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Mais concentração de propriedade de Mídia, menos democracia? Testando possibilidades de associação entre variáveis

Más concentración de propiedad de los Medios, menos democracia? Pruebas de asociación entre variables

Resumo

Parte relevante da literatura em Comunicação e Ciência Política sugere que a diversidade de fontes de informação seria condição necessária para a democracia. Em tese, quanto mais desconcentrada a Mídia, mais democrático o país. Diante disso, perguntamos: seria possível verificar empiricamente a existência de uma correlação negativa entre concentração de propriedade de Mídia e índice de democracia? Para oferecer uma resposta a esse questionamento, recorremos a métodos estatísticos, mais especificamente a ferramentas de estatística descritiva e de teste de correlação. O experimento confirmou a previsão teórica segundo a qual seria possível associar países mais democráticos a menor concentração de propriedade de meios de Comunicação.

Palavras-chave:
Mídia; Democracia; Economia; Concentração; Regulação

Resumen

La literatura en Ciencia Política sugiere que el acceso a fuentes alternativas de información es esencial en las democracias. En teoría, hay una asociación positiva entre descentralización de la propiedad de los Medios y democracia. Por lo tanto, la pregunta es: ¿Es posible comprobar – empíricamente – la existencia de una correlación negativa entre concentración de la propiedad de los Medios y el índice de la democracia? Para contestar a esta pregunta, son utilizados métodos estadísticos, estadísticas descriptivas y especialmente la prueba de correlación. El experimento confirmó la predicción teórica: la descentralización de propiedad de los Medios está fuertemente asociada con países más democráticos.

Palabras clave:
Media; Democracia; Economia; Concentración; Regulación

Abstract

The literature in Political Science suggests that the access to alternative sources of information is essential in democracies. In theory, we expect that democratic countries have decentralized Media ownership. Therefore, we ask: is it possible to check – empirically – the existence of a negative correlation between concentrated Media ownership and democracy index? To answer this question, we used statistical methods, specially descriptive statistics and correlation test. The experiment confirmed the theoretical prediction: decentralized Media ownership is strongly associated with democratic countries.

Keywords:
Media; Democracy; Economy; Concentration; Regulation

Introdução

Este artigo se propõe a testar a hipótese segundo a qual países mais democráticos seriam, também, aqueles com menor concentração de propriedade de meios de Comunicação. Nesse sentido, verificamos a associação entre variáveis relacionadas à regulação da Mídia, pluralismo, participação política e valores democráticos. Não se objetiva observar possíveis relações causais, mas eventuais correlações.

Tecnicamente, utilizamos estatística descritiva e testes de correlação para analisar os dados compilados pelo Quality of Government Institute: dataset codebook(TEORELL et al., 2011TEORELL, Jan; SAMANNI, Marcus; HOLMBERG, Sõren; ROTHSTEIN, Bo. 2011. The Quality of Government: dataset codebook, version 6 Apr. 11. University of Gothenburg. Disponível em: <http://www.qog.pol.gu.se>. Acesso em: 01 abr. 2012.
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), os quais foram examinados a partir do Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 20 e STATA, versão 8. Com base nas variáveis sistematizadas disponíveis no banco de dados consultado, a hipótese de trabalho foi desmembrada em três afirmações, de modo a operacionalizar nossa análise. São elas: (Ha1) há uma correlação negativa entre índice de democracia e influência econômica sobre a Mídia – ou seja, quanto maior o índice de democracia, menor o grau de influência econômica sobre a Mídia; (Ha2) há uma correlação negativa entre pluralismo político e participação e influência econômica sobre a Mídia – ou seja, quanto maior o índice de pluralismo político e participação, menor o grau de influência econômica sobre a Mídia; (Ha3) há uma correlação negativa entre cultura política democrática e influência econômica sobre a Mídia – ou seja, quanto maior o índice de cultura política democrática, menor o grau de influência econômica sobre a Mídia. Esperava-se a confirmação das hipóteses de trabalho, a partir da verificação de uma correlação de forte magnitude, ou seja, entre 0,7 e 1, e p < 0,001.

Para a realização do experimento, recorremos ao Quality of Government Institute: dataset codebook (TEORELL et al., 2011TEORELL, Jan; SAMANNI, Marcus; HOLMBERG, Sõren; ROTHSTEIN, Bo. 2011. The Quality of Government: dataset codebook, version 6 Apr. 11. University of Gothenburg. Disponível em: <http://www.qog.pol.gu.se>. Acesso em: 01 abr. 2012.
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), um banco de dados que reúne uma compilação de dezenas de índices de alguns dos mais respeitados institutos de pesquisa da área das Ciências Sociais. Identificamos quatro variáveis que, empiricamente, aproximavam-se do debate teórico aqui levantado. São elas: influência econômica sobre a Mídia; índice de democracia; pluralismo político e participação; e, por último, cultura política democrática. Essas variáveis, compiladas no citado dataset codebook, dizem respeito ao banco de dados Freedom House, Polity e The Economist Intelligence Unit, conforme especificado adiante.

Após o exame descritivo de cada uma das variáveis, procedemos à análise de associação e chegamos à conclusão de que há uma correlação negativa entre o nível de influência econômica sobre a Mídia e grau de democratização. Ou seja, confirmou-se a hipótese central de trabalho, qual seja: quanto mais concentrada a estrutura de propriedade de Mídia, menos democrático tende a ser o país.

Aspectos teóricos

A Mídia ocupa posição de destaque nos mais diversos campos de pesquisa das Ciências Sociais. Isso ocorre, sobretudo, em função do seu potencial de, por meio da produção e difusão de bens simbólicos, empreender o que se pode chamar de construção da realidade (THOMPSON, 2013THOMPSON, John B. Mídia e modernidade: uma teoria social da mídia. São Paulo: Vozes, 2013.; MIGUEL, 2002MIGUEL, Luis Felipe. Política e mídia no Brasil. Brasília: Plano editora, 2002.; BERGER; LUCKMANN, 2012BERGER, Peter, LUCKMAN, Thomas. A construção social da realidade. Petrópolis: Vozes, 2012.).

O controle sobre o fluxo de informação seria, portanto, uma variável relevante nas relações de poder, uma vez que a disponibilidade ou não de informações seria capaz de interferir na formação de preferências e, dessa forma, no comportamento estratégico de indivíduos e instituições (TSEBELIS, 1998TSEBELIS, George. Jogos ocultos: escolha racional no campo da política comparada. São Paulo: Edusp, 1998; FIANI, 2009FIANI, Ronaldo. Teoria dos Jogos: com aplicações em Economia, Administração e Ciências Sociais. São Paulo: Campus-Elseiver, 2009.; ELSTER, 1994ELSTER, Jon. Peças e engrenagens das ciências sociais. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.; WARD, 2002WARD, Hugh. Rational Choice. In: MARSH, David; STOCKER, Garry (orgs.). Theory and methods in political science. New York: Palgrave MacMillan, 2002.; SHEPSLE; BONCHEK, 1997SHEPSLE, Kenneth; BONCHEK, Mark S. Analyzing politics:rationality, behavior and institutions. W.W. Norton & Company, New York, 1997.). Para DJANKOV et al. (2001)DJANKOV, Simeon et al. Who Owns the Media?, NBER Working Papers 8288, National Bureau of Economic Research, Inc., 2001.,

em economias e sociedades modernas, a disponibilidade de informação é central para uma melhor tomada de decisão por parte de cidadãos e consumidores. Em mercados politicos, cidadãos necessitam de informações sobre candidatos para fazer escolhas eleitorais. Em mercados econômicos, incluindo mercados financeiros, consumidores e investidores necessitam de informações para optar por produtos e investimentos (DJANKOV et al., 2001DJANKOV, Simeon et al. Who Owns the Media?, NBER Working Papers 8288, National Bureau of Economic Research, Inc., 2001., p.1, tradução nossa).

