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Geografia da diálise peritoneal no Brasil: análise de uma coorte de 5.819 pacientes (BRAZPD)

Resumos

INTRODUÇÃO: O Brasil é um país continental com grande diversidade demográfica, social e cultural. Esse fator pode determinar diferenças demográficas, clínicas e no desfecho apresentado por pacientes portadores de doença renal crônica em diálise peritoneal (DP). OBJETIVO: Avaliar as características clínicas e os desfechos apresentados por pacientes em DP nas diversas regiões do Brasil, analisando uma coorte de pacientes (BRAZPD) no período de dezembro de 2004 a outubro de 2007. PACIENTES E MÉTODOS: Os dados foram coletados mensalmente e os pacientes foram acompanhados até o desfecho (óbito, transplante renal, recuperação da função renal, transferência para hemodiálise ou perda de seguimento). RESULTADOS: Avaliados 5.819 pacientes incidentes e prevalentes. A maioria dos pacientes realizava terapia renal substitutiva (TRS) no Sudeste, onde a média de tempo de acompanhamento foi maior (12,3 meses) e há maior percentual de idosos (36,4%). A prevalência de diabetes mellitus é maior no Sudeste e Sul do país (38,1% e 37%, respectivamente). A maioria dos pacientes da região Norte realizou hemodiálise previamente, 66,2%. A taxa de saída por óbito foi maior na região Norte (30,1%), assim como por falência da técnica (22,3%). CONCLUSÃO: Os dados revelam diferenças demográficas, clínicas e em taxas de mortalidade e falência da técnica de DP refletindo as peculiaridades demográficas e sociais do Brasil. A geografia da DP no Brasil demonstra ser um espelho da geografia do Brasil. Portanto, políticas de saúde devem levar em conta as características de cada região para que possamos melhorar a sobrevida dos pacientes e da técnica em diálise peritoneal.

diálise peritoneal; geografia; epidemiologia; Brasil


INTRODUCTION: Brazil is a continental country with great diversity of population, social and cultural. This factor may determine different demographic, clinical and outcome presented by patients with chronic kidney disease on peritoneal dialysis (PD). OBJECTIVE: To evaluate the clinical characteristics and outcomes presented by PD patients in different regions of Brazil, analyzing a cohort of patients (BRAZPD) in the period 12/2004 to 10/2007. PATIENTS AND METHODS: Data were collected monthly and patients were followed until the outcome (death, renal transplantation, renal function recovery, transfer to hemodialysis or loss of follow-up). RESULTS: We evaluated 5.819 patients incident and prevalent. Most patients performed renal replacement therapy (RRT) in the Southeast, where the average follow up time was longer (12.3 months) and there is a higher percentage of elderly (36.4%). The prevalence of diabetes is higher in Southeast and South (38.1% and 37%, respectively). Most patients in the North region had previously hemodialysis (66.2%). The mortality was higher in the Northern region (30.1%), as well as failure of the technique (22.3%). CONCLUSION: The data shows different demographic, clinical, mortality and technique failure of PD reflecting the demographic and social peculiarities of Brazil. The geography of the DP in Brazil proves to be a mirror of the geography of Brazil. So health policies should take into account the characteristics of each region so we can improve patient survival and technique on peritoneal dialysis.

peritoneal dialysis; geography; epidemiology; Brazil


ARTIGO ORIGINAL

Geografia da diálise peritoneal no Brasil: análise de uma coorte de 5.819 pacientes (BRAZPD)

Natália Maria da Silva FernandesI; Alfredo ChaoubahII; Kleyton BastosIII; Antônio Alberto LopesIV; José Carolino Divino-FilhoV; Roberto Pecoits-FilhoVI Marcus Gomes BastosI

IUniversidade Federal de Juiz de Fora - UFJF

IIDepartamento de Estatística da UFJF

IIIUniversidade Federal de Sergipe - UFSE

IVUniversidade Federal da Bahia - UFBA

VBaxter Renal Division, Baxter Health Care, Bélgica

VIPUC do Paraná

Correspondência para Correspondência para: Natália Fernandes Universidade Federal de Juiz de Fora Rua Jamil Altaff, 132. Vale do Ipê Juiz de Fora - Minas Gerais - CEP-36035-380 E-mail: nataliafernandes02@gmail.com

RESUMO

INTRODUÇÃO: O Brasil é um país continental com grande diversidade demográfica, social e cultural. Esse fator pode determinar diferenças demográficas, clínicas e no desfecho apresentado por pacientes portadores de doença renal crônica em diálise peritoneal (DP).

OBJETIVO: Avaliar as características clínicas e os desfechos apresentados por pacientes em DP nas diversas regiões do Brasil, analisando uma coorte de pacientes (BRAZPD) no período de dezembro de 2004 a outubro de 2007.

PACIENTES E MÉTODOS: Os dados foram coletados mensalmente e os pacientes foram acompanhados até o desfecho (óbito, transplante renal, recuperação da função renal, transferência para hemodiálise ou perda de seguimento).

RESULTADOS: Avaliados 5.819 pacientes incidentes e prevalentes. A maioria dos pacientes realizava terapia renal substitutiva (TRS) no Sudeste, onde a média de tempo de acompanhamento foi maior (12,3 meses) e há maior percentual de idosos (36,4%). A prevalência de diabetes mellitus é maior no Sudeste e Sul do país (38,1% e 37%, respectivamente). A maioria dos pacientes da região Norte realizou hemodiálise previamente, 66,2%. A taxa de saída por óbito foi maior na região Norte (30,1%), assim como por falência da técnica (22,3%).

CONCLUSÃO: Os dados revelam diferenças demográficas, clínicas e em taxas de mortalidade e falência da técnica de DP refletindo as peculiaridades demográficas e sociais do Brasil. A geografia da DP no Brasil demonstra ser um espelho da geografia do Brasil. Portanto, políticas de saúde devem levar em conta as características de cada região para que possamos melhorar a sobrevida dos pacientes e da técnica em diálise peritoneal.

Palavras-chave: diálise peritoneal, geografia, epidemiologia, Brasil.

Introdução

Segundo a Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílio (PNAD/2006),1 o Brasil é um país com 8.514.215,3 km2 de extensão e 187 milhões de habitantes. É dividido em cinco grandes regiões (Norte, Nordeste, Sul, Sudeste, Centro-oeste). Observa-se uma tendência à mudança da pirâmide demográfica em todas as regiões do país, sendo menos notada na região Norte, que também detém maior número de homens idosos (> 60 anos) em relação às mulheres, contrastando com o restante do país, onde as mulheres apresentam o maior percentual nessa faixa etária. É também nessa região que a taxa de fecundidade é maior e temos um maior número de moradores por domicílio.

O nível de escolaridade varia conforme a região analisada, