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Análise Espacial e Tendências de Mortalidade Associada a Doenças Hipertensivas nos Estados e Regiões do Brasil entre 2010 e 2014

Resumo

Fundamentos:

A hipertensão arterial sistêmica (HAS) representa o agravo de maior relevância, sendo um dos principais fatores de risco para doenças cardiovasculares.

Objetivo:

Analisar tendências da taxa de mortalidade associada a doenças hipertensivas no Brasil, de 2010 a 2014, tanto para os estados quanto para as regiões.

Métodos:

Estudo epidemiológico a partir de dados agregados, obtidos em estratos populacionais. Dados cartográficos em "shapefile" do território brasileiro foram fornecidos pelo IBGE. Registros de mortalidade associada à hipertensão arterial obtidos no DATASUS, mediante notificações filtradas por categoria I.10 do Código Internacional das Doenças (CID-10). Adotou-se como critério de significância estatística o valor de p bicaudal < 0,05.

Resultado:

O aumento da idade se associou de maneira progressiva à elevação da média de óbitos relacionada a doenças hipertensivas entre os anos de 2010 e 2014. Nas faixas etárias entre 50-59 anos, 60-69 anos, 70-79 anos e 80 ou mais anos, a média e desvio da taxa de mortalidade padrão foram, respectivamente: 15,11% (35,35); 24,14% (55,34); 35,07% (81,03) e 57,87% (139,08). A taxa global de mortalidade nas regiões brasileiras, por 10.000 habitantes, variou entre as regiões: norte (1,25); nordeste (2,69); centro-oeste (2,06); sudeste (2,48) e sul (2,04).

Conclusão:

A taxa de mortalidade associada a doenças hipertensivas foi superior nos estados do sudeste e nordeste do Brasil, e permaneceu estável entre 2010 e 2014. Incremento de idade e cor parda foram preditores de maior mortalidade

Palavra-chave:
Doenças Cardiovasculares / mortalidade; Hipertensão / epidemiologia; Hipertensão / etiologia; Etnia e Saúde; Acidente Vascular Cerebral; Estudos Epidemiológicos

Abstract

Background:

Systemic Arterial Hypertension (SAH) represents the most relevant worsening factor and one of the major risk factors for cardiovascular diseases.

Objectives:

To analyze trends in the mortality rate associated with hypertensive diseases in Brazil from 2010 to 2014, for states as well as regions.

Methods:

An epidemiological study was performed from aggregate data obtained in populational strata. Cartographic data of the Brazilian territory in "shapefile" were provided by IBGE. Records of mortality associated with arterial hypertension were obtained in DATASUS, through notifications filtered by category I.10 of the International Classification of Diseases (ICD-10). The criterion of statistical significance was a two-tailed p-value < 0.05.

Results:

The increase in age was progressively associated with an increase in the mean number of deaths related to hypertensive diseases between the years 2010 and 2014. In the age groups between 50-59 years, 60-69 years, 70-79 years and 80 or more years, the mean and standard deviation for the mortality rate were, respectively: 15.11% (35.35); 24.14% (55.34); 35.07% (81.03) and 57.87% (139.08). The overall mortality rate per 10,000 inhabitants varied between the regions: north (1.25); northeast (2.69); center-west (2.06); southeast (2.48) and south (2.04).

Conclusions:

The mortality rate associated with hypertensive diseases was higher in the southeastern and northeastern states of Brazil, and remained stable between 2010 and 2014. Increased age and brown color were predictors of higher mortality.

Keywords:
Cardiovascular Diseases / mortality; Hypertension / epidemiology; Hypertension / etiology; Ethnicity and Health; Stroke; Epidemiologic Studies

Introdução

As doenças cerebrovasculares têm sido classificadas entre as de maior impacto em termos de morbimortalidade.11 Guimarães RM, Andrade SS, Machado EL, Bahia CA, Oliveira MM, Jacques FV. Regional differences in cardiovascular mortality transition in Brazil, 1980 to 2012. Rev Panam Salud Publica. 2015;37(2):83-9. Dentre os principais fatores de risco cardiovascular, a hipertensão arterial sistêmica (HAS) representa o agravo de maior relevância, fazendo-se necessárias ações de saúde visando minimizar os fatores de impacto que são determinantes na saúde da população.22 Andrade SS, Rizzato S, Scalioni A, Landmann C, Malta DC. Self-reported hypertension prevalence in the Brazilian population: analysis of the National Health Survey, 2013. Epidemiol Serv Saúde. 2015;24(2):297-304.