Não por acaso, a Mídia é objeto do controle do Estado em diferentes países, em maior ou menor grau, sejam eles autoritários ou não. Isso ocorre por meio da intervenção direta, por meio de monopólio dos meios de Comunicação, ou por implementação – ou mesmo, em alguns casos, ausência intencional – de dispositivos regulatórios (COLETIVO INTERVOZES, 2009COLETIVO INTERVOZES. Sistemas públicos de comunicação no mundo: experiências de doze países e o caso brasileiro. São Paulo: Paulus, INTERVOZES, 2009.; DOMINGUES-DA-SILVA, 2011DOMINGUES-DA-SILVA, Juliano. A política da política de TV digital no Brasil: atores, interesses e decisão governamental. Rio de Janeiro: Multifoco, 2011.; LIMA, 2011LIMA, Venício Arthur de. Regulação das comunicações:história, poder e direitos. São Paulo: Paulus, 2011.; 2012LIMA, Venício Arthur de. Política de comunicações: um balanço dos governos Lula [2003- 2010]. São Paulo: Editora Publisher, 2012.). Tal debate se insere, portanto, no ponto de intersecção entre Mídia e democracia (TIRONI; SUNKEL, 2004TIRONI, Eugenio; SUNKEL, Guillermo. The modernization of communication: the media in the transition to democracy in Chile. In: GUNTHER, Richard; MUGHAN, Anthony (eds.). Democracy and the media: a comparative perspective. Cambridge: New York, 2004.; SUKOSD, 2004SUKOSD, Miklos. Democratic transformation and the mass media in Hungary: from Stalinism to democratic consolidation. Democracy and the media: a comparative perspective. Cambridge: New York, 2004.; ROCKWELL, 2007ROCKWELL, Rick. Vestiges of authoritarianism: monopoly broadcasting in Central America. Negotiating democracy: media transformations in emerging democracies. Albany : State University of New York Press, 2007.; MUGHAN; GUNTER, 2004MUGHAN, Anthony; GUNTER, Richard. Democracy and the media:a comparative perspective. Cambridge: New York, 2004.; BECERRA; MASTRINI, 2009BECERRA, Martin e MASTRINI, Guillermo. Los duenos de la palabra. Buenos Aires: Prometeo, 2009.; BAKER, 2007BAKER, C. Edwin. Media concentration and democracy: why ownership metters. Cambridge: New York, 2007.).

Um dos mais célebres autores a estabelecer essa interlocução entre os dois temas foi Dahl (2009DAHL, Robert. Sobre a democracia. Brasília: Editora da UNB, 2009.; 2012)______. Poliarquia. São Paulo: Edusp, 2012., para quem fontes alternativas de informação seriam uma das condições necessárias à democracia. Países em processo de democratização ilustram bem esse cenário (MUGHAN; GUNTER, 2004MUGHAN, Anthony; GUNTER, Richard. Democracy and the media:a comparative perspective. Cambridge: New York, 2004.; BLANKSON; MURPHY, 2007BLANKSON, Isaac A.; MURPHY, Patrick D (eds.). Negotiating democracy: media transformations in emerging democracies. Albany: State University of New York Press, 2007.). Já foram objeto de estudo os casos da Espanha (GUNTER; MONTERO; WERT, 2004GUNTER, Richard; MONTERO, José Ramón; WERT, José Ignacio. The media and politics in Spain: from dictatorship to democracy. Democracy and the media: a comparative perspective. Cambridge: New York, 2004.), Rússia (MICKIEWICZ, 2004MICKIEWICZ, Ellen. Institutional incapacity, the attentive public, and media pluralismo in Russia. In: Democracy and the media: a comparative perspective. Cambridge: New York, 2004.), Hungria (SUKOSD, 2004SUKOSD, Miklos. Democratic transformation and the mass media in Hungary: from Stalinism to democratic consolidation. Democracy and the media: a comparative perspective. Cambridge: New York, 2004.) e Chile (TIRONI; SUNKEL, 2004TIRONI, Eugenio; SUNKEL, Guillermo. The modernization of communication: the media in the transition to democracy in Chile. In: GUNTHER, Richard; MUGHAN, Anthony (eds.). Democracy and the media: a comparative perspective. Cambridge: New York, 2004.). A relação entre pluralismo midiático e democracia tambémé objeto de investigação na África (BLANKSON, 2007BLANKSON, Isaac A. Media independence and pluralism in Africa: opportunities and challenges of democratization and liberalization. In: BLANKSON, Isaac A.; MURPHY, Patrick D (Eds.). Negotiating democracy: media transformations in emerging democracies. Albany: State University of New York Press, 2007.), na América Central (ROCKWELL, 2007ROCKWELL, Rick. Vestiges of authoritarianism: monopoly broadcasting in Central America. Negotiating democracy: media transformations in emerging democracies. Albany : State University of New York Press, 2007.) e em países do leste europeu (MARIN; LENGEL, 2007ROCKWELL, Rick. Vestiges of authoritarianism: monopoly broadcasting in Central America. Negotiating democracy: media transformations in emerging democracies. Albany : State University of New York Press, 2007.).

