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Estrutura populacional de Talitroides topitotum (Crustacea: Amphipoda: Talitridae) em Santa Maria, região central do Rio Grande do Sul, Brasil

Population structure of Talitroides topitotum (Crustacea: Amphipoda: Talitridae) from Santa Maria, central region of Rio Grande do Sul State, Brazil

RESUMO.

Talitroides topitotum (Burt, 1934) (Talitridae) é um dos representantes de Amphipoda que se adaptaram ao ambiente terrestre. O objetivo desta pesquisa foi avaliar a estrutura populacional deste talitrídeo e correlacionar entre si dados morfométricos e aspectos reprodutivos da população. O estudo foi realizado na região central do Rio Grande do Sul, Brasil, entre junho de 2020 e maio de 2021. Para tal, foram coletados mensalmente espécimes com o auxílio de armadilhas de queda (pitfalls), que ficaram expostos durante 48 horas no campo. Os animais foram sexados, fotografados e medidos (comprimento corporal, comprimento cefálico e comprimento do marsúpio - em milímetros). As fêmeas ovígeras tiveram todos os seus ovos contados e medidos. Além disso, foram comparados os tamanhos máximos e latitudes de estudos populacionais realizados com a espécie. No total foram coletados 492 indivíduos, dos quais 62 eram fêmeas ovígeras, 188 não-ovígeras e 242 juvenis. Nenhum macho foi amostrado. Houve correlação significativa entre o comprimento corporal e cefálico e o comprimento corporal e de marsúpio nas fêmeas ovígeras. Não houve correlação entre os dados morfométricos e a fecundidade das fêmeas. Na análise de correlação entre tamanho dos talitrídeos e latitude houve correlação positiva, embora não significativa. O tamanho corporal pode ser inferido a partir do tamanho cefálico, bem como o do marsúpio a partir do corporal, pois ambos estão fortemente correlacionados. O fato de não haver relação entre tamanho e fecundidade pode estar relacionado a fatores ambientais, já que os mesmos podem afetar a reprodução do grupo. No que diz respeito à relação entre tamanho e latitude, mais estudos devem ser conduzidos com uma amostra maior, a fim de que seja verificada se a relação é significativa ou não.

PALAVRAS-CHAVE.
Talitrídeos; anfípode terrestre; comprimento cefálico; morfometria

ABSTRACT.

Tallitroides topitotum (Burt, 1934) (Talitridae) is one of the representatives of Amphipoda that has adapted to terrestrial environment. This research aimed to describe the population structure of this talitrid in the morphometric and reproductive aspects. The study was carried out in the central region of Rio Grande do Sul, Brazil, from June 2020 to May 2021. The talitrids were monthly collected with pitfalls exposed for 48 hours and they were sexed, photographed, and measured (body length, cephalic length, and marsupium length - in millimeters). Ovigerous females had their eggs counted and measured. In addition, we correlated the size data and the sampling latitudes of T. topitotum from previous and present studies. A total of 492 individuals were collected, from which 62 were ovigerous females, 188 non-ovigerous females, and 242 juveniles. No male was sampled. There was a significant correlation between body and head lengths and body and marsupium lengths in ovigerous females. We found no correlation between morphometric data and female fertility. Although not significant, there was a positive correlation between the size of talitrids and the latitude of occurrence. Body size can be inferred from head size, and marsupium size from body size, as both are strongly correlated. The absence of relationship between body size and fecundity may be related to environmental factors that can affect the talitrid reproduction. A clear relationship between the mean body size of T. topitotum and the latitude of their occurrence can be obtained with more studies conducted with a large sampling.

KEYWORDS.
Talitrids; terrestrial amphipod; cephalic length; morphometry

Talitrídeos são crustáceos pertencentes à ordem Amphipoda e considerados cosmopolitas. Eles podem ser encontrados em diversos ambientes como pântanos, manguezais, ambientes estuarinos, praias e na serrapilheira de florestas (Bousfield, 1982Bousfield, E. L. 1982. The amphipod Superfamily Talitroidea in the Northeastern Pacific region. I. Family Talitridae: systematics and distributional ecology. National Museum of Natural Science Publications in Biological Oceanography 11:1-73.; 1984Bousfield, E. L. 1984. Recent advances in the systematics and biogeography of landhoopers (Amphipoda: Talitridae) of the Indo-Pacific region. In: Radovsky, F. J.; Raven, P. H. & Sohmer, S. H. eds. Biogeography of the tropical Pacific. Bishop Museum Special Publication 72:171-210.). São animais desprovidos de carapaça, com corpo lateralmente achatado e olhos sésseis (Bento & Buckup, 1999Bento, F. M. & Buckup, B. 1999. Subordem GAMMARIDEA. In: Buckup, L. & Bond-Buckup, G. Os crustáceos do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Ed. Universidade/UFRGS, p. 177-188.).

Juntamente com os oniscídeos (tatuzinhos-de-jardim), os talitrídeos são crustáceos que se adaptaram ao ambiente terrestre. Morrit (1987Morrit, D. 1987. Evaporative water loss under desiccation stress in semiterrestrial and terrestrial amphipods (Crustacea: Amphipoda: Talitridae). Journal of Experimental Marine Biology and Ecology 111:145-147.) ressalta que, as adaptações desenvolvidas pelos talitrídeos na conquista deste ambiente, estão muito mais relacionadas com questões comportamentais do que propriamente fisiológicas.

