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Mel do Pantanal e economia social e solidária: possibilidades a partir da análise de três realidades em Corumbá, MS

Mel do Pantanal (Honey from Pantanal) and social and solidarity economy: possibilities from the analysis of three realities in Corumbá, MS

Mel do Pantanal (Miel del Pantanal) y economía social y solidaria: posibilidades a partir del análisis de tres realidades en Corumbá, MS

Resumo

O objetivo desta pesquisa foi analisar as potencialidades do Mel do Pantanal, considerando-se a economia social e solidária, em Corumbá, MS. A denominação “Mel do Pantanal” refere-se ao registro de Indicação Geográfica (IG) e pode ser utilizada como um grande diferencial para o território. Foi realizada pesquisa que identificou três realidades na produção do mel em Corumbá, MS. A pesquisa se caracteriza como exploratória e descritiva, com uma abordagem qualitativa a partir de um estudo de caso (Mel do Pantanal) e três unidades de análise: as realidades na produção, no processamento e na comercialização do mel produzido no Pantanal de Corumbá, MS. A coleta de dados envolveu entrevistas com os produtores; para o tratamento dos dados, utilizou-se a análise de conteúdo. Os resultados apontaram as diferenças entre as realidades em termos de apropriação da IG; produção, processamento e comercialização; características da embalagem; relação com o turismo/turista e meio ambiente. As considerações finais apresentam as potencialidades de se desenvolver a economia social e solidária a partir da governança, autorregulação, gestão coletiva e relações ambientais.

Palavras-chave
economia solidária; região do Pantanal; produção de mel

Abstract

The objective of this research was to analyze the potentialities of Mel do Pantanal (Honey from Pantanal), considering the social and solidarity economy, in Corumbá, MS. The nomenclature “Mel do Pantanal” refers itself to the Geographical Indication (GI) and can be used as a great differential brand for the territory. Research was carried out that identified three realities in the production of honey in Corumbá, MS. The research is characterized as exploratory and descriptive, with a qualitative approach based on a case study (Honey from Pantanal) and three units of analysis: the realities in the production, processing and commercialization of the honey produced in the Pantanal of Corumbá, MS. Data collection involved interviews with producers; for data processing, content analysis was used. The results showed the differences between the realities in terms of appropriation of the GI; production, processing, and commercialization; packaging characteristics; relationship with tourism/tourist and environment. The final considerations present the potential for developing the social and solidarity economy based on governance, self-regulation, collective management, and environmental relations.

Keywords
solidarity economy; Pantanal region; honey production

Resumen

El objetivo de esta investigación fue analizar las potencialidades de Mel do Pantanal (Miel del Pantanal), considerando la economía social y solidaria, en Corumbá, MS. El nombre “Mel do Pantanal” hace referencia al registro de la Indicación Geográfica (IG) y puede ser utilizado como un gran diferencial para el territorio. Se realizó una investigación que identificó tres realidades en la producción de miel en Corumbá, MS. La investigación se caracteriza por ser exploratoria y descriptiva, con enfoque cualitativo a partir de un estudio de caso (Mel do Pantanal) y tres unidades de análisis: las realidades en la producción, procesamiento y comercialización de la miel producida en el Pantanal de Corumbá, MS. La recolección de datos implicó entrevistas con los productores; para el procesamiento de datos, se utilizó el análisis de contenido. Los resultados mostraron las diferencias entre las realidades en cuanto a la apropiación del GI; producción, procesamiento y mercadeo; características del empaque; relación con el turismo/turista y medio ambiente. Las consideraciones finales presentan el potencial para el desarrollo de la economía social y solidaria basada en la gobernanza, la autorregulación, la gestión colectiva y las relaciones ambientales.

Palabras clave
economía solidaria; región del Pantanal; producción de miel

1 INTRODUÇÃO

O Pantanal, em sua porção brasileira, é um bioma caracterizado por ser uma planície inundável nos estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, ocupando 25% do território de MS e 7% em MT (SILVA; ABDON, 1998SILVA, João dos Santos Vila; ABDON, Myrian de Moura. Delimitação do Pantanal brasileiro e suas sub-regiões. Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasília, DF, v. 33, n. especial, p. 1703–11, out. 1998.). A certificação do Mel do Pantanal é uma iniciativa da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), que obteve o registro de Indicação Geográfica (IG) do tipo Indicação de Procedência, concedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), e pode ser utilizada como um grande diferencial para o território (REIS; BIJOS; MENEGAZZO, 2015REIS, Vanderlei Doniseti Acassio dos; BIJOS, Gustavo Nadeu; MENEGAZZO, Márcio Alexandre Diório. Caderno de Normas do Regulamento de Produção da Indicação do Mel do Pantanal. Corumbá: Embrapa Pantanal, 2015. (Documentos, n. 137). Disponível em: https://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/infoteca/bitstream/doc/1037107/1/DOC137.pdf. Acesso em: 11 maio 2022.
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) e para o desenvolvimento das comunidades produtoras de mel, podendo apoiar-se na economia social e solidária.

A economia social e solidária fundamenta-se nos conceitos de organização coletiva, que respeita a pluralidade, mobiliza atores, pratica o preço justo, distribui melhor as riquezas geradas, apoia-se na proximidade e reciprocidade e envolve os aspectos econômicos, políticos, sociais e ambientais (SIMON; BOEIRA, 2017SIMON, Vanêssa Pereira; BOEIRA, Sérgio Luis. Economia social e solidária e empoderamento feminino. Ciências Sociais Unisinos, São Leopoldo, RS, v. 53, n. 3, p. 532–42, set./dez. 2017. Doi: https://doi.org/10.4013/csu.2017.53.3.13.
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; MOREIRA, 2019MOREIRA, Manuel Belo. A economia social e solidária como condição para o desenvolvimento sustentável. UN Inter-Agency Task Force on Social and Solidarity Economy, 2019. Disponível em: https://unsse.org/knowledge-hub/a-economia-social-e-solidaria-como-condicao-para-odesenvolvimento-sustentavel-2/. Acesso em: 11 maio 2022.
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). A problemática que se estabelece nesse contexto é que os movimentos, ou possíveis movimentos, da economia social e solidária ainda não se apropriaram da IG Mel do Pantanal. Diante dessa contextualização, o problema de pesquisa que emerge pode ser demonstrado pelo questionamento: como desenvolver o Mel do Pantanal com base na economia social e solidária?

Há a premissa de que, geograficamente, todo mel produzido na região do Pantanal pode ser considerado e certificado como Mel do Pantanal. Entretanto, ainda nem todos são. Foram identificadas três realidades em Corumbá, MS: do Centro de Processamento de Mel da organização não governamental Ecologia e Ação (ECOA), na Serra do Amolar; das famílias ribeirinhas da região do Paraguai Mirim; e da Associação dos Apicultores da Agricultura Familiar de Corumbá/MS (AAAFC), da Comunidade Nossa Senhora de Fátima Assentamento Taquaral.

Este estudo está vinculado ao estágio pós-doutoral no Programa de Pós-Graduação em Administração da Escola de Administração e Negócios da Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (PPGAd/ESAN/UFMS), que tem como área de concentração “Gestão do Agronegócio e Organizações”, alinhada com a linha de pesquisa “Agronegócio e seus Aspectos Socioambientais”. Pretende-se, a partir deste e de outros trabalhos, abrir uma agenda de pesquisa em torno do Mel do Pantanal.