No entanto, a escassez de fontes alternativas de informação não é característica apenas de países considerados autoritários: a concentração de propriedade dos meios de Comunicação de massa também é observada em regimes democráticos – nesses casos, porém, a concentração ocorre na esfera privada (DJANKOV et al., 2001DJANKOV, Simeon et al. Who Owns the Media?, NBER Working Papers 8288, National Bureau of Economic Research, Inc., 2001.; BECERRA; MASTRINI, 2009BECERRA, Martin e MASTRINI, Guillermo. Los duenos de la palabra. Buenos Aires: Prometeo, 2009.). Extenso estudo realizado em 97 países por DJANKOV et al. (2001)DJANKOV, Simeon et al. Who Owns the Media?, NBER Working Papers 8288, National Bureau of Economic Research, Inc., 2001. identificou que Estado e empresas familiares dividem a propriedade dos meios de Comunicação ao redor do mundo:

Em média, 57% do total de jornais e 34% do total das estações de televisão são controlados por famílias. O controle estatal é também amplo. Em média, o Estado controla aproximadamente 29% dos jornais e 60% das estações de televisão. O Estado possui grande parte – 72% – das principais estações de rádio (DJANKOV et al., 2001DJANKOV, Simeon et al. Who Owns the Media?, NBER Working Papers 8288, National Bureau of Economic Research, Inc., 2001., p.15, tradução nossa).

O controle de informações por meio de instituições privadas em países democráticos também foi objeto de estudo de denso trabalho realizado pelo Instituto Prensa y Sociedad (IPyS). A partir da investigação de 12 países – sendo a Espanha o único não latino-americano –, observa-se um alto nível de concentração de propriedade de meios de Comunicação no continente (BECERRA; MASTRINI, 2009BECERRA, Martin e MASTRINI, Guillermo. Los duenos de la palabra. Buenos Aires: Prometeo, 2009.). Essa concentração significaria uma disfunção no caso de regimes democráticos, uma vez que, na prática, representaria a supressão da possibilidade de institucionalização de fontes alternativas de informação, requisito necessário à democracia, segundo Dahl (2009DAHL, Robert. Sobre a democracia. Brasília: Editora da UNB, 2009.; 2012______. Poliarquia. São Paulo: Edusp, 2012.).

Assim, ganham corpo argumentos contra o livre mercado em se tratando de indústria de Mídia (BUCKLEY, 2007BUCKLEY, Michael. Two Principles of Broadcast Media Ownership for a Democratic Society, Journal of Business Ethics, n. 82, p. 821-834, 2007.), uma vez que esta lógica econômica incentivaria a formação de oligopólios e, consequentemente, a potencial supressão acima mencionada. Ou seja, normativamente, a regulação da produção e difusão de bens simbólicos não poderia receber o mesmo tratamento dispensado a produtos consumidos em centros de compra, por exemplo, justamente por seu potencial de moldar as escolhas daqueles que os consomem.

