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É preciso acreditar na capacidade de transcendência dos cientistas

Quem gosta de profecias apocalípticas certamente deverá visitar as histórias das grandes pandemias que assolaram a humanidade ao longo da História. No século XIV, o mundo sofreu com a pandemia da peste bubônica ou peste negra, que matou entre 75 milhões e 200 milhões de pessoas na Europa e na Ásia. Outra doença que teve os seus primeiros surtos relatados no Egito e que só foi erradicada em 1980 foi a varíola. A cólera também foi responsável pela morte de milhões de pessoas e, como epidemia, teve os seus primeiros relatos de surtos em 1817. O século XXI passou pela gripe suína ou H1N1 e atualmente está enfrentando um novo surto de coronavírus com a Covid-19.

Quando um acontecimento deixa milhares ou milhões de mortos, como no caso da gripe espanhola e da Covid-19, sempre surgem profecias apocalípticas prevendo o fim do mundo. O que se percebe, no entanto, é que esses são momentos nos quais a capacidade humana é testada e em que toda a humanidade busca uma saída. É isso que estamos vivendo nos dias atuais.

Aqui vamos fazer um paralelo parcial entre dados da gripe espanhola e da Covid-19, sempre levando em consideração que ainda estamos no meio da pandemia e que os dados passarão por revisão após a cessação da transmissibilidade e das mortes pelo novo coronavírus no Brasil. Também devemos considerar que, na época da gripe espanhola, o Brasil tinha uma população de 30 milhões de habitantes, segundo dados do IBGE, e a maior parte deles vivia nas áreas rurais. Em 2020, conforme dados do IBGE (2020a)IBGE. Projeção da população do Brasil. Portal do IBGE, 2020a. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/box_popclock.php. Acesso em: 15 set. 2020.
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, a população brasileira já ultrapassa os 212 milhões de pessoas, e a maior parte vive na zona urbana.

A gripe espanhola, que teve seus primeiros relatos em 1918, tem origens conturbadas. Há estudiosos que afirmam que os primeiros casos surgiram na China. Por outro lado, há autores que afirmam que surgiu nos Estados Unidos. Esse é o período da Primeira Guerra Mundial (1914-1919). Como o mundo estava em guerra, os primeiros relatos de casos se deram precisamente na Espanha. Daí a doença ser chamada de gripe espanhola (HAYS, 2005HAYS, J. N. Epidemics and pandemics. Their impacts on human history. Austin, Texas: Fundação Kahle, 2005.).

A gripe espanhola levava as pessoas a desenvolver pneumonia e manchas castanho-avermelhadas nos zigomas. A doença se transformava em anomalia circulatória congênita devido a uma malformação cardiovascular que acarreta a passagem do sangue venoso ao sangue arterial e que tem como sinal principal a cianose. Os médicos da época não conheciam a doença. Por isso, pelo menos 50 milhões de pessoas tiveram as vidas ceifadas. Há estudiosos que elevam esses números para 100 milhões (BARATA, 2000BARATA, R. B. Cem anos de endemias e epidemias. Ciência & Saúde Coletiva, v. 5, n. 2, p. 333-45, 2000. Disponível em: https://www.scielosp.org/article/csc/2000.v5n2/333-345/. Acesso em: 15 set. 2020.
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).

A gripe espanhola também chegou ao Brasil. Segundo dados do Instituto Butantan (2020)INSTITUTO BUTANTAN. Butantan lança programa 100 anos da Gripe Espanhola - Imagine o mundo sem vacinas. Portal do Instituto Butantan, 2020. Disponível em: http://www.butantan.gov.br/noticias/butantan-lanca-programa-100-anos-da-gripe-espanhola-%E2%80%93-imagine-o-mundo-sem-vacinas. Acesso em: 15 set. 2020.
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, pelo menos 350 mil brasileiros foram infectados pela doença e 10% desse total vieram a óbito. Os estados que mais óbitos tiveram pela gripe espanhola foram: Rio de Janeiro, com 12.700 óbitos; São Paulo, com 6 mil; Rio Grande do Sul, com 1.316; Pernambuco, com 1.250; Amazonas, com 900 óbitos; e Bahia, com 386.

Os vetores principais da gripe espanhola foram os pássaros e também os soldados que lutaram na Primeira Guerra Mundial.

Quanto à Covid-19, doença que se originou 100 anos depois da cessação da gripe espanhola, o Ministério da Saúde a define como “uma doença causada pelo coronavírus, denominado Sars-CoV-2, que apresenta um espectro clínico variando de infecções assintomáticas a quadros graves” (SAÚDE, 2020). Seus sintomas variam de uma simples gripe até se transformarem numa pneumonia aguda e podem provocar tosse, febre, coriza, dor na garganta, dificuldade de respirar, perda do olfato ou do paladar, perda do apetite e cansaço (SAÚDE, 2020).

Até meados de setembro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) disponibilizou dados de que, no mundo, já existiam 28.918.900 casos confirmados, sendo que 922.252 vidas já haviam sido ceifadas (WHO, 2020WORLD HEALTH ORGANIZATION. WHO Coronavirus Disease (COVID-19) Dashboard. WHO, 2020. Disponível em: http://covid19.who.int/. Acesso em: 15 set. 2020.
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). Segundo dados do Ministério da Saúde (BRASIL, 2020BRASIL. Ministério da Saúde. O que é COVID-19. Brasília-DF, 2020. Disponível em: https://coronavirus.saude.gov.br/sobre-a-doenca#o-que-e-covid. Acesso em: 15 set. 2020.
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), nesse mesmo momento, no Brasil, 4.345.610 pessoas já haviam sido infectadas, 3.613.184 já haviam se recuperado e 132.006 vidas já haviam sido ceifadas.

Quanto aos estados com maior incidência da Covid-19, em meados de setembro de 2020, segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2020BRASIL. Ministério da Saúde. O que é COVID-19. Brasília-DF, 2020. Disponível em: https://coronavirus.saude.gov.br/sobre-a-doenca#o-que-e-covid. Acesso em: 15 set. 2020.
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), os quatro primeiros que figuravam entre os com mais infectados eram São Paulo, com 892.257 pessoas; Bahia, com 281.665; Minas Gerais, com 253.997; e Rio de Janeiro, com 242.491.

O maior vetor de transmissão do novo coronavírus é o próprio homem.

Em meio à pandemia, com o seu alto grau de infecção e com altos índices de mortandade, com sérios impactos na economia, na política, nas relações sociais, nos sistemas de saúde e na educação, a principal luta dos cientistas é pela descoberta de vacinas para controlar os estragos que já foram feitos. Economicamente, de acordo com dados do IBGE (2020b)IBGE. Painel de Indicadores. Portal do IBGE, 2020b. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/indicadores. Acesso em: 15 set. 2020.
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, o Brasil viu o seu produto interno bruto cair em mais de 9% só no primeiro trimestre, devido ao distanciamento social e à paralisação de diversas atividades nos setores primário, secundário e terciário. As recuperações sensíveis que vieram posteriormente não serão suficientes para abater esse dado. Além disso, produtos da cesta básica do brasileiro, conforme o IBGE (2020b)IBGE. Painel de Indicadores. Portal do IBGE, 2020b. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/indicadores. Acesso em: 15 set. 2020.
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, subiram mais de 60%, como é o caso do arroz, com reflexos inflacionários que vão incidir nos próximos meses, gerando fome e levando mais pessoas para a pobreza e para a miséria.

Esses dados não devem produzir um efeito de catástrofe, mas também não podem ser minimizados. Projetá-los como forma de promover o medo será uma das piores coisas que grupos religiosos possam intentar. É nesses momentos que é preciso acreditar na humanidade, em especial nos cientistas, pois certamente eles usarão da própria capacidade de transcendência para ajudar a solucionar os problemas do mundo com vacinas que debelem esse mal que se transformou em pandemia, neste início do século XXI.

O presente número da Interações − Revista Internacional de Desenvolvimento Local, da Universidade Católica Dom Bosco, apresenta quadros temáticos específicos. O primeiro deles é sobre as nações nativas e as comunidades tradicionais. Quanto às nações nativas, há os artigos “Intervenção de arquitetura para uma escola Guarani: processo de projeto e apropriação de ambientes educativos na Tekoa Itaty, SC”, e “Assalariamento na Terra Indígena Mangueirinha: estratégias Guarani e Kaingang”. Além desses, Interações publica também “Ethnopharmacological and botanical evaluation of medicinal plants used by Brazilian Amazon Indian community”. Soma-se a esses artigos outro estudo, sobre a colonização, com o título “Colonialidade do poder: a formação do eurocentrismo como padrão de poder mundial por meio da colonização da América”. Quanto às comunidades tradicionais, Interações publica também o artigo “Uso e aplicações medicinais da mamorana (Pachira aquatica Aublet) pelos ribeirinhos de São Lourenço, Igarapé-Miri, estado do Pará, Amazônia”.

Um segundo quadro tem como apelo o próprio desenvolvimento local, com os artigos “Interpretação do patrimônio cultural por meio da roteirização turística da Avenida 7 de Setembro, Manaus, AM”, com uma abordagem voltada ao turismo; “Las dimensiones teóricas del clúster y su aplicación al turismo médico”, com abordagem voltada para a saúde e os clusters; “A fundação do curso de Serviço Social em universidades públicas federais no Rio Grande do Sul: contradições, possibilidades e desafios ao desenvolvimento local-regional”, com enfoque na educação; “Um ensaio sobre o desenvolvimento local desde a ativação social e a governança pública”; “Desafios do modelo de desenvolvimento agrícola do estado de Mato Grosso do Sul: uma proposta para o desenvolvimento sustentável”.

Outro quadro referencial publicado no presente número de Interações é sobre gestão. Nesse grupo, estão os artigos “Eficiência dos municípios de Mato Grosso do Sul: uma abordagem baseada em fronteira determinística” e “Ação coletiva e políticas públicas: mulheres camponesas na construção da Política de Saúde das Populações do Campo, da Floresta e das Águas”.

Finalizando os artigos, Interações publica também “Proposta de melhorias na gestão de empresas de construção civil: um estudo de caso internacional” e “Educação de Jovens e Adultos e representações sociais: um estudo psicossocial entre estudantes da EJA”.

Como o leitor pode perceber, o Desenvolvimento Local abrange diversas áreas do saber. Por isso, é interdisciplinar por natureza. Os artigos aqui referenciados mostram sobretudo a preocupação com as diversas dimensões humanas, e o centro de tudo é o ser humano. Isso vale para esses momentos que estamos vivendo, marcados pelas afetações de uma pandemia. Interações publica os caminhos que a ciência apresenta para colocar o Homem no centro, porque este é o lugar que ele ocupa na perspectiva do Desenvolvimento Local.

Pedro Pereira Borges
Editor-chefe da Revista Interações

REFERÊNCIAS

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Out 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2020
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