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Fisioterapia durante a hemodiálise de pacientes com doença renal crônica

Resumos

INTRODUÇÃO: O objetivo do estudo foi avaliar os efeitos de um programa de fisioterapia em pacientes com doença renal crônica (DRC) durante a hemodiálise (HD). MÉTODOS: Cinquenta e seis pacientes com DRC participaram, durante 16 meses, de um programa de fisioterapia supervisionado nas sessões de HD. As avaliações ocorreram antes e 16 meses após o início do treinamento. O programa consistiu de exercícios de fortalecimento muscular, alongamento e bicicleta ergométrica estacionária. As análises se compuseram de teste de caminhada de seis minutos (TC6M); nível de esforço pela escala de BORG, teste de uma repetição máxima (1RM), para mensurar a força muscular de quadríceps; qualidade de vida (QV) e medidas de pressão arterial (PA), frequências cardíaca (FC) e respiratória (FR). RESULTADOS: Houve aumento na distância percorrida (54 m; p < 0,001) pelo TC6M e da força muscular de quadríceps (média de +3 para +4; p < 0,001); redução da FC e FR (média de 8 bpm e 5 irpm, respectivamente; p < 0,001); melhora no escore total da SF-36 (p < 0,006), porém significativamente na capacidade funcional (p < 0,006) e dor (p < 0,001). A PA reduziu, entretanto, não significativamente (p < 0,08). Verificou-se correlação apenas nos domínios dor e capacidade funcional, individualmente, com o aumento da distância percorrida no TC6M (p < 0,013 e p < 0,002); houve correlação entre diminuições na FC e FR, atreladas à redução na escala de BORG (p < 0,043). CONCLUSÃO: A fisioterapia, por meio de um programa de exercícios físicos durante o período intradialítico, pode proporcionar melhora significativa da QV e capacidade física dos pacientes com DRC.

diálise; fisioterapia; insuficiência renal crônica; qualidade de vida


INTRODUCTION: The aim of this study was to evaluate the effects of a physical therapy program in patients with chronic kidney disease (CKD) during hemodialysis (HD). METHODS: Fifty-six CKD patients participated for 16 months in a supervised physical therapy program in HD sessions. They underwent evaluation before the start of the program and 16 months after this training. The program consisted of muscle strengthening exercises, stretching and stationary exercise bike. The analysis is composed of test six-minute walk (6MWT), level of effort by the BORG scale test of one repetition maximum (1RM) to measure the quadriceps strength, quality of life (QOL) and arterial blood pressure (BP), heart (HR) and respiratory (RR). RESULTS: The results showed an increase in distance traveled for the 6MWT and quadriceps strength, reduction of HR and RR and improvement in total score SF-36, but significantly in functional capacity and pain BP reduced, though not significantly. It was found by the Spearman correlation test, only in the areas correralation pain and functional capacity, individually, with the increase in distance walked in 6MWT; correlation between decreases in HR and RR linked to reduction in the Borg scale. CONCLUSION: Physical therapy, through an exercise program during the intradialytic period, can provided a significant improvement of QOL and physical ability of patients with CKD.

dialysis; kidney failure; chronic; physical therapy (specialty); quality of life


ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Fisioterapia durante a hemodiálise de pacientes com doença renal crônica

Saulo Freitas da SilvaI; Augusto Alves PereiraI; Weliton Aparecido Honorato da SilvaII; Roger SimôesI; José de Resende Barros NetoI

IHospital Felício Rocho

IIHospital Luxemburgo e Hospital Felício Rocho

Correspondência para Correspondência para: Saulo Freitas da Silva Hospital Felício Rocho Av. do Contorno, nº 9530, Prado Belo Horizonte, MG, Brasil. CEP: 30110-060 E-mail: saulofreitasbh@yahoo.com.br Tel: (31) 3222-3636

RESUMO

INTRODUÇÃO: O objetivo do estudo foi avaliar os efeitos de um programa de fisioterapia em pacientes com doença renal crônica (DRC) durante a hemodiálise (HD).

