Baixo peso ao nascer e consequências renais: precisamos conhecer para prevenir

O nascimento prematuro é um significativo problema de saúde pública devido às suas implicações em morbidade e mortalidade neonatal, e sua complexa etiologia dificulta o estabelecimento de ações de prevenção e o tratamento de suas complicações1. As principais causas maternas incluem complicações na gravidez (pré-eclâmpsia/eclâmpsia, hemorragia materna, descolamento prematuro da placenta e placenta prévia), comorbidades, como diabetes e outras doenças crônicas que antecedem a gravidez, além de doenças renais ou cardíacas2. Fatores ambientais como exposição à poluição, estresse, drogas, agentes tóxicos e problemas nutricionais parecem influenciar na mudança da programação do desenvolvimento da doença3.

Os recém-nascidos (RN) prematuros têm sua nefrogênese alterada, e a redução no número de néfrons, que é agravada pela restrição do crescimento intrauterino (RCIU), parece exacerbar a perda de néfrons. Até o momento, poucos estudos investigaram o papel da redução do número de néfrons em relação ao comprometimento renal neonatal4.

Yu et al.5, em meta-análise publicada recentemente, confirmaram a associação inversa entre peso ao nascer e doença renal crônica (DRC), observada em estudos anteriores, e revelaram a base genética materna compartilhada entre baixo peso ao nascer e DRC, e os efeitos causais fetal direto e materno indireto do peso ao nascer que podem levar a esse fator negativo5.

Além de DRC, há diversos estudos que confirmam a associação entre baixo peso ao nascer (BPN), nascimento prematuro e lesão renal aguda (LRA). Wu et al.6, em meta-análise de 50 artigos envolvendo mais de 10 mil prematuros e RN de baixo peso, avaliaram a incidência e o impacto da LRA. A incidência de LRA foi de 25%, e aqueles com LRA tiverem risco de óbito significativamente maior. No estudo “Renal deficit and associated factors in children born with low birth weight”, os autores demonstram que RN com BPN têm maior prevalência de comprometimento da função renal, que pode ser agravado pelo uso de nefrotoxinas, e reforçam a necessidade de avaliar a função renal nessas crianças7.

A nefrotoxicidade induzida por medicamentos é uma causa frequente e subdiagnosticada de LRA no período neonatal. Em um estudo com 107 prematuros com peso de nascimento menor de 1500g, Rhone et al.8 observaram que 86% dos pacientes foram expostos a pelo menos uma medicação nefrotóxica, sendo que as mais frequentes foram a gentamicina e a indometacina, e um quarto dos pacientes apresentou LRA. Nessa amostra, nenhum paciente que não recebeu medicações nefrotóxicas teve LRA.

Os RN com restrição de crescimento intrauterino nascem com menos néfrons funcionantes e os prematuros não completam a nefrogênese no momento do nascimento; nos dois casos, o tratamento com medicamentos nefrotóxicos pode causar diminuição adicional no número de néfrons. Dados experimentais mostraram uma clara associação entre exposição a medicamentos nefrotóxicos e alteração da nefrogênese8,9.

As medicações nefrotóxicas recebidas durante a vida fetal e durante a nefrogênese pós-natal podem interferir no desenvolvimento dos néfrons, contribuindo para aumentar ainda mais o risco de doença renal crônica na idade adulta de crianças nascidas prematuramente10.

Como medida de prevenção, a vigilância sistemática da exposição a medicamentos nefrotóxicos e a contínua avaliação de risco para LRA nessa população podem ajudar a diminuir a incidência da LRA neonatal e a da DRC a longo prazo.

Nos últimos anos, tem havido grande interesse na relação entre o desenvolvimento fetal e o surgimento de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT). A terminologia como programação fetal, origens do desenvolvimento da saúde e doença (DOHaD) e fatores epigenéticos foram cunhados. As DCNT incluem doenças cardiovasculares, diabetes mellitus tipo 2, hipertensão, dislipidemia, proteinúria e DRC, que podem ser programadas durante os estágios iniciais do desenvolvimento fetal e se manifestam mais tardiamente, quando há um impacto adicional do estilo de vida e de outros hábitos adquiridos, que são fatores de risco que interagem com fatores genéticos11.

De acordo com a hipótese de Barker, diferentes formas de DCNT originam-se do “desenvolvimento da plasticidade”, em resposta à desnutrição durante a vida fetal e a infância. O desenvolvimento de plasticidade dá aos seres vivos a capacidade de se adaptar ao ambiente dentro de uma única geração, bem como sofrer adaptações ao longo de muitas gerações através da seleção natural de genes. Posteriormente, Brenner e col. propuseram que a redução do número de néfrons, decorrente da RCIU ou prematuridade, poderia contribuir para a hipertensão através da limitação da excreção de sódio devido a uma área de superfície de filtração reduzida, podendo aumentar o risco de DRC ao reduzir a capacidade adaptativa renal, se outros néfrons forem perdidos por lesão11.

De acordo com a teoria de Barker, embora as DCNT possam ter origem intrauterina, elas podem ser modificadas pelo crescimento pós-natal e pelas condições de vida. No estudo de Helsinque, as crianças nascidas com baixo peso que desenvolveram hipertensão apresentaram uma aceleração de ganho de peso e do índice de massa corpórea (IMC); no entanto, se o IMC dessas crianças estivesse na média ou menor, teria havido pouca mudança na incidência de hipertensão11. No estudo “Renal deficit and associated factors in children born with low birth weight”, os autores demonstraram que o peso atual normal das crianças foi um fator de proteção para o risco de déficit da função renal7.

Dessa forma, a monitorização da pressão arterial, peso, função renal, microalbuminúria e proteinúria, assim como ultrassonografia renal dessas crianças, com ênfase em medidas preventivas, faz-se necessária para reduzir o risco de surgimento de doenças cardiovasculares e renais.

References

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  11 Dez 2023
• Data do Fascículo
  Jan-Mar 2024

Histórico

• Recebido
  08 Set 2023
• Aceito
  12 Set 2023