arcebispo em relação ao seu subordinado, procurando testar qual seria a atitude adotada por Dom Helder Câmara frente a esse impasse (O GLOBO, 08/07/1968aBISPOS pedem providências ao Cardeal contra Comblin. O Globo, Rio de Janeiro, 08 de julho de 1968a. p. 5.).

Dentre os que se opuseram ao Padre Comblin, estavam os membros da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), que organizaram, por meio da imprensa e de publicações financiadas pelo próprio movimento, uma campanha contra o citado padre e para que ele fosse expulso do país (O GLOBO, 15/07/1968cIMPRESSOS da FTP causaram conflito. O Globo, Rio de Janeiro, 15 de julho de 1968c. p. 12.). A TFP - criada em 1960 por Dom Antônio de Castro Mayer, Dom Geraldo de Proença Sigaud e Plínio Corrêa de Oliveira - era uma organização com sede em São Paulo, sem fins lucrativos e possuindo como escopo a defesa de uma concepção de preceitos cristãos que encontrava seus alicerces no pensamento conservador católico (ZANOTTO, 2012ZANOTTO, Gizele. TFP - Tradição, Família e Propriedade: as idiossincrasias de um movimento católico no Brasil (1960 - 1995). Passo Fundo: Méritos, 2012.). Segundo Sigifredo Romero, “TFP had much of its support in the south of the country, among the traditional elites of São Paulo, and the political circles associated to the ESG [Escola Superior de Guerra], from which it received enormous financial help” (ROMERO, 2014ROMERO, Sigifredo. The progressive Church in Brazil, 1964-1972. 2014. Thesis (Master of Arts) - Florida International University, 2014., p. 46) O perfil anticomunista foi uma das principais características desse grupo, que compreendia a atuação de seus opositores ou grupos que destoavam de seus pressupostos como subversivos comunistas ou facilitadores - ingênuos ou não - das ações da esquerda.

Localizamos, no Prontuário Individual nº 18.209 - destinado a coletar informações sobre o padre Joseph Comblin -, duas cartas escritas por membros que compunham a liderança do TFP, indicando o envolvimento desse movimento de leigos católicos para que o padre belga fosse punido por causa de seu texto. A primeira carta endereçada ao cardeal de São Paulo e presidente do CNBB, Dom Agnello Rossi, sendo assinada pelo Arcebispo de Diamantina, Minas Gerais, Dom Geraldo de Proença Sigaud, e pelo Bispo de Campos, Dom Antônio de Castro Mayer, ambos pertencentes ao TFP (SIGAUD; MAYER, 1968SIGAUD, Geraldo de Proença; MAYER, Antonio de Castro. O Arcebispo de Diamantina e o Bispo de Campos discordam do Pe. Comblin e pedem medidas contra o comuno-progressismo na Igreja. Prontuário Individual nº18.209: Padre Joseph Comblin. Diamantina, 1968.). Essa missiva teve como tema principal a questão do comunismo, no caso, como o documento produzido pelo Padre Comblin tinha um caráter eminentemente de esquerda política. Na ocasião, argumentaram os autores da carta do TFP, que o sacerdote belga adotou como parâmetros os modelos das revoluções socialistas do México e de Cuba.

Além disso, Dom Sigaud e Dom Mayer relataram na carta que o sacerdote belga - personificando o que ambos classificavam como os progressistas da Igreja - representava não apenas uma ameaça à fé cristã, mas também à instabilidade da ordem política, jurídica e social do país. Esse perigo, que estaria materializado pelo manifesto do Padre Comblin, também foi abordado como exemplo do que estava sendo ensinado no Instituto de Teologia do Recife, sendo Dom Helder Câmara apontado também como responsável pela formação teológica e ideológica dos que estudavam no referido centro acadêmico.

Na segunda carta, escrita pelo presidente do conselho nacional da TFP, o intelectual Plínio Corrêa de Oliveira, observa-se um apelo desse leigo a Dom Helder Câmara para que o arcebispo expulsasse o Padre Comblin da Arquidiocese Metropolitana de Olinda e Recife. Novamente, a argumentação centrava-se no fato de que o sacerdote em questão defendia um plano sistemático de implantação de um regime comunista no país, cujo objetivo era destruir as estruturas cristãs e nacionalistas do país. Depois de uma análise de vários pontos do manifesto do padre Comblin, que giravam em torno do argumento apresentado anteriormente, Oliveira escreveu o seguinte:

Medidas contra são indispensáveis Assim, a SOCIEDADE BRASILEIRA DE DEFESA DA TRADIÇÃO, FAMÍLIA E PROPRIEDADE está certa de interpretar os anseios de milhões de brasileiros, pedindo a V. Excia. Que expulse do Instituto Teológico do Recife, e da ilustre arquidiocese, em que ainda refulge a gloriosa recordação de D. Vital, o agitador que se aproveita do sacerdócio para apunhalar a Igreja, e abusa da hospitalidade brasileira para pregar o comunismo, a ditadura e a violência no Brasil. Essas medidas, Sr. Arcebispo, são as únicas que podem desafrontar a nação. A atitude da Igreja punindo e repelindo severamente o sacerdote subversivo fará ver que Ela apóia desde já as medidas que a autoridade civil tomará por certo para resguardar contra os manejos do Padre Comblin a segurança nacional. Levando ao conhecimento de V. Excia. Isto que é, quase diríamos uma reivindicação de todos quantos amam a tradição brasileira e a família brasileira, e vêm no exercício da dupla função da propriedade - individual e social - um imperativo de justiça e uma condição de prosperidade nacional, pedíamos a favorável acolhida de V. Excia. Com as expressões de toda a consideração que tributamos à alta dignidade eclesiástica de que está V. Excia. Revestido na Igreja de Deus, subscrevo-me. (OLIVEIRA, 1969aOLIVEIRA, Plínio Corrêa. O Arcebispo Vermelho abre as portas da América e do Mundo para o comunismo. O Globo, Rio de Janeiro, 05 de fevereiro de 1969a. p. 6.)

No entanto, o posicionamento de Dom Helder Câmara foi de apoio ao Padre Comblin (O GLOBO, 12/07/1968bD. HELDER: Padre Comblin continuará no Instituto. O Globo, Rio de Janeiro, 12 de julho 1968b. p. 3.). Em entrevista ao O Jornal, periódico carioca, e que, posteriormente, foi reproduzida pelo Diário de Pernambuco, enquanto participava da IX Assembléia Geral da CNBB, onde discursou sobre a não-violência e a necessidade de ações concretas para o desenvolvimento, Dom Câmara declarou o seguinte sobre o documento do citado padre: “Concordo 100% com o teólogo Comblin [...] - Discordo, em parte, como é natural, do sociólogo. Graças a Deus que os cristãos podem divergir em questões abertas...” (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 12/06/1968bTEÓLOGO prega reformas e diz que Igreja é colonialista e subdesenvolvida. Diário de Pernambuco, Recife, 12 de junho de 1968b. 2º Cad. p .6 -7, 1º Cad. p. 2) Nesse sentido, Dom Câmara procurou amenizar a situação. Como exposto anteriormente, importante lembrar, esses dois religiosos católicos compreendiam o processo de desenvolvimento socioeconômico do Terceiro Mundo e o papel da Igreja nesse processo a partir de perspectivas distintas.

Ao ser acusado de figura subversiva pelo TFP, depois de posicionar-se favorável ao clérigo belga, Dom Helder tornou-se alvo com maior frequência dos ataques desse movimento de caráter conservador (BEOZZO, 1994BEOZZO, José Oscar. A Igreja do Brasil: de João XXIII a João Paulo II de Medellín a Santo Domingo. Petrópolis: Vozes, 1994.). Plínio Corrêa de Oliveira, escrevendo para jornais cariocas, publicou, também, nos anos seguintes, afirmações de que Dom Helder Câmara era subversivo, chamando-o, em vários momentos, de “Arcebispo Vermelho” (OLIVEIRA, 1969aOLIVEIRA, Plínio Corrêa. O Arcebispo Vermelho abre as portas da América e do Mundo para o comunismo. O Globo, Rio de Janeiro, 05 de fevereiro de 1969a. p. 6., p. 6). Outra estratégia constante - como se observa no artigo O Incólume, no jornal A Cruz - ao tratar da figura de Dom Helder, Oliveira retomou o manifesto do Padre Comblin para justificar que o arcebispo de Olinda e Recife era o responsável pela escolha, manutenção e defesa do sacerdote, que tinha a incumbência de formar novos religiosos pelo Instituto de Teologia do Recife (OLIVEIRA, 1969bOLIVEIRA, Plínio Corrêa. O Incólume. A Cruz, Rio de Janeiro, 14 de dezembro de 1969b. p. 3.).

O padre Comblin, ao rememorar a ações da TFP contra ele e Dom Helder Câmara, relatou que o movimento organizou uma coleta de assinaturas no Brasil, no Uruguai e na Argentina para endossar uma carta que pedia ao papa Paulo VI que o condenasse por subversão. Segundo o Padre Comblin, o TFP mobilizou aproximadamente mil e 500 jovens que, no decorrer de dois meses, conseguiram dois milhões de assinaturas. Esses jovens, segundo o clérigo em questão, recebiam um dólar por assinatura e eles se utilizavam de métodos de persuasão com abordagens de bases no anticomunismo, com frases como: “‘O senhor, ou a senhora é comunista?’ Quem ia dizer que era comunista naquele ano? Então todos negavam com muita indignação. Os jovens diziam: ‘Então assine aqui, este papel é contra os comunistas’” (COMBLIN, 2019COMBLIN, Joseph. Entrevista de história de vida com o Padre Joseph Comblin. In: MONTENEGRO, Antonio Torres. Travessias: padres europeus no Nordeste do Brasil (1950-1990). Recife: CEPE, 2019. p. 109-214., p. 147).