A prevalência global de hipertensão arterial foi de 22%, em 2014, em adultos com idade igual ou superior a 18 anos.33 World Health Organization (WHO). Global status report on noncommunicable diseases. Geneva; 2014. A HAS é caracterizada pela elevação dos níveis pressóricos para ≥ 140 e/ou 90 mmHg, na qual a condição clínica pode ser causada por vários motivos, podendo ser agravada por outros fatores de risco como dislipidemia, obesidade abdominal, intolerância à glicose, diabetes mellito (DM), além de fatores modificáveis, determinantes socioeconômicos e acesso inadequado aos cuidados de saúde.33 World Health Organization (WHO). Global status report on noncommunicable diseases. Geneva; 2014.,44 Malachias MV, Souza WK, Plavnik FL, Rodrigues CI, Brandão AA, Neves MF, et al; Sociedade Brasileira de Cardiologia. 7a Diretriz Brasileira de hipertensão arterial. Arq Bras Cardiol. 2016;107(3 supl 3):1-83.

Diversos estudos apontam para a influência de aspectos étnicos no surgimento de doenças hipertensivas.55 Thorpe RJ Jr, Bowie JV, Smolen JR, Bell CN, Jenkins ML Jr, Jackson J, et al. Racial disparities in hypertension awareness and management: are there differences among African Americans and Whites living in similar social and healthcare resource environments? Ethn Dis. 2014;24(3):269-75. Não raro, existe dificuldade de se dissociar o papel representado por um grupo étnico, de fatores socioeconômicos, simultaneamente atuantes.66 Judd SE, Kleindorfer DO, McClure LA, Rhodes JD, Howard G, Cushman M, et al. Self-report of stroke, transient ischemic attack, or stroke symptoms and risk of future stroke in the reasons for geographic and racial differences in stroke (REGARDS) study. Stroke. 2013;44(1):55-60. No Brasil as taxas de mortalidade cerebrovascular apresentaram-se maiores em negros, seguidos por pardos e brancos.77 Lotufo PA, Bensenor IJ. [Race and stroe mortality in Brazil]. Rev Saude Publica. 2013;47(6):1201-4.

Cerca de 32,6% de adultos e mais de 60% de idosos têm hipertensão arterial no Brasil, o que contribui direta ou indiretamente para 50% das mortes por doença cardiovascular (DCV).4 Em países de baixa e média renda, onde o tratamento e controle são menores do que em países desenvolvidos, estima-se em cerca de 80% a prevalência de doenças associadas à hipertensão.88 Chor D, Pinho Ribeiro AL, Sá Carvalho M, Duncan BB, Andrade Lotufo P, Araújo Nobre A, et al. Prevalence, awareness, treatment and influence of socioeconomic variables on control of high blood pressure: results of the ELSA Brasil Study. PLoS One. 2015;10(6):e0127382. O impacto dessa enfermidade se reflete em altos custos para o Sistema Único de Saúde (SUS). Estima-se um gasto anual de US$ 398,9 milhões, ou seja, cerca de 1,43% dos gastos totais do SUS.99 Oliveira PA, Menezes FG. Atenção farmacêutica a pacientes hipertensos. Revista Eletrônica de Farmácia. 2013;10(1):51-68.

O objetivo dessa pesquisa é estimar o impacto da hipertensão arterial no território brasileiro em um período de cinco anos. Para tal, são analisadas tendências da taxa de mortalidade associada a doenças hipertensivas no Brasil, entre 2010 e 2014, estratificando-se de acordo com cor da pele e faixa etária, tanto para os estados quanto para as regiões.

Métodos

Estudo epidemiológico realizado a partir de dados agregados, obtidos em estratos populacionais, e associado à análise espacial.

Os dados de organização do território brasileiro, incluindo coordenadas, em formato "shapefile", e a estimativa da população dos anos estudados foram coletados no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE.1010 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (IBGE). [Internet]. Organização do território, malhas territoriais e municipais em 2015 [Acesso em 2017 jan 20]. Disponível em: ftp://geoftp.ibge.gov.br/organizacao_do_territorio/malhas_territoriais/malhas_municipais/municipio_2015/Brasil/BR/.
ftp://geoftp.ibge.gov.br/organizacao_do_...
,1111 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (IBGE). [Internet]. Estimativas da população residente no Brasil e unidades da federação com data de referência em 1º de julho de 2011. [Acesso em 2017 jan 20]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2011/tab_Brasil_UF.pdf
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/...

