Acessibilidade / Reportar erro

Hematoma perirrenal espontâneo em paciente lúpica submetida a tratamento hemodialítico e portadora cistos renais adquiridos

Spontaneous perirenal hematoma in a lupic patient on haemodialysis treatment and with renal cysts

Resumos

A hemorragia perirrenal espontânea apresenta-se mais comumente como dor súbita no flanco ipsilateral, sem história de trauma. A doença renal cística adquirida é um achado frequente em pacientes sob tratamento hemodialítico crônico. Entretanto, a hemorragia espontânea proveniente da ruptura dos cistos é uma entidade clínica rara. Descrevemos o caso de uma paciente do sexo feminino, 45 anos, portadora de hipertensão arterial sistêmica controlada há 8 anos, de insuficiência renal crônica por 15 anos e de nefrite lúpica há 2 anos, em tratamento hemodialítico três vezes por semana desde 2006, e que apresentava concomitantemente doença renal cística adquirida. Foi admitida no setor de emergência queixando-se de aparecimento súbito de dor em região toracoabdominal esquerda. Diagnosticou-se hematoma perirrenal por meio de ultrassonografia e tomografia computadorizada de abdômen. A paciente foi submetida à embolização da artéria renal esquerda, com boa evolução.

diálise renal; doenças renais císticas; hemorragia; insuficiência renal crônica


The spontaneous perirenal hemorrhage usually presents as sudden pain in the side ipsilateral, no history of trauma. Acquired cystic kidney disease is a common finding in chronic hemodialysis patients. However, spontaneous bleeding from the rupture of the cyst is a rare clinical entity. We describe the case of a female patient, 45 years old, with controlled hypertension for 8 years, chronic renal failure for 15 years and lupus nephritis 2 years ago, undergoing hemodialysis three times a week since 2006, and who presented concurrently acquired cystic kidney disease. She was admitted to the emergency department complaining of sudden onset of pain in the thoraco-abdominal left. Perirenal hematoma was diagnosed by ultrasound and computed tomography of the abdomen. The patient underwent embolization of left renal artery, with good evolution.

hemorrhage; kidney diseases; kidney diseases, cystic; renal dialysis; renal insufficiency, chronic


RELATO DE CASO CASE REPORT

Hematoma perirrenal espontâneo em paciente lúpica submetida a tratamento hemodialítico e portadora cistos renais adquiridos

Spontaneous perirenal hematoma in a lupic patient on haemodialysis treatment and with renal cysts

Juliana Lins LoureiroI; Katienne Goes MendonçaI; Georgia de Araújo PachecoI; Maria Fernanda Lucena SoutinhoI; Gustavo Álvares PresídioI; André Felipe dos Santos FerreiraI; Agenor Antônio Barros da SilvaII; Fernando Melro Silva da RessurreiçãoIII; Ebeveraldo Amorim GouveiaIV; Carlos Alexandre Ferreira de OliveiraII; Marcio Fernando Costa MedeirosV; Rogério César Correia BernardoVI

IAcadêmico(a) de Medicina

IINefrologista

IIISP-Ribeirão Preto

IVEscola Paulista de Medicina

VRadiologista Intervencionista

VIUrologista

Correspondência para Correspondência para: Katienne Goes Mendonça UNIRIM Rua Comendador Antônio Ferreira, nº 29, Gruta de Lourdes Maceió, AL, Brasil. CEP: 57052-640 E-mail: katienne@msn.com

RESUMO

A hemorragia perirrenal espontânea apresenta-se mais comumente como dor súbita no flanco ipsilateral, sem história de trauma. A doença renal cística adquirida é um achado frequente em pacientes sob tratamento hemodialítico crônico. Entretanto, a hemorragia espontânea proveniente da ruptura dos cistos é uma entidade clínica rara. Descrevemos o caso de uma paciente do sexo feminino, 45 anos, portadora de hipertensão arterial sistêmica controlada há 8 anos, de insuficiência renal crônica por 15 anos e de nefrite lúpica há 2 anos, em tratamento hemodialítico três vezes por semana desde 2006, e que apresentava concomitantemente doença renal cística adquirida. Foi admitida no setor de emergência queixando-se de aparecimento súbito de dor em região toracoabdominal esquerda. Diagnosticou-se hematoma perirrenal por meio de ultrassonografia e tomografia computadorizada de abdômen. A paciente foi submetida à embolização da artéria renal esquerda, com boa evolução.

Palavras-chave: diálise renal; doenças renais císticas; hemorragia; insuficiência renal crônica.