Talitroides topitotum (Burt, 1934) tem origem indo-pacífica (Lemos de Castro & Pereira, 1978Lemos de Castro, A. & Pereira, V. F. G. C. 1978. Anfípodos terrestres do gênero Talitrus introduzidos no Brasil (Amphipoda, Talitridae). Atas da Sociedade Biológica do Rio de Janeiro 19:47-49.). Acredita-se que a introdução da mesma em terras brasileiras ocorreu através de atividades ligadas à silvicultura e jardinagem, acompanhando o solo em que as culturas vegetais estavam inseridas (Lemos de Castro, 1972Lemos de Castro, A. 1972. Talitrus (Talitroides) pacificus Hurley, anfípodo terrestre introduzido em São Paulo. Arquivos do Instituto Biológico São Paulo 39,(3):201-203.). Talitroides topitotum compõe a mesofauna da serrapilheira de florestas (Serejo, 2004Serejo, C. S. 2004. Talitridae (Amphipoda, Gammaridea) from the Brazilian coastline. Zootaxa 646(1):1-29.) e, portanto, é considerada como verdadeiramente terrestre (Friend & Richardson, 1986Friend, J. A. & Richardson, A. A. 1986. Biology of Terrestrial Amphipods. Annual Review of Entomology 31:25-48.). Porém, a sua presença em ambientes terrestres está condicionada à existência de umidade superior a 30% no solo (Hurley, 1968Hurley, D. E. 1968. Transition from Water to Land in Amphipod Crustaceans. American Zoologist 8:327-353.; Alvarez et al., 2000Alvarez, F.; Winfield, I. & Cházaro, S. 2000. Population study of the land hopper Talitroides topitotum (Crustacea: Amphipoda: Talitridae) in central Mexico. Journal of Natural History 34(8):1619-1624.). Por ser uma espécie introduzida no ambiente, seu impacto sobre a fauna local deve ser considerado. Segundo estudos conduzidos com T. topitotum, esta espécie se adpata muito bem aos ambientes em que é introduzida e, por consequência, acaba deslocando espécies nativas (Umaña-Castro et al., 2018Umaña-Castro, R.; Cambronero-Granados, J. A.; Carvajal-Sánchez, J. P. & Alfaro-Montoya, J. 2018. Molecular Identification and Potential Distribution os Terrestrial Amphipod Talitroides topitotum (Crustacea: Amphipoda: Talitridae) in Costa Rica. Acta Biológica Colombiana 23(1):104-115.; Gonçalves et al., 2018Gonçalves, E.; Oliveira, E.; Liz, A. F.; Mendes, A.; Lemos, E. V.; Schuster, P. A.; Perreira, J. V. K. & Juviaski, K. 2018. Distribution of Talitroides topitotum (Burt, 1934) (Crustacea, Amphipoda, Talitridae) in the Reserva Particular do Patrimônio Natural Mata do Uru, Lapa Paraná. Brazilian Journal of Ecology, p. 119-132.).

A presença de T. topitotum na serrapilheira, bem como sua locomoção, auxilia na dinâmica e nas taxas de respiração do solo (Friend & Richardson, 1986Friend, J. A. & Richardson, A. A. 1986. Biology of Terrestrial Amphipods. Annual Review of Entomology 31:25-48.). Além disso, são animais detritívoros, isto é, degradam a matéria orgânica presente no ambiente em que se encontram contribuindo para a ciclagem de nutrientes no solo (Friend & Richardson, 1986Friend, J. A. & Richardson, A. A. 1986. Biology of Terrestrial Amphipods. Annual Review of Entomology 31:25-48.; Nascimento & Serejo, 2016Nascimento, P. S. & Serejo, C. S. 2016. Taxonomy and distribution of Talitroides alluaudi (Chevreux, 1896) and T. topitotum (Burt, 1934) (Amphipoda, Talitridae) in Atlantic rain forests of southeastern Brazil. Nauplius 24:e2016002.).

Lemos de Castro (1972Lemos de Castro, A. 1972. Talitrus (Talitroides) pacificus Hurley, anfípodo terrestre introduzido em São Paulo. Arquivos do Instituto Biológico São Paulo 39,(3):201-203.) fez o primeiro registro destes animais para o Brasil, em ambiente terrestre no Estado de São Paulo. Hoje os talitrídeos estão presentes em mais seis estados brasileiros: Rio de Janeiro (Lemos de Castro & Pereira, 1978Lemos de Castro, A. & Pereira, V. F. G. C. 1978. Anfípodos terrestres do gênero Talitrus introduzidos no Brasil (Amphipoda, Talitridae). Atas da Sociedade Biológica do Rio de Janeiro 19:47-49.), Paraná (Lopes & Masunari, 2004aLopes, O. L. & Masunari, S. 2004a. Distribuição e abundância de Talitroides topitotum (Burt) (Crustacea, Amphipoda, Talitridae) na área entorno da Usina Hidroelétrica de Guaricana, Serra do Mar, Paraná, Brasil. Revista Brasileira de Zoologia 21(2):219-227. ), Espírito Santo (Eutrópio & Krohling, 2013Eutrópio, F. J. & Krohling, W. 2013. First record of Amphipoda Talitroides topitotum (Burt, 1934) (Gammaridea, Talitridae) in the State of Espírito Santo, Brazil. Acta Scientiarum. Biological Sciences. Maringá, v. 35, n. 1, p. 37-39, Jan - Mar.), Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (Nascimento & Serejo, 2016Nascimento, P. S. & Serejo, C. S. 2016. Taxonomy and distribution of Talitroides alluaudi (Chevreux, 1896) and T. topitotum (Burt, 1934) (Amphipoda, Talitridae) in Atlantic rain forests of southeastern Brazil. Nauplius 24:e2016002.). Neste último, são registradas duas espécies: Talitroides alluadi (Chevreux, 1896) e Talitroides topitotum (Burt, 1934), ambas amostradas na região litorânea e na metropolitana de Porto Alegre/RS (Nascimento & Serejo, 2016Nascimento, P. S. & Serejo, C. S. 2016. Taxonomy and distribution of Talitroides alluaudi (Chevreux, 1896) and T. topitotum (Burt, 1934) (Amphipoda, Talitridae) in Atlantic rain forests of southeastern Brazil. Nauplius 24:e2016002.).