A princípio, países mais democráticos seriam, também, aqueles com menor concentração de propriedade de meios de Comunicação. Teoricamente, a concentração desse potencial nas mãos de poucos proprietários, seja por meio de monopólio governamental ou de oligopólio empresarial, representaria um prejuízo ao interesse público e, por conseguinte, ao funcionamento da democracia (BAKER, 2007BAKER, C. Edwin. Media concentration and democracy: why ownership metters. Cambridge: New York, 2007.; BUCKLEY, 2007BUCKLEY, Michael. Two Principles of Broadcast Media Ownership for a Democratic Society, Journal of Business Ethics, n. 82, p. 821-834, 2007.).

A norma básica para a democracia seria, então, uma ampla e justa dispersão de poder e ubíquas oportunidades para apresentação de preferências, entendimentos e visões. Este é o princípio democrático de distribuição de poder comunicativo – uma premissa segundo a qual democracia implica ampla dispersão de poder em termos de discurso público (BAKER, 2007BAKER, C. Edwin. Media concentration and democracy: why ownership metters. Cambridge: New York, 2007., p.7, grifo do autor, tradução nossa).

Desse modo, a dispersão do controle sobre a Mídia por meio de processos regulatórios seria entendida como um reflexo de um dos valores básicos para o estabelecimento de regras relativas à regulação da propriedade de meios de Comunicação em regimes democráticos – um incentivo à existência de fontes alternativas de informação.

Variáveis e hipóteses

A literatura aqui revisada sugere, portanto, a seguinte associação: quanto mais democrático determinado país, menos concentrada seria a propriedade de Mídia. Ao mesmo tempo, mais pluralista e fomentador de valores democráticos seria este mesmo país. Por conseguinte, mais participativos seriam seus cidadãos. Este artigo se propôs a testar, por meio de ferramentas estatísticas, evidências dessas associações sem, porém, arriscar-se a apontar a existência de possíveis relações causais entre as variáveis. A intenção é, de modo exploratório, identificar a possibilidade de se estabelecer, tão somente, associações dessa natureza previstas na literatura especializada.

Para investigar padrões de associação entre as variáveis de interesse nesse contexto, utilizamos o banco de dados The Quality of Government: dataset codebook(TEORELL et al., 2011TEORELL, Jan; SAMANNI, Marcus; HOLMBERG, Sõren; ROTHSTEIN, Bo. 2011. The Quality of Government: dataset codebook, version 6 Apr. 11. University of Gothenburg. Disponível em: <http://www.qog.pol.gu.se>. Acesso em: 01 abr. 2012.
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), o qual fornece elementos que permitem testar nossas hipóteses de trabalho:

  • (V1) Influência econômica sobre a Mídia (TEORELL et al., 2011TEORELL, Jan; SAMANNI, Marcus; HOLMBERG, Sõren; ROTHSTEIN, Bo. 2011. The Quality of Government: dataset codebook, version 6 Apr. 11. University of Gothenburg. Disponível em: <http://www.qog.pol.gu.se>. Acesso em: 01 abr. 2012.
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    ): variável discreta que se propõe a examinar o contexto econômico relacionado à Mídia, a saber: estrutura da propriedade de Mídia; transparência e concentração relativa à propriedade; subsídios seletivos sob forma de propaganda fornecidos pelo Estado ou por outros atores; impacto da corrupção no conteúdo veiculado; e impacto da situação econômica do país no desenvolvimento da Mídia. A escala varia entre 0-20, entre 1993 e 1995, e entre 0-30, a partir de 1996. Quanto maior o valor, menos democrático é o país. Este índice integra banco de dados Freedom House, disponível no The Quality of Government: dataset codebook, e se aplica a 194 países, ou seja, n = 194;

  • (V2) Índice de Democracia (TEORELL et al., 2011TEORELL, Jan; SAMANNI, Marcus; HOLMBERG, Sõren; ROTHSTEIN, Bo. 2011. The Quality of Government: dataset codebook, version 6 Apr. 11. University of Gothenburg. Disponível em: <http://www.qog.pol.gu.se>. Acesso em: 01 abr. 2012.
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    ): variável discreta que se propõe a apontar gradação democrática, numa escala de 0 (menos democrático) a 10 (mais democrático). Este índice também integra banco de dados Freedom House, disponível no The Quality of Government: dataset codebook, e se aplica a 194 países, ou seja, n = 194;