Contudo, o Padre Comblin, sabendo da articulação do TFP, entrou em contato com o Cardeal de Malinas-Bruxelas, Dom Leo-Jozef Suenens, que agiu para que a carta e as assinaturas não chegassem às mãos do papa Paulo VI. Como resultado do trabalho desse cardeal, o padre belga falou: “Ele fez tão bem que, quando as toneladas de papel chegaram, nenhuma repartição do Vaticano quis recebê-las e tiveram que deixar tudo na rua” (COMBLIN, 2019COMBLIN, Joseph. Entrevista de história de vida com o Padre Joseph Comblin. In: MONTENEGRO, Antonio Torres. Travessias: padres europeus no Nordeste do Brasil (1950-1990). Recife: CEPE, 2019. p. 109-214., p. 147).

Muitos intelectuais leigos católicos, inclinados a apoiar grupos tidos como conservadores, produziram análises destinadas a atacar e a deslegitimar a abordagem empreendida pelo Padre Joseph Comblin nos seus escritos. Nesse sentido, destacamos a reação de Gilberto Freyre - sociólogo recifense conhecido internacionalmente e autor de obras como Casa grande e senzala (1933), Sobrados e Mucambos (1936), Nordeste (1933), entre outros - frente ao texto do sacerdote citado. Alinhando-se ao Governo Civil-Militar que administrava o país depois do Golpe de 1964, Freyre decidiu se pronunciar sobre o assunto a partir de uma resenha intitulada: “Em torno do ‘Documento’”, que foi publicada no Jornal do Commercio, no dia 23 de junho do corrente ano, ou seja, 11 dias depois da publicação do texto de Comblin no Diário de Pernambuco.

No decorrer dos anos 1960, os temas relacionados ao desenvolvimento econômico do Terceiro Mundo e as ações de cunhos sociais do Arcebispo Dom Helder Câmara foram abordados por Freyre, gerando alguns conflitos entre ambos na imprensa. Com relação ao texto do Padre Comblin e o apoio de Dom Câmara, o sociólogo de Apipucos, bairro do Recife, onde ele residia, escreveu:

O “Documento” entretanto, insiste em que a “revolução sociais” de que a América Latina necessita deve começar pela “destituição da aristocracia dominante” - que seria toda ela, para os redatores do “Documento”, branca - e pelo “advento da raça inferior”. Demagogia da pior espécie. Os ardorosos redatores do “Documento” não fazem, nesse caso, como em outros senão repetir retoricamente, irresponsavelmente, levianamente, slogans, a que, mais de uma vez, agentes do Comunismo chamado internacional tem pretendido dar validade prática no Brasil. Servem-se agora mesmo, esses agentes, com muito afã, visando tais efeitos, do mito da “negritude”, de origem não-Comunista, é certo, mas utilizado principalmente por Comunistas para darem como que cor local ao seu mais forte instrumento de ação: excitação à “luta de classes”. (FREYRE, 1968FREYRE, Gilberto. Em torno do “Documento”. Jornal do Commercio, Recife, 23 de junho de 1968., p. 10)

Esse trecho nos oferece alguns sinais para entendermos a crítica de Freyre ao texto do padre Comblin. Inicialmente, observa-se que o sociólogo trata do escrito como sendo feito por mais de uma pessoa, não apenas o padre belga. Contudo, esse sujeito coletivo, que teria escrito o documento, não é especificado, podendo ser interpretado como aqueles sacerdotes que juntos ao Padre Comblin serviam inicialmente enquanto interlocutores, lendo e corrigindo o texto. Como também podemos cogitar que em meio a esses autores estava Dom Helder Câmara, que era responsável pelo ITER e também tinha assumido que o texto tinha sido encomendado por ele, além do fato de ter ele se posicionado em apoio ao padre.

Freyre enxergou na escrita dos autores sacerdotes uma constante repetição de jargões comunistas, associando questões sociais e raciais a uma realidade ideológica estranha e que procurava, por meio de deturpações, penetrar na sociedade cristã brasileira. Com relação a isso, o sociólogo escreveu: “... mito da ‘negritude’, de origem não-comunista, é certo, mas utilizado principalmente por Comunistas para darem como que cor local ao seu mais forte instrumento de ação: excitação à ‘luta de classes’” (FREYRE, 1968FREYRE, Gilberto. Em torno do “Documento”. Jornal do Commercio, Recife, 23 de junho de 1968., p. 10).

Na interpretação de Gilberto Freyre, o entendimento sobre a formação das sociedades latino-americanas feita no documento desses clérigos estava marcado por superficialidades e por generalizações sociológicas que não correspondiam à complexidade da realidade latino-americana. No decorrer da abordagem do escritor pernambucano, observa-se uma tentativa de deslegitimar a atuação enquanto sociólogo do Padre Comblin, dizendo que seu escrito possuía muitas deficiências em relação a esse campo do saber. Entretanto, Freyre, como outros opositores que se utilizaram também do texto do sociólogo para atacar o sacerdote belga e o Arcebispo Câmara, desconsideraram que o Padre Comblin apresentou em seu documento não a Sociologia, mas a História como chave de entendimento e de confecção de um projeto de desenvolvimento para América Latina. Desse modo, apenas com as bases alicerçadas nas singularidades históricas que os países latinos conseguiriam elaborar um panorama de desenvolvimento nacional completo e igualitário. Nesse processo, a Igreja Católica deveria abrir mão dos privilégios medievais em prol da melhoria de vida dos mais pobres e da reformulação do perfil das elites políticas do continente.