Estudos com esses animais já foram conduzidos em diversas regiões. A maioria deles focando em aspectos taxonômicos/sistemáticos e fisiológicos (Bousfield, 1984Bousfield, E. L. 1984. Recent advances in the systematics and biogeography of landhoopers (Amphipoda: Talitridae) of the Indo-Pacific region. In: Radovsky, F. J.; Raven, P. H. & Sohmer, S. H. eds. Biogeography of the tropical Pacific. Bishop Museum Special Publication 72:171-210., Richardson & Morton, 1986Richardson, A. M. M. & Morton, H. P. 1986. Terrestrial amphipods (Crustacea, Amphipoda, F. Talitridae) and soil respiration. Soil Biology and Biochemestry 18(2):197-200., Morrit, 1987Morrit, D. 1987. Evaporative water loss under desiccation stress in semiterrestrial and terrestrial amphipods (Crustacea: Amphipoda: Talitridae). Journal of Experimental Marine Biology and Ecology 111:145-147., Mendes & Ulian, 1987Mendes, E. & Ulian, G. B. 1987. The influence of size, temperature and oxygen tension upon the respiratory metabolism of the terrestrial amphipod Talitrus (talitroides) pacificus Hurley, 1955. Comparative Biochemistry and Physiology 86(1):155-162.). Quanto a estudos referentes a aspectos populacionais, Lam & Ma (1989Lam, P. K. S. & Ma, H. H. T. 1989. Some observations on the life cycle and population dynamics of Talitroides topitotum (Burt) (Amphipoda: Talitridae) in Hong Kong. Journal of Natural History 23:1087-1092.) os realizaram em Hong Kong e Alvarez et al. (2000Alvarez, F.; Winfield, I. & Cházaro, S. 2000. Population study of the land hopper Talitroides topitotum (Crustacea: Amphipoda: Talitridae) in central Mexico. Journal of Natural History 34(8):1619-1624.) no México.

No Brasil, esta espécie foi estudada por Lemos de Castro (1972Lemos de Castro, A. 1972. Talitrus (Talitroides) pacificus Hurley, anfípodo terrestre introduzido em São Paulo. Arquivos do Instituto Biológico São Paulo 39,(3):201-203.) e Lemos de Castro & Pereira (1978Lemos de Castro, A. & Pereira, V. F. G. C. 1978. Anfípodos terrestres do gênero Talitrus introduzidos no Brasil (Amphipoda, Talitridae). Atas da Sociedade Biológica do Rio de Janeiro 19:47-49.) que abordaram sobre a sua introdução no país, sistemática e biogeografia, por Mendes & Ulian (1987Mendes, E. & Ulian, G. B. 1987. The influence of size, temperature and oxygen tension upon the respiratory metabolism of the terrestrial amphipod Talitrus (talitroides) pacificus Hurley, 1955. Comparative Biochemistry and Physiology 86(1):155-162.) que trataram dos aspectos fisiológicos do grupo, por Lopes & Masunari (2004aLopes, O. L. & Masunari, S. 2004a. Distribuição e abundância de Talitroides topitotum (Burt) (Crustacea, Amphipoda, Talitridae) na área entorno da Usina Hidroelétrica de Guaricana, Serra do Mar, Paraná, Brasil. Revista Brasileira de Zoologia 21(2):219-227. ) sobre biologia reprodutiva e por Matavelli et al. (2007Matavelli, C.; Uehara-Prado, M.; Leite, F. P. P. & Freitas, A. V. L. 2007. Biologia populacional de Talitroides topitotum (Crustacea: Amphipoda: Talitridae) na reserva de Mata Atlântica, Parque Estadual da Serra do Mar - núcleo Santa Virgínia, estado de São Paulo. Anais VIII Congresso de Ecologia do Brasil, Caxambu/ MG, p. 1-2.) e Matavelli & Uehara-Prado (2014Matavelli, C. & Uehara-Prado, M. 2014. High abundance of an exotic amphipod indicates disturbance in tropical rainforests. Revista Ecological Indicators 41:75-78.) sobre o potencial bioindicador de perturbação antrópica desta espécie.

Estudos sobre a estrutura populacional e as características morfométricas de T. topitotum foram realizados no Paraná por Lopes & Masunari (2004bLopes, O. L. & Masunari, S. 2004b. Biologia reprodutiva de Talitroides topitotum (Burt) (Crustacea, Amphipoda, Talitridae) na Serra do Mar, Guaratuba, Paraná, Brasil. Revista Brasileira de Zoologia 21(4):755-775.,cLopes, O. L. & Masunari, S. 2004c. Características morfométricas de Talitroides topitotum (Burt) (Crustacea, Amphipoda, Talitridae) na Serra do Mar, Guaratuba, Paraná, Brasil. Revista Brasileira de Zoologia 21(4):779-784.). Estes estudos apontaram a ausência de machos, bem como evidenciado por Matavelli et al. (2007Matavelli, C.; Uehara-Prado, M.; Leite, F. P. P. & Freitas, A. V. L. 2007. Biologia populacional de Talitroides topitotum (Crustacea: Amphipoda: Talitridae) na reserva de Mata Atlântica, Parque Estadual da Serra do Mar - núcleo Santa Virgínia, estado de São Paulo. Anais VIII Congresso de Ecologia do Brasil, Caxambu/ MG, p. 1-2.) em São Paulo.