  • (V3) Pluralismo político e participação (TEORELL et al., 2011TEORELL, Jan; SAMANNI, Marcus; HOLMBERG, Sõren; ROTHSTEIN, Bo. 2011. The Quality of Government: dataset codebook, version 6 Apr. 11. University of Gothenburg. Disponível em: <http://www.qog.pol.gu.se>. Acesso em: 01 abr. 2012.
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    ): variável discreta que se propõe a examinar o direito de livre organização da população em partidos políticos; a existência de oposição com chances reais de angariar apoio; a habilidade da população fazer escolhas livres da coerção de militares, partidos totalitários ou outro grupo de poder; existência de direitos políticos de minorias. O índice varia entre 0 (menos plural) a 16 (mais plural). Assim como os dois índices anteriores, este também integra banco de dados Freedom House, disponível no The Quality of Government: dataset codebook, e se aplica a 194 países, ou seja, n = 194;

  • (V4) Cultura política democrática (TEORELL et al., 2011TEORELL, Jan; SAMANNI, Marcus; HOLMBERG, Sõren; ROTHSTEIN, Bo. 2011. The Quality of Government: dataset codebook, version 6 Apr. 11. University of Gothenburg. Disponível em: <http://www.qog.pol.gu.se>. Acesso em: 01 abr. 2012.
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    ): índice que pretende mensurar em que medida há um consenso social em apoio a princípios democráticos. Varia entre 0 (cultura politica menos democrática) a 10 (cultura política mais democrática). Este índice integra banco de dados The Economist Intelligence Unit, disponível no The Quality of Government: dataset codebook, e se aplica a 165 países, ou seja, n = 165;

Numa situação ideal, teríamos a variável V1 desmembrada em várias variáveis, de modo a testarmos especificamente a variável "concentração relativa à propriedade". No entanto, diante da ausência de dados quantitativos referentes a este aspecto específico no banco de dados adotado, recorreu-se ao agregado de variáveis intitulado "Influência econômica sobre a mídia", uma vez que este índice contempla a problemática aqui abordada. As variáveis acima listadas foram deliberadamente escolhidas de modo a tornar possível o teste das seguintes hipóteses:

  • (Ha1) há uma correlação negativa entre índice de democracia e influência econômica sobre a Mídia – ou seja, quanto maior a influência econômica sobre a Mídia, menor o grau de democracia;

  • (Ha2) há uma correlação negativa entre pluralismo político e participação e influência econômica sobre a Mídia – ou seja, quanto maior a influência econômica sobre a Mídia, menor o grau de pluralismo político e participação;

  • (Ha3) há uma correlação negativa entre cultura política democrática e influência econômica sobre a Mídia – ou seja, quanto maior a influência econômica sobre a Mídia, menor o grau de cultura política democrática.

O teste das hipóteses acima listadas se deu a partir dos seguintes cruzamentos de variáveis: (Ha1) V1 x V2, (Ha2) V1 x V3 e, por último, (Ha3) V1 x V4. Antes, porém, fez-se necessário a análise descritiva dos dados.

Estatística descritiva dos dados

Ao se observar a influência econômica sobre a Mídia, verificam-se 194 casos, isto é, n = 194. Sabe-se que é inerente ao uso de amostra a possibilidade de se verificar algum grau de erro amostral (DANCEY; REIDY, 2008DANCEY, C. P., REIDY, J. Estatística sem matemática para psicologia: usando SPSS para Windows. Porto Alegre: Artmed, 2008.). Porém, vale ressaltar que, levando-se em conta o universo da pesquisa, tem-se uma amostra relevante, o que contribui para se afastar o risco de graus elevados de erros dessa natureza, típicos de pequenas amostras. O desvio padrão 6,40 indica que esta se trata da amostra mais heterogênea (assimétrica) dentre aquelas aqui abordadas, conforme será possível constatar a seguir. Esses dados estão resumidos na Tabela 1.