O posicionamento de animosidade em relação ao Padre Comblin e a Dom Helder não ficou restrito a grupos de religiosos ou movimentos católicos conservadores ou a intelectuais conservadores, mas também ganhou espaço em meio aos políticos civis. Lembrando que no cenário político nacional, estando o Brasil sob uma Ditadura Militar, o poder legislativo e o executivo, em âmbitos estaduais e municipais, estavam organizados a partir de disputas de um bipartidarismo, no caso, a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Considerando os momentos de tensões em que Dom Helder Câmara esteve envolvido no decorrer da década de 1960, decidimos analisar as investidas de Wandenkolk Vanderlei, vereador da ARENA, na cidade do Recife, em relação aos clérigos em questão (ROMERO, 2014ROMERO, Sigifredo. The progressive Church in Brazil, 1964-1972. 2014. Thesis (Master of Arts) - Florida International University, 2014.; PILETTI; PRAXEDES, 2008PILETTI, Nelson; PRAXEDES, Walter. Dom Helder Câmara, o profeta da paz. 2. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2008.).

Depois da publicação do supracitado documento do Padre Comblin, o vereador Wandenkolk Vanderlei encaminhou à apreciação da Câmara Municipal do Recife um deliberativo que exigia a troca do arcebispo e a expulsão do país do padre belga, com o argumento de proteger a fé cristã e a ordem democrática vigente no país. O texto do vereador era de cunho demagógico, pois não cabia ao Poder Legislativo da cidade as atribuições necessárias para a mudança na liderança arquidiocesana estadual e também de expulsão do país de um estrangeiro (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 23/07/1968DOM HELDER afirma que “concorda “100% com o teólogo Comblin” e SUDENE fez o máximo possível em 10 anos. Diário de Pernambuco, Recife, 23 de julho de 1968. 1º Cad. p. 2., 1º Cad.). Apesar disso, considerando a propaganda em meio à opinião pública, levantando essa proposta na plenária, Vanderlei procurava chamar atenção para o caso, associando o seu próprio nome à campanha de enfrentamento do comunismo e na defesa da ordem política do país.

Os ataques do referido vereador repercutiram entre políticos de âmbito municipal e estadual, tanto do MDB como da ARENA, que em grande parte prestaram solidariedade ao Arcebispo Dom Câmara. Na ocasião, o Deputado Egídio Ferreira Lima, do MDB, apresentou na Assembleia Legislativa um voto de solidariedade a Dom Helder Câmara, que estava sendo sistematicamente atacado pelo vereador de Recife Wandenkolk Vanderlei. A moção de apoio foi aprovada com 42 votos, dentre os quais, liderados pelo deputado Marcos Antônio Maciel, 29 deputados pertenciam a políticos governistas da ARENA (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 23/07/1968DOM HELDER afirma que “concorda “100% com o teólogo Comblin” e SUDENE fez o máximo possível em 10 anos. Diário de Pernambuco, Recife, 23 de julho de 1968. 1º Cad. p. 2.. 1° Cad.).

O documento produzido pelos deputados, segundo o DP, seria entregue em mãos a Dom Helder Câmara na sede do arcebispado, representando assim o apoio do Poder Legislativo do Estado ao trabalho desempenhado pelo prelado em relação à luta pela justiça social na região. Ao destacar que o trabalho desempenhado por Dom Câmara estava alinhado à doutrina social da Igreja, os deputados procuravam, assim, afastar a imagem do religioso do comunismo ou de outras classificações tidas como subversivas.

Contudo, as críticas do Wandenkolk Vanderlei continuaram posteriormente, chegando ao ponto de o vereador apontar Dom Helder Câmara como um dos motivadores para a edição do Ato Institucional nº 5 no final do ano de 1968. O argumento dele era que, se utilizando do lugar social de sacerdote católico, Dom Helder causava desordem e defendia ideias subversivas, no caso, o comunismo. Como exemplo da suposta periculosidade do arcebispo, foi destacado pelo vereador que Dom Câmara estava alinhado ao Padre Comblin e ao projeto de implantação de um Regime Ditatorial socialista que tinha sido descrito no supracitado documento do sacerdote belga. Além disso, Vanderlei considerava que o líder da Igreja Católica em Pernambuco não tinha autoridade e nem direito de criticar o regime político vigente, nem mesmo as resoluções tomadas para a sua defesa, referindo-se no caso ao AI-5 (JORNAL DO COMMERCIO, 16/03/1969WANDENKOLK culpa dom Helder pela edição do Ato Institucional nº 5. Jornal do Commercio, Recife, 16 de março de 1969. [Prontuário Individual nº 16.906 - Dom Helder Câmara - DOPS-PE/APEJE.]).