Os estudos sobre estrutura populacional dos talitrídeos ainda são incipientes no Brasil, onde a maioria das pesquisas visa a taxonomia destes animais (Nascimento, 2004, Nascimento & Serejo, 2016Nascimento, P. S. & Serejo, C. S. 2016. Taxonomy and distribution of Talitroides alluaudi (Chevreux, 1896) and T. topitotum (Burt, 1934) (Amphipoda, Talitridae) in Atlantic rain forests of southeastern Brazil. Nauplius 24:e2016002.). Neste contexto, o objetivo do presente estudo foi descrever a estrutura populacional de T. topitotum ocorrente no extremo sul do Brasil, incluindo a relações morfométricas entre os comprimentos cefálico, corporal e marsupial, e aspectos reprodutivos da espécie. Por se tratar de populações com estudos incipientes na região, espera-se contribuir com informações populacionais da espécie e elucidar as estratégias de colonização e de ocupação do hábitat por estes crustáceos.

MATERIAL E MÉTODOS

Área do estudo. O presente estudo foi realizado na localidade de São Marcos, município de Santa Maria (29º40’55’’S; 53º41’32’’W), na região central do Rio Grande do Sul (Fig. 1). A área está inserida no bioma Mata Atlântica em um fragmento de Floresta Estacional Decidual (IBGE, 2019IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 2019. Biomas e sistema costeiro-marinho do Brasil. Rio de Janeiro, IBGE, Coordenação de Recursos Naturais e Estudos Ambientais.). A elevação é de 113 metros do nível do mar, o clima é do tipo Cfa, isto é, subtropical úmido com estações do ano bem definidas e, sobretudo, com verões quentes (Torres & Machado, 2008Torres, F. T. P. & Machado, P. J. O. 2008. Introdução à climatologia. Ubá, Editora Geographica. 244p.; Kuinchtner & Buriol, 2001Kuinchtner, A. & Buriol, G. A. 2001. Clima do estado do Rio Grande do Sul segundo a classificação climática de Köppen e Thornthwaite. Disciplinarum Scientia, Série Ciências Exatas 2(1):171-182.). Segundo dados do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET, 2021INMET - Instituto Nacional de Meteorologia. 2021. Mapa das estações (Santa Maria/RS - 83936). Disponível em <Disponível em https://mapas.inmet.gov.br/ >. Acesso em 08 dez. 2021.
https://mapas.inmet.gov.br/...
), a pluviosidade anual durante o período das amostragens foi de 1339,7 mm, em que a pluviosidade mínima foi registrada em abril/2021 (14,9 mm) e a máxima em janeiro/2021 (202,3 mm). Além disso, para o referido período a mínima e máxima de temperatura observadas foram 9,0 ºC (julho/2020) e 30,5 ºC (janeiro/2021).

Fig. 1.
Mapa da área de amostragem na localidade de São Marcos, Santa Maria/RS, Brasil durante o período de junho de 2020 a maio de 2021.

Amostragens. As amostragens foram realizadas mensalmente de junho/2020 a maio/2021. Para tal, foram utilizadas armadilhas de queda (pitfalls) que já se mostraram eficientes para captura de Talitroides topitotum em outros estudos (Lam & Ma, 1989Lam, P. K. S. & Ma, H. H. T. 1989. Some observations on the life cycle and population dynamics of Talitroides topitotum (Burt) (Amphipoda: Talitridae) in Hong Kong. Journal of Natural History 23:1087-1092.; Matavelli et al., 2007Matavelli, C.; Uehara-Prado, M.; Leite, F. P. P. & Freitas, A. V. L. 2007. Biologia populacional de Talitroides topitotum (Crustacea: Amphipoda: Talitridae) na reserva de Mata Atlântica, Parque Estadual da Serra do Mar - núcleo Santa Virgínia, estado de São Paulo. Anais VIII Congresso de Ecologia do Brasil, Caxambu/ MG, p. 1-2.). A conformação do delineamento amostral se deu em virtude do tamanho do fragmento, o que possibilitou a utilização de dois transectos, de aproximadamente dez metros cada. Cada um dos transectos continha dez armadilhas, que estavam distantes entre si cerca de um metro. O primeiro transecto foi disposto em paralelo a um pequeno riacho. O segundo ficou a 10 metros do primeiro e ficava disposto em sentido perpendicular ao corpo d’água. Cada conjunto com 10 frascos de 500 ml, contendo uma solução de 80 ml de etilenoglicol e álcool 92% (na proporção 70:30) foi considerada como uma unidade amostral. Para proteger os pitfalls da chuva direta, foi colocada uma estrutura feita de pratos plásticos, presos com arame, a cerca de 10 cm de altura da abertura dos frascos (Fig. 2).

Fig. 2.
Fragmento de Floresta na localidade de São Marcos, Santa Maria, RS, Brasil. Armadilha do tipo pitfall com estrutura de proteção durante a exposição no campo.