Tabela 1
Estatística descritiva — influência econômica sobre a Mídia

O Gráfico 1 ilustra a representação dos dados relativos à influência econômica sobre a Mídia. Deve-se ter cautela em relação a dados que não apresentam distribuição normal, uma vez que tal característica pode ser consequência de erros amostrais.

Gráfico 1
Histograma da distribuição dos dados da variável influência econômica sobre a Mídia

Quanto ao índice de democracia, percebe-se que o n = 194 é o mesmo analisado no tópico anterior. Nesse sentido, as observações acima também se aplicam a esta amostra. Verifica-se, ainda, que a média é 6,54, numa escala cujos valores variam entre 0 e 10. O desvio padrão de 3,16, medida que indica quanto os valores da amostra variam em torno da média, é o segundo menor quando comparado aos das demais variáveis – trata-se, portanto, de uma distribuição relativamente simétrica. Isso significa que a maioria dos valores da amostra está 3,16 unidades acima ou abaixo da média – aproximadamente 70% dos valores estão situados no intervalo localizado entre 3,38 e 9,7 unidades. Verifica-se, ainda, uma amplitude de 10, conforme Tabela 2.

Tabela 2
Estatística descritiva — índice de democracia

O histograma ilustrado pelo Gráfico 2, entretanto, exibe uma distribuição não normal. Pode-se afirmar que os dados indicam uma distribuição bimodal, porém, com uma cauda maior para a direita, isto é, positivamente assimétrica. Tal distribuição sugere prudência quanto ao uso da média como medida de tendência central. Deve-se, ainda, ter cautela quanto à aplicação de técnicas que partam do pressuposto de que os dados em análise estão distribuídos normalmente.

Gráfico 2
Histograma da distribuição dos dados da variável índice de democracia

Em relação a pluralismo político e participação, percebe-se n = 194, o mesmo observado nos casos anteriores. A amplitude é de 16 e a média, 10,4, numa escala que varia entre 0 e 16. O desvio padrão de 5,13, apontado na Tabela 3, indica que os dados estão compreendidos num intervalo localizado entre os valores 5,01 e 15,27. Trata-se do segundo maior desvio padrão dentre aqueles listados neste artigo. Ou seja, percebe-se certa assimetria em relação à distribuição dos dados quando comparado aos demais.

Tabela 3
Estatística descritiva — pluralismo político e participação

O histograma seguinte, Gráfico 3, ilustra uma distribuição não normal. A cauda bruscamente elevada à direita, próxima ao valor 15, sugere uma distribuição negativamente assimétrica. Em casos de acentuada assimetria, deve-se ter cautela quanto ao uso da média como medida de tendência central, uma vez que, nessas circunstâncias, esta se encontra mais suscetível a distorções provocadas pelos valores da cauda.

Gráfico 3
Histograma da distribuição dos dados da variável pluralismo político e participação

Quanto à variável cultura política democrática, verifica-se n = 165, ou seja, um menor número de países em relação às variáveis anteriores – porém, não menos representativo da população – ver Tabela 4. Os valores máximos e mínimos indicam a variação total dos valores (amplitude) de 8,75. O desvio padrão de 1,66 sugere que os dados estão compreendidos num intervalo situados entre os valores 4,15 e 7,47 – o que indica uma concentração em torno da média no que diz respeito à distribuição dos dados.

Tabela 4
Estatística descritiva — cultura política democrática

O histograma seguinte, Gráfico 4, ilustra bem essa característica da variável V4. Percebe-se uma distribuição que apresenta característica que permitem classificá-la como do tipo normal: a população, em forma de sino, mostra-se simétrica em torno da média e as caudas encontram o eixo "X" no infinito.