MÉTODOS: Cinquenta e seis pacientes com DRC participaram, durante 16 meses, de um programa de fisioterapia supervisionado nas sessões de HD. As avaliações ocorreram antes e 16 meses após o início do treinamento. O programa consistiu de exercícios de fortalecimento muscular, alongamento e bicicleta ergométrica estacionária. As análises se compuseram de teste de caminhada de seis minutos (TC6M); nível de esforço pela escala de BORG, teste de uma repetição máxima (1RM), para mensurar a força muscular de quadríceps; qualidade de vida (QV) e medidas de pressão arterial (PA), frequências cardíaca (FC) e respiratória (FR).

RESULTADOS: Houve aumento na distância percorrida (54 m; p < 0,001) pelo TC6M e da força muscular de quadríceps (média de +3 para +4; p < 0,001); redução da FC e FR (média de 8 bpm e 5 irpm, respectivamente; p < 0,001); melhora no escore total da SF-36 (p < 0,006), porém significativamente na capacidade funcional (p < 0,006) e dor (p < 0,001). A PA reduziu, entretanto, não significativamente (p < 0,08). Verificou-se correlação apenas nos domínios dor e capacidade funcional, individualmente, com o aumento da distância percorrida no TC6M (p < 0,013 e p < 0,002); houve correlação entre diminuições na FC e FR, atreladas à redução na escala de BORG (p < 0,043).

CONCLUSÃO: A fisioterapia, por meio de um programa de exercícios físicos durante o período intradialítico, pode proporcionar melhora significativa da QV e capacidade física dos pacientes com DRC.

Palavras-chave: diálise; fisioterapia; insuficiência renal crônica; qualidade de vida.

INTRODUÇÃO

A doença renal crônica (DRC) é considerada um grande problema de saúde pública por suas elevadas taxas de morbimortalidade.1 De acordo com o censo da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) de 2008, a prevalência no Brasil tem aumentado a cada ano, de 59.153 pacientes mantidos em tratamento dialítico em 2004, chegando a 87.044 pacientes em 2008.1

A DRC é definida, segundo a SBN,2 como uma perda lenta, progressiva e irreversível das funções renais; uma condição na qual os rins não apresentam mais funcionalidade por resultado da destruição dos néfrons,1,3 resultando na incapacidade de o organismo manter o equilíbrio metabólico e hidroeletrolítico renal.4,5 Tem-se como disfunção renal uma Taxa de Filtração Glomerular (TFG) menor que 60 mL/ min./1,73 m2, por um período superior a três meses; e, quando atinge níveis de TFG menores do que 15 mL/ min./1.73 m2, é denominada DRC na fase terminal.6Nesta fase, o tratamento de escolha substitutivo da função renal mais utilizado é a hemodiálise (HD).4,6,7

Apesar de os avanços na HD terem melhorado a sobrevida dos pacientes, tal tratamento, isoladamente, não garante a preservação da QV e alguns estudos demonstram reduções significantes na QV de pacientes renais crônicos em HD.7 Estes achados são relacionados às alterações apresentadas na estrutura e na função muscular, decorrentes do quadro urêmico,8que podem se manifestar pela atrofia, fraqueza muscular proximal, predominantemente nos membros inferiores, dificuldade na marcha, câimbras, astenia e diminuição da capacidade aeróbia.7,8O tratamento hemodialítico é responsável por um cotidiano monótono e restrito, tornando as atividades dos indivíduos com insuficiência renal limitadas após o início do tratamento, contribuindo e favorecendo, desta forma, o sedentarismo, a deficiência funcional e a inatividade.9

Assim, a prática de atividade física, identificada como um importante determinante na melhora da QV, entre os pacientes em HD, pode melhorar, entre tantas outras condições, o desempenho físico nas atividades de vida diária (AVD).10 A fisioterapia contribui de forma significativa na prevenção, no retardo da evolução e na melhoria de várias complicações apresentadas pelo paciente renal.11 Mas os programas de exercícios existentes para esses pacientes, em sua maioria, não são realizados durante a HD.12 Vários estudos revelam que a fisioterapia durante as sessões de HD pode ser parte significativa da reabilitação física neste pacientes.13 Apesar de ser um tema de relevância atual, pouco se tem estudado a respeito da reabilitação de pacientes portadores de DRC submetidos à HD. Desta forma, o presente trabalho foi proposto com o objetivo de avaliar os benefícios de um programa de fisioterapia aplicado, antes e após 16 meses, a pacientes com DRC durante a HD.