As informações epidemiológicas acerca da mortalidade associada à hipertensão arterial foram obtidas mediante consulta ao banco de dados do Ministério da Saúde, DATASUS.1212 Brasil. Ministério da Saúde [Internet]. Departamento de Informática do SUS. Datasus. Informações de Saúde. Estatísticas vitais. [Acesso em 2016 dez 10]. Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0205.
http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index...
Esses dados representam notificações oriundas do Sistema de Informação sobre Mortalidade.1313 Brasil. Ministério da Saúde. Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM. Consolidação da base de dados de 2011. Brasília; 2013. Os óbitos foram filtrados pela categoria I.10 do Código Internacional das Doenças (CID-10). Em seguida, os dados agregados foram obtidos por ano, estado do país, sexo, faixa etária e cor da pele.

A seleção do período de análise, entre 2010 e 2014, ocorreu devido aos seguintes motivos. Primeiramente, devido ao fato de considerarmos que análises mais recentes apresentem maior fidedignidade na coleta de dados, em decorrência de progressiva melhora no processo de informatização com avanços da tecnologia. Em segundo lugar, por retratar, potencialmente, o cenário de transição resultante da introdução da losartana, um fármaco anti-hipertensivo de boa eficácia, que passou a ser distribuído gratuitamente no "Programa Farmácia Popular" a partir de 2010, vindo a tornar-se em 2014 o medicamento com maior demanda de consumo em unidades do Sistema Único de Saúde (SUS), inclusive no interior do país.1414 Silva RM, Caetano R. "Farmácia Popular do Brasil" Program: characterization and evolution between 2004 and 2012. Cienc Saude Colet. 2015;20(10):2943-56.,1515 Amorim ME, Ferreira MR, Oliveira SA, Fernandes CK. Programa Farmácia Popular no Brasil em uma drogaria de São Luís de Montes Belos (GO). Revista Faculdade Montes Belos (FMB). 2015;8(1):1-13.

Entretanto, deve-se considerar que o efeito desse programa pode ocorrer de forma desigual entre as regiões, o que influenciaria potencialmente a análise. Por fim, o término do período, o ano de 2014, decorreu do fato de ser a data mais recente disponibilizada no DATASUS para a obtenção de estatísticas vitais em todo o território brasileiro.

As variáveis selecionadas foram ano, sexo, faixa etária, cor da pele, estado do país, região e número de ocorrência de óbitos. Por tratar-se de enfermidade crônica, as faixas etárias selecionadas para contagem de óbitos associados à hipertensão arterial foram: 50-59 anos; 60-69 anos; 70-79 anos e 80 ou mais anos. Essa contagem foi computada para os vinte e seis estados nacionais e para o Distrito Federal. A variável cor da pele retrata fundamentalmente a cor da pele e traços étnicos, conforme consta na declaração de óbito, sendo classificada em "branca", "amarela", "parda", "negra", "indígena" ou "ignorado".

Análise estatística

As variáveis categóricas foram apresentadas em número absoluto e porcentagem. As variáveis numéricas foram apresentadas em média e erro padrão. Modelos de regressão para dados contáveis (Poisson e binomial negativo) em estudos longitudinais foram empregados em estimativas de predição de mortalidade. Devido à presença de superdispersão, preferiu-se a regressão binomial negativa. A estimativa de "tamanho do efeito" foi ajustada para sexo, faixa etária, cor da pele, região e ano, e apresentada sob a forma de razão de taxa de incidência ou IRR ("incidence rate ratio") e intervalos de confiança a 95%.

Com intuito de minimizar distorções decorrentes de diferenças espaciais e temporais entre populações, os modelos de efeitos aleatórios incluíram dados da população anual estimada de cada estado como fator "exposição", isto é, tendo esse coeficiente sido restringido, produzindo IRR igual a 1 e erro padrão virtualmente zero, ajustando-se o cálculo para os demais coeficientes. Para a seleção do modelo com melhor adequação preditiva, empregou-se o critério de informação de Akaike (AIC). Na análise espacial, empregou-se o comando "spmap" para a elaboração de mapas coropléticos, contendo os estados brasileiros e o Distrito Federal, e representando a distribuição em quintis da taxa de mortalidade associada à hipertensão arterial. Considerou-se como critério de significância estatística um valor de p bicaudal < 0,05. Os cálculos estatísticos e a análise espacial foram realizados em Stata, versão 14,2 (College Station, Texas, USA).

Aspectos éticos

Por se tratarem de dados públicos, e não haver elementos de identificação dos indivíduos estudados, não houve necessidade de emprego de termo de consentimento livre e esclarecido.

Resultados

O aumento progressivo da idade se associou à elevação da média de óbitos relacionada a doenças hipertensivas, entre os anos de 2010 e 2014. Nas faixas etárias entre 50-59 anos, 60-69 anos, 70-79 anos e 80 ou mais anos, a média e desvio padrão da taxa de mortalidade foram, respectivamente: 15,11% (35,35); 24,14% (55,34); 35,07% (81,03) e 57,87% (139,08).

Na representação gráfica (figura 1) de modelo de regressão binomial estendido para dados longitudinais, ajustado para as faixas etárias, observa-se maior razão de taxa de incidência nas regiões sudeste e nordeste, se comparadas com as regiões sul, norte e centro-oeste.

Figura 1
Representação gráfica do modelo de regressão binomial estendido para dados longitudinais, com razão de taxa de incidência ajustada para faixa etária e de acordo com as regiões do Brasil, no período de 2010 a 2014.

De acordo com as estimativas populacionais do IBGE para cada ano e estado do país,1111 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (IBGE). [Internet]. Estimativas da população residente no Brasil e unidades da federação com data de referência em 1º de julho de 2011. [Acesso em 2017 jan 20]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2011/tab_Brasil_UF.pdf
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calculou-se, por 10.000 habitantes, a taxa global de mortalidade associada a doenças hipertensivas entre 2010 e 2014, que variou entre as regiões: norte (1,25); nordeste (2,69); centro-oeste (2,06); sudeste (2,48) e sul (2,04). Na tabela 1, são apresentados os valores por ano e região.

Tabela 1
Taxa anual de mortalidade associada a doenças hipertensivas no Brasil, ajustada para 10.000 habitantes (média e erro padrão), entre 2010 a 2014

É possível observar no mapa do Brasil, de forma clara, as regiões com maiores taxas de mortalidade associadas às doenças hipertensivas no ano de 2014, evidenciando também as regiões de menores taxas (figura 2).

Figura 2
Mapa coroplético do Brasil, referente a óbitos por 10.000 habitantes associados a doenças hipertensivas, no ano de 2014.

A análise feita por estados demonstrou que o Rio de Janeiro teve a maior média, sendo 3,66% de óbitos associados a doenças hipertensivas no ano de 2010, diminuindo progressivamente até o ano de 2014, com média de 3,02%, nesse mesmo ano. Em contrapartida, nos anos 2011, 2012, 2013 e 2014, o Piauí obteve a maior média de óbito com relação aos demais estados, sendo 3,80%, 3,58%, 3,87% e 3,61%, respectivamente (tabela 2). As maiores taxas de óbito ocorreram em estados da região sudeste e nordeste brasileiro.

Tabela 2
Média de óbitos associados a doenças hipertensivas por 10.000 habitantes, por estado do Brasil, entre 2010 e 2014

No período de 2010 a 2014, o Distrito Federal apresentou taxas de mortalidade semelhantes ao estado de Goiás, com exceção do ano 2012, quando obteve uma das menores taxas de mortalidade no país.

Um modelo preditivo da taxa de óbitos foi estimado (tabela 3). Não houve diferença de mortalidade associada ao sexo, quando ajustada para os demais preditores. No que se refere à faixa etária, quanto maior a idade, ocorre uma maior chance de óbitos associados à hipertensão arterial sistêmica. A cor da pele, tomando-se "brancos" como referência, indicou maior associação de doenças hipertensivas com óbitos em "pardos", e menor em "pretos", "amarelos", "indígenas" e nos casos em que essa variável foi desconhecida. Ressalte-se que o número total de "indígenas" e "amarelos", somados aos de cor ignorada, foi inferior a 6%. Os "pretos" representaram menos de 12% do grupo de "pardos", "brancos" e "pretos", tendo uma destacada maioria entre os "brancos".

