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Apresentação

APRESENTAÇÃO

O movimento da Saúde Coletiva brasileira apresenta, ao longo dos últimos 25 anos, inúmeros e frutíferos desdobramentos, dentre os quais sobressai o florescimento de alguns periódicos de qualidade como Interface.

Interface, desde seu surgimento, tem se destacado por ser o espaço das reflexões sobre educação, comunicação e saúde, primando pela qualidade editorial e pela beleza de cada uma de suas edições. Este número 14 do volume oito não é diferente.

Nesse percurso da nossa Saúde Coletiva, uma diversidade espantosa de temáticas se desenvolveu, como bem pode ser aquilatado pelos anais de nossos congressos nacionais. Entretanto, paradoxalmente, a temática da Saúde como tal é uma daquelas que, talvez por serem tomadas como subentendidas e ponto de partida, foram menos trabalhadas. Vários de nossos melhores pensadores têm chamado atenção para essa falta. Até quando a saúde será tematizada pelo seu duplo: a doença?

O Dossiê "Sobre a Saúde" aqui apresentado, mostra-nos que novas vozes e reflexões vêm se juntar ao esforço de tematizar a Saúde no âmbito de nosso movimento.

Começando, fora da ordem de apresentação, pela contribuição interessantíssima de Ricardo Teixeira: "A grande Saúde e uma breve introdução à medicina do Corpo sem Órgãos". Ricardo vai buscar em Espinosa a inspiração para pensar a Grande Saúde. Construção paulatina e espiralada, na qual cada volta acrescenta elementos de emancipação: potência do agir e do pensar, perseverança no desejo, fortalecimento do conatus, alegria. Capacidade de afetar e ser afetado, imaginação e vontade. Liberdade que será essencial à construção da Razão, conveniência entre os corpos, escolhas comprometidas com a realização da felicidade. Verdade, liberdade, felicidade como síntese na Grande Saúde. Capacidade de autodeterminar-se, instituindo normas que convenham a si. Aí a resultante da vida vivida e do caminho percorrido. Vida em sua plenitude, contados e incluidos aí os riscos do caminhar. Tal como na tela de Lúcio Fontana, que Ricardo usou para introduzir sua tese de doutoramento, da qual este artigo é apenas uma pequena amostra, aquilo que nos é dado entrever por entre os talhos, é suficiente para nos fazer ensimesmar-nos e aquilatar a dimensão desse espaço que se abre para a formulação de uma teoria da Saúde.

José Ricardo Ayres comparece ao debate com sua reflexão elegante, consistente e didática sobre os muitos sentidos do cuidar. Nesse trabalho delicado de "ourivesaria" teórica e conceitual ele vai nos mostrando as diversas faces de um conceito nuclear para as práticas de saúde compreendidas na dimensão humana em que a Grande Saúde nos introduziu. Valendo-se mais uma vez da mitologia, que como queria Vico, é parte da proto-história humana, e da filosofia de Heidegger, José Ricardo explora o cuidado como categoria ontológica, detalhando cada uma das suas características constitutivas. O próximo passo, alicerçado na genealogia de Michel Foucault, é analisar o cuidado de si como atributo e necessidade universal dos seres humanos. Finalmente, emerge da elaborada construção o cuidado como categoria crítica e reconstrutiva, potencialmente capaz de reinventar a práxis na Saúde.

André Martins acrescenta mais uma volta a esse parafuso, tratando de um dos poderes de biopolítica: o poder médico. O autor caracteriza o estado atual da relação entre o poder da Medicina e a autonomia dos pacientes, destacando os aspectos relativos ao caráter pretensamente científico, verdadeiro e objetivo do saber e do fazer médicos. Mais uma vez, nesse dossiê, somos remetidos à reflexão sobre a saúde, tal qual ela aparece em vários pensadores, dentre os quais o autor destaca as contribuições de Canguilhem, Espinosa, Winnicott e Nietzche, fechando temporariamente o ciclo que articula essa contribuição com as temáticas da Grande Saúde e do Cuidado, anteriormente comentadas.

Completando o dossiê, temos ainda a contribuição de Francisco Ortega a cerca da biopolítica da saúde, aqui em sua dimensão propriamente política. O texto de Ortega é bastante estimulante e provocador. O autor analisa, auxiliado pelas contribuições teóricas de Agnes Heller, Hanna Arendt e Michel Foucault , o paradoxal esvaziamento político que, as políticas particularistas defendidas por grupos de interesses organizados nas sociedades modernas representam. Até que ponto a massificação da participação e o predomínio do "politicamente correto" constitui a negação da política?

Este conjunto de aportes originais certamente acrescenta novas perspectivas e planos de discussão e aprofundamento da temática da Saúde, ampliando o leque de diálogos possíveis, convocando novas contribuições teóricas, formulando indagações e apontando caminhos.

Além do dossiê Sobre a Saúde, este número traz ainda artigos avulsos, notas breves e resenhas. Dentre os artigos apresentados gostaria de destacar três, neste comentário. O artigo de Lilian Koifman trata da análise comparativa entre os processos de reforma curricular das faculdades de Medicina da Universidade Federal Fluminense e da Universidade de Buenos Aires, destacando o papel da articulação mais ou menos orgânica entre o aparelho formador e a política de saúde. Gimol Benzaquem Perosa e Letícia Macedo Gabarra apresentam pesquisa empírica muito bem conduzida sobre as explicações de crianças para a causa das doenças. Inesita Soares de Araujo propõe nova abordagem para diagramar o espaço da Comunicação Social em torno das políticas públicas.

Certamente, como já ocorreu em relação a números anteriores, diferentes públicos poderão se beneficiar desse convite permanente ao diálogo instaurado pela Interface. Diálogo ainda mais frutífero se a transgressão aos limites, insinuado no próprio título do periódico, for tomado a sério!

Rita Barradas Barata,

professora adjunta do Departamento de Medicina Social,

Faculdade de Ciências Médicas, Santa Casa de São Paulo

<chmedsoc@santacasasp.org.br>

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Out 2008
  • Data do Fascículo
    Fev 2004
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