ABSTRACT

The spontaneous perirenal hemorrhage usually presents as sudden pain in the side ipsilateral, no history of trauma. Acquired cystic kidney disease is a common finding in chronic hemodialysis patients. However, spontaneous bleeding from the rupture of the cyst is a rare clinical entity. We describe the case of a female patient, 45 years old, with controlled hypertension for 8 years, chronic renal failure for 15 years and lupus nephritis 2 years ago, undergoing hemodialysis three times a week since 2006, and who presented concurrently acquired cystic kidney disease. She was admitted to the emergency department complaining of sudden onset of pain in the thoraco-abdominal left. Perirenal hematoma was diagnosed by ultrasound and computed tomography of the abdomen. The patient underwent embolization of left renal artery, with good evolution.

Keywords: hemorrhage; kidney diseases; kidney diseases, cystic; renal dialysis; renal insufficiency, chronic.

INTRODUÇÃO

O hematoma perirrenal espontâneo (HPE), primeiramente descrito por Wunderlich, em 18561, é um evento pouco comum que pode manifestar-se como franco choque hipovolêmico.1-4

Sua patogênese ainda não está bem esclarecida. Um aumento súbito na pressão da veia renal foi proposto por Polkey & Vynalek como justificativa para a ruptura do parênquima.5 Outra hipótese é o crescimento rápido do tumor promover obstrução das tributárias da veia renal. Desse modo, quando a oclusão é completa, aumenta a congestão local e o parênquima rompe-se.6 É possível, ainda, que a necrose promovida pelo crescimento tumoral leve à ruptura e hemorragia subsequente. Nos angiomiolipomas, há neoformação vascular, com vasos de paredes finas e tortuosos, geralmente sem tecido elástico, sendo propícios ao sangramento.7

Dentre as etiologias não traumáticas, a mais comum é o carcinoma de células renais, seguida do angiomiolipoma renal. Outras condições possíveis incluem distúrbios vasculares, como a poliarterite nodosa, discrasias sanguíneas e infecções. Apesar da elevada prevalência dos cistos renais, sua ruptura promovendo HPE maciça é extremamente rara.1,3,8,9

A abordagem inicial desses pacientes baseia-se no encontro da hemorragia e na determinação etiológica. Desse modo, o diagnóstico radiológico tem papel fundamental nesse processo.10

O advento e os avanços tecnológicos da tomografia computadorizada e radiologia intervencionista tornaram possível o tratamento conservador desta morbidade por meio de embolização arterial e transfusões sanguíneas.1,11

RELATO DE CASO

IDENTIFICAÇÃO

Sexo feminino, 45 anos, casada, aposentada, católica.

QUEIXA PRINCIPAL

Aparecimento súbito de dor em região toracoabdominal esquerda.

HISTÓRIA DA DOENÇA ATUAL

A paciente foi admitida na emergência de um hospital privado de Maceió, AL, devido ao aparecimento súbito de dor, em repouso, em região toracoabdominal esquerda, associada a náuseas e vômitos, evoluindo para localização em fossa ilíaca esquerda. Não apresentava história de trauma recente.

ANTECEDENTES PESSOAIS

A paciente é portadora de hipertensão arterial sistêmica controlada há 8 anos, de insuficiência renal crônica há 15 anos e de nefrite lúpica há 2 anos. Sem hepatopatia. Em uso Losartana 100 mg, Atenolol 25 mg, Metildopa 500 mg, Besilato de anlodipino 20 mg, Fusoremida 40 mg, Complexo B, Renagel, Meticorten, Eritropoetina. Nega uso de anti-inflamatórios não estereoidais. Encontra-se em programa regular de hemodiálise três vezes por semana desde 2006, com heparina não fracionada 50 UI/kg de peso e Ktv de 1,4. Apresenta sorologias negativas para vírus de hepatite B, C, HIV.

EXAME CLÍNICO

Ansiosa, hidratada, afebril, com mucosas conjuntivais hipocoradas, hemodinamicamente estável, pressão arterial na admissão 150 x 90 mmHg, abdome doloroso difusamente, com intensificação da dor à palpação profunda da fossa ilíaca esquerda, sem sinais de irritação peritoneal. Realizou-se a rotina radiológica de abdômen agudo, que não apresentou alterações. A ultrassonografia abdominal demonstrou rim esquerdo atrófico com presença de cistos e perda da relação córtico-subcortical, rim esquerdo aumentado de volume com perda da relação córtico-medular, além de líquido livre na cavidade abdomino-pélvica, e indicou tomografia computadorizada (TC) para complementação diagnóstica. A TC de abdômen demonstrou hematoma perirrenal volumoso (Figura 1). Evoluiu com queda do hematócrito, de 31% para 25,6% em dois dias e da hemoglobina, de 9,4 g/dL para 8,6 g/dL em três dias; sem a presença de atividade lúpica. Devido ao alto risco cirúrgico da paciente, optou-se pela realização de arteriografia e embolização da artéria renal esquerda (Figura 2), sem intercorrências. Permaneceu quatro dias na unidade de terapia intensiva, onde apresentou episódios dolorosos, cujo controle permitiu encaminhamento à enfermaria. Manteve-se em hemodiálise sem heparina por 1 mês. Após 10 dias, recebeu alta hospitalar.