Tabela 3
Análise longitudinal com modelo binomial negativo, tendo como variável dependente o número de óbitos associados a doenças hipertensivas, e preditores "faixa etária", "sexo", "cor", "região" e "ano", ajustados para a população anual estimada para cada localidade, entre 2010 e 2014

Por não se tratar de estudo étnico, porém levando-se em consideração que a cor de pele, como consta no atestado de óbito, tem sido considerada um dado relevante para a elaboração de políticas públicas de saúde, a inclusão desse preditor serviu menos para produzir inferências raciais do que para ajustar esse dado aos demais preditores e estabilizar algoritmos iterativos. Adicionalmente, observou-se que os modelos com inclusão da variável "cor da pele", se comparados a modelos com a exclusão desse preditor, além de apresentarem preditores com IRRs semelhantes, produziram convergência em menor tempo e valores de AIC mais baixos, indicando maior adequação do ponto de vista estatístico.

Tomando-se a região sudeste como referência, por ter um nível de desenvolvimento maior e as políticas públicas aplicadas há mais tempo, não houve diferença estatística quando comparada à região nordeste, apresentando as demais regiões uma razão da taxa de incidência inferior ao sudeste brasileiro.

O modelo preditivo demonstrou que não houve diferença estatisticamente significativa da razão da taxa de incidência de óbitos entre os anos, quando ajustada para os demais preditores. Igualmente, diferença de sexo não exerceu influência. Faixa etária elevada, cor parda e regiões sudeste e nordeste foram preditores de maior mortalidade no período estudado.

Discussão

Foi realizado um estudo epidemiológico a partir de dados agregados, obtidos em estratos populacionais. Portanto, a fim de evitar-se a "falácia ecológica", não se pode estender a aplicabilidade dos resultados ao plano individual, ao do consultório clínico, mas apenas às esferas estadual, regional e nacional.

Por tratar-se de dados colhidos em órgãos públicos, os quais, por sua vez, decorreram da notificação constante nas declarações de óbito, o presente artigo não possui no seu delineamento elementos metodológicos capazes de testar a veracidade dos mesmos. Isso igualmente se aplica à questão dos itens selecionados nas declarações de óbito, que podem apresentar, em potencial, diferenças de acordo com preferências de cada estado ou região no que diz respeito a assinalar, com maior ou menor frequência, a hipertensão como causa relevante para o óbito.

O número de óbitos associados a doenças hipertensivas está relacionado com o aumento da idade, assim como pode ser observado nesse estudo. O impacto dessa enfermidade tende a acentuar-se, pois a população idosa aumenta a cada ano, representando atualmente 15% da população mundial. Projeções mundiais indicam que haverá um aumento dessa população, podendo dobrar esse valor e atingir aproximadamente 30% no ano de 2050. Isso exige atenção especial na elaboração de medidas preventivas e de controle das doenças hipertensivas.1616 Coelho Júnior HJ, Sampaio RA, Gonçalvez IO, Aguiar SS, Palmeira R. Cutoffs and cardiovascular risk factors associated with neck circumference among community-dwelling elderly adults: a cross-sectional study. Sao Paulo Med J. 2016;134(6):519-27.

Em outro estudo, dessa vez de prevalência de hipertensão arterial, as regiões sudeste e sul do Brasil, se comparadas com as demais, obtiveram maiores taxas, 25% (95% CI: 23,8 - 26,1) e 25% (95% CI: 23,5 - 26,5), respectivamente.1717 Malta DC, Santos NB, Perillo RD, Szwarcwald CL. Prevalence of high blood pressure measured in the Brazilian population, National Health Survey, 2013. Sao Paulo Med J. 2016;134(2):163-70. No presente estudo, porém, focalizou-se a taxa de mortalidade associada a doenças hipertensivas, e as regiões de maiores taxas foram nordeste e sudeste. Embora esse tópico esteja fora do escopo da presente pesquisa, especula-se que a discrepância entre maior prevalência e menor mortalidade na região sul poderia decorrer de questões relacionadas à aplicação mais intensa de estratégias terapêuticas, seja no cuidado assistencial, seja no fornecimento de fármacos.