As questões norteadoras do estudo são: (I) A economia social e solidária fundamenta ou pode fundamentar práticas de desenvolvimento das comunidades de forma coletiva em torno do Mel do Pantanal? (II) As comunidades que produzem mel se apropriam da IG do Mel do Pantanal e como se apropriar? Notou-se que há muitos estudos sobre a economia social e solidária, que embasa a questão norteadora e direciona a parte mais descritiva da pesquisa. Porém, não foram encontrados textos científicos relevantes que vinculassem essa teoria, da economia social e solidária, com uma IG, que se vincula com a questão norteadora II, a qual é a parte mais exploratória da pesquisa.

Mediante toda essa discussão até aqui apresentada, o objetivo geral deste artigo é analisar as potencialidades do Mel do Pantanal, considerando a economia social e solidária, a partir das realidades identificadas. Os objetivos específicos são: a) Apresentar o Mel do Pantanal; b) Caracterizar as realidades de produção, processamento e comercialização nas comunidades de Corumbá, MS; c) Compreender as realidades encontradas de acordo com os preceitos da economia social e solidária; e d) Identificar a apropriação, ou não, da IG do Mel do Pantanal nas realidades estudadas.

Em termos de estruturação textual, nesta primeira seção do texto, foram apresentados os aspectos introdutórios, com apresentação da ideia central, de questões norteadoras, do problema de pesquisa e dos objetivos da pesquisa. A segunda seção trata do embasamento teórico sobre a economia social e solidária. Na terceira seção, são apresentados os procedimentos metodológicos com as características e etapas da pesquisa realizada. A quarta seção apresenta os resultados e análise. Na quinta seção, são tratadas as considerações finais e, por fim, são apresentados os agradecimentos e as referências do texto.

2 EMBASAMENTO TEÓRICO

A economia social e solidária pode ser entendida como um fenômeno que reconfigura as relações entre o mercado e o Estado, com uma articulação específica envolvendo as esferas econômicas, políticas e sociais, com as suas diferentes lógicas (pluralidade), e, apesar de interagir com as formas econômicas dominantes (capitalistas), considera outros aspectos de ação organizacional ou coletiva como um projeto associativo (social, solidário, justo) (SIMON; BOEIRA, 2017SIMON, Vanêssa Pereira; BOEIRA, Sérgio Luis. Economia social e solidária e empoderamento feminino. Ciências Sociais Unisinos, São Leopoldo, RS, v. 53, n. 3, p. 532–42, set./dez. 2017. Doi: https://doi.org/10.4013/csu.2017.53.3.13.
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). Gaiger (2021, p. 176)GAIGER, Luiz Inácio Germany. A reciprocidade e a instituição plural de mercados: um prisma para entender o papel histórico da Economia Social e Solidária. Nova Economia, Belo Horizonte, MG, v. 31, n. 1, p. 157–83, 2021. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/0103-6351/5787
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coloca que a economia social e solidária, tal como o próprio nome diz, “[...] preserva laços sociais e revigora a solidariedade”.

Por se tratar de articulação, as organizações da economia social e solidária apresentam diferentes configurações e têm em comum um projeto definido por um produto gerado ou serviço oferecido que contribui para a sociedade ou para o coletivo (SIMON; BOEIRA, 2017SIMON, Vanêssa Pereira; BOEIRA, Sérgio Luis. Economia social e solidária e empoderamento feminino. Ciências Sociais Unisinos, São Leopoldo, RS, v. 53, n. 3, p. 532–42, set./dez. 2017. Doi: https://doi.org/10.4013/csu.2017.53.3.13.
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). Tais organizações podem implementar novas formas de utilização dos territórios, novas maneiras de produção e consumo de bens e serviços. Com uma concepção mais enfática, pode-se entender que a economia social e solidária pressupõe uma ação coletiva, tem melhores condições para mobilização e é um instrumento para o enfrentamento dos desafios sociais, econômicos e ambientais (MOREIRA, 2019MOREIRA, Manuel Belo. A economia social e solidária como condição para o desenvolvimento sustentável. UN Inter-Agency Task Force on Social and Solidarity Economy, 2019. Disponível em: https://unsse.org/knowledge-hub/a-economia-social-e-solidaria-como-condicao-para-odesenvolvimento-sustentavel-2/. Acesso em: 11 maio 2022.
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).

Por ser fortemente marcada pelo senso de coletivismo e associativismo, organizações da economia social e solidária podem se fortalecer, tanto em termos de gestão como de produção, quando articuladas em forma de redes (MARIOSA et al., 2022MARIOSA, Duarcides Ferreira; MORAIS, Leandro Pereira; BRITO, Brígida Rocha; FALSARELLA, Orandi Mina; SUGAHARA, Cibele Roberta; BENEDICTO, Samuel Carvalho. A contribuição da economia social e solidária para a autonomia das populações indígenas situadas numa área de reserva de desenvolvimento sustentável na Amazônia. Otra Economía, Buenos Aires, Argentina, v. 15, n. 27, p. 84–102, 2022.). Essas redes são articuladas a partir de interações ou representações entre diferentes iniciativas que possuem demandas em comum ou que percebem que podem se fortalecer ao constituírem uma rede. Uma vez formuladas, as redes podem se formalizar como uma cooperativa, ou grande associação, e destinam-se a promover todas as atividades que impactam a geração do desenvolvimento econômico de cada iniciativa, bem como atuar na comercialização dos produtos e serviços que a rede pode realizar em conjunto; além disso, beneficiam-se ao incentivar o consumo coletivo dos bens e na distribuição da renda gerada (MARIOSA et al., 2018; 2022MARIOSA, Duarcides Ferreira; MORAIS, Leandro Pereira; BRITO, Brígida Rocha; FALSARELLA, Orandi Mina; SUGAHARA, Cibele Roberta; BENEDICTO, Samuel Carvalho. A contribuição da economia social e solidária para a autonomia das populações indígenas situadas numa área de reserva de desenvolvimento sustentável na Amazônia. Otra Economía, Buenos Aires, Argentina, v. 15, n. 27, p. 84–102, 2022.).

A economia social e solidária manifesta-se como uma estratégia de desenvolvimento local e sustentável singular; fundamenta-se, principalmente, em uma contraposição ao modelo hegemônico de governança e produção. A autonomia dada às iniciativas de economia social e solidária é a principal base para as premissas desenvolvidas ao longo dos anos em pesquisas sobre a temática. Razeto (1990)RAZETO, Luis. Economía popular de solidaridad. Santiago de Chile: Área Pastoral Social de la Conferencia Episcopal de Chile/Programa de Economía del Trabajo, 1990. e Laville (2004)LAVILLE, Jean Louis. Marco conceptual de la economía solidaria. In: LAVILLE, Jean Louis (Org.). Economía social y solidaria – una visión europea. Buenos Aires: Altamira. 2004. propõem princípios como gestão doméstica, reciprocidade, aproximação entre produção, distribuição e consumo (horizontalidade) e redistribuição dos benefícios gerados de forma igual. Singer (2002)SINGER, Paul. Introdução à economia solidária. Fundação Perseu Abramo, 2002. fala da autogestão, participação democrática e da base cooperativa e coletivista. Mais recentemente, Fonseca, Morais e Chiariello (2021)FONSECA, Sergio Azevedo; MORAIS, Leandro; CHIARIELLO, Caio Luis. As contribuições da Economia Solidária no contexto da COVID-19: o caso das hortas comunitárias em Araraquara (SP), Brasil. Revista Sobre México. Economía Social: alternativas y posibilidades en tiempos de Covid 19, Ciudad de México, México, v, 1, n. 2 (especial), p. 9–16. 2021. acrescentam uma ideia de local, de aproximação com a cultura local e participação coletiva.

A economia social e solidária é norteada pelo princípio da reciprocidade que institui os processos econômicos e sociais, valorizando os laços sociais dos envolvidos e das organizações (GAIGER, 2021GAIGER, Luiz Inácio Germany. A reciprocidade e a instituição plural de mercados: um prisma para entender o papel histórico da Economia Social e Solidária. Nova Economia, Belo Horizonte, MG, v. 31, n. 1, p. 157–83, 2021. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/0103-6351/5787
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). A proximidade e a reciprocidade entre os indivíduos dessas organizações redefinem as relações econômicas, reforçam a capacidade de resistência da comunidade em relação à automatização social, transitam e articulam as esferas sociais, políticas e econômicas, aumentam as oportunidades de socialização democrática, questionam as relações da economia e do social e contribuem como uma alternativa de integração social do trabalho (SIMON; BOEIRA, 2017SIMON, Vanêssa Pereira; BOEIRA, Sérgio Luis. Economia social e solidária e empoderamento feminino. Ciências Sociais Unisinos, São Leopoldo, RS, v. 53, n. 3, p. 532–42, set./dez. 2017. Doi: https://doi.org/10.4013/csu.2017.53.3.13.
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).

Existe uma série de princípios que podem nortear ações de economia social e solidária, e estes vêm avançando e se modificando. Em trabalhos recentes, como em Miranda (2020)MIRANDA. Rodrigo Fernández. Cuatro pilares para el funcionamiento de procesos colectivos: apuntes sobre gobierno, autorregulación, gestión y relaciones en organizaciones de la Economía Social y Solidaria. Otra Economía, Buenos Aires, Argentina, v. 13, n. 24, p. 25–45, 2020. e Kieffer (2021)KIEFFER, Maxime. El turismo de las comunidades rurales en México: un turismo alternativo enmarcado en la Economía Social y Solidaria. Otra Economía, Buenos Aires, Argentina, v. 14, n. 26, p. 62–82. 2021., são tratados quatro pilares para abordar os processos da economia social e solidária. Além dos termos que podem se repetir, são acrescidas as relações com o meio ambiente, que, segundo os autores, são de extrema importância e têm se tornado pauta cada vez mais corrente em debates sobre desenvolvimento sustentável em comunidades.

Em Miranda (2020)MIRANDA. Rodrigo Fernández. Cuatro pilares para el funcionamiento de procesos colectivos: apuntes sobre gobierno, autorregulación, gestión y relaciones en organizaciones de la Economía Social y Solidaria. Otra Economía, Buenos Aires, Argentina, v. 13, n. 24, p. 25–45, 2020., o autor dialoga sobre quatro pilares da economia social e solidária. Primeiro, sobre governança e tomada de decisão, que compreende as ações relacionadas à direção e ao controle das organizações. Para o autor, as organizações da economia social e solidária estabelecem sua governança baseando-se nas pessoas, na propriedade e na democracia, todos prezando pelo coletivo. Outro pilar que está intimamente relacionado com a governança é a autorregulação, que são os processos que estabelecem o direcionamento que os atores seguem dentro das organizações. Nesse sentido, a autorregulação diz respeito às práticas coletivas, pautadas na confiança e nos laços sociais entre as pessoas, que substituem a estrutura preestabelecida e imposta, vista em organizações verticais.

Por fim, Miranda (2020)MIRANDA. Rodrigo Fernández. Cuatro pilares para el funcionamiento de procesos colectivos: apuntes sobre gobierno, autorregulación, gestión y relaciones en organizaciones de la Economía Social y Solidaria. Otra Economía, Buenos Aires, Argentina, v. 13, n. 24, p. 25–45, 2020. trabalha com duas outras dimensões, que são a gestão coletiva e as relações internas. O autor estabelece um foco nas duas ações separadamente, frisando que se deve focar tanto na gestão – que é o alinhamento entre a autorregulação (os direcionamentos) e a governança (as tomadas de decisão) – quanto nas relações internas que surgem a partir das atividades gerenciais, principalmente as de liderança. Por outro lado, Kieffer (2021)KIEFFER, Maxime. El turismo de las comunidades rurales en México: un turismo alternativo enmarcado en la Economía Social y Solidaria. Otra Economía, Buenos Aires, Argentina, v. 14, n. 26, p. 62–82. 2021. segue uma lógica que aborda ambas as dimensões de formas amarradas. Considerando-se que as relações que surgem na gestão são parte do processo, este trabalho vai seguir a mesma lógica exposta pelo autor. Para ambos os autores, a gestão trata-se da busca coletiva pelos objetivos, articulando eficiência com solidariedade.

Considerando-se o contexto desta pesquisa, Kieffer (2021)KIEFFER, Maxime. El turismo de las comunidades rurales en México: un turismo alternativo enmarcado en la Economía Social y Solidaria. Otra Economía, Buenos Aires, Argentina, v. 14, n. 26, p. 62–82. 2021. acrescenta uma última dimensão, pautada nas discussões do seu trabalho, que se relaciona com organizações da economia social e solidária e o turismo em espaços rurais. O autor discute as relações entre as organizações e o meio ambiente, oferecendo uma amplitude ao debate que pode ir além do turismo. Essa dimensão é sobre as atividades, que devem respeitar e valorizar os espaços e os valores culturais, além de prezar pela conservação do meio ambiente, que frisa a gestão dos impactos ambientais.

A economia social e solidária é constituída por organizações que não consideram a obtenção de lucro como objetivo central e, inclusive, podem atuar em territórios de atividades pouco atrativas para os capitalistas (MOREIRA, 2019MOREIRA, Manuel Belo. A economia social e solidária como condição para o desenvolvimento sustentável. UN Inter-Agency Task Force on Social and Solidarity Economy, 2019. Disponível em: https://unsse.org/knowledge-hub/a-economia-social-e-solidaria-como-condicao-para-odesenvolvimento-sustentavel-2/. Acesso em: 11 maio 2022.
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). São empreendimentos que têm uma posição solidária, com a prática do preço justo, e entendem o lucro como sustentabilidade financeira e de autoinvestimento. O desafio está na construção de um novo estilo de vida ético, solidário e que articula eficiência com suficiência; assim, admite uma pluralidade de maneiras de produção e de distribuição da riqueza, como também são plurais os modos de gestão, considerando-se lógicas e dinâmicas organizativas (SIMON; BOEIRA, 2017SIMON, Vanêssa Pereira; BOEIRA, Sérgio Luis. Economia social e solidária e empoderamento feminino. Ciências Sociais Unisinos, São Leopoldo, RS, v. 53, n. 3, p. 532–42, set./dez. 2017. Doi: https://doi.org/10.4013/csu.2017.53.3.13.
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).

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Em relação aos procedimentos metodológicos, a presente pesquisa se caracteriza como descritiva e exploratória, com uma abordagem qualitativa e com o estudo de caso como estratégia. A pesquisa descritiva possibilita a descrição do fenômeno ou suas características, e a pesquisa exploratória proporciona o desenvolvimento de conceitos de forma mais clara, para entender o fenômeno (COOPER; SCHINDLER, 2003COOPER, Donald R.; SCHINDLER, Pamela S. Métodos de pesquisa em Administração. 7. ed. Porto Alegre: Bookman, 2003.).

A abordagem qualitativa é uma forma de entender a natureza de determinado fenômeno social e é importante quando o fenômeno é relativamente novo ou pouco conhecido (RICHARDSON, 2008RICHARDSON, Roberto Jarry. Pesquisa Social: métodos e técnicas. 3. ed. Altas: São Paulo, 2008.; SAMPIERI; COLLADO; LUCIO; 2013SAMPIERI, Roberto Hernández; COLLADO, Carlos Fernández; LUCIO, Maria del Pilar Baptista. Metodologia de Pesquisa. 5. ed. Porto Alegre: Penso, 2013.). Como estratégia de pesquisa, escolheu-se o estudo de caso, que é utilizado para fornecer conhecimento de fenômenos (YIN, 2010YIN, Robert K. Estudo de Caso: planejamento e métodos. 4. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010.). Foi selecionado como estudo de caso o Mel do Pantanal, como possibilidade de desenvolvimento, que possui Indicação Geográfica (IG) do tipo Indicação de Procedência (IP) (FERNANDES et al., 2019FERNANDES, Ana H. B. M.; CATELLA, Agostinho C.; SORIANO, Balbina M. A.; URBANETZ, Catia; CARDOSO, Evaldo L. Cardoso; FERNANDES, Fernando A.; BERGIER, Ivan; COMASTRI, José A.; SALLIS, Suzana M.; TOMAS, Walfrido M. Bioma Pantanal: oportunidades e desafios de pesquisa para o desenvolvimento sustentável. In: VILELA, Evaldo Ferreira; CALLEGARO, Geraldo Magela; FERNANDES, Geraldo Wilson (Org.). Biomas e agricultura: oportunidades e desafios. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Ciência: FAPEMIG, 2019.). As unidades de análise foram as três realidades de produção de mel encontradas em Corumbá, MS. A escolha do município se deu por ser o maior na área (km2) fisiográfica do Pantanal (SILVA; ABDON, 1998SILVA, João dos Santos Vila; ABDON, Myrian de Moura. Delimitação do Pantanal brasileiro e suas sub-regiões. Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasília, DF, v. 33, n. especial, p. 1703–11, out. 1998.).

A pesquisa apresenta o Mel do Pantanal a partir de um levantamento bibliográfico e, na sequência, os resultados do estudo, que utilizou entrevista e observação. Foram realizadas seis entrevistas com sujeitos identificados a partir de pesquisas na internet e levantamentos com a comunidade local. Foi utilizado um roteiro semiestruturado, considerando a IG Mel do Pantanal; produção, processamento e comercialização do mel; características do produto (mel); relação com o turismo/turista e o meio ambiente, que fundamentam a análise com as dimensões teóricas encontradas: governança, autorregulação, gestão coletiva e relações ambientais (termos destacados no item 4.4) – em que é possível uma análise ampla que discute tanto a realidade quanto os potenciais de economia social e solidária e, por último, a questão da apropriação da IG do Mel do Pantanal. Não se incluiu a dimensão relações internas, por se tratar de uma potencialidade de desenvolvimento quanto à economia social e solidária, e não foram observados relacionamentos entre os atores.

A partir das realidades identificadas em Corumbá, MS, localizou-se o Centro de Processamento do Mel na Serra do Amolar, sendo os responsáveis os Entrevistados 1 e 2; também foram indicadas duas famílias ribeirinhas da região do Paraguai Mirim (Entrevistados 3, 4 e 5) e, por fim, chegou-se a um membro da diretoria da AAAFC, da Comunidade Nossa Senhora de Fátima Assentamento Taquaral (Entrevistado 6).

Importante ressaltar que a identificação dessas três realidades não é definitiva. Não foi realizado um estudo exaustivo e o município é muito extenso, o maior de Mato Grosso do Sul, existindo outras realidades não tratadas neste estudo. Ainda assim, acredita-se que essas realidades representam a principal produção de mel no município. A análise sintetiza os dados coletados nas realidades e confronta com a teoria sobre a economia social e solidária, conforme a análise de conteúdo, considerando-se o contexto da IG Mel do Pantanal. Bardin (2004)BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. 3. ed. Lisboa: Edições 70, 2004. coloca que a análise de conteúdo é conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistematizados e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens.

4 ACHADOS DA PESQUISA EMPÍRICA

O registro de Indicação Geográfica (IG) do tipo Indicação de Procedência (IP) do Mel do Pantanal foi obtido em 2015, concedido pelo Instituto de Propriedade Intelectual (INPI). A Embrapa Pantanal definiu os critérios com os procedimentos mínimos que devem ser adotados para a produção apícola no Pantanal (FERNANDES et al., 2019FERNANDES, Ana H. B. M.; CATELLA, Agostinho C.; SORIANO, Balbina M. A.; URBANETZ, Catia; CARDOSO, Evaldo L. Cardoso; FERNANDES, Fernando A.; BERGIER, Ivan; COMASTRI, José A.; SALLIS, Suzana M.; TOMAS, Walfrido M. Bioma Pantanal: oportunidades e desafios de pesquisa para o desenvolvimento sustentável. In: VILELA, Evaldo Ferreira; CALLEGARO, Geraldo Magela; FERNANDES, Geraldo Wilson (Org.). Biomas e agricultura: oportunidades e desafios. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Ciência: FAPEMIG, 2019.). São aproximadamente dois mil apicultores em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul que podem se beneficiar com a IG do Mel do Pantanal (GOVERNO DE MATO GROSSO DO SUL, 2015GOVERNO DE MATO GROSSO DO SUL. Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar. Mel do Pantanal vira referência Nacional. SEMAGRO, 18 mar., 2015. Disponível em: https://www.semagro.ms.gov.br/mel-do-pantanal-vira-referencia-nacional/.Acesso em: 29 abr. 2022.
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). A IG garante a proteção do nome geográfico e obtém uma diferenciação do produto com exclusividade no mercado (JOIA, 2021JOIA, Paulo Roberto. Efetividades e possibilidades de industrialização no município de Aquidauana-MS. Revista Pantaneira, Aquidauana, MS, v. 19, p. 79–94, 2021.).

A produção do Mel do Pantanal é certificada com o selo para a comercialização e outros fins quando a atividade ocorrer na área delimitada como Pantanal dos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. O apiário é certificado como produtor de Mel do Pantanal somente após a inspeção do Comitê Gestor. Para isso, é necessário seguir as Boas Práticas Apícolas e o processamento de mel deve ser realizado em uma unidade com algum tipo de serviço de inspeção (municipal, estadual ou federal) (REIS; BIJOS; MENEGAZZO, 2015REIS, Vanderlei Doniseti Acassio dos; BIJOS, Gustavo Nadeu; MENEGAZZO, Márcio Alexandre Diório. Caderno de Normas do Regulamento de Produção da Indicação do Mel do Pantanal. Corumbá: Embrapa Pantanal, 2015. (Documentos, n. 137). Disponível em: https://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/infoteca/bitstream/doc/1037107/1/DOC137.pdf. Acesso em: 11 maio 2022.
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).

É importante ressaltar que, neste estudo, escolheu-se ver a apropriação da IG do Mel do Pantanal a partir da ótica da economia social e solidária que se mostra relevante para o desenvolvimento local das comunidades pantaneiras. Assim, os resultados da pesquisa estão organizados de maneira a atender aos objetivos específicos. Sendo assim, apresenta-se aqui o Mel do Pantanal; na sequência, descrevem-se as realidades encontradas quanto à produção de mel, uma análise considerando a teoria sobre economia social e solidária e, por fim, a identificação da apropriação ou não da IG do Mel do Pantanal nas realidades estudadas.

4.1 O Centro de Processamento do Mel na Serra do Amolar

O Centro de Processamento do Mel na Serra do Amolar é um espaço que está de acordo com as normas sanitárias, com certificação para a produção do mel, possui o Selo de Inspeção Municipal, água potável, materiais como potes, tampas e adesivos, bem como equipamentos para a produção de mel. O Centro é mantido por uma ONG, a ECOA, e gerenciado no local por um casal. Ambos possuem vínculo empregatício, o qual indicou que o projeto de produção de mel se iniciou em 2019, com uma capacitação envolvendo a captura de abelhas, manejo das caixas e a extração do mel utilizando equipamentos apropriados, tais como macacões e luvas. O projeto teve a participação de instituições no apoio e financiamento.

De início, foram instaladas 20 caixas, todas do outro lado do rio, em meio à vegetação nativa, devido à proximidade de flores. A Entrevistada 1 disse que a região produz poucas flores, sendo que “A maioria das flores que dá aqui são aquáticas, do cipó e do camalote, mas as abelhas não gostam muito” e, ainda, “A flor do Cambará [árvore comum no Pantanal] produz um mel diferente, clarinho [...] e as abelhas gostam dessa flor”. Em determinadas épocas do ano, como [...] quando faz frio ou não se vê muitas flores”, é necessário alimentar as abelhas com uma [...] mistura de açúcar e água”, isto precisa ser planejado para que a [...] abelha não fique preguiçosa”.

Atualmente, são 15 caixas, houve perdas devido, principalmente, ao cupim, à formiga e à chuva. A comercialização ocorre na base, quando os pilotos dos barcos, que sabem da venda do mel, levam os turistas; e, também, ocorre a venda no escritório da ONG, em Campo Grande, MS. Na base, não existe uma placa ou alguma divulgação do mel que possa ser vista por quem passa no rio, o pagamento pode ocorrer via PIX, o que facilita a transação. Há acesso à internet na base da ECOA.

A Entrevistada 1 mantém um perfil em uma rede social, no qual se apropriou da denominação Mel do Pantanal, com postagens sobre o cotidiano da produção e com a comunicação com as pessoas interessadas. É importante dizer que a produção de mel é baixa, o Entrevistado 2 acredita que seja pelo fato de as “abelhas serem preguiçosas, [uma vez que a região] tem poucas flores”. Por isso, apesar de ser importante a [...] parceria com hotéis na cidade e com barcos-hotéis que passam no rio”, não se tem produção para atender à demanda e, assim, não se firmam essas parcerias.

Apenas o casal utiliza o Centro de Processamento, eles reforçam que é um espaço coletivo, mediante a permissão e a apresentação da Carteira de Apicultor; entretanto, não há outros apicultores utilizando-o. O mel processado neste Centro é engarrafado em potes, com tampa metálica, com adesivos de identificação (Mel do Pantanal, Origem Garantida, Puro, 440 g), do Selo de Inspeção Municipal (Corumbá, n. 15, Inspecionado, S.I.M.) e com o selo da região produtora (Amolar e São Francisco). É vendido a R$ 45,00 a unidade. É fundamental salientar que, inicialmente, seriam duas as regiões produtoras, mas o projeto não seguiu para a região do São Francisco e este selo, da região produtora, não é o identificador da IG.

Ainda assim, recentemente, o casal está desenvolvendo uma capacitação com as famílias que moram nas proximidades, região do Bonfim. As atividades estão no início, com a captura, o manejo e o crescimento dos enxames. Pela proximidade, vê-se a possibilidade de essas famílias utilizarem o Centro de Processamento, embora haja dificuldade para locomoção e transporte do mel. O Entrevistado 2 afirma que a região [...] tem mais flores e pode produzir mais mel”. Por fim, o casal fala que é muito bom trabalhar com mel, “A abelha é um polinizador, que é muito importante para o Pantanal e que a natureza agradece” (Entrevistado 2).

A Serra do Amolar é uma região turística, com programações e atrativos, e é também rota do turismo de pesca; entretanto, o Centro de Processamento do Mel utiliza poucas estratégias para atração desses consumidores. Constatou-se apenas uma placa indicando a ONG que o mantém, nenhuma indicação específica sobre o Mel do Pantanal; assim, os turistas chegam ao Centro devido a indicações de pessoas locais e guias de turismo.

4.2 As famílias ribeirinhas das regiões do Paraguai Mirim

Na comunidade Paraguai Mirim, há uma família que se destaca. A Entrevistada 3 é ribeirinha e seu marido coleta, processa e comercializa mel. Segundo ela, o primeiro passo para a produção do mel é a procura por “cachopas de abelhas” (colmeias) na natureza e, ao longo dos anos, ele desenvolveu técnicas próprias para localizar as colmeias e processar o mel. Não se utiliza macacão de proteção, é usada fumaça para espantar as abelhas e ter acesso aos favos, técnica criticada por produtores, por ser potencialmente nociva à natureza. Os favos são levados para casa, e a extração do mel se dá apertando os favos com as mãos; o envase é em garrafas de vidro reutilizadas de bebidas de aproximadamente um litro, e a tampa é feita com um pedaço de madeira. Uma garrafa é vendida a R$ 70,00 a unidade.

É importante frisar que, nas garrafas de mel, não há adesivos de identificação nem selos de inspeção ou localização. A extração é muito simples e rústica, é feita em uma área próxima à casa da família, em construções palafíticas de madeira, devido à época de cheia do Pantanal. A principal fonte de renda da família vem da comercialização do mel e, de modo complementar, são produzidos remos e iscas. Não há comercialização de mel em outro lugar que não a casa deles.

Há uma parceria com uma empresa de turismo que oferece um passeio de ecoturismo e faz visitação neste local. Os turistas escutam a história da família ribeirinha, conhecem a casa e compram o mel. Além disso, a família é conhecida na região como produtora de mel, e há indicação de outros ribeirinhos e de pilotos de barcos; no entanto, essa ocorrência é baixa, prevalecendo a venda direta aos turistas, com a parceria da empresa de turismo.

A Entrevistada 3 colocou que seu marido [...] gosta do que faz e gosta de trabalhar sozinho” e, ainda, que ele não tem interesse em trabalhar utilizando o Centro de Processamento, pois [...] está acostumado com esse jeito”. Em termos de meio ambiente, ela disse que [...] a região era muito boa antes do fogo, a gente perdeu muito, a produção diminuiu”, muitas abelhas morreram e colmeias inteiras foram perdidas neste período. Houve uma grande queimada em 2020.

Os Entrevistados 4 e 5 são de uma família de ribeirinhos. A Entrevistada 4 inicia a conversa falando que não tem mais mel, que hoje a renda da família vem da comercialização de isca e caranguejo. Sobre voltar a produzir mel, ela coloca que “O tempo ficou diferente [...], teve a queimada e muita seca, acabou com tudo. Pegou fogo até perto de casa [...]. Agora a gente tem que analisar como vai ficar o tempo, como vai ficar o mundo. Vai encher? Vai melhorar? A tendência é piorar...”.

O marido, Entrevistado 5, sobre o manejo com as abelhas, [...] usava roupa normal e fumaça. [...]. Mas hoje a abelha está muito brava, ela mudou”. A família chegou a pensar na produção de mel em caixas; entretanto, eles moram em uma pequena ilha fluvial, não é viável, devido às cheias do rio e ao acesso das abelhas às flores. O mel, que era extraído pela família de maneira similar ao descrito pela Entrevistada 3, era comercializado em Corumbá, MS, e era a renda principal. “A gente vendia as garrafas na cidade, comprava coisas para casa e ainda sobrava dinheiro”, expôs a Entrevistada 4.

O Entrevistado 5 confirmou e complementou as informações: “Trabalhei muito com mel, gostava e não é difícil [...]. Tenho interesse em voltar, mas depois da queimada é difícil achar as cachopas e as abelhas estão muito bravas”. O casal sabe da Ecoa, mas não do Centro de Processamento. A Entrevistada 4 disse que “Se tiver flor no campo tudo vai melhorar”. Por fim, é importante ressaltar que a região do Paraguai Mirim é comumente frequentada por turistas de pesca, há um roteiro turístico que faz visitação em uma casa de uma família ribeirinha produtora de mel, mas não há um rodízio no sentido de incluir outras famílias, até mesmo porque as famílias se ocupam mais na produção de iscas, devido às limitações apresentadas.

4.3 A Associação dos Apicultores da Agricultura Familiar de Corumbá/MS (AAAFC), da Comunidade Nossa Senhora de Fátima Assentamento Taquaral

A Comunidade Nossa Senhora de Fátima Assentamento Taquaral foi fundada em 1991, mas o acampamento teve início em 1989. A produção do Assentamento é diversificada, já incluiu arroz, milho, algodão, melancia, mandioca, hortaliças e outros produtos, inclusive mel, que era retirado das colmeias do meio ambiente; mas, atualmente, é mais focada na bovinocultura e seus derivados, principalmente leite e queijo.

Em 1997, foi oferecida, pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), uma capacitação sobre a produção de mel, e um grupo de assentados iniciou a atividade de maneira informal e atendendo o mercado local. Com o aumento da demanda e da produção, atrelado às exigências sanitárias, financiou-se a compra de equipamentos. Em 2011, criou-se a AAAFC; em 2014, foi construída a Casa do Mel – local adequado para produção – e, em 2015, foi realizada a 1ª Festa do Mel (CONCEIÇÃO; SANTOS; CONCEIÇÃO, 2019CONCEIÇÃO, Valdinei; SANTOS, Mackert dos Santos; CONCEIÇÃO, Cristiano Almeida. Polinizadores que visitam a espécie arbórea Myracrodrun urundeuva (Anacardiaceae) na borda oeste do Pantanal, Assentamento Taquaral em Corumbá-MS. RealizAção, Dourados, MS, v. 6, n. 12, p. 128–40, 2019. Doi: https://doi.org/10.30612/re-ufgd.v6i12.10782
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).

A AAAFC tem como intuito o desenvolvimento e a promoção de alternativas sustentáveis, visando à melhoria das condições de vida das famílias camponesas dos assentamentos de Corumbá, MS. Dessa forma, incentiva a produção apícola, respeitando os costumes locais e o meio ambiente; promove a capacitação e a profissionalização dos apicultores; e oferece transporte, beneficiamento, classificação, envasamento e comercialização, de forma individual e coletiva (CONCEIÇÃO, 2016CONCEIÇÃO, Cristiano Almeida. A agroecologia como estratégia de desenvolvimento territorial em áreas de fronteira: o caso dos assentamentos rurais de Corumbá e Ladário-MS. 2016. 175f. Dissertação (Mestrado em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável) – Programa de Pós-Graduação em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Campus de Laranjeiras, Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Laranjeiras, PR, 2016.). A AAAFC tem a aprovação da vigilância sanitária municipal com o Selo de Inspeção Municipal e está focada na mobilização dos assentados para a produção de mel como uma atividade complementar da agricultura familiar (MOREIRA, 2021MOREIRA, Ronivon Alves. Aspectos socioeconômicos e educativos dos agricultores familiares do assentamento Taquaral em Corumbá, estado de Mato Grosso do Sul. 2021. 135 f. Dissertação (Mestrado em Educação e Territorialidade) – Programa de Pós Graduação em Educação e Territorialidade, Universidade Federal da Grande Dourados [UFGD], Dourados, MS, 2021.).

No assentamento, segundo o Entrevistado 6, existem 294 famílias e 20 já se envolvem com a produção de mel; atualmente, são 14 associados na AAAFC e 8 trabalham com apicultura, com uma produção média de 30 quilos de mel por ano/colmeia. São cerca de 100 colmeias, sendo que são 90 colmeias ativas, de propriedade e manutenção do entrevistado. Os demais associados têm números diferentes de caixas – o Entrevistado 6 é o que mais possui. “O mel é retirado na colmeia padronizada, sem risco de contaminação [...]. O processamento é realizado na Casa do Mel” (Entrevistado 6) – local apropriado, com materiais e equipamentos financiados pelo entrevistado ou adquiridos com recursos de editais.

A Casa do Mel teve sua planta aprovada pela Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal (IAGRO) de Mato Grosso do Sul, é o local em que se processa o mel produzido nas colmeias padronizadas e coletado pelos associados. Não é processado mel que não se identifica a procedência, ou seja, fora do assentamento, pois [...] para criar uma marca, para criar um nome, é muito difícil [...], pegar um mel de outras procedências que a gente desconhece as práticas de manejo, não” (Entrevistado 6).

É comercializado principalmente mel, mas também se comercializa favos de mel e há a pretensão de produzir própolis. A Associação já comercializou seus produtos em feiras, mas atualmente tem parceria com varejos e atacados locais. A embalagem é de plástico transparente, com tampa com bico do tipo abre e fecha, com adesivo contendo a identificação (Florada Pantaneira, Associação dos Apicultores da Agricultura Familiar de Corumbá/MS – AAAFC, Mel, 500 g), o Selo de Inspeção Municipal (014), informação nutricional, data de envase, código de barras e informações da Associação (nome, endereço, lote, CNPJ e telefone). O produto é comercializado a R$ 20,00. Há também embalagens de 220 g (R$ 10,00), 270 g (R$ 12,00) e de 1 kg (R$ 30,00).

Não se notaram, durante a entrevista, atividades vinculadas ao turismo; entretanto, foi citada a Festa do Mel em 2015, na qual houve a comercialização de mel e de produtos derivados do mel. O evento contou com a participação de apicultores, especialistas, consultores, representantes de instituições públicas e privadas. O Assentamento Taquaral é distante do centro urbano e não apresenta atrativos turísticos, não se vê muito movimento da comunidade neste sentido, a não ser quanto à organização da Festa do Mel, que ocorreu apenas uma vez, mas que foi manifestada a vontade de outras edições.

Percebeu-se que, embora seja uma associação, a atuação não ocorre sempre de maneira conjunta, sendo utilizado o centro de processamento por todos os associados. Porém, o procedimento de criação e venda dos produtos é realizado de maneira individual.

4.4 Mel do Pantanal, IG e economia social e solidária: uma análise

O Quadro 1 sintetiza as principais características identificadas nas três realidades em torno da produção de mel, considerando-se as categorias identificadas na pesquisa.

Quadro 1
Realidades quanto à produção de mel no Pantanal

O Quadro 1 apresenta as diferentes configurações da produção de mel no Pantanal, as quais têm em comum um produto que contribui para a sociedade e tem potencial de favorecer para o coletivo, articulando as realidades em um projeto associativo (SIMON; BOEIRA, 2017SIMON, Vanêssa Pereira; BOEIRA, Sérgio Luis. Economia social e solidária e empoderamento feminino. Ciências Sociais Unisinos, São Leopoldo, RS, v. 53, n. 3, p. 532–42, set./dez. 2017. Doi: https://doi.org/10.4013/csu.2017.53.3.13.
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). Em termos de governança, considera-se que o produto é o mel e o projeto associativo seria a apropriação do Mel do Pantanal como uma espécie de marca, um diferencial no mercado vinculado à IG e contribuindo para a geração de renda às comunidades envolvidas.

