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Utilidade Clínica da Cistatina C para Avaliação do Prognóstico das Síndromes Coronarianas Agudas: Uma Revisão Sistemática e Metanálise

Resumo

A cistatina C é utilizada como marcador de função renal e tem se mostrado promissora para avaliação do prognóstico das síndromes coronarianas agudas (SCAs). Avaliar o valor prognóstico da cistatina C em pacientes com SCAs. A busca dos artigos foi realizada empregando as bases de dados PubMed, Web of Science e Scielo. Foram incluídos na revisão sistemática estudos observacionais de coorte que avaliaram a associação entre níveis elevados de cistatina C e o desenvolvimento de eventos cardiovasculares e mortalidade nos pacientes com SCAs. Somente os estudos que avaliaram desfechos semelhantes, que compararam o maior com o menor quartil de cistatina C e que realizaram análise multivariada, na qual foram incluídas a taxa de filtração glomerular ou a creatinina sérica, foram incluídos na metanálise. A qualidade metodológica dos artigos foi avaliada através do questionário Newcastle-Ottawa Scale para estudos de coorte. Após aplicação dos critérios de elegibilidade, 17 artigos foram incluídos na revisão sistemática. Todos os estudos incluídos encontraram uma associação significativa entre níveis maiores de cistatina C e os desfechos. A meta-análise demonstrou que níveis elevados de cistatina C estão associados com um maior risco de morte cardiovascular ou infarto do miocárdio não fatal nos pacientes com SCAs, e que esta associação é independente da função renal [OR = 1,65 (1,464 - 1,861), p < 0,001]. Dentre os estudos a revisão sistemática e meta-análise demonstrou que há uma associação significativa entre níveis elevados de cistatina C e o desenvolvimento de eventos cardiovasculares e mortalidade nos pacientes com SCAs.

Abstract

Cystatin C is used as a marker of renal function and has been shown to be promising for evaluating the prognosis of acute coronary syndromes (ACSs). To evaluate the prognostic value of cystatin C in patients with ACSs. The articles were searched using PubMed, Web of Science and Scielo databases. Observational cohort studies that evaluated the association between increased cystatin C and the development of cardiovascular events and mortality in patients with ACSs were included. Only studies that evaluated similar outcomes, studies that compared the highest with the lowest quartiles of cystatin C, and studies that performed multivariate analysis that included glomerular filtration rate or serum creatinine, were included in the meta-analysis. Methodological quality of the articles was assessed using the Newcastle-Ottawa Scale questionnaire for cohort studies. After applying the eligibility criteria, 17 studies were included in the systematic review. All included studies reported a significant association between higher levels of cystatin C and outcomes. The meta-analysis demonstrated that elevated levels of cystatin C are associated with increased risk of cardiovascular mortality or non-fatal myocardial infarction in patients with ACSs, and such association is independent of renal function [OR = 1.65 (1.464 - 1.861), p < 0.001]. Among the studies included, 4 have good quality and 13 have excellent methodological quality.The systematic review and meta-analysis demonstrated that there is a significant association between increased cystatin C levels and the development of cardiovascular events and mortality in patients with ACSs.

Keywords
Acute Coronary Syndrome / Physiopathology; Cystatin C; Prognosis; Biomarkers

Introdução

A cistatina C é uma proteína pertencente à superfamília das cistatinas de inibidores da cisteína protease humana que é composta por 12 proteínas.11 Filler G, Bökenkamp A, Hofmann W, Le Bricon T, Martínez-Brú C, Grubb Al. Cystatin C as a marker of GFR - history, indications, and future research. Clin Biochem. 2005 Jan;38(1):1-8. doi: 10.1016/j.clinbiochem.2004.09.025.
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É produzida em uma taxa constante em todas as células nucleadas. Seu baixo peso molecular (13-kDa) e ponto isolétrico básico favorecem sua filtração pelo glomérulo e, assim, é reabsorvida e catabolizada pelas células epiteliais tubulares, sem retornar à corrente sanguínea.22 Laterza OF, Price CP, Scott MG. Cystatin C: an improved estimator of glomerular filtration rate? Clin Chem. 2002;48(5):699-707. PMID: 11978596. A cistatina C sérica tem sido utilizada como marcador da função renal, sendo apontada como um marcador endógeno da taxa de filtração glomerular (TFG) superior à creatinina sérica.22 Laterza OF, Price CP, Scott MG. Cystatin C: an improved estimator of glomerular filtration rate? Clin Chem. 2002;48(5):699-707. PMID: 11978596.,33 Dharnidharka VR, Kwon C, Stevens G. Serum cystatin C is superior to serum creatinine as a marker of kidney function: a meta-analysis. Am J Kidney Dis. 2002;40(2):221-6. doi: 10.1053/ajkd.2002.34487.
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Isto é decorrente da capacidade da cistatina C de detectar pequenas reduções na TGF, possibilitando o diagnóstico precoce da disfunção renal.44 Coll E, Botey A, Alvarez L, Poch E, Quinto L, Saurina A, et al. Serum cystatin C as a new marker for noninvasive estimation of glomerular filtration rate and as a marker for early renal impairment. Am J Kidney Dis. 2000;36(1):29-34. doi: 10.1053/ajkd.2000.8237.
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Alguns estudos têm demostrado que níveis elevados de cistatina C em pacientes com síndrome coronariana aguda (SCA) estão relacionados a um maior risco de desenvolvimento de eventos cardiovasculares, morte cardiovascular e mortalidade em geral, indicando que a cistatina C consiste em um marcador promissor para avaliação do prognóstico das SCAs.55 Windhausen F, Hirsch A, Fischer J, van der Zee PM, Sanders GT, van Straalen JP, et al; Invasive versus Conservative Treatment in Unstable Coronary Syndromes (ICTUS) Investigators. Cystatin C for enhancement of risk stratification in non-ST elevation acute coronary syndrome patients with an increased troponin T. Clin Chem. 2009;55(6):1118-25. doi: 10.1373/clinchem.2008.119669.
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6 Taglieri N, Fernandez-Berges DJ, Koenig W, Consuegra-Sanchez L, Fernandez JM, Robles NR, et al; SIESTA Investigators. Plasma cystatin C for prediction of 1-year cardiac events in Mediterranean patients with non-ST elevation acute coronary syndrome. Atherosclerosis. 2010;209(1):300-5. doi: 10.1016/j.atherosclerosis.2009.09.022.
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-77 Ichimoto E, Jo K, Kobayashi Y, Inoue T, Nakamura Y, Kuroda N, et al. Prognostic significance of cystatin C in patients with ST-Elevation myocardial infarction. Circ J. 2009;73(9):1669-73. doi: https://doi.org/10.1253/circj.CJ-08-0943
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No entanto, a cistatina C ainda não é utilizada na prática clínica por falta de evidências científicas do seu valor prognóstico.

Poucos estudos de revisão sistemática88 Ferraro S, Marano G, Biganzoli EM, Boracchi P, Bongo AS. Prognostic value of cystatin C in acute coronary syndromes: enhancer of atherosclerosis and promising therapeutic target. Clin Chem Lab Med. 2011;49(9):1397-404. doi: 10.1515/CCLM.2011.607.
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e meta-análises99 Bi M, Huang Z, Li P, Cheng C, Huang Y, Chen W. The association between elevated cystatin C levels with myocardial infarction: a meta-analysis. Int J Clin Exp Med. 2015;8(11):20540-7. PMID: 26884971.

10 Lee M, Saver JL, Huang WH, Chow J, Chang KH, Ovbiagele B. Impact of elevated cystatin C level on cardiovascular disease risk in predominantly high cardiovascular risk populations: a meta-analysis. Circ Cardiovasc Qual Outcomes. 2010;3(6):675-83. doi: 10.1161/CIRCOUTCOMES.110.957696.
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-1111 Li R, Hao P, Chen Y, Zhang Y. Association of cystatin C level and cardiovascular prognosis for patients with preexisting coronary heart disease: a meta-analysis. Chin Sci Bull. 2014;59(5-6):539-45. foram realizados sobre o tema, e nenhum deles abordou apenas pacientes com SCA. Portanto, é de grande importância a realização de uma revisão sistemática e meta-análise sobre este assunto com o intuito de agrupar e avaliar os resultados obtidos pelos estudos já realizados até o momento. Tendo em vista o exposto, esta revisão sistemática e meta-análise teve como objetivo avaliar o valor prognóstico da cistatina C em pacientes com SCA.

Metodologia

Esta revisão sistemática seguiu as recomendações Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-analyses (PRISMA) statement.1212 Moher D, Liberati A, Tetzlaff J, Altman DG; PRISMA Group preferred reporting items for systematic reviews and meta- analyses: the PRISMA statement. PLoS Med. 2009;6(7):e1000097. doi: 10.1371/journal.pmed.1000097.
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Estratégia de busca

Foi realizada uma busca nas bases de dados eletrônicos Medline via PubMed, Web of Science e Scielo. Os descritores utilizados na busca foram determinados utilizando-se o Medical Subject Headings (MeSH) para as bases de dados Medline via PubMed e Web of Science e o Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) para a base de dados Scielo. A busca por artigos foi realizada até dia 30 de maio de 2016.

Nas bases de dados Medline via PubMed e Web of Science, a seleção dos artigos foi feita utilizando todas as variações do descritor "cystatin C", em combinação com todas variações dos descritores "acute coronary syndrome", "myocardial infarction" e "angina, unstable", utilizando-se o conector "AND" entre os termos. A seleção de artigos no Scielo foi feita utilizando o descritor "cystatin C" em combinação com todas as variações dos descritores "acute coronary syndrome", "myocardial infarction" e "angina, unstable", utilizando-se o conector "AND" entre os termos.

Critérios de elegibilidade

Foram incluídos artigos redigidos em inglês, português ou espanhol que cumpriram os seguintes critérios de elegibilidade:

  • Desenho do estudo: observacional de coorte.

  • População do estudo: pacientes com SCA - angina instável (AI), infarto agudo do miocárdio com elevação do segmento ST (IAMCST), infarto agudo do miocárdio sem elevação do segmento ST (IAMSST) - que possuíssem níveis basais aumentados de cistatina C.

  • Exposição: níveis elevados de cistatina C.

  • Desfecho clínico: eventos cardiovasculares ou mortalidade avaliada por meio do cálculo do odds ratio/risco relativo e/ou da diferença entre as proporções dos grupos de pacientes com níveis maiores e menores de cistatina C.

Foram considerados eventos cardiovasculares: infarto agudo do miocárdio, necessidade de revascularização, acidente vascular encefálico, angina recorrente, angina instável, insuficiência cardíaca e morte cardiovascular.

Seleção dos artigos

Após exclusão dos artigos duplicados, os artigos publicados até dia 30 de maio de 2016 que atendiam aos critérios de elegibilidade foram selecionados. A seleção dos artigos foi realizada por dois revisores de modo independente em duas etapas: na primeira, o título e o resumo dos artigos foram analisados; na segunda, os artigos previamente selecionados foram lidos na íntegra.

Extração de dados dos artigos

Os artigos selecionados foram submetidos a uma leitura analítica integral e de cada um deles foram extraídas as seguintes informações: tipo de SCA; método utilizado para diagnóstico da SCA; número de pacientes; faixa etária do pacientes; tempo de acompanhamento dos pacientes; desfecho avaliado; método utilizado para dosagem da cistatina C; se os pacientes apresentavam função renal normal ou não; TFG ou creatinina sérica; classificação dos pacientes de acordo com os níveis de cistatina C; variáveis incluídas na análise multivariada; resultado obtido (proporção de pacientes que desenvolveram eventos cardiovasculares, morte cardiovascular ou morte por qualquer causa e/ou odds ratio).

Avaliação da qualidade metodológica dos artigos

A qualidade metodológica dos estudos incluídos na revisão sistemática foi avaliada por dois revisores. Foi utilizado o questionário Newcastle-Ottawa Scale (NOS)1313 Wells GA, Shea B, O'Connell D, Peterson J, Welch V, Losos M, et al. The Newcastle-Ottawa Scale (NOS) for assessing the quality of nonrandomized studies in meta-analysis [Internet]. Ottawa Hospital Research Institute. Canada: University of Ottawa, Department of Epidemiology and Commuunity Medicine. 2017 [Access in 2017 21 Feb]. Available from: http://www.ohri.ca/programs/clinical_epidemiology/oxford.asp.
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para estudos de coorte, o qual contém as seguintes categorias de avaliação: seleção da coorte; comparabilidade da coorte e desfecho. A qualidade do estudo é indicada com o máximo de nove estrelas, sendo que no máximo uma estrela pode ser atribuída nas categorias seleção e desfecho, e duas estrelas na categoria comparabilidade. Os artigos que atingiram uma pontuação de 5 a 6 estrelas foram considerados como artigos de boa qualidade metodológica e aqueles com 7 ou mais estrelas foram considerados artigos de excelente qualidade metodológica.

Meta-análise

Foram incluídos na metanálise apenas os estudos que analisaram desfechos semelhantes, estudos que compararam o quarto quartil de cistatina C com o primeiro quartil e estudos que realizaram análise multivariada, na qual foram incluídas, dentre outras variáveis, a TFG ou a creatinina sérica. O valor de odds ratio e o intervalo de confiança de 95% ajustados pela análise multivariada foram utilizados na meta-análise e a heterogeneidade entre os estudos foi avaliada por meio do teste I2. Os estudos foram considerados homogêneos quando I2 > 50% e valor p < 0,10. O odds ratio foi calculado utilizando o modelo de efeito fixo ou o modelo de efeito randômico na presença de homogeneidade ou heterogeneidade, respectivamente. O programa estatístico Comprehensive Meta-Analysis (CMA) versão 3 foi empregado na realização da análise estatística.

Resultados

Identificamos 640 artigos na busca inicial, dos quais 17 foram selecionados para compor esta revisão sistemática (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma dos artigos selecionados para a revisão sistemática e para a meta-análise.

Os estudos que estavam em conformidade com os critérios de elegibilidade foram publicados entre o ano de 2004 e 2015, e suas características são apresentadas na Tabela 1. Os estudos analisados tinham como participantes pacientes com SCA, sendo que 29,4% (n = 5) destes avaliaram pacientes apenas com IAMCST, 17,7% (n = 3) avaliaram apenas pacientes com IAMSST, 23,5% (n = 4) avaliaram pacientes com AI, IAMCST e IAMSST, 17,7% (n = 3) avaliaram pacientes com AI e IAMSST e 11,7% (n = 2) avaliaram pacientes com IAMSST e IAMCST. Dentre os estudos avaliados, 35,3 % (n = 6), utilizaram os critérios recomendados para diagnóstico,1414 Nicolau JC, Timerman A, Marin-Neto JA, Piegas LS, Barbosa CJ, Franci A, et al; Sociedade Brasileira de Cardiologia. [Guidelines of Sociedade Brasileira de Cardiologia for unstable angina and non-ST-segment elevation myocardial infarction (II edition, 2007) 2013-2014 update]. Arq Bras Cardiol. 2014;102(3 Suppl 1):1-61. doi: http://dx.doi.org/10.5935/abc.2014S001.
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enquanto que 41,2% (n = 7) não utilizaram estes critérios; 23,5% (n = 4) não informaram quais critérios foram utilizados.

Tabela 1
Características dos estudos selecionados

O tamanho amostral nos estudos selecionados variou de 71 a 16.401 pacientes. O número amostral de 23,5% dos estudos (n = 4)22 Laterza OF, Price CP, Scott MG. Cystatin C: an improved estimator of glomerular filtration rate? Clin Chem. 2002;48(5):699-707. PMID: 11978596. era acima de 1.000, de 52,9% (n = 8) estava compreendido entre 200 e 1.000, e de 29,4% (n = 5) era menor que 200. A faixa etária da população dos estudos variou de 31 a 82 anos. O tempo de acompanhamento médio foi de 15 meses, variando de 1 mês a 5 anos. Os pacientes foram acompanhados por um período entre 1 e 6 meses em 35,3% (n = 6) dos estudos e por mais de 6 meses em 64,7% (n = 11) destes.

Em 52,9% (n = 9) dos estudos, foram avaliados como desfechos morte por qualquer causa e eventos cardiovasculares não fatais; 41,2% (n = 7) avaliaram morte cardiovascular e eventos cardiovasculares não fatais, e um estudo (5,9%)33 Dharnidharka VR, Kwon C, Stevens G. Serum cystatin C is superior to serum creatinine as a marker of kidney function: a meta-analysis. Am J Kidney Dis. 2002;40(2):221-6. doi: 10.1053/ajkd.2002.34487.
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analisou apenas morte por qualquer causa.

Os métodos empregados para dosagem de cistatina C foram imunonefelometria [41,2% (n = 7)], imunoturbidimetria [41,2% (n = 7)], imunofluorimetria [5,9% (n = 1)] e ensaio imunoenzimático [5,9% (n = 1)], e um estudo (5,9%) não informou o método utilizado.

Em 88,2% (n = 15) dos estudos, foram incluídos pacientes com função renal normal e alterada, e em 11,8% (n = 2) foram incluídos apenas pacientes com função renal normal. A avaliação da função renal foi feita na maioria dos estudos [82,4% (n = 14)] por determinação da TFG, e os demais estudos [17,6% (n = 3)] avaliaram a função renal por meio da dosagem da creatinina sérica.

O modo como foi realizada a classificação dos pacientes em cada um dos estudos selecionados, as variáveis incluídas na análise multivariada e os resultados dos mesmos estão apresentados na Tabela 2. Dentre os estudos incluídos nesta revisão sistemática, 82,3% (n = 14) classificaram os pacientes de acordo com os níveis de cistatina C, sendo que 41,2% (n = 7) classificaram os pacientes em quartis, 17,6% (n = 3) em tercis. Dois estudos (11,8%) utilizaram o ponto de corte para prever eventos cardiovasculares como meio de classificação. Um estudo (5,9%) fez a classificação de acordo com a mediana dos níveis de cistatina C, um estudo (5,9%) de acordo com o valor de referência do método utilizado para dosagem da cistatina C sérica (imunonefelometria). Três estudos (17,6%) não fizeram esta classificação.

Tabela 2
Classificação dos pacientes, variáveis incluídas na análise multivariada e resultados dos estudos selecionados

A maioria dos estudos, 88,2% (n = 15), realizou análise multivariada, sendo que 58,8% (n = 10) desses incluíram a TFG ou a creatinina sérica além de outras variáveis nesta análise, enquanto que 29,4% (n = 5) incluíram apenas outras variáveis que não a TFG ou a creatinina sérica.

Todos os estudos incluídos nesta revisão sistemática avaliaram a associação entre níveis maiores de cistatina C e os desfechos empregando o odds ratio ou risco relativo, tendo sido encontrada uma associação significativa por todos eles. Uma associação significativa foi observada em 47,1% (n = 8) dos estudos para os desfechos eventos cardiovasculares ou morte por qualquer causa, em 17,6% (n = 3) para eventos cardiovasculares ou morte cardiovascular, em 17,6% (n = 3) para eventos cardiovasculares, e em 17,6% (n = 3) para morte cardiovascular ou morte por qualquer causa.

Dentre os estudos avaliados, 35,3% (n = 6) ainda compararam a proporção de pacientes que possuem níveis elevados de cistatina C que desenvolveram ou não os desfechos, sendo que esta proporção foi significativamente maior para o desenvolvimento de eventos cardiovasculares em 11,8% (n = 2), para o desenvolvimento de eventos cardiovasculares ou morte por qualquer causa em 11,8% (n = 2) dos estudos e para o surgimento de eventos cardiovasculares ou morte cardiovascular em um estudo (5,9%). Apenas um estudo (5,9%) não encontrou uma diferença estatisticamente significativa entre a proporção de pacientes com níveis maiores de cistatina C que desenvolveram eventos cardiovasculares ou morte cardiovascular em comparação com a proporção de pacientes com níveis menores de cistatina C que desenvolveram estes desfechos.

O resultado da avaliação da qualidade metodológica dos estudos incluídos nesta revisão é mostrado na Tabela 3, sendo que a descrição detalhada dos critérios utilizados para a distribuição das estrelas é apresentada na legenda. Quatro estudos (23,5%) apresentam boa qualidade metodológica e 13 estudos (76,5%) possuem excelente qualidade metodológica.

Tabela 3
Avaliação da qualidade dos estudos, segundo Newcastle-Ottawa Scale

Apenas 5 estudos compararam o quarto quartil de cistatina C com o primeiro quartil e realizaram análise multivariada, na qual foram incluídas, dentre outras variáveis, a TFG ou a creatinina sérica. Dentre estes, apenas 2 avaliaram desfechos semelhantes (morte cardiovascular e infarto do miocárdio não fatal) e, portanto, foram incluídos na metanálise, cujo resultado é apresentado na Figura 2. A análise de heterogeneidade dos estudos indicou que os mesmos são heterogêneos (I2 < 0,001 e p = 0,621) e, portanto, o odds ratio foi calculado utilizando o modelo de efeito randômico. O resultado da metanálise [OR = 1,65 (1,464 - 1,861), p < 0,001] indica uma associação significativa entre níveis elevados de cistatina C e o risco de desenvolvimento de morte cardiovascular ou infarto do miocárdio não fatal nos pacientes com SCAs.

Figura 2
Metanálise dos estudos que avaliaram a associação entre níveis elevados de cistatina C e o desenvolvimento de morte cardiovascular ou infarto não fatal por meio da comparação entre o quarto e o primeiro quartis de cistatina C.

Discussão

O presente estudo teve como objetivo avaliar a associação entre níveis elevados de cistatina C e o desenvolvimento de eventos cardiovasculares e mortalidade em pacientes com SCA por meio de uma revisão sistemática e metanálise. Todos os estudos incluídos na revisão sistemática encontraram uma associação significativa entre maiores níveis de cistatina C e os desfechos avaliados quando foi empregado o odds ratio ou risco relativo na análise estatística e o resultado da metanálise confirmou esta associação. Alguns estudos ainda compararam a proporção de pacientes com níveis maiores de cistatina C que desenvolveram ou não os desfechos, sendo que apenas um estudo não encontrou diferença estatisticamente significativa. Portanto, os resultados apresentados pelos estudos incluídos na revisão sistemática e na meta-análise indicam que há uma associação significativa entre níveis elevados de cistatina C e o desenvolvimento de eventos cardiovasculares e mortalidade em pacientes com SCA.

O mecanismo responsável por esta associação ainda não foi completamente elucidado. Contudo, um possível mecanismo baseia-se no fato de que a cistatina C consiste em um marcador mais sensível da disfunção renal capaz de detectar pequenas reduções na TFG,44 Coll E, Botey A, Alvarez L, Poch E, Quinto L, Saurina A, et al. Serum cystatin C as a new marker for noninvasive estimation of glomerular filtration rate and as a marker for early renal impairment. Am J Kidney Dis. 2000;36(1):29-34. doi: 10.1053/ajkd.2000.8237.
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possibilitando identificar um estado pré-clínico de disfunção renal, o qual não pode ser detectado pela creatinina sérica ou pela TFG baseada na creatinina.2929 Shlipak MG, Katz R, Sarnak MJ, Fried LF, Newman AB, Stehman-Breen C, et al. Cystatin C and prognosis for cardiovascular and kidney outcomes in elderly persons without chronic kidney disease. Ann Intern Med. 2006;145(4):237-46. doi: 10.7326/0003-4819-145-4-200608150-00003.
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Alguns estudos têm demostrado que a presença de insuficiência renal leve ou moderada consiste em um fator de risco importante para o desenvolvimento de eventos cardiovasculares e mortalidade.3030 Mann JF, Gerstein HC, Pogue J, Bosch J, Yusuf S. Renal insufficiency as a predictor of cardiovascular outcomes and the impact of ramipril: the HOPE randomized trial. Ann Intern Med. 2001;134(8):629-36. doi: 10.7326/0003-4819-134-8-200104170-00007.
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31 Muntner P, He J, Hamm L, Loria C, Whelton PK. Renal insufficiency and subsequent death resulting from cardiovascular disease in the United States. J Am Soc Nephrol. 2002;13(3):745-53. PMID: 11856780.
-3232 Taglieri N, Koenig W, Kaski JC. Cystatin C and cardiovascular risk. Clin Chem. 2009;55(11):1932-43. doi: 10.1373/clinchem.2009.128397.
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Sendo assim, sugere-se que pacientes com níveis elevados de cistatina C poderiam apresentar uma disfunção renal leve, a qual poderia contribuir para um maior risco de eventos cardiovasculares e pior prognóstico.

Outro possível mecanismo está relacionado à inflamação associada ao processo aterogênico, já que alguns estudos têm sugerido que níveis elevados de cistatina C estão associados com a inflamação e a aterosclerose.3232 Taglieri N, Koenig W, Kaski JC. Cystatin C and cardiovascular risk. Clin Chem. 2009;55(11):1932-43. doi: 10.1373/clinchem.2009.128397.
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As citocinas inflamatórias juntamente com a aterosclerose estimulam a produção de catepsinas lisossomais,3232 Taglieri N, Koenig W, Kaski JC. Cystatin C and cardiovascular risk. Clin Chem. 2009;55(11):1932-43. doi: 10.1373/clinchem.2009.128397.
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tais como a catepsina S, que parecem contribuir para a degradação da placa aterosclerótica.3333 Sukhova GK, Shi GP, Simon DI, Chapman HA, Libby P. Expression of the elastolytic cathepsins S and K in human atheroma and regulation of their production in smooth muscle cells. J Clin Invest. 1998;102(3):576-83. doi: 10.1172/JCI181.
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A cistatina C é um inibidor de catepsinas,3232 Taglieri N, Koenig W, Kaski JC. Cystatin C and cardiovascular risk. Clin Chem. 2009;55(11):1932-43. doi: 10.1373/clinchem.2009.128397.
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sendo assim, o aumento de suas concentrações pode estar associado à inibição destas catepsinas envolvidas na ruptura da placa aterosclerótica, contribuindo para o desenvolvimento de eventos cardiovasculares.

Apesar de todos os estudos incluídos na revisão sistemática apresentarem boa ou excelente qualidade metodológica, a qual foi avaliada utilizando o questionario NOS13 para estudos de coorte, os mesmos apresentam algumas limitações. Apenas 2 estudos (11,8%) incluíram apenas pacientes com função renal normal em suas pesquisas. Entretanto, a maior parte dos estudos [88,2% (n = 15)], realizou análise multivariada, sendo que mais da metade [58,8% (n = 10)] incluíram a TFG ou a creatinina sérica nesta análise, o que fornece uma maior credibilidade ao resultado encontrado. Após o ajuste para estes e outros fatores de risco, foi encontrada uma associação significativa entre os níveis elevados de cistatina C e o desenvolvimento de eventos cardiovasculares e mortalidade, demonstrando que esta associação é independente da função renal do paciente. Contudo, 7 estudos não incluíram a TFG ou creatinina sérica na análise multivariada ou não fizeram esta análise, o que pode influenciar no resultado encontrado, pois nesses casos, o pior prognóstico do paciente pode ser decorrente da disfunção renal e não da elevação da cistatina C, já que vários estudos demonstraram que a disfunção renal está associada a eventos cardiovasculares e mortalidade.

Na metanálise, foram incluídos apenas estudos que realizaram análise multivariada, e que incluíram a TFG ou a creatinina sérica nesta análise. Observou-se que a associação entre níveis elevados de cistatina C e o risco de desenvolvimento de morte cardiovascular ou infarto do miocárdio não fatal é independente da função renal do paciente.

Ao se analisar os estudos que classificaram os pacientes de acordo com os tercis ou quartis de cistatina C, é possível observar que os pacientes que apresentavam maiores níveis de cistatina C também tinham uma faixa etária mais avançada, o que é decorrente de um declínio gradual e fisiológico na TFG que ocorre com o avançar da idade.3434 Finney H, Bates CJ, Price CP. Plasma cystatin C determinations in a healthy elderly population. Arch Gerontol Geriatr. 1999;29(1):75-94. doi: https://doi.org/10.1016/S0167-4943(99)00025-4.
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Entretanto, 58,8% (n = 10) dos estudos incluíram a idade na análise multivariada, inclusive os dois estudos incluídos na metanálise, indicando que a associação entre níveis elevados de cistatina C e o pior prognóstico cardiovascular é independente da idade.

Todos os estudos avaliaram a função renal dos pacientes, sendo que a maioria [82,4% (n = 14)] (inclusive os dois estudos incluídos na meta-análise), utilizou a TFG, a qual consiste em um melhor marcador para avaliação da função renal do que a dosagem da creatinina sérica.3535 Nunes GL. Avaliação da função renal em pacientes hipertensos. Rev Bras Hipertens. 2007;14(3):162-6. A creatinina sérica não é específica para avaliação da função renal, pois fatores tais como massa muscular, idade, sexo, dentre outros, podem interferir nos seus níveis.3232 Taglieri N, Koenig W, Kaski JC. Cystatin C and cardiovascular risk. Clin Chem. 2009;55(11):1932-43. doi: 10.1373/clinchem.2009.128397.
https://doi.org/10.1373/clinchem.2009.12...
Além disso, o aumento da creatinina sérica só ocorre quando há uma diminuição acima de 50% na ultrafiltração glomerular, de modo que ela não é considerada um marcador sensível para avaliação da função renal.3636 Kirsztajn GM. Avaliação do ritmo de filtração glomerular. J Bras Patol Med Lab. 2007;43(4):257-64. doi://http://dx.doi.org/10.1590?S1676-24442007000400007.
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A determinação da TFG por meio do cálculo da depuração da creatinina ou por equações baseadas na creatinina sérica podem reduzir ou eliminar essas limitações.3636 Kirsztajn GM. Avaliação do ritmo de filtração glomerular. J Bras Patol Med Lab. 2007;43(4):257-64. doi://http://dx.doi.org/10.1590?S1676-24442007000400007.
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As equações mais empregadas para estimar a TFG são as de Cockcroft e Gault, MDRD e CKD-EPI, que utilizam variáveis clínicas e demográficas conhecidas que substituem fatores fisiológicos que afetam a concentração sérica da creatinina.3737 Bastos MG, Kirsztajn GM. Chronic kidney disease: importance of early diagnosis, immediate referral and structured interdisciplinary approach to improve outcomes in patients not yet on dialysis. J Bras Nefrol. 2011;33(1):93-108. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0101-28002011000100013.
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Nos estudos que classificaram os pacientes de acordo com os níveis de cistatina C, houve uma heterogeneidade na forma de classificação. Uma boa parte dos estudos (58,8%) classificou os pacientes em quartis ou tercis, o que pode influenciar nos resultados encontrados. É mais fácil obter uma relação entre níveis elevados de cistatina C com o pior prognóstico quando se compara pacientes do quarto quartil ou do terceiro tercil (que possuem níveis mais elevados de cistatina C) com os pacientes do primeiro quartil ou tercil (cujos níveis de cistatina C são reduzidos), do que quando se compara pacientes com níveis de cistatina C acima e abaixo do valor de referência ou da mediana. No entanto, a classificação dos níveis de cistatina C em quartis ou tercis apresenta maior valor clínico, já que auxilia na determinação de pontos de corte acima dos quais o risco de eventos cardiovasculares e mortalidade é significativamente maior. Portanto, apenas estudos que classificaram os pacientes de acordo com os quartis de cistatina C e que compararam o maior quartil com o menor foram incluídos na metanálise.

Dentre os métodos de dosagem laboratorial da cistatina C, a imunonefelometria e a imunoturbidimetria são os mais utilizados,3838 Mussap M, Plebani M. Biochemistry and clinical role of human cystatin C. Crit Rev Clin Lab Sci. 2004;41(5-6):467-550. doi: 10.1080/10408360490504934.
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o que foi observado nesta revisão sistemática, já que 84,2% (n = 14) dos estudos incluídos utilizaram estes métodos de dosagem da cistatina C e apenas 3 estudos utilizaram outros métodos ou não informaram o método utilizado. A imunonefelometria e a imunoturbidimetria consistem nos métodos de escolha para dosagem da cistatina C nos fluidos biológicos, pois apresentam uma maior precisão, conveniência, automação, além de serem métodos simples e rápidos para a rotina diária.3838 Mussap M, Plebani M. Biochemistry and clinical role of human cystatin C. Crit Rev Clin Lab Sci. 2004;41(5-6):467-550. doi: 10.1080/10408360490504934.
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Tem sido sugerido ainda que a imunonefelometria consiste no método de melhor escolha para dosagem da cistatina C por apresentar uma maior sensibilidade em relação ao método turbidimétrico, já que é capaz de detectar imunoagregados menores, e também por monitorar um aumento na intensidade da luz contra um sinal de fundo baixo, o que fornece a este metódo uma vantagem teórica.3838 Mussap M, Plebani M. Biochemistry and clinical role of human cystatin C. Crit Rev Clin Lab Sci. 2004;41(5-6):467-550. doi: 10.1080/10408360490504934.
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A falta de padronização nos métodos de dosagem utilizados pode interferir nos resultados encontrados por diferentes estudos, porém como a maioria dos estudos utilizaram a imunonefelometria e a imunoturbidimetria, pode-se sugerir uma alta confiabilidade nos resultados obtidos. Além disso, todos os estudos incluídos na metanálise empregaram estes métodos para a dosagem da cistatina C.