Em cada mês de amostragem os pitfalls ficaram expostos por 48 horas. Os espécimes que caíram nas armadilhas foram recolhidos e armazenados em álcool 70%, etiquetados e levados ao laboratório para triagem e análises posteriores. Os talitrídeos foram identificados a nível de espécie, de acordo com estudos de Nascimento & Serejo (2016Nascimento, P. S. & Serejo, C. S. 2016. Taxonomy and distribution of Talitroides alluaudi (Chevreux, 1896) and T. topitotum (Burt, 1934) (Amphipoda, Talitridae) in Atlantic rain forests of southeastern Brazil. Nauplius 24:e2016002.). Para a sexagem, foi considerada a presença de oostegitos nas fêmeas e o segundo par de gnatópodos mais desenvolvido que o primeiro nos machos. Indivíduos sem essas características foram considerados juvenis (Bento & Buckup, 1999Bento, F. M. & Buckup, B. 1999. Subordem GAMMARIDEA. In: Buckup, L. & Bond-Buckup, G. Os crustáceos do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Ed. Universidade/UFRGS, p. 177-188.; Lopes & Masunari, 2004bLopes, O. L. & Masunari, S. 2004b. Biologia reprodutiva de Talitroides topitotum (Burt) (Crustacea, Amphipoda, Talitridae) na Serra do Mar, Guaratuba, Paraná, Brasil. Revista Brasileira de Zoologia 21(4):755-775.). Para as fêmeas ovígeras considerou-se a presença de ovos no marsúpio.

Todos os talitrídeos foram fotografados e mensurados com o auxílio do software ImageJ, sob estereomicroscópio com escala milimétrica quanto ao Comprimento cefálico (Cc: distância da margem anterior do primeiro segmento cefálico até a margem posterior) e Comprimento corporal (Cco: distância da margem do primeiro segmento cefálico até a margem posterior do último segmento abdominal, incluindo o télson). Para as fêmeas ovígeras, foi adicionada a medida do Comprimento do marsúpio (Cm: início da margem anterior da pleura do segundo segmento até a margem posterior da pleura do quinto segmento torácico). Na Figura 3 são demonstradas as regiões onde foram realizadas as medidas.

Fig. 3.
Talitroides topitotum (Burt, 1934). Foto de um exemplar com indicação das medidas tomadas: Cc, comprimento cefálico; CCo, Comprimento corporal; Cm, Comprimento do marsúpio (somente para as fêmeas ovígeras).

Além disso, todas as fêmeas ovígeras tiveram todos seus ovos retirados do marsúpio, os quais foram fotografados, contados e medidos sob microscópio estereoscópico. Foi medido o comprimento e a largura máxima de cada ovo. No que diz respeito ao volume dos ovos (mm³), o mesmo foi obtido a partir da equação (Lam & Ma, 1989Lam, P. K. S. & Ma, H. H. T. 1989. Some observations on the life cycle and population dynamics of Talitroides topitotum (Burt) (Amphipoda: Talitridae) in Hong Kong. Journal of Natural History 23:1087-1092.):

V= 4/3 * (π) * (C/2) * (L/2) ^2

Onde: V= volume, C= comprimento, L= largura, π= 3,14.

A fim de avaliar a relação entre o tamanho corporal máximo de talitrídeos e a latitude em diferentes regiões, isto é, se a Regra de Bergmann (Johnson et al., 2019Johnson, D. S.; Crowley, C.; Longmire, K.; Nelson, J.; Williams, B. & Wittyngham, S. 2019. The fiddler crab, Minuca pugnax, follows Bergmann’s rule. Ecology and Evolution 9:14489-14497.) age sobre esta espécie, foram coletados dados da literatura a partir de estudos sobre estrutura populacional de T. topitotum, juntamente com a latitude dos locais de amostragem. Os dados do presente trabalho também foram adicionados à análise e testou-se uma possível correlação entre tamanho e latitude.

Análises estatísticas. Os talitrídeos foram organizados em classes de tamanho em função do Cco (mm). O número de classes de Cco foi calculado a partir da regra de Sturges:

K= 1 + 3,3*log n

Onde K é o número de classes e n é o número de observações (amostras) (Silva et al., 2015Silva, F. L. C.; Freitas, A. V. L.; Fernandes, M. W. & Almeida, R. L. F. 2015. Estatística e Probabilidade. 3ed. Fortaleza, EdUECE. 127p.).

Para analisar a relação entre Cc, Cco e Cm, fêmeas ovígeras x número x volume dos ovos, bem como a influência do gradiente latitudinal foi testada a normalidade da amostra utilizando o teste Shapiro-Wilk e posteriormente aplicados os testes de Correlação de Pearson (r) e Correlação de Spearman (ρ). Em seguida, foi utilizada uma Regressão Linear Simples entre as variáveis morfométricas no programa RStudio, com nível de significância 0,05 (Ayres et al., 2007Ayres, M.; Ayres Júnior, M.; Ayres, D. L. & Santos, A. A. 2007. BIOESTAT- Aplicações estatísticas nas áreas das ciências biomédicas. Belém, Ong Mamirauá. ).

RESULTADOS

Foram amostrados 492 talitrídeos, dos quais 62 (12,6%) fêmeas ovígeras, 188 (38,21%) fêmeas não-ovígeras e 242 (49,19%) juvenis. Nenhum macho foi registrado. O comprimento total do corpo dos talitrídeos (Cco) variou de 2,524 a 14,984 mm. Quanto ao Cco por por grupo, o mesmo foi de 6,972 a 14,796 mm para fêmeas ovígeras (X- = 10,14 mm, DP= 1,53), de 5,495 a 14,984 mm para fêmeas não-ovígeras (X- = 10,25 mm, DP= 1,92) e de 2,524 a 8,611 mm para juvenis (X- = 4,35, DP= 1,53 mm). O tamanho da menor fêmea ovígera foi de 6,972 mm. Na Figura 4 está representada a distribuição da frequência das classes de tamanho das categorias demográficas.