Gráfico 4
Histograma da distribuição dos dados da variável cultura política democrática

Procederemos, agora, ao exame da existência ou não de correlação entre as variáveis listadas. Conforme observado quando da descrição dos dados, verificamos uma distribuição aparentemente normal apenas em relação à V4. Por conta disso, os testes das hipóteses listadas no tópico 3 foram realizados por meio do ρ de Spearman, utilizado em casos em que os dados não satisfazem as condições dos testes paramétricos (DANCEY; REIDY, 2008DANCEY, C. P., REIDY, J. Estatística sem matemática para psicologia: usando SPSS para Windows. Porto Alegre: Artmed, 2008.).

Os dados resumidos na Tabela 5 indicam uma significativa correlação negativa e de forte magnitude (p < 0,001; ρ 0,87) entre as V1 e V2. Pode-se concluir que a Ha1 é verdadeira.

Tabela 5
Matriz de correlação bivariada V1 e V2, por meio de teste não paramétrico (ρ Spearman)

Percebe-se, por meio do exame do Gráfico 5, um relacionamento negativo imperfeito entre as variáveis. Seria possível, assim, estabelecer a seguinte associação: quanto menos influência econômica sobre a Mídia, mais democrático o país.

Gráfico 5
Diagrama de dispersão a partir do teste de correlação entre V1 e V2

Os dados apresentados na Tabela 6 apontam uma significativa correlação negativa e de forte magnitude (p < 0,001; ρ 0,85) entre V1 e V3. Dessa forma, aceita-se a hipótese Ha2.

Tabela 6
Matriz de correlação bivariada V1 e V3, por meio de teste não paramétrico (ρ Spearman)

O diagrama de dispersão ilustrado pelo Gráfico 6sugere um relacionamento linear imperfeito. Esse comportamento confirma a aceitação de Ha2.

Nesse sentido, pode-se afirmar: quanto menor a influência econômica sobre a Mídia, maior o pluralismo político e a participação.

Gráfico 6
Diagrama de dispersão a partir do teste de correlação entre V1 e V3

A Tabela 7 indica uma significativa correlação negativa e de moderada magnitude (p < 0,001; ρ 0,54) entre V1 e V4. A Ha3 pressupunha uma magnitude forte ou perfeita, não confirmada pelos dados.

Tabela 7
Matriz de correlação bivariada V1 e V4,por meio de teste não paramétrico (ρ Spearman)

O diagrama de dispersão abaixo, Gráfico 7, representa visualmente a inexistência de uma correlação entre V1 e V4. Apenas a partir dos valores 15 (V1) e 6 (V4) é que se pode verificar alguma possibilidade de associação entre as duas variáveis.

Gráfico 7
Diagrama de dispersão a partir do teste de correlação entre V1 e V4

Assim, diante dos dados, pode-se afirmar que não há relação entre influência econômica sobre a Mídia e cultura política democrática.

Considerações finais

Por meio da técnica de correlação bivariada ρ de Spearman, chegou-se às seguintes conclusões:

  1. quanto menos influência econômica sobre a Mídia, mais democrático o país, uma vez que, neste caso, observouse uma correlação negativa de forte magnitude entre as variáveis;

  2. quanto menor a influência econômica sobre a Mídia, maior o pluralismo político e a participação, já que, neste caso, também se verificou correlação negativa de forte magnitude entre as variáveis, conforme esperado quando da formulação da hipótese alternativa;

  3. não se verificou relação entre influência econômica sobre a Mídia e cultura política democrática, na medida em que os dados demonstraram uma correlação negativa, porém, de magnitude moderada entre as variáveis.

Os testes empreendidos ao longo do artigo sugerem, portanto, a confirmação da nossa hipótese de trabalho: países mais democráticos seriam, também, mais propensos a apresentar menor concentração de propriedade de meios de Comunicação. Tal cenário, verificado de modo exploratório, sugere caminhos para investigações aprofundadas sobre a possibilidade de associação entre regulação da Mídia, pluralismo e participação política.

Referências

  • BAKER, C. Edwin. Media concentration and democracy: why ownership metters. Cambridge: New York, 2007.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    24 Jan 2014
  • Aceito
    05 Dez 2014
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