O tipo de SCA que predominou nos estudos foi IAMSST seguido por IAMCST e AI. O IAMCST é um evento cardiovascular mais crítico que o IAMSST e a angina instável, pois neste primeiro ocorre obstrução coronariana total.3939 Libby P. Mechanisms of acute coronary syndromes and their implications for therapy. N Engl J Med. 2013;368(21):2004-13. doi: 10.1056/NEJMra1216063.
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Um diagnóstico bem feito do IAM deve levar em consideração todos os critérios recomendados, os quais consistem em elevação de marcadores de necrose miocárdica, de preferência a troponina ou CK-MB massa, associada a no mínimo um dos seguintes parâmetros: sintomas sugestivos de isquemia (dor no peito); surgimento de ondas Q patológicas no ECG; alterações significativas no segmento ST ou inversão da onda T, novo bloqueio de ramo esquerdo; perda de miocárdio viável ou alteração segmentar de contratilidade ventricular evidenciadas em exame de imagem; e identificação de trombo intracoronariano por angiografia. A AI é diagnosticada por meio dos mesmos critérios, com exceção dos marcadores de necrose miocárdica, os quais não se encontram elevados.1414 Nicolau JC, Timerman A, Marin-Neto JA, Piegas LS, Barbosa CJ, Franci A, et al; Sociedade Brasileira de Cardiologia. [Guidelines of Sociedade Brasileira de Cardiologia for unstable angina and non-ST-segment elevation myocardial infarction (II edition, 2007) 2013-2014 update]. Arq Bras Cardiol. 2014;102(3 Suppl 1):1-61. doi: http://dx.doi.org/10.5935/abc.2014S001.
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Alguns estudos (23,5%) não informaram os critérios utilizados, não sendo possível saber se estes seguiram os critérios padronizados, e 7 estudos (41,2%) não utilizaram estes critérios, o que pode resultar em um diagnóstico incorreto da SCA, e variação nos grupos de pacientes incluídos nestes estudos.

Um estudo realizado em 2009 demostrou que IAMCST está associado a um maior risco de mortalidade em curto prazo, enquanto que IAMSST está associado a um maior risco de mortalidade a longo prazo.4040 Chan MY, Sun JL, Newby LK, Shaw LK, Lin M, Peterson ED, et al. Long-term mortality of patients undergoing cardiac catheterization for ST-elevation and non-ST-elevation myocardial infarction. Circulation. 2009;119(24):3110-7. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.108.799981.
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Todos os estudos avaliaram o desfecho mortalidade, seja separadamente ou em conjunto com o desfecho eventos cardiovasculares, sendo necessário um maior tempo de acompanhamento dos pacientes para avaliação do primeiro desfecho. Dentre os estudos incluídos nesta revisão sistemática, apenas um (5,9%) acompanhou os pacientes por menos de seis meses, contudo, mesmo com o curto período de acompanhamento, houve uma associação significativa entre níveis maiores de cistatina C e o desenvolvimento de eventos cardiovasculares e mortalidade cardiovascular. Ambos os estudos incluídos na metanálise acompanharam os pacientes por um período maior do que 12 meses.

Um total de 4 estudos (23,5%) apresentaram um tamanho amostral acima de 1.000, o que aumenta o poder estatístico, e apesar de 5 estudos (29,4%) apresentarem um tamanho amostral menor do que 200, estes também encontraram uma associação significativa entre a cistatina C e os desfechos avaliados. O único estudo que não encontrou diferença significativa entre a proporção de pacientes que desenvolveram eventos cardiovasculares ou morte cardiovascular e aqueles que não desenvolveram estes desfechos, encontrou associação significativa entre a proporção de pacientes que desenvolveram insuficiência cardíaca congestiva e aqueles que não desenvolveram. O tamanho amostral deste estudo foi menor que 200, os pacientes foram acompanhados por 6 meses e foram classificados de acordo com a mediana da cistatina C, o que pode ter contribuído para o resultado obtido para os eventos cardiovasculares e a mortalidade cardiovascular.

Apesar desta revisão sistemática e metanálise ter demonstrado que há uma associação significativa entre níveis elevados de cistatina C e um pior prognóstico da SCA, algumas limitações devem ser consideradas, tais como a restrição à busca de artigos nos bancos de dados Medline via PubMed, Web of Science e Scielo; a inclusão apenas de artigos redigidos em inglês, português e espanhol; e a inclusão de um pequeno número de artigos na meta-análise, em decorrência da grande variabilidade nas análises realizadas em cada um dos estudos.

Conclusão

Apesar das limitações de cada estudo incluído nesta revisão sistemática, estes demonstram, por meio de uma avaliação prospectiva, que há uma associação significativa entre níveis elevados de cistatina C e o desenvolvimento de eventos cardiovasculares e mortalidade nos pacientes com SCAs. A metanálise confirmou esta associação e ainda indicou que a mesma independe da função renal avaliada por meio da creatinina sérica ou da TFG. Portanto, a cistatina C consiste em um marcador útil para avaliação do prognóstico das SCAs, podendo ser utilizado em conjunto com os marcadores atualmente disponíveis.

  • Fontes de Financiamento
    O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
  • Vinculação Acadêmica
    Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.
  • Aprovação Ética e consentimento informado
    Este artigo não contém estudos com humanos ou animais realizados por nenhum dos autores.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2018

Histórico

  • Recebido
    06 Jul 2017
  • Revisado
    27 Set 2017
  • Aceito
    16 Out 2017
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