No entanto, é necessário promover o diálogo entre as comunidades e encontrar um animador territorial no auxílio de articulações, na elaboração de projetos e na discussão de avanços e retrocessos (COSTA; FEIDEN, 2020COSTA; Edgar Aparecido; FEIDEN, Alberto. Desdobramentos da transição agroecológica do assentamento rural 72, em Ladário/MS. Nações Unidas: CEPAL, 2020.), o qual poderia ser a Embrapa Pantanal, por dar início ao processo de IG, ou outro agente que tenha o domínio teórico e técnico. Em termos de autorregulação, apresentam-se, a seguir, as práticas e os direcionamentos de cada realidade e as potencialidades possíveis.

O Centro de Processamento é gerenciado por um casal de ribeirinhos da Serra do Amolar; entretanto, o discurso e o comportamento deles diferenciam-se dos demais ribeirinhos. Eles têm acesso à internet; detêm os conhecimentos específicos quanto ao mel, à produção em caixas e ao processamento utilizando os equipamentos; e têm uma renda básica garantida pela ONG. Assim, poderiam ser vistos, tal como colocado, como gerentes do Centro de Processamento e multiplicadores dos conhecimentos específicos citados, e não mais como produtores de mel.

Mesmo que a produção de mel, a partir das colmeias na natureza, seja uma atividade cultural para os ribeirinhos do Paraguai Mirim, seria mais interessante a prática de produção de mel em caixas visando ao controle do crescimento dos enxames, à possibilidade de aumentar a produção, à segurança, por meio da utilização de materiais e equipamentos adequados, e ser mais sustentável para o meio ambiente – ainda assim, não seria uma imposição para a comunidade. Se ocorresse, seria necessário um estudo quanto ao local onde instalar essas caixas e a possibilidade do plantio de espécies nativas que ofereçam flores às abelhas.

A comunidade ribeirinha deveria, caso desejasse, acessar o Centro de Processamento para produção de mel ofertando um produto seguro – leia-se: de acordo com as Boas Práticas Apícolas. Para isto, deveria haver a sensibilização quanto ao processamento do mel, ao atendimento das exigências do mercado consumidor e, em especial, quanto ao aumento da geração de renda. Caberia, talvez, ao Centro de Processamento, essa sensibilização e, também, a instrução/ capacitação dos ribeirinhos do Paraguai Mirim para o processo de produção de mel em caixas e o treinamento/facilitação quanto ao acesso ao entreposto, tal como está se iniciando com a comunidade ribeirinha do Bonfim. Isto poderia ocorrer devido à proximidade física entre a comunidade ribeirinha do Paraguai Mirim e o centro, pois o Assentamento Taquaral encontra-se distante fisicamente e está organizado de outra forma.

No Assentamento Taquaral, há a AAAFC, uma associação de apicultores que tem o manejo de abelhas em caixas, utiliza-se de boas práticas de processamento para evitar a contaminação do produto e tem a Casa do Mel para o processamento, podendo esta ser utilizada pelos associados; no entanto, a AAAFC não se apropria da IG do Mel do Pantanal. A Associação gera renda para seus associados, a atividade desenvolvida gera impacto social e ambiental positivos, opera pela lógica de mercado, buscando retornos financeiros, e procura monitorar os resultados gerados.

Apesar de estar organizada, a AAAFC depende de intermediários e parceiros para a comercialização do mel produzido e, talvez por isso, o preço é o mais barato se comparado com as outras realidades pesquisadas. Uma sugestão seria de que a Associação criasse canais diretos de comercialização com os consumidores, de forma a poder ajustar o preço de venda do mel em relação ao mercado e ter melhores retornos financeiros. Considerando-se o que foi apresentado, a AAAFC poderia compartilhar experiências entre as comunidades em termos de coletividade, mas, como colocado anteriormente, há a questão da distância geográfica das outras realidades.

Em termos de gestão coletiva, o que se nota são possibilidades de implementação de formas de uso do território, com novas formas de produção e consumo, no enfrentamento de desafios sociais, econômicos e ambientais (MOREIRA, 2019MOREIRA, Manuel Belo. A economia social e solidária como condição para o desenvolvimento sustentável. UN Inter-Agency Task Force on Social and Solidarity Economy, 2019. Disponível em: https://unsse.org/knowledge-hub/a-economia-social-e-solidaria-como-condicao-para-odesenvolvimento-sustentavel-2/. Acesso em: 11 maio 2022.
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), que viria a desenvolver a reciprocidade e os laços sociais (GAIGER, 2021GAIGER, Luiz Inácio Germany. A reciprocidade e a instituição plural de mercados: um prisma para entender o papel histórico da Economia Social e Solidária. Nova Economia, Belo Horizonte, MG, v. 31, n. 1, p. 157–83, 2021. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/0103-6351/5787
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), podendo articular as esferas sociais, políticas e econômicas e integrar socialmente o trabalho (SIMON; BOEIRA, 2017SIMON, Vanêssa Pereira; BOEIRA, Sérgio Luis. Economia social e solidária e empoderamento feminino. Ciências Sociais Unisinos, São Leopoldo, RS, v. 53, n. 3, p. 532–42, set./dez. 2017. Doi: https://doi.org/10.4013/csu.2017.53.3.13.
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). Com essas ações, as comunidades poderiam se apropriar da denominação “Mel do Pantanal”, e isto ser utilizado como uma marca para os produtos da região.

Vislumbra-se, ainda, uma organização coletiva, envolvendo tantas quantas realidades, para a oferta de produtos apícolas além do mel, como: cera, pólen, geleia real, própolis e apitoxina concentrada, que é o extrato do veneno de abelhas fêmeas para fabricação de medicamentos antirreumáticos e anti-inflamatórios (ANDRADE, 2017ANDRADE, José Rivamar. Dicionário de Apicultura. 2017. 198f. Dissertação (Mestrado em Sistemas Agroindustriais) – Programa de Pós-graduação em Sistemas Agroindustriais (PPGSA), Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Campina Grande, PB, 2017.), e, ainda, produtos derivados do mel, que podem ser: pão, bolo, creme, bala, molho à base de mel, creme de amendoim com mel, hidromel, aguardente, cachaça, mel com guaco, mel com própolis, cerveja com mel, vinagre e sorvete (SANTOS, 2014SANTOS, Evandro Oliveira. Produção de hidromel a partir de mel elaborado pelas Abelhas Jataí (Tetragonisca Angustula) do município de Rio Bonito do Iguaçu-PR. 2014. 53f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Engenharia de Alimentos) – Universidade Federal da Fronteira Sul [UFFS], Campus de Laranjeiras, PR, 2014.). Poderiam também articular uma festa do Mel do Pantanal, uma continuidade da 1ª Festa do Mel de 2015 da AAAFC, visto que essa vontade foi manifestada pelo organizador da primeira festa.

A festa e a escolha de oferta de outros produtos poderiam ser a partir de uma pesquisa de mercado. A decisão poderia ocorrer de forma horizontalizada, envolvendo as comunidades, e os preços praticados em diferentes locais poderiam ser baseados em um preço justo. Essas ações deveriam respeitar a pluralidade de cada comunidade. Na economia social e solidária, há a prática do preço justo, o lucro é entendido para o alcance da sustentabilidade financeira e considera a pluralidade de gestão e dinâmicas organizativas (SIMON; BOEIRA, 2017SIMON, Vanêssa Pereira; BOEIRA, Sérgio Luis. Economia social e solidária e empoderamento feminino. Ciências Sociais Unisinos, São Leopoldo, RS, v. 53, n. 3, p. 532–42, set./dez. 2017. Doi: https://doi.org/10.4013/csu.2017.53.3.13.
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).