DISCUSSÃO

Na revisão de literatura mais recente sobre hematoma perirrenal espontâneo, realizada em 2002, Zhang et al. analisaram 165 relatos de caso entre 1985 e 1999, encontrando, como etiologia do sangramento, neoplasias em 61% dos casos, sendo 31,5% benignas e 29,7% malignas, alterações vasculares em 17%.11

A síndrome de Wunderlich é um evento raro e se caracteriza pelo início agudo de hemorragia renal espontânea, que se apresenta pela tríade de Lenk: dor lombar intensa, massa retroperitoneal e sinais de hemorragia interna.12,13 A associação com hemodiálise crônica, doença renal cística adquirida e a LES torna o caso ainda mais infrequente.12

Existe apenas um caso de síndrome de Wunderlych relatado na literatura brasileira, também associado a uma condição reumatológica, a poliarterite nodosa.14

A ultrassonografia é bastante útil por ser um exame de fácil acesso e pela possibilidade de rápida identificação de doença renal. Entretanto, é pouco preciso para a identificação do hematoma perirrenal, podendo o mesmo ser interpretado erroneamente como um tumor ou abcesso. O melhor método diagnóstico é a TC de abdômen com contraste. Ela nos permite estabelecer o local, o tamanho e, muitas vezes, a causa subjacente do sangramento.15,16 Quando a TC estiver indisponível, pode-se optar por ressonância magnética. A angiografia tem sua utilidade na detecção de doenças vasculares associadas, como um aneurisma de artéria visceral, principalmente quando se faz necessária uma embolização de emergência.15,16

Caso a TC não identifique alguma alteração renal, adrenal ou vascular, o paciente deverá ser abordado conservadoramente, e far-se-á necessário repetir TC em três meses, para pesquisar lesões ocultas pelo hematoma.17-19

A nefrectomia é proposta por vários autores para os pacientes em que a etiologia do sangramento não era identificada e o rim contralateral não apresentava alterações, objetivando tratar uma possível neoplasia maligna em estágio subclínico. Esta abordagem é controversa, pois, nos estudos de Zhang et al., a maioria dos pacientes submetidos à nefrectomia total (57%) não apresentava alterações sugestivas de malignidade.11,15

Nos casos em que haja instabilidade hemodinâmica após o tratamento conservador, ou mesmo embolização arterial, a nefrectomia total é a opção terapêutica de escolha, mesmo quando a doença subjacente seja benigna. Não se justifica a realização de nefrectomia profilática.15,17-19

No nosso caso, a história de uremia, hemodiálise com administração de heparina e doença renal cística adquirida são fatores de risco para sangramento. O diagnóstico foi realizado pela ultrassonografia e TC, mas as imagens não revelaram tumor renal. A paciente beneficiou-se do tratamento endovascular intervencionista, com realização de embolização arterial, apresentando boa evolução. Faz-se necessária observação seriada com CT para que se possa detectar precocemente uma possível neoplasia.

Data de submissão: 25/11/2011.

Data de aprovação: 16/02/2013.