MÉTODOS

PACIENTES E MÉTODOS

Foram avaliados 75 pacientes (40 homens e 35 mulheres) com DRC em HD, do serviço de Diálise do departamento de Nefrologia do Hospital Felício Rocho (HFR), de Belo Horizonte, MG, com idade entre 29 e 82 anos, há mais de 3 meses realizando a HD, em média de 3,7h por sessão (mínimo de 3,5h e máximo de 4h), 3 vezes por semana. Esta pesquisa constituiu-se da análise prospectiva de um programa de exercícios físicos direcionados a pacientes com IRC submetidos à hemodiálise. O trabalho foi realizado após a aprovação da Comissão de Ética desta instituição e consentimento formal e esclarecido dos pacientes.

Foram excluídos do programa pacientes portadores de doença prévia do sistema respiratório, doenças neurológicas, doenças cardiovasculares graves, doenças ou comprometimentos físicos que incapacitem o estudo (amputação, trombose venosa profunda, hemorragia ativa em sistema gastrointestinal) e eletrocardiograma, de controle do setor, compatível e indicando doença cardíaca grave ou possível isquemia miocárdica. Portanto, 19 pacientes foram excluídos devido às alterações no eletrocardiograma, bem como já classificados previamente pelo serviço médico do hospital como cardiopatas grave classe funcional III. Desta forma, o estudo foi realizado com 56 pacientes: 34 homens e 22 mulheres. Todos os pacientes possuíam pelo menos uma comorbidade, dentre as quais as principais eram hipertensão arterial sistêmica (59%) e diabetes mellitus (21%). Todos os pacientes que faziam uso de fármacos anti-hipertensivos permaneceram com suas posologias inalteradas durante todo período do estudo.

Os participantes foram avaliados antes do início do protocolo de treinamento e após, decorridos 16 meses, por meio do questionário genérico Medical Outcomes Study Short-Form 36 (SF-36),14 escala de BORG15de nível de percepção ao esforço físico, teste de caminhada de 6 minutos (TC6M)16 e pelo teste de força muscular manual de 1 repetição máxima (1RM)17 para extensores de joelho. O atendimento fisioterapêutico foi realizado 5 minutos depois do início da HD, com o aval do médico e técnico de hemodiálise; tendo sua duração de 20 minutos. As frequências respiratórias e cardíacas (FR e FC respectivamente) e pressão arterial (PA) eram mensuradas antes e após a sessão de fisioterapia. A avaliação da QV ocorreu por meio do questionário genérico SF-36.14Embora este questionário seja instrumento autoaplicável, fez-se de forma direta por meio de entrevista pelo mesmo pesquisador, a fim de que o paciente não tivesse dúvidas no entendimento das questões. Caso houvesse dúvida, o pesquisador repetia a questão até que o paciente soubesse escolher a alternativa a qual a julgasse como resposta mais adequada.

O Teste de caminhada foi realizado segundo as diretrizes da American Thoracic Society.18 Foram realizados em uma pista plana de 30 metros (corredor do próprio hospital), demarcada por fitas brancas, de fácil visualização, a cada metro. Antes de iniciar os testes, os pacientes permaneceram em repouso por 10 minutos, sentados, para a estabilização dos seus sinais vitais. O teste foi realizado antes da sessão de hemodiálise, sendo o paciente orientado a caminhar durante 6 minutos, de um extremo ao outro da pista, com a maior velocidade possível. Foram avaliados no início, nos 3 minutos e 6 minutos de teste, os sinais vitais: PA, FC e FR. A cada 2 minutos de teste, os pacientes foram incentivados por frases padronizadas. Durante o teste, foi utilizado um oxímetro (modelo Onyx 9500; Nonin Medical Inc., Minneapolis, MN, EUA) de dedo para monitorização contínua da saturação periférica de oxigênio (SpO2). O nível de dispneia durante o TC6M foi avaliado por meio da escala de Borg.