As realidades descritas apresentaram algum vínculo com o turismo/turista. Sperb e Serva (2018, p. 93)SPERB, Matias Poli; SERVA, Maurício. Economia Social e Solidária, Governança e Turismo no Âmbito do Desenvolvimento Territorial Sustentável. Revista de Ciências da Administração, Florianópolis, SC, v. 20, n. 50, p. 93–109, abril. 2018. Doi: https://doi.org/10.5007/2175-8077.2018v20n50p93.
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analisaram a “[...] ação de organizações de economia social e solidária que atuam no setor do turismo”. Os autores identificaram que os roteiros turísticos envolvem diferentes atrativos e são geradores de renda, que é distribuída de maneira mais equitativa entre os participantes, e que a tomada de decisão é horizontalizada entre os envolvidos. Tudo isto compõe uma multiplicidade de princípios, que reforça a economia social e solidária. Além disto, considera-se o turista como importante comprador e consumidor do Mel do Pantanal.

Em termos de relações ambientais, já apresentadas no Quadro 1 supracitado, nota-se um grande potencial para o desenvolvimento do Mel do Pantanal com base na economia social e solidária. Entretanto, é necessário considerar o meio ambiente, visto que a produção de mel está associada às plantas, às árvores e às florações que podem ser, ou já são, afetadas pelas queimadas e secas.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo envolve a economia social e solidária a partir de um produto (mel), no desenvolvimento de uma região (Pantanal sul-mato-grossense), envolvendo as comunidades produtoras: Centro de Processamento da Comunidade da Serra do Amolar, as famílias ribeirinhas do Paraguai Mirim e a Comunidade do Assentamento Taquaral, especificamente a AAAFC. Assim, analisaram-se as potencialidades do Mel do Pantanal, considerando-se a economia social e solidária, em Corumbá, MS. O Mel do Pantanal tem grande potencial de desenvolvimento quanto à economia social e solidária; entretanto, não se vê este movimento. Com os dados coletados, é possível pensar em termos de governança, autorregulação, gestão coletiva e relações ambientais.

O Mel do Pantanal poderia ser mais difundido entre as comunidades, para ser visto como um diferencial no mercado e contribuir para a geração de renda de pessoas do município e/ou até da região. Entretanto, para isto, faz-se necessário o estabelecimento de governança ou pelo menos um animador territorial para articular, elaborar projetos e fomentar discussões. Apesar de não haver uma autorregulação que envolva os produtores de mel, cada uma das realidades pesquisadas tem seus direcionamentos. E o que se nota é que as pessoas participantes da pesquisa querem – ou precisam – gerar renda a partir do mel. A autorregulação poderá ocorrer quando estiver organizada uma gestão coletiva do Mel do Pantanal.

Ao que parece, as comunidades pesquisadas têm interesse de saber, em diferentes níveis, como se apropriar da IG do Mel do Pantanal. Neste sentido, rodas de conversa, capacitações e reuniões poderão ser bem-vindas, para que se ofereça a oportunidade de produzirem mel com a utilização da IG. Inclusive, seria importante incluir como tópico ou conteúdo a questão do processamento do mel, considerando-se as boas práticas. Além disso, a produção de mel está intimamente ligada às relações ambientais, sendo necessárias ações para reduzir os impactos ambientais negativos no Pantanal, em especial as queimadas na região, de forma a manter as flores, plantas e árvores no bioma.

O que se percebe é um grande potencial para o desenvolvimento da economia social e solidária em Corumbá, MS, em relação ao Mel do Pantanal, inclusive gerando impactos sociais e ambientais positivos para a região. Porém, como dito anteriormente, é fundamental um animador territorial que possa organizar uma série de ações, tais como levar informações para as comunidades, articular com os atores e pessoas-chave, envolver os diferentes apicultores, promover o Mel do Pantanal em termos de produto, impacto e marca.

O presente estudo apresenta limitações, visto que focou na descrição de três realidades a partir do Mel do Pantanal, sendo que os achados não devem ser generalizados – ficando restritos ao tempo, ao espaço e aos sujeitos da pesquisa (até mesmo porque existem outras realidades). Apesar dessas limitações, o estudo traz contribuições teóricas e sociais. As contribuições teóricas envolvem a economia social e solidária a partir de realidades locais na produção de mel, considerando-se, neste contexto, o turismo/turista e o meio ambiente como importantes categorias. As contribuições sociais estão no sentido de promover uma reflexão sobre uma organização coletiva das comunidades que produzem mel em prol do desenvolvimento do local/ da região/das pessoas.

Estudos futuros poderão propor a implantação de uma governança territorial do Mel do Pantanal, envolvendo a comunidade ribeirinha e assentada; analisar a participação das instituições públicas em prol do Mel do Pantanal em Corumbá, MS, como os órgãos municipais, universidades e centros de pesquisa; verificar a construção de turismo comunitário a partir da potencialidade do Mel do Pantanal em Corumbá, MS, além da necessidade da identificação de um animador territorial e gestão comunitária; descrever o comportamento do consumidor e a intenção de compra do Mel do Pantanal, por meio de levantamento de demandas, dentre outras possibilidades.

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

REFERÊNCIAS

  • ANDRADE, José Rivamar. Dicionário de Apicultura 2017. 198f. Dissertação (Mestrado em Sistemas Agroindustriais) – Programa de Pós-graduação em Sistemas Agroindustriais (PPGSA), Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Campina Grande, PB, 2017.
  • BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo 3. ed. Lisboa: Edições 70, 2004.
  • CONCEIÇÃO, Cristiano Almeida. A agroecologia como estratégia de desenvolvimento territorial em áreas de fronteira: o caso dos assentamentos rurais de Corumbá e Ladário-MS. 2016. 175f. Dissertação (Mestrado em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável) – Programa de Pós-Graduação em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Campus de Laranjeiras, Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Laranjeiras, PR, 2016.
  • CONCEIÇÃO, Valdinei; SANTOS, Mackert dos Santos; CONCEIÇÃO, Cristiano Almeida. Polinizadores que visitam a espécie arbórea Myracrodrun urundeuva (Anacardiaceae) na borda oeste do Pantanal, Assentamento Taquaral em Corumbá-MS. RealizAção, Dourados, MS, v. 6, n. 12, p. 128–40, 2019. Doi: https://doi.org/10.30612/re-ufgd.v6i12.10782
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  • COOPER, Donald R.; SCHINDLER, Pamela S. Métodos de pesquisa em Administração 7. ed. Porto Alegre: Bookman, 2003.
  • COSTA; Edgar Aparecido; FEIDEN, Alberto. Desdobramentos da transição agroecológica do assentamento rural 72, em Ladário/MS Nações Unidas: CEPAL, 2020.
  • FERNANDES, Ana H. B. M.; CATELLA, Agostinho C.; SORIANO, Balbina M. A.; URBANETZ, Catia; CARDOSO, Evaldo L. Cardoso; FERNANDES, Fernando A.; BERGIER, Ivan; COMASTRI, José A.; SALLIS, Suzana M.; TOMAS, Walfrido M. Bioma Pantanal: oportunidades e desafios de pesquisa para o desenvolvimento sustentável. In: VILELA, Evaldo Ferreira; CALLEGARO, Geraldo Magela; FERNANDES, Geraldo Wilson (Org.). Biomas e agricultura: oportunidades e desafios. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Ciência: FAPEMIG, 2019.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2023

Histórico

  • Recebido
    06 Set 2022
  • Revisado
    02 Mar 2023
  • Aceito
    15 Mar 2023
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