  • 1. Lin YY, Chen JD, How CK, Yen DH. Spontaneous perinephric hemorrhage from a hemorrhagic renal cyst. Intern Med 2010;49:2189-90. http://dx.doi.org/10.2169/internalmedicine.49.4021 PMid:20930454
  • 2. Wunderlich CRA. Handbuch der Pathologie und Therapie, 2nd ed. Stuttgart: Ebner & Seubert; 1856.
  • 3. Daskalopoulos G, Karyotis I, Heretis I, Anezinis P, Mavromanolakis E, Delakas D. Spontaneous perirenal hemorrhage: a 10-year experience at our institution. Int Urol Nephrol 2004,36:15-9. http://dx.doi.org/10.1023/B:UROL.0000032680.65742.9a PMid:15338665
  • 4. Beaumont-Caminos C, Jean-Louis C, Belzunegui-Otano T, Fenández-Esain B, Martínez-Jarauta J, García-Sanchotena JL. Wünderlich syndrome: an unusual cause of flank pain. Am J Emerg Med 2011;29:474.e1-3.
  • 5. Polkey HJ, Vynalek WJ. Spontaneous nontraumatic perirenal and renal hematomas. An experimental and clinical study. Arch Surg 1933;26:196-202. http://dx.doi.org/10.1001/archsurg.1933.01170020030002
  • 6. Nativ O, Lindner A, Goldwasser B, Many M. Spontaneous rupture of renal angiomyolipoma. Report of three cases. Eur Urol 1984;10:345-6. PMid:6519138
  • 7. Lemaitre L, Claudon M, Dubrulle F, Mazeman E. Imaging of angiomyolipomas. Semin Ultrasound CT MR 1997;18:100-14. http://dx.doi.org/10.1016/S0887-2171(97)90054-8
  • 8. Somani BK, Nabi G, Thorpe P, Swami S. Spontaneous life-threatening perirenal haemorrhage: an uncommon urological emergency. Emerg Radiol 2005;12:55-6. http://dx.doi.org/10.1007/s10140-005-0439-7 PMid:16333610
  • 9. Ku JH, Kim JK, Ha S, Lee JW. Bilateral spontaneous perirenal haemorrhage in a patient on haemodialysis. NDT Plus 2009;2:412-4. http://dx.doi.org/10.1093/ndtplus/sfp091
  • 10. Sebastià MC, Pérez-Molina MO, Alvarez-Castells A, Quiroga S, Pallisa E. CT evaluation of underlying cause in spontaneous subcapsular and perirenal hemorrhage. Eur Radiol 1997;7:686-90. http://dx.doi.org/10.1007/BF02742926 PMid:9166566
  • 11. Zhang JQ, Fielding JR, Zou KH. Etiology of spontaneous perirenal hemorrhage: a meta-analysis. J Urol 2002;167:1593-6. http://dx.doi.org/10.1016/S0022-5347(05)65160-9
  • 12. Albi G, del Campo L, Tagarro D. Wünderlich's syndrome: causes, diagnosis and radiological management. Clin Radiol 2002;57:840-5. PMid:12384111
  • 13. Reiter WJ, Haitel A, Heinz-Peer G, Pycha A, Marberger M. Spontaneous nontraumatic rupture of a contracted kidney with subcapsular and perirenal hematoma in a patient receiving chronic hemodialysis. Urology 1997;50:781-3. http://dx.doi.org/10.1016/S0090-4295(97)00394-4
  • 14. Schade L, Akish DT, Aragão SC, Frandolo GA, Paiva ES. Hematoma perirrenal e envolvimento da artéria temporal em paciente com poliarterite nodosa (PAN). Rev Bras Reumatol 2009;49:456-61. http://dx.doi.org/10.1590/S0482-50042009000400011
  • 15. Chang TH, Wu WJ, Hsiao HL, Yeh HC, Huang CH, Lee YC. Spontaneous perirenal hematoma: a case report. Kaohsiung J Med Sci 2005;21:578-81. http://dx.doi.org/10.1016/S1607--551X(09)70211-6
  • 16. Oon SF, Murphy M, Connolly SS. Wunderlich syndrome as the first manifestation of renal cell carcinoma. Urol J 2010;7:129-32. PMid:20535702
  • 17. Belville JS, Morgentaler A, Loughlin KR, Tumeh SS. Spontaneous perinephric and subcapsular renal hemorrhage: evaluation with CT, US, and angiography. Radiology 1989;172:733-8. PMid:2672096
  • 18. Bosniak MA. Spontaneous subcapsular and perirenal hematomas. Radiology 1989;172:601-2. PMid:2772165
  • 19. Brkovic D, Moehring K, Doersam J, Pomer S, Kaelble T, Riedasch G, et al. Aetiology, diagnosis and management of spontaneous perirenal haematomas. Eur Urol 1996;29:302-7. PMid:8740036
  • Correspondência para:

    Katienne Goes Mendonça
    UNIRIM
    Rua Comendador Antônio Ferreira, nº 29, Gruta de Lourdes
    Maceió, AL, Brasil. CEP: 57052-640
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      25 Nov 2011
    • Aceito
      16 Fev 2013
    Sociedade Brasileira de Nefrologia Rua Machado Bittencourt, 205 - 5ºandar - conj. 53 - Vila Clementino - CEP:04044-000 - São Paulo SP, Telefones: (11) 5579-1242/5579-6937, Fax (11) 5573-6000 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: bjnephrology@gmail.com