Um fenômeno oposto, ocorreu em um estado nordestino. Esse estudo mostrou que o estado do Piauí apresentou, durante 4 anos consecutivos, a maior taxa de mortalidade associada a doenças hipertensivas. Entretanto, uma pesquisa realizada em idosos no ano de 2013, nesse mesmo estado, indicou uma prevalência de HAS em idosos igual a 40,2%, sendo abaixo do esperado em idosos, que é de 68% de prevalência na população acima de 60 anos.44 Malachias MV, Souza WK, Plavnik FL, Rodrigues CI, Brandão AA, Neves MF, et al; Sociedade Brasileira de Cardiologia. 7a Diretriz Brasileira de hipertensão arterial. Arq Bras Cardiol. 2016;107(3 supl 3):1-83.,1818 Oliveira Neto JG, Carvalho DA, Moura GG, Monteiro MM, Lopes KD, Martins MC. Pressão arterial e perfil socioeconômico de idosos atendidos na estratégia saúde da família de Floriano-Piauí. Rev Saúde Públ Santa Cat. 2014,7(2):17-28. Novamente, em tom especulativo, mas de igual modo fora do escopo da presente pesquisa, esse achado poderia decorrer de obstáculos na assistência ou no acesso a medicamentos.

Essas considerações se destinam fundamentalmente a formular hipóteses a serem analisadas em estudos futuros.

As taxas de mortalidade associada a doenças hipertensivas foram maiores em pardos no Brasil, se comparadas a negros, algo que pode ter sido influenciado pela eventual subjetividade na identificação da cor da pele e devido ao predomínio da miscigenação no país.1919 Menezes TN, Oliveira EC, Fischer MA, Esteves GH. Prevalence and control of hypertension in the elderly: a population study. Rev Port Saúde Pública. 2016;34(2):117-24. Ainda são poucos os estudos realizados na América Latina sobre maior prevalência de hipertensão arterial em negros, e grande parte das informações científicas envolvendo etnicidade provêm de estudos realizados nos Estados Unidos.2020 Task Force of the Latin American Society of Hypertension. Guidelines on the management of arterial hypertension and related comorbidities in Latin America. J Hypertens. 2017;35(8):1529-45.

São várias as limitações decorrentes desse tipo de estudo, que lida com dados agregados. Por exemplo, não se pode afastar a possibilidade de ter ocorrido, de um lado, aumento das notificações e, de outro, melhora do controle dos níveis pressóricos, algo que geraria uma aparente constância da enfermidade em análise de séries temporais. Porém, do ponto de vista metodológico, o delineamento da pesquisa buscou ajustar as análises para uma eventual influência de fatores temporais e geográficos na mesma região ou estado.

Deve-se igualmente ressaltar que foram utilizados os dados atualmente considerados os mais relevantes para a elaboração de políticas públicas, algo que se reflete no planejamento, execução e avaliação das ações de saúde no combate a enfermidades de maior impacto no Brasil.2121 Marinho F, Passos VM, França EB. New century, new challenges: changes in the burden of disease profile in Brazil, 1990-2010. Epidemiol Serv Saude. 2016,25(4):713-24. Nesse sentido, a implementação da Assistência Farmacêutica pelo Ministério da Saúde tem sido aventada como recurso de grande impacto para reduzir a mortalidade decorrente de doenças crônicas não transmissíveis, incluindo a hipertensão arterial.99 Oliveira PA, Menezes FG. Atenção farmacêutica a pacientes hipertensos. Revista Eletrônica de Farmácia. 2013;10(1):51-68.

Não obstante, tomando-se como base as informações disponíveis em registros públicos de mortalidade associada a doenças hipertensivas, e submetendo esses dados a uma avaliação complexa, corroborada em diversos modelos analíticos, a ausência de redução significativa na taxa de mortalidade no período de cinco anos sugere a necessidade de ampliar o espectro farmacológico dos medicamentos de distribuição gratuita e intensificar os programas de assistência médica, entre outras medidas.

Conclusão

A taxa de mortalidade associada a doenças hipertensivas foi superior nos estados do sudeste e nordeste do Brasil, quando comparada aos demais estados. Essa taxa não apresentou alterações significativas entre os anos 2010 a 2014, quando analisada em relação ao mesmo estado e mesma região do Brasil. Outros preditores de maior taxa de mortalidade foram a cor parda e incremento da faixa etária. Políticas públicas de saúde, voltadas para o atendimento de hipertensos e prevenção de complicações, devem ser preferencialmente aplicadas nos estados com maiores taxas.

  • Fontes de Financiamento
    O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
  • Vinculação Acadêmica
    Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.
  • Aprovação ética e consentimento informado
    Este artigo não contém estudos com humanos ou animais realizados por nenhum dos autores.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2018

Histórico

  • Recebido
    09 Jun 2017
  • Revisado
    20 Out 2017
  • Aceito
    19 Dez 2017
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