Fig. 4.
Talitroides topitotum (Burt, 1934). Distribuição das classes de tamanho (em milímetros) das três categorias demográficas obtidas no período de junho de 2020 a maio de 2021.

As análises de regressão linear mostraram que o comprimento cefálico (Cc) é diretamente proporcional ao comprimento do corpo (Cco) (Cc = 0,1178 + 0,0908 Cco; r²= 0,88) (Fig. 5). Entre Cco e Cm, das fêmeas ovígeras, houve relação positiva e significativa (Cco = 0,4177 + 0,1862 Cm; r²= 0,62) (Fig. 6).

Figs 5, 6.
Talitroides topitotum (Burt, 1934). Relações morfométricas dos talitrídeos amostrados de junho de 2020 a maio de 2021: 5, Comprimento corporal e comprimento cefálico (mm) (p<0,05, r²= 0,88); 6, Comprimento corporal e comprimento do marsúpio (mm) das fêmeas ovígeras da população (p<0,05, r²= 0,62).

Um total de 206 ovos (variando de um a sete ovos por marsúpio) foi retirado do marsúpio das fêmeas ovígeras, o que resultou em média 3,32 ovos por fêmea ovígera (DP= 1,72). O volume dos ovos, variou de 0,04 mm³ a 0.584 mm³ (X= 0,22 mm³; DP= 0,62 mm³). Não houve correlação significativa entre o número de ovos, volume dos ovos e Cm com o Cco das fêmeas ovígeras (r < 0,3).

Quanto à relação do tamanho corporal em função do gradiente latitudinal, encontramos correlação positiva (r = 0,7) embora não significativa (p>0,05). Na Tabela I são compilados os dados obtidos da literatura.

Tab. I.
Talitroides topitotum (Burt, 1934): tamanho máximo dos indivíduos que compõem as populações ocorrentes nas diversas localidades. Índice de correlação positivo, porém não significativo (ρ= 0,7, p>0,05).

DISCUSSÃO

A ausência de machos de T. topitotum observada no presente estudo corrobora os trabalhos anteriores de Lopes & Masunari (2004cLopes, O. L. & Masunari, S. 2004c. Características morfométricas de Talitroides topitotum (Burt) (Crustacea, Amphipoda, Talitridae) na Serra do Mar, Guaratuba, Paraná, Brasil. Revista Brasileira de Zoologia 21(4):779-784.) no Paraná e Matavelli et al. (2007Matavelli, C.; Uehara-Prado, M.; Leite, F. P. P. & Freitas, A. V. L. 2007. Biologia populacional de Talitroides topitotum (Crustacea: Amphipoda: Talitridae) na reserva de Mata Atlântica, Parque Estadual da Serra do Mar - núcleo Santa Virgínia, estado de São Paulo. Anais VIII Congresso de Ecologia do Brasil, Caxambu/ MG, p. 1-2.) em São Paulo. Segundo Lopes & Masunari (2004bLopes, O. L. & Masunari, S. 2004b. Biologia reprodutiva de Talitroides topitotum (Burt) (Crustacea, Amphipoda, Talitridae) na Serra do Mar, Guaratuba, Paraná, Brasil. Revista Brasileira de Zoologia 21(4):755-775.) os machos poderiam apresentar hábitos diferente das fêmeas, fazendo com que apenas fêmeas fossem capturadas. Além do mais, de acordo com Wildish (1979Wildish, D. J. 1979. Reproductive consequences of the terrestrial habit in Orchestia (Crustacea: Amphipoda). International Journal of Invertebrate Reproduction 1(1):9-20.) a razão sexual desviada para as fêmeas, juntamente com a redução do tamanho corporal, é uma adaptação ao ambiente terrestre. Em outro estudo, realizado em Iztacala (México), Alvarez et al. (2000Alvarez, F.; Winfield, I. & Cházaro, S. 2000. Population study of the land hopper Talitroides topitotum (Crustacea: Amphipoda: Talitridae) in central Mexico. Journal of Natural History 34(8):1619-1624.) registraram machos, porém, em proporção inferior às fêmeas. Os autores deste último estudo questionam se a razão sexual tendendo para as fêmeas, em T. topitotum, seria uma característica da espécie ou se está presente apenas nos estágios iniciais de adaptação de populações recém introduzidas no ambiente. Como não houve um monitoramento de talitrídeos na região de Santa Maria anteriormente ao presente estudo, fica difícil inferir se a população de São Marcos é recém-estabelecida ou não. De todo modo, a presença de todas as categorias demográficas (exceto machos) indica que esta população está bem estabelecida e em franca reprodução.

A representatividade dos juvenis no presente estudo é notável, quando comparada com a do estudo realizado por Lopes & Masunari (2004bLopes, O. L. & Masunari, S. 2004b. Biologia reprodutiva de Talitroides topitotum (Burt) (Crustacea, Amphipoda, Talitridae) na Serra do Mar, Guaratuba, Paraná, Brasil. Revista Brasileira de Zoologia 21(4):755-775.): enquanto em São Marcos, os juvenis totalizaram quase 50%, em Guaricana, eles representaram apenas 1,45 % do total da população amostrada. Esta discrepância na proporção, certamente, foi devido aos métodos distintos de coleta dos talitrídeos. Em Guaricana, os animais foram coletados com Rede de Malaise, o que implica na obtenção selecionada de animais que tem capacidade plena de pular (seleção de adultos), enquanto no presente estudo, a coleta com pitfalls se mostrou mais eficiente em capturar tanto juvenis como adultos.