Em paralelo aos ataques de grupos e/ou indivíduos alinhados ao Governo Militar ou de alas mais conservadoras da Igreja Católica, parte do clero e grupos civis entraram na defesa do Padre Comblin. Mesmo assim, a publicação do referido documento teve consequências para o clérigo belga, como veremos no próximo tópico.

As consequências da publicação do documento do Padre Joseph Comblin em 1968

Com a publicação do seu texto pelo DP, o Padre Comblin se ausentou de Pernambuco, esperando que o clima de tensão amenizasse. Numa carta do padre Marcelo Cavalheira, diretor do ITER, encontram-se alguns indícios de como esse sacerdote católico entendia a repercussão do texto entre religiosos, militares, políticos e sociedade pernambucana. Por esse motivo, decidimos transcrever a missiva na íntegra:

INSTITUTO DE TEOLOGIA DO RECIFE - ITER RUA DO PRÍNCIPE, 526 - RECIFE Olinda, 15 de setembro de 1968 Caríssimo Padre Comblin, Recebi, ultimamente, duas cartas suas. Alegraram-me por ter, assim, notícias suas e do seu propósito de regresso para breve. Para responder-lhe procurei, neste ínterim, tomar conhecimento séria e discretamente da disposição dos grandes - de um lado os bispos, de outro os generais - quanto a sua volta agora para o Recife. Acham os bispos do Nordeste, D. Helder à frente, e os padres em geral, mormente os do ITER, que você deve voltar logo agora. Pois dizem que a vandekolcada já passou e que, afinal, tudo não passa de uma tempestade em copo d’água, fenômeno tão ridículo para vergonha da nossa “província”... Em qualquer hipótese, no entanto, estão com você para o que der e vier, dispostos a todas as atitudes cabíveis em face de qualquer arbitrariedade. Os generais, por sua vez, contactados por D. Abade Basílio, estão olhando o caso do modo distante, tendo entregue o famoso documento a seus assessores jurídicos e estes vão cozinhando a questão, sem nenhuma resposta clara, sentindo o ridículo de todo esse affaire. Parece-me, pois, que nada há se fermentando por baixo desses fatos recentes. O espanto e o mito vão caindo. Diz mesmo por aqui que o documento de Comblin, nos seus aspectos contundentes, já foi superado pelo dos bispos em Medellín. Em Roma, por outro lado, o seu nome já ficou limpo, graças à boa ação do Suenens após D. Helder. Este recebeu carta de Benelli tranqüilizando-o, já em nível de Paulo VI. Assim sendo, cremos que você pode e deve voltar. E esta perspectiva muito nos alegra. Aguardamos sua comunicação. Zildo e os demais padres do Centro do Seminário Regional estão de acordo com o que lhe digo aqui. Vão bem e lhe esperam. O ITER vai caminhando a maneira das coisas por aqui, com seus altos e baixos, conforme você sabe. A sua ajuda e deveras importante. A desmitização do seu nome, fenômeno que obedecerá à linha da moda, não lhe tirará o mérito de mártir da fé. As atas ficarão guardadas para o martiriológio. A América Latina toda, junto à Rosa de Lima, louvará a bravura do herói que teve a coragem de viver no Recife e publicar a contra gosto algumas verdades... Com votos de bem estar e um abraço amigo e fraterno Padre Marcelo. (CARVALHEIRA, 1968CARVALHEIRA, Marcelo Pinto.Carta para o Padre Joseph Comblin, 15 de setembro de 1968. 1. Número de chamada: Carta 144 - UNICAP Prontuário Individual nº18.209 - Padre Joseph Comblin. DOPS-PE/APEJE., n.p.).

Essa carta, escrita três meses depois da publicação do documento do Padre Comblin e, também, posterior à realização da Conferência de Medellín, revela-nos que o sacerdote belga continuou distante de suas atividades pastorais e docentes em Pernambuco, esperando na ocasião ser avisado qual o momento que sua volta podia ocorrer de forma tranquila. O Padre Carvalheira comunicou ao Padre Comblin que a “disposição dos grandes”, correspondendo aos bispos e generais, era favorável ao retorno do belga ao Recife, tendo em vista que as tensões causadas pelo que o autor da carta chamou de “vandekolcada” - referindo-se aos ataques nos meios de comunicação do vereador Wandekolk Vanderlei - tinham perdido força.