O paciente foi orientado a interromper o teste quando sentisse muito cansaço, dispneia, taquicardia, tonturas ou outros sintomas de desconforto. Em caso de SpO2 com níveis abaixo de 85%, o teste também era interrompido; porém, não houve tal fato tanto durante a avaliação quanto na reavaliação. Os exercícios propostos foram realizados três vezes por semana, durante 16 meses, com duração de 20 minutos e durante as 2 horas iniciais de HD. O programa de exercícios foi composto e executado nesta ordem: 10 minutos de bicicleta ergométrica (2 minutos iniciais e finais de aquecimento e resfriamento, respectivamente), fortalecimento de MMSS e MMII com pesos, bola e theraband, alongamento muscular estático passivo. Utilizaram-se halteres e bola manual para treino de vasculatura de fístula. Durante o exercício com o membro que detinha a fístula arteriovenosa, foram constantemente monitorizadas as pressões venosas e arteriais da fistula com o monitor digital da própria máquina de HD. O treino de bicicleta estacionária foi realizado dentro de uma faixa-alvo que era representada pela FC com limites de 60 a 70% da FC de treinamento.19

O treinamento em bicicleta foi iniciado com carga zero, logo após, velocidade e carga eram reguladas a fim de manter a FC dentro da zona de treinamento calculada previamente. De acordo com a melhor tolerância a este esforço, pelo paciente, foram adicionadas cargas gradativas e aumentadas as velocidades. Foram registrados PA, FC, FR, SpO2 e avaliado o nível de percepção de esforço utilizando-se a escala de Borg no início, meio e término do treinamento na bicicleta. Os pacientes foram instruídos a interromper o exercício quando ocorressem tais sintomas: cefaleia, enjoo, tonteiras, fadiga muscular intensa ou qualquer outro sintoma muscular debilitante. Todas as sessões de treinamento realizadas foram supervisionadas pelo fisioterapeuta.

ANÁLISE ESTATÍSTICA

Os dados colhidos foram armazenados em banco de dados criado a partir do software Microsoft Excel 2003® para posterior realização de análise estatística descritiva e comparativa dos resultados. O programa estatístico utilizado foi Satistical Package for the Social Sciences, versão 16.0 (SPSS 16.0); SPSS Inc., Chicago, IL, EUA. Os resultados das variáveis estudadas foram expressos como média ± desvio-padrão, apresentando-se o valor de mediana quando indicado. Para avaliar a comparação entre as médias das distâncias percorridas no TC6M antes e depois do programa fisioterapêutico, foi utilizado o teste t pareado. Empregou-se o teste t para averiguar diferenças estatisticamente significantes entre as médias dos domínios e escores totais do questionário SF-36 antes e depois do programa fisioterapêutico. Para o teste de 1RM, FC, FR, PA foi utilizado o teste de postos de Wilcoxon. Considerou-se estatisticamente significante quando p < 0,05. Para se verificar a correlação entre os escores do questionário SF-36, distância percorrida no TC6M e escala de BORG, utilizou-se o coeficiente de Spearman; adotando índice de confiabilidade de 95% (IC 95%) e p < 0,05.

RESULTADOS

A análise da população estudada apresentou 22 mulheres (40%), com idades entre 29 e 66 anos e média de 43,5 anos; e 34 homens (60%), com idades entre 28 e 82 anos e média de 56,4 anos. Observou-se que 42% dos pacientes tiveram como diagnóstico etiológico da doença renal a nefroesclerose hipertensiva, 26% nefropatia diabética, 18% glomerulonefrite crônica e 14% nefropatias túbulos-intersticiais e outros diagnósticos. O tempo de tratamento hemodialítico entre 3 e 48 meses, média de 38,2 meses para as mulheres; e de 4 e 60 meses, com média de 50,9 meses para os homens. O tempo médio de tratamento hemodialítico da população total do estudo foi de 39,6 ± 36 meses.

Os resultados da análise dos domínios do questionário SF-36, antes e depois da intervenção fisioterapêutica, estão descritos na Tabela 1. Na avaliação da qualidade de vida dos pacientes estudados, observamos melhoria estatisticamente significativa apenas nos domínios relacionados à Capacidade funcional e à dor.

A força muscular de quadríceps (FM) bilateralmente obteve, verificando sua significância pelo teste de Wilcoxon, um valor mínimo de 3 - antes da intervenção; e após, este valor mínimo obtido passou a ser 4. Os valores máximos antes e após a fisioterapia passaram a ser, respectivamente, 4 e 5 (p < 0,001).