O maior exemplar de T. topitotum, até então, era registrado por Lopes & Masunari (2004bLopes, O. L. & Masunari, S. 2004c. Características morfométricas de Talitroides topitotum (Burt) (Crustacea, Amphipoda, Talitridae) na Serra do Mar, Guaratuba, Paraná, Brasil. Revista Brasileira de Zoologia 21(4):779-784.) no Paraná, uma fêmea com 14,43 mm (Cco). Com os dados do presente estudo, o maior exemplar passa a ser outra fêmea, com 14,984 mm (Cco). A maturação sexual observada em nosso estudo ocorreu de forma mais tardia, pois o tamanho da menor fêmea ovígera foi superior aos tamanhos registrados por Lopes & Masunari (2004cLopes, O. L. & Masunari, S. 2004c. Características morfométricas de Talitroides topitotum (Burt) (Crustacea, Amphipoda, Talitridae) na Serra do Mar, Guaratuba, Paraná, Brasil. Revista Brasileira de Zoologia 21(4):779-784.) e Matavelli et al. (2007Matavelli, C.; Uehara-Prado, M.; Leite, F. P. P. & Freitas, A. V. L. 2007. Biologia populacional de Talitroides topitotum (Crustacea: Amphipoda: Talitridae) na reserva de Mata Atlântica, Parque Estadual da Serra do Mar - núcleo Santa Virgínia, estado de São Paulo. Anais VIII Congresso de Ecologia do Brasil, Caxambu/ MG, p. 1-2.). Conforme Lopes & Masunari (2004aLopes, O. L. & Masunari, S. 2004a. Distribuição e abundância de Talitroides topitotum (Burt) (Crustacea, Amphipoda, Talitridae) na área entorno da Usina Hidroelétrica de Guaricana, Serra do Mar, Paraná, Brasil. Revista Brasileira de Zoologia 21(2):219-227. ), o tamanho corporal encontrado em diferentes locais em que estes animais foram coletados indica que o grupo possui plasticidade adaptativa, que pode estar ligada às adaptações em função de fatores abióticos. Segundo as mesmas autoras, os principais fatores ambientais que influenciam o grupo são a temperatura e a umidade relativa do ar juntamente com a precipitação. Por outro lado, Richardson (1992Richardson, A. M. M. 1992. Altitudinal distribution of native and alien landhoppers (Amphipoda: Talitridae) in the Ko’olau Range, O’ahu, Hawaiian Islands. Journal of Natural History 26(2):339-352.) pontuou que o tamanho reduzido de Talitroides spp. facilitaria sua presença em locais com baixa umidade.

Outra forma de interpretar a diferença entre os tamanhos de talitrídeos ocorrentes em várias localidades tem como base a Regra de Bergmann. De acordo com Blackburn et al. (1999Blackburn, T. M.; Gaston, K. J. & Loder, N. 1999. Geographic gradients in body size: a clarification of Bergmann’s rule. Diversity and Distributions 5:165-174.), esta regra é uma tendência de correlação positiva dentro de um clado taxonômico, onde os maiores espécimes estão localizados em latitudes maiores (temperaturas ambientais menores) e que os menores estão localizados em latitudes menores (temperaturas ambientais maiores). No caso dos talitrídeos terrestres, a redução do tamanho corporal diminuiria a área superficial de perda de água, o que estaria associado ao aumento de temperatura (regiões tropicais). Nossas análises apontaram uma correlação positiva entre a latitude e o tamanho de T. topitotum, o que confirmaria nossa hipótese. Porém, o nível de confiança desses dados não é significativo (p> 0,05). Como nesta análise apenas cinco populações de T. topitotum (Tab. I) estavam disponíveis, uma ampliação na pesquisa de outras populações, ou com outros talitrídeos terrestres, talvez possam esclarecer a relação entre o tamanho dos indivíduos e a latitude de ocorrência dos mesmos.

Quanto à relação dos aspectos morfométricos é possível inferir o tamanho corporal de T. topitotum a partir do comprimento cefálico, pois ambos estão correlacionados, bem como observado por Lam & Ma (1989Lam, P. K. S. & Ma, H. H. T. 1989. Some observations on the life cycle and population dynamics of Talitroides topitotum (Burt) (Amphipoda: Talitridae) in Hong Kong. Journal of Natural History 23:1087-1092.), Lopes & Masunari (2004cLopes, O. L. & Masunari, S. 2004c. Características morfométricas de Talitroides topitotum (Burt) (Crustacea, Amphipoda, Talitridae) na Serra do Mar, Guaratuba, Paraná, Brasil. Revista Brasileira de Zoologia 21(4):779-784.) e Matavelli et al. (2007Matavelli, C.; Uehara-Prado, M.; Leite, F. P. P. & Freitas, A. V. L. 2007. Biologia populacional de Talitroides topitotum (Crustacea: Amphipoda: Talitridae) na reserva de Mata Atlântica, Parque Estadual da Serra do Mar - núcleo Santa Virgínia, estado de São Paulo. Anais VIII Congresso de Ecologia do Brasil, Caxambu/ MG, p. 1-2.). Também é possível afirmar que, no nosso estudo, quanto maior o tamanho do corpo das fêmeas, maior é o tamanho do marsúpio.