Para o diretor do ITER, o entendimento comum era que a Conferência de Medellín tinha dado um passo à frente, ficando o texto do Padre Comblin ultrapassado. Logo depois, ressaltando a atuação do cardeal belga Dom Suenens e Dom Câmara, nenhuma represália viria do Vaticano. Porém, em sua entrevista a Montenegro, o Padre Comblin lembrou que mesmo com convite de Dom Avelar Brandão, presidente do CELAM, uma das possíveis consequências de tudo isso teria sido o veto de Roma para que ele não participasse da Conferência Medellín, evento para a qual ele tinha escrito o documento que analisamos no decorrer deste artigo. Mesmo assim, importante destacar que outros quatro padres belgas que tinham ligações com a Universidade de Louvain também foram proibidos de participar do encontro organizado pelo CELAM. Mas, o próprio Padre Comblin afirmou que acreditava que a repercussão de seu escrito tenha sido o motivo ou pelo menos contribuiu para aquela situação (COMBLIN, 2019COMBLIN, Joseph. Entrevista de história de vida com o Padre Joseph Comblin. In: MONTENEGRO, Antonio Torres. Travessias: padres europeus no Nordeste do Brasil (1950-1990). Recife: CEPE, 2019. p. 109-214.).

Na conclusão da carta, diferente do que escreveram grupos de oposição, como visto no tópico anterior, o Padre Cavalheira anuncia o Padre Joseph Comblin como um “mártir da fé”, ficando registradas em vários locais as referências relativas à coragem do sacerdote belga em denunciar os problemas que assolavam a América Latina. Quatro dias depois da escrita da carta anterior, os clérigos atuantes em Pernambuco produziram um abaixo assinado em apoio ao Padre Comblin, estando como os primeiros a assinarem o arcebispo de Olinda e Recife, Dom Helder Câmara, o Arcebispo-Auxiliar de Olinda e Recife dom José Lamartine Soares e o Diretor do ITER o Padre Marcelo Cavalheiro. No total, encontram-se sete páginas recolhendo um total de 81 assinaturas de sacerdotes católicos, indicando o alinhamento ou, pelo menos, o apoio de parte do clero católico local ao Padre Joseph Comblin (CÂMARA, 19/09/1968CÂMARA, Helder.Carta/abaixo assinado para o Padre Joseph Comblin, 19 de setembro de 1968. 7 Número de chamada: Carta 144 - UNICAP.).

Em suas memórias - transcritas pelo historiador Montenegro - o Padre Comblin falou de sua expulsão do Brasil em março de 1972. Segundo o padre, esse episódio se deu quando ele regressou das aulas que ministrava na Universidade de Louvain, Bélgica, e ao chegar ao aeroporto do Recife e ao desembarcar, acabou sendo preso pela polícia. Naquele momento, ele era considerado persona non grata no Brasil e foi reconduzido para o avião e mandado para o Rio de Janeiro, onde foi interrogado por um coronel. O motivo para a prisão foi uma carta que ele escreveu para o bispo de Crateús, Ceará, Dom Antônio Batista Fragoso. Mesmo sendo enviada por terceiros, a correspondência foi interceptada pela polícia política.

Ao chegar ao Rio de Janeiro, o Padre Comblin narrou a história de sua expulsão, a partir de um diálogo com um coronel, depois que tinha reconhecido que a carta em questão realmente tinha sido escrita por ele. Narrando o evento da seguinte forma:

O coronel tomou um ar severo: “Então, o senhor confessa?” Eu disse: “Não há nada para confessar. Escrevi uma carta e pronto.” “Mas esta carta é marxista”, disse o coronel. Respondi que não sabia absolutamente porque a carta era comunista. E perguntei o que ela tinha de comunista. Então o coronel tomou um ar inteligente, como de quem não se deixa enganar e me mostrou a carta: “Aqui! Está escrito ‘as bases’. Isto é comunista.” Respondi que a mim não me constava, porque a palavra “base” estava sendo usada em muitos contextos diferentes, com muitos sentidos diferentes, inclusive na química. Olhou para mim com um olhar severo de quem ainda não sabe se deve entender essa resposta no sentido da ignorância ou da má-fé e afirmou: “É comunista!” Não havia nada para responder. Ele tinha decidido que a palavra era comunista e ninguém tinha autoridade para mudar essa opinião. Só se um general dissesse o contrário. (COMBLIN, 2019COMBLIN, Joseph. Entrevista de história de vida com o Padre Joseph Comblin. In: MONTENEGRO, Antonio Torres. Travessias: padres europeus no Nordeste do Brasil (1950-1990). Recife: CEPE, 2019. p. 109-214., p. 149).

Contudo, mesmo que o motivo apresentado para a expulsão do país tenha sido essa correspondência, considerada subversiva pelos agentes de vigilância da Ditadura Militar, o Padre Comblin entendia que aquele momento era uma consequência daquilo que tinha acontecido em 1968, quando foi publicado seu documento: Teólogo prega reformas e diz que Igreja é colonialista e subdesenvolvida (COMBLIN, 2019COMBLIN, Joseph. Entrevista de história de vida com o Padre Joseph Comblin. In: MONTENEGRO, Antonio Torres. Travessias: padres europeus no Nordeste do Brasil (1950-1990). Recife: CEPE, 2019. p. 109-214.).

