Primeiro registro de Lysuraceae Corda (Phallales, Basidiomycota, Fungi) para o Nordeste brasileiro

First record of Lysuraceae Corda (Phallales, Basidiomycota, Fungi) from Northeastern Brazil

RESUMO

A família Lysuraceae Corda (Phallales) engloba espécies de fungos gasteroides que apresentam um basidioma expandido pseudoestipitado com receptáculo diferenciado no ápice, e gleba mucilaginosa que geralmente exala odor semelhante à carne em decomposição. No Estado da Bahia, espécimes de Lysurus sphaerocephalum (Schltdl.) Hern. Caff. et al. foram coletados, fotografados e preservados no Herbário HVC. A família é registrada pela primeira vez no Nordeste brasileiro. Fotografias e comentários são apresentados para o material examinado.

Palavras-chave:
Floresta Estacional Decidual Montana; fungos faloides; fungos neotropicais; Gasteromycetes; Simblum

ABSTRACT

The family Lysuraceae Corda (Phallales) includes gasteroid fungal species that have pseudostipitate basidiome with differentiated receptacle, and mucilaginous gleba that exhales a foul odor like decomposing meat. Specimens of Lysurus sphaerocephalum (Schltdl.) Hern. Caff. et al. were collected in the State of Bahia (Brazil), photographed, and preserved at Herbarium HVC. The family is reported here for the first time from the Brazilian Northeastern Region. Photographs and comments are presented for the examined material.

Keywords:
deciduous seasonal forest; Gasteromycetes; neotropical fungi; phalloid fungi; Simblum

Introdução

Os fungos faloides podem ser considerados os macrofungos mais notáveis, já que os basidiomas das espécies geralmente são fétidos e apresentam formas bizarras, além de apresentarem colorações vivas como o vermelho, laranja e o amarelo (Lloyd 1909). A ordem Phallales E. Fisch. é subdivida em sete famílias: Clathraceae Chevall., Phallaceae Corda, Lysuraceae Corda, Protophallaceae Zeller, Claustulaceae G. Cunn., Trappeaceae P.M. Kirk (Hosaka et al. 2006) e Gastrosporiaceae Pilát (Trierveiler-Pereira et al. 2014). Os fungos faloides são considerados fungos gasteroides, pois apresentam o basidioma enclausurado até a completa maturação dos esporos.

O estudo dos gasteromicetos na região do Nordeste do Brasil foi bastante negligenciado no passado (Baseia & Galvão 2002), tendo se intensificado há cerca de 20 anos (Baseia et al. 2014). Estudos realizados nestas duas últimas décadas têm demonstrado a diversidade do grupo na região e registrado novas ocorrências (e.g. Baseia & Galvão 2002, Baseia et al. 2006, Leite & Baseia 2007, Leite et al. 2007a, Wartchow & Silva 2007, Drechsler-Santos et al. 2008, Silva et al. 2011, 2013a, Trierveiler-Pereira & Baseia 2011, Trierveiler-Pereira et al. 2011, Trierveiler-Pereira & Baseia 2013, Cruz et al. 2014, Sousa et al. 2014a, 2014b, Lima & Baseia 2018, Lima et al. 2019, Góis et al. 2020), além de espécies novas provenientes desta região (e. g. Baseia & Milanez 2002, Baseia & Calonge 2005, Fazolino et al. 2010, Trierveiler-Pereira et al. 2010, Silva et al. 2013b, Alfredo et al. 2014, Cruz & Baseia 2014, Gurgel et al. 2017, Sousa et al. 2017, Sousa et al. 2019, Góis et al. 2020).