Antes dos pacientes serem submetidos ao programa fisioterapêutico a FC, FR e PAS assumiram em média, no início do TC6M, respectivamente, os valores de 82,77 ± 15,77 bpm, 18,49 ± 2,06 irpm e 124,57 ± 11,46 mmHg. Os valores médios, no final do teste, foram 97,57 ± 16,82 bpm, 22,26 ± 2,46 irpm e 133,43 ± 15,52 mmHg. Após os 16 meses de treinamento, fez-se novamente o TC6M e os valores médios obtidos de FC, FR e PAS antes e após o teste foram: 82,29 ± 14,78 bpm e 93,89 ± 15,71 bpm; 17,23 ± 2,16 irpm e 19,14 ± 2,35 irpm e 124,29 ± 11,19 mmHg e 131,43 ± 13,54 mmHg. Já a PAD, monitorizada antes e após o programa fisioterapêutico, tanto antes do TC6M quanto depois, permaneceu, em média, de 80,75 ± 2,46 mmHg (Tabela 2).

É possível observar que as diferenças (entre valor antes do programa e depois) entre as frequências cardíacas e respiratórias são estatisticamente diferentes. Isto é, houve uma alteração significativa na diferença entre essas frequências nos dois momentos distintos de medição. Já a diferença da pressão arterial não apresentou alteração com significância estatística.

Os escores da Escala de Borg inicial tiveram média de 0,97 ± 0,98 e mediana igual a 0,50. Já a Escala de Borg final apresentou média de 0,43 ± 0,47 e valor mediano igual ao inicial, 0,50 (p < 0,001). Essa diferença estatisticamente significativa entre estes escores mostra que os pacientes após o programa fisioterapêutico se cansaram menos, ou menos dispneicos, para realizar o TC6M em uma distância maior.

Observou-se, também, que a distância média percorrida TC6M antes dos exercícios foi de 545,57 ± 88,27 m e valor mediano foi igual a 545 m. Após a intervenção fisioterapêutica, o valor de distância média percorrida no TC6M foi igual a 599,94 ± 87,73 m; e a mediana desta variável assumiu o valor de 612 m percorridos. Assim, observamos que a distância percorrida pelos pacientes após o programa fisioterapêutico aumentou significativamente (p < 0,001).

Com o uso de testes para verificar a distribuição dos escores do questionário SF-36 antes e após o programa, foi utilizado o coeficiente de correlação de Spearman para avaliar a relação entre os escores e a distância percorrida pelo paciente (Tabela 3). O aumento da distância percorrida, média de 54,37 m, após o programa fisioterapêutico, mostrou relação positiva estatisticamente significativa, ao nível de 5%, entre os escores do questionário SF-36: CF e dor. Houve correlação, dentro do IC 95%, entre diminuições na FC e FR, atreladas à redução na escala de BORG (p < 0,043). Todavia, não se obteve correlação desta escala com a PA (p < 1,192).

DISCUSSÃO

Os resultados demonstraram alguns aspectos relevantes: os exercícios físicos propostos, feitos de forma regular, mesmo durante as sessões de hemodiálise, propiciaram melhora de alguns parâmetros estudados, como redução da FC e FR junto à estabilização da PAS, tanto durante práticas de resistência quanto de treino de força. A significativa melhora na qualidade de vida foi acompanhada do aumento na tolerância dos exercícios propostos, redução nos níveis de dor e melhora do desempenho em AVD, como caminhar. O aumento de 54 m no TC6M, após o programa fisioterapêutico, demonstra melhora na capacidade de deambulação e, concomitantemente, na capacidade de realizar exercícios ou outras tarefas que demandem resistência física.

Foi utilizado, como treinamento cardiovascular, bicicleta ergométrica por 10 minutos e suas cargas, segundo o programa proposto. Vários estudos20,21 verificaram que, após as duas primeiras horas de hemodiálise, o exercício submáximo utilizando um cicloergômetro pode gerar ou piorar uma descompensação cardiovascular, como hipotensão arterial sistêmica. Assim, a realização do trabalho aeróbico com bicicleta cicloergométrica estacionária foi durante as primeiras 2,5 horas de hemodiálise. O treinamento aeróbico com bicicleta ergométrica estacionária contribuiu com a redução estatisticamente significativa das FC, FR e sensação de esforço durante esta prática. A PAS não sofreu aumento ou rebaixamento significativo com este treino; tais achados corroboram com os achados de outros estudos;7,22 porém, estes autores identificaram redução da PAS.