Considerações finais

Confeccionamos nossa narrativa a partir da análise do manifesto do Padre Joseph Comblin - que recebeu o título de Teólogo prega reformas e diz que igreja é colonialista e subdesenvolvida, no dia 12 de junho de 1968 - abordamos uma Igreja Católica no Brasil e na América Latina que estava entre o final do Concílio Vaticano II (1962-1965) e a II Conferência Geral do CELAM, em Medellín (1968). Nesse sentido, a Igreja vivenciava um momento de renovação com as discussões e documentos produzidos ao final do Concílio, como Constituição Gaudium et Spes (1965), além de Encíclicas relacionadas à doutrina social da Igreja, caso da Populorum Progressio (1967). Contudo, é relevante ressaltar que o momento da publicação e repercussão do texto do Pe. Comblin precedeu a Igreja da Teologia da Libertação e/ou Igreja dos pobres do pós-Medellín.

Parte do clero da Igreja Católica no Brasil nesse contexto que dedicamos nossa escrita estava envolvida em discussões relacionadas ao papel que essa instituição religiosa e seus membros deveriam tomar frente ao tema do desenvolvimento social e econômico da América Latina ou do Terceiro Mundo como um todo. Esse assunto era percebido por alas e/ou indivíduos do corpo eclesiástico ou leigos de maneiras distintas, em que muitos acabavam assumindo posicionamentos que eram mais complexos que simples classificações de conservadores e progressistas.

Desse modo, como estratégia, procuramos abordar o tema do desenvolvimento entre dois religiosos tidos como progressistas, no caso o Padre Comblin e o Arcebispo Dom Câmara, mas que tinham concepções distintas da maneira como se deveria ocorrer esse processo no continente latino-americano. Ao mesmo tempo em que nos esforçamos em mostrar como grupos opositores no campo militar, político e religioso - que se classificavam ou eram enquadrados como conservadores - reagiram ao texto do sacerdote belga e ao apoio que ele recebeu de seu arcebispo. Além disso, no decorrer de nossa escrita, pudemos compreender o tenso e complexo lugar de relações que se encontrava parte do clero católico brasileiro em um momento que o Brasil estava sob uma Ditadura Civil-Militar, mesmo antes do AI-5.

Com a análise do documento do Padre Comblin e a confrontação entre o entendimento desse sacerdote e de Dom Helder Câmara, um dos principais nomes do catolicismo no século XX, contribuímos para a discussão sobre a atuação de clérigos em projetos ou debates sobre o desenvolvimento socioeconômico, isso numa fase que antecedeu a escolha da Igreja no continente pelos mais pobres. Esse texto não encerra em si essa discussão, mas acreditamos que esse artigo colabore com os debates relativos à atuação de religiosos e leigos católicos tidos como progressistas ou conservadores na América Latina, antes de marcos como a Conferência de Medellín e seus frutos.

Além disso, no decorrer da leitura desse artigo, observam-se possíveis diálogos entre os anos 1960 com a situação atual do Brasil, em que temas que abordam o anticomunismo e a fé cristã ganham espaços nas disputas políticas. Nesses cenários, os líderes espirituais e/ou políticos alinhados a alguma expressão religiosa assumiram e ainda ocupam lugares sociais de destaque por causa do alcance de seus discursos entre os fiéis. Nesses casos, o apelo à ameaça comunista surge como um dos principais expedientes de ataque para deslegitimar aqueles classificados como opositores políticos. Como visto no decorrer de nossa narrativa, essas tensões, de ontem e de hoje, causaram marcas profundas na sociedade brasileira e foram, em grande parte, causadas por falta de clareza conceitual e de deturpações dos sentidos dos enunciados no campo das disputas políticas.

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  • PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Editora Ática, 1990.
  • PILETTI, Nelson; PRAXEDES, Walter. Dom Helder Câmara, o profeta da paz 2. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2008.
  • ROMERO, Sigifredo. The progressive Church in Brazil, 1964-1972 2014. Thesis (Master of Arts) - Florida International University, 2014.
  • SANTOS, Milton. A Urbanização Brasileira São Paulo: Edusp, 2013.
  • SERBIN, Kenneth P. Diálogos na sombra: bispos e militares, tortura e justiça social na ditadura. São Paulo: Companhia das Letras , 2001.
  • WILTGEN, R. O Reno se lança no Tibre: o Concílio desconhecido. Rio de Janeiro: Permanência, 2007.
  • ZANOTTO, Gizele. TFP - Tradição, Família e Propriedade: as idiossincrasias de um movimento católico no Brasil (1960 - 1995). Passo Fundo: Méritos, 2012.

Fontes Primárias - Cartas

  • CÂMARA, Helder.Carta/abaixo assinado para o Padre Joseph Comblin, 19 de setembro de 1968. 7 Número de chamada: Carta 144 - UNICAP.
  • CÂMARA, Helder. Circulares Conciliares: de 10/11 de Setembro a Dezembro de 1965. 2. ed. Recife: Editora CEPE, 2009. p. 345. Vol. I. Tomo III.
  • CÂMARA, Helder. Circulares Pós-Conciliares: de 25/26 de Fevereiro de 1968 a 30/31 de Dezembro de 1968. Recife: Editora CEPE , 2013. Vol. VI. Tomo II.
  • CARVALHEIRA, Marcelo Pinto.Carta para o Padre Joseph Comblin, 15 de setembro de 1968. 1. Número de chamada: Carta 144 - UNICAP Prontuário Individual nº18.209 - Padre Joseph Comblin. DOPS-PE/APEJE.