Alvarez et al. (2000Alvarez, F.; Winfield, I. & Cházaro, S. 2000. Population study of the land hopper Talitroides topitotum (Crustacea: Amphipoda: Talitridae) in central Mexico. Journal of Natural History 34(8):1619-1624.) e Matavelli et al. (2007Matavelli, C.; Uehara-Prado, M.; Leite, F. P. P. & Freitas, A. V. L. 2007. Biologia populacional de Talitroides topitotum (Crustacea: Amphipoda: Talitridae) na reserva de Mata Atlântica, Parque Estadual da Serra do Mar - núcleo Santa Virgínia, estado de São Paulo. Anais VIII Congresso de Ecologia do Brasil, Caxambu/ MG, p. 1-2.) encontraram relação positiva entre fecundidade e o tamanho corporal dos talitrídeos estudados, o que indica que quanto maior o animal, maior a ninhada. Entretanto, os nossos dados não demonstraram relação significativa entre o tamanho do corpo/marsúpio com o número e o volume dos ovos. Além disso, o número de ovos e o volume dos mesmos não apresentaram correlação, bem como evidenciado por Lam & Ma (1989Lam, P. K. S. & Ma, H. H. T. 1989. Some observations on the life cycle and population dynamics of Talitroides topitotum (Burt) (Amphipoda: Talitridae) in Hong Kong. Journal of Natural History 23:1087-1092.) no estudo de uma população em Hong Kong e Lopes & Masunari (2004bLopes, O. L. & Masunari, S. 2004c. Características morfométricas de Talitroides topitotum (Burt) (Crustacea, Amphipoda, Talitridae) na Serra do Mar, Guaratuba, Paraná, Brasil. Revista Brasileira de Zoologia 21(4):779-784.) com estudos no Paraná. Portanto, para a nossa população, o tamanho da ninhada não está relacionado com o tamanho da fêmea e nem o volume dos ovos está relacionado com a quantidade de ovos no marsúpio.

Quanto à média de ovos encontrados no marsúpio das fêmeas ovígeras, nosso resultado (3,32 ovos) se aproxima da média de outros estudos realizados em diferentes localidades, como Lam & Ma (1989Lam, P. K. S. & Ma, H. H. T. 1989. Some observations on the life cycle and population dynamics of Talitroides topitotum (Burt) (Amphipoda: Talitridae) in Hong Kong. Journal of Natural History 23:1087-1092.) que encontram uma média de 3,38 ovos por fêmea ovígera, Lopes & Masunari (2004bLopes, O. L. & Masunari, S. 2004b. Biologia reprodutiva de Talitroides topitotum (Burt) (Crustacea, Amphipoda, Talitridae) na Serra do Mar, Guaratuba, Paraná, Brasil. Revista Brasileira de Zoologia 21(4):755-775.) com 3,34 ovos (variando entre um e dez ovos por fêmea) e Matavelli et al. (2007Matavelli, C.; Uehara-Prado, M.; Leite, F. P. P. & Freitas, A. V. L. 2007. Biologia populacional de Talitroides topitotum (Crustacea: Amphipoda: Talitridae) na reserva de Mata Atlântica, Parque Estadual da Serra do Mar - núcleo Santa Virgínia, estado de São Paulo. Anais VIII Congresso de Ecologia do Brasil, Caxambu/ MG, p. 1-2.) com 2,4 ovos por fêmea ovígera. Além disso, a ausência de correlação entre variáveis morfométricas e fecundidade no nosso estudo pode ser explicada pelo fato de Talitroides topitotum ser uma espécie que se reproduz o ano todo, com sobreposição de gerações (Lam & Ma, 1989), ou seja, apresenta várias proles consecutivas. A consequência é que em um mesmo marsúpio podemos registrar ovos com diferentes estágios de desenvolvimento. Aspecto que justificaria a ausência de correlação entre fecundidade, tamanho dos ovos, tamanho das fêmeas e do marsúpio.

Além do mais, de acordo com Lindeman (1991Lindeman, D. 1991. Natural history of the terrestrial amphipod Cerrorchestia hyloraina Lindeman (Crustacea: Amphipoda; Talitridae) in a Costa Rican cloud forest. Journal of Natural History 25(3):623-638.), aspectos ambientais (pluviosidade, umidade do ar, temperatura e outros) podem afetar os padrões reprodutivos de talitrídeos terrestres. Além disso, fatores como a disponibilidade e qualidade do alimento também poderiam estar influenciando a fecundidade da população.

Embora com visível plasticidade no tamanho dos indivíduos, as populações introduzidas de T. topitotum mostram as seguintes características em comum: ausência ou presença pífia de machos, presença de todas as categorias demográficas no local de ocorrência e baixa fertilidade das fêmeas. Este fato pode indicar que a reprodução assexuada constituiria um fator determinante no sucesso destas populações em colonizar novas áreas. Estudos adicionais com T. topitotum, que visem aprofundar a relação entre a estrutura populacional e a reprodução com parâmetros ambientais, numa escala temporal mais ampla, podem ajudar a entender melhor as estratégias de colonização e de invasão de habitats por estes pequenos crustáceos.

Agradecimentos

Agradecemos a Universidade Federal de Santa Maria pelo suporte e estrutura para a realização da pesquisa. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela bolsa concedida a GB. Ao CNPq pela bolsa de produtividade a SS (proc. nº 311690/2018-1).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    06 Jan 2022
  • Aceito
    17 Maio 2022
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