Para se notar um efeito significativo de redução das pressões, alguns estudos23 apontam utilização de um programa aeróbico por 2 a 4 anos. Isto decorre da inapetência do sistema cardiovascular do paciente renal crônico em responder de forma aguda ao exercício. Desta forma, estas adaptações provavelmente serão mais notadas de forma crônica. Já as adaptações neurorreceptivas cardíacas e musculoesqueléticas, como a alteração de FC e vasodilatação periférica respectivamente, decorrem da alteração da volemia, retorno venoso e demanda metabólica frente ao tipo de exercício.24 Estas adaptações possuem um caráter agudo, justificando tanto os dados encontrados quanto sua redução após o tratamento fisioterápico; mais especificamente relacionadas ao treino aeróbico e, consequentemente, melhorando a capacidade cardiorrespiratória atrelada ao rebaixamento significativo de sensação de esforço e dispneias avaliadas pela escala de BORG.

Com a melhora significativa observada da força muscular dos músculos extensores de joelho, há indicação de que o treinamento com os exercícios propostos trouxe benefícios nas AVD que exigem estas musculaturas, além do caminhar, o subir e descer escadas, tão presentes em várias situações cotidianas, como subir e descer de coletivos. Junto destes benefícios, o paciente renal crônico melhora sua autonomia, independência pessoal e possibilita maior reintegração social.25,26Estudos evidenciaram que o exercício físico em pacientes durante a hemodiálise pode melhorar as desordens musculares, proporcionando aos mesmos melhora na força de membros inferiores e na qualidade de vida.27-30Alguns estudos que apresentam dados sobre avaliação da força muscular, em torno de 83,3% destes, relataram aumento na mesma (variando em média de 15,5% a 82%) após período de treinamento de 3 meses. Os regimes de treinamento nestes trabalhos foram de intensidade leve a moderada, variando de 50% de 1RM 5 a 85% de 3 RM. Tais fatos permitem pressupor que, mesmo em menores intensidades de treinamento, pode ocorrer ganho de FM na maioria dos indivíduos, o que reduziria o impacto negativo gerado pela diminuição da atividade física nesta população.12

Quanto à avaliação da qualidade de vida, antes do programa, os resultados do questionário SF-36 evidenciaram comprometimento em todos os domínios analisados. Houve uma melhora nos escores totais, em 28%; consoante a vários trabalhos descritos na literatura.28 Os incrementos dos valores médios significativos dentro do questionário SF-36, após o programa, foram nas dimensões CF e dor, ou seja, todas relacionadas ao componente de aspectos físicos. Essas dimensões avaliam principalmente o desempenho nas AVD, no trabalho, na sensação de desânimo, falta de energia e dor, cujos sintomas estão direta e frequentemente relacionados às maiores queixas dos pacientes renais crônicos. O aumento no escore destes dois domínios do questionário SF-36, depois da fisioterapia, sugere, principalmente por meio da analise de correlações de Spearman, que o exercício físico, pelo aumento de funcionalidade (FM e demais variáveis trabalhadas neste programa fisioterapêutico), foi importante para melhorar a percepção do seu estado físico, bem como interação, integração e reabilitação do indivíduo ao cotidiano social. Nossos resultados corroboram com vários outros estudos que identificaram apenas melhora na função física;31 os quais inferem a melhoria da QV ser preponderantemente devida aos resultados dos componentes de aspecto físico trabalhado por meio dos exercícios aeróbicos e anaeróbicos durante HD.32

CONCLUSÃO

Pelos resultados obtidos neste estudo, os quais corroboram com outros estudos descritos na literatura, observa-se que a fisioterapia, com base em um programa de exercícios durante a hemodiálise, poderia proporcionar melhora significativa da qualidade de vida e capacidade física dos pacientes renais crônicos.

Data de submissão: 27/12/2012.

Data de aprovação: 04/07/2013.

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  • Correspondência para:

    Saulo Freitas da Silva
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Out 2013
    • Data do Fascículo
      Set 2013

    Histórico

    • Recebido
      27 Dez 2012
    • Aceito
      04 Jul 2013
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