Trierveiler-Pereira & Baseia (2009) citaram a ocorrência de 232 espécies de fungos gasteroides para o Brasil, distribuídos em 16 famílias e 54 gêneros. Entretanto, na última década (2010-2020), mais de 100 artigos científicos relativos à taxonomia do grupo foram publicados no Brasil e o número atual de espécies conhecidas se aproxima de 300 (L. Trierveiler-Pereira, dados não publicados). Silva (2013), em estudo sobre fungos gasteroides do Nordeste brasileiro, registrou a presença de 71 espécies para a região, sendo estas distribuídas em cinco famílias (Agaricaceae Chevall., Clathraceae, Geastraceae Corda, Phallaceae e Sclerodermataceae Corda) e 17 gêneros.

Estudos desenvolvidos no Nordeste do Brasil têm apresentado novos dados de distribuição dos fungos faloides brasileiros (e.g. Baseia et al. 2006, Leite et al. 2007b, Lima et al. 2019) e encontrado novas espécies para a ciência (e.g. Baseia & Calonge 2005, Baseia et al. 2006, Fazolino et al. 2010, Silva et al. 2015). A Flora do Brasil (Trierveiler-Pereira & Cabral 2021) lista para o Nordeste 16 espécies da ordem Phallales, distribuídas em 9 gêneros: Abrachium (Baseia & Calonge) Baseia & T.S.Cabral (1 sp.), Blumenavia Möller (1 sp.), Clathrus P. Micheli (4 spp.), Itajahya Möller (1 spp.), Laternea Turpin (1 sp.), Mutinus Fr. (4 spp.), Phallus Junius ex L. (2 spp.), Staheliomyces Fisch. (1 sp) e Xylophallus (Schltdl.) E. Fisch. (1 sp.).

Lloyd (1909) comenta que o gênero Simblum Klotzsch, que posteriormente foi sinonimizado em Lysurus Fr. (Dring 1980), pode ser descrito, de forma sucinta, como um pequeno basidioma de Clathrus em uma haste. Segundo este autor, membros do gênero podem ser encontrados na África, nas Américas e Australásia (Lloyd 1909).

O gênero Lysurus está representado no Brasil por três espécies: Lysurus arachnoideus (E. Fischer) Trierv.-Per. & Hosaka, Lysurus cruciatus (Lepr. & Mont.) Henn e Lysurus sphaerocephalum (Schltdl.) Hern. Caff. et al., distribuídas na região Norte (Amazonas) e Sul (Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina) do país (Trierveiler-Pereira & Cabral 2021).

Apesar do crescente número de estudos dos fungos faloides na região Nordeste do país, a família Lysuraceae ainda não havia sido registrada para nenhum Estado da região.

Material e Métodos

Espécimes frescos foram coletados no Estado da Bahia, no município de Vitória da Conquista, em dezembro de 2020. Outros espécimes já haviam sido observados no mesmo local, em agosto de 2019, porém já em estado avanço de deterioração, dificultando sua correta identificação.

A vegetação local, característica do Planalto de Vitória da Conquista, é um tipo de Floresta Estacional Decidual Montana, que se distingue por apresentar porte médio, dominada pelos gêneros Anadenanthera Speg. e Parapiptadenia Brenan, sempre associados a Cavanillesia Ruiz & Pav., Cedrela P.Browne, Handroanthus Mattos, entre outros (IBGE 2012). A vegetação, apesar de seca, tem grande influência da umidade das neblinas, devido a sua altitude, que atinge 1.100 m (figura 1).

A identificação do material foi feita segundo literatura especializada (Hernández-Caffot et al. 2018, Trierveiler-Pereira et al. 2019). O material foi preservado e depositado no Herbário Mongoyós (HVC) da Universidade Federal da Bahia.

Resultados e Discussão

Lysurus sphaerocephalum (Schltdl.) Hern. Caff., Urcelay, Hosaka & L.S. Domínguez, Mycologia 110: 423. 2018. ≡ Simblum sphaerocephalum Schltdl., Linnaea 31:154. 1861.

Figura 1
Área de Floresta Estacional Decidual Montana, Vitória da Conquista, Estado da Bahia, Brasil, local de coleta de Lysurus sphaerocephalum (Schltdl.) Hern. Caff. et al. Fotografia: C. O. Azevedo.