Livros e Discursos

  • CÂMARA, Helder. Igreja e construção do mundo VIª Assembléia Geral de MIJARC. Assunção, Paraguai, 02 de agosto de 1967.
  • CÂMARA, Helder. Espiral de Violencia Espanha, 1970.

Periódicos

  • ANDRADE, Theophilo de. A mensagem do padre sem fé. Cruzeiro, Rio de Janeiro, 06 de julho de 1968. p. 112.
  • BISPOS pedem providências ao Cardeal contra Comblin. O Globo, Rio de Janeiro, 08 de julho de 1968a. p. 5.
  • COMBLIN, Joseph. Para uma tipologia do Catolicismo no Brasil. Revista Eclesiástica Brasileira, v. 28, fasc. 1, p. 46-73, 1968a.
  • COMBLIN, Joseph. Os estudos pastorais na formação sacerdotal. Revista Eclesiástica Brasileira, v. 28, fasc. 2, p. 258-279, 1968b.
  • DOCUMENTAÇÃO - documentos para a presença da Igreja pós-conciliar na América Latina. Revista Eclesiástica Brasileira, v. 28, fasc. 2, p. 431-469, 1968c
  • D. HELDER: Padre Comblin continuará no Instituto. O Globo, Rio de Janeiro, 12 de julho 1968b. p. 3.
  • DOM HELDER afirma que “concorda “100% com o teólogo Comblin” e SUDENE fez o máximo possível em 10 anos. Diário de Pernambuco, Recife, 23 de julho de 1968. 1º Cad. p. 2.
  • FREYRE, Gilberto. Em torno do “Documento”. Jornal do Commercio, Recife, 23 de junho de 1968.
  • IMPRESSOS da FTP causaram conflito. O Globo, Rio de Janeiro, 15 de julho de 1968c. p. 12.
  • OLIVEIRA, Plínio Corrêa. O Arcebispo Vermelho abre as portas da América e do Mundo para o comunismo. O Globo, Rio de Janeiro, 05 de fevereiro de 1969a. p. 6.
  • OLIVEIRA, Plínio Corrêa. O Incólume. A Cruz, Rio de Janeiro, 14 de dezembro de 1969b. p. 3.
  • TEÓLOGO prega reformas e diz que Igreja é colonialista e subdesenvolvida. Diário de Pernambuco, Recife, 12 de junho de 1968a. 1º Cad. p. 2
  • TEÓLOGO prega reformas e diz que Igreja é colonialista e subdesenvolvida. Diário de Pernambuco, Recife, 12 de junho de 1968b. 2º Cad. p .6 -7
  • VEREADOR quer a substituição de Dom Helder e a expulsão do padre Comblin. Diário de Pernambuco, Recife, 12 de junho de 1968c. 1º Cad. p. 3.
  • WANDENKOLK culpa dom Helder pela edição do Ato Institucional nº 5. Jornal do Commercio, Recife, 16 de março de 1969. [Prontuário Individual nº 16.906 - Dom Helder Câmara - DOPS-PE/APEJE.]

Entrevistas

  • BROUCKER, José de; CÂMARA, Helder. The conversions of a Bishop: an interview with José de Broucker. New York: Collins, 1979.
  • COMBLIN, Joseph. Entrevista de história de vida com o Padre Joseph Comblin. In: MONTENEGRO, Antonio Torres. Travessias: padres europeus no Nordeste do Brasil (1950-1990). Recife: CEPE, 2019. p. 109-214.

Documentos dos órgãos de vigilância militar

  • DEPARTAMENTO de Polícia Federal - Centro de Informações, Prontuário Nº 033: Nome: Joseph Jules Comblin. Prontuário Individual n° 18.209: Padre José Comblin - DOPS-PE/APEJE.
  • SECRETARIA DA SEGURANÇA PÚBLICA (SSP); DELEGACIA DE SEGURANÇA SOCIAL (DSS). Prontuário Individual n° 18.209: Padre José Comblin - DOPS-PE/APEJE. 1975.
  • SIGAUD, Geraldo de Proença; MAYER, Antonio de Castro. O Arcebispo de Diamantina e o Bispo de Campos discordam do Pe. Comblin e pedem medidas contra o comuno-progressismo na Igreja. Prontuário Individual nº18.209: Padre Joseph Comblin. Diamantina, 1968.
  • Declaração de financiamento:

    A pesquisa que resultou neste artigo contou com financiamento da CAPES (Proc. 88882.333245/2019-01).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    30 Jul 2022
  • Aceito
    31 Jan 2023
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