Figura 2 a-c

Descrição em Cortez et al. (2011, como Lysurus periphragmoides), Hernández Caffot et al. (2018).

Material examinado: BRASIL. Bahia: Vitória da Conquista, Parque Imperial, 14°54’39”S, 40°48’52”W, alt. 870 m, sobre solo com grama, 01-XII-2020, C.O. Azevedo 1110 (HVC); 11-XII-2020, C.O. Azevedo 1111 (HVC).

Hábitat: basidioma solitário, sobre solo entre grama, em área antropizada, próxima a mata-de-cipó, um tipo de Floresta Estacional Decidual Montana (Andrade-Lima 1971) característico da região de Vitória da Conquista.

O material coletado apresentava volva branca, pseudostipe rosado e o receptáculo como uma rede clatrata de coloração vermelho escura, gleba marrom avermelhada e mucilaginosa quando madura (figura 2 a-c).

Conard (1913) comentou que a espécie possui odor enjoativo, mas não forte. O espécime coletado exalava um odor pútrido muito forte, podendo ser sentido de longe, o que atrai moscas e outros insetos (figura 2 b).

No Brasil, a espécie era até o momento conhecida apenas para o Estado de São Paulo (Dring 1980) e do Rio Grande do Sul (Cortez et al. 2008, 2011), sendo as coletas identificadas como Lysurus periphragmoides (Klotzsch) Dring. Aqui se registra pela primeira vez na região Nordeste do país, onde foi coletado no Estado da Bahia, no município de Vitória da Conquista (figura 3).

Segundo a base de dados INCT (2021), existem apenas 12 registros da espécie para o Brasil (identificados como L. periphragmoides). Dring (1980) afirma que várias espécies de fungos clatroides (i.e. relacionados ao gênero Clathrus) apresentam distribuição geográfica limitada, sendo muitas vezes bastante raros. Outro fato comentado pelo mesmo autor é que os basidiomas desses fungos são efêmeros, difíceis de preservar e muitas vezes repugnantes de coletar (Dring 1980), o que pode justificar o pequeno número de espécimes em herbários, levando a crer que se tratam de espécies raras.

Dring (1980) apresentou uma lista de sinônimos para L. periphragmoides, com 18 nomes, incluindo nesta lista Simblum sphaerocephalum, apesar da variação de cores. Essa sinonímia foi aceita até recentemente quando, com base em análises moleculares e morfológicas, Hernández Caffot et al. (2018) propuseram que os espécimes com basidiomas amarelados (L. periphragmoides) correspondem a uma espécie diferente dos basidiomas avermelhados (L. sphaerocephalum), concluindo que o material da Argentina e América do Sul sejam identificados como L. sphaerocephalum. Por outro lado, este estudo também demonstrou que os espécimes asiáticos com basidioma avermelhado (originalmente identificado como S. sphaerocephalum) representam uma espécie filogeneticamente distinta do material da Argentina, uma espécie ainda não descrita (Hernández Caffot et al. 2018).

Figura 2
Lysurus sphaerocephalum (Schltdl.) Hern. Caff. et al. a. corte transversal do basidioma imaturo. b. basidioma in situ, mostrando a visita de moscas que atuam na dispersão dos esporos. c. detalhe do receptáculo. Fotografias: C. O. Azevedo.

Figura 3
Mapa de distribuição geográfica no Brasil de Lysurus sphaerocephalum (Schltdl.) Hern. Caff. et al. Dados distribucionais do Sul e Sudeste foram extraídos de Dring (1980) e Cortez et al. (2008, 2011). Novo registro para o Nordeste é feito no presente artigo.

Agradecimentos

Agradecemos a Lucas C. Marinho, pela confecção da prancha de fotografias e à Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), pelo apoio logístico.

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Editor Associado: Andre Aptroop

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  17 Dez 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  18 Jan 2021
• Aceito
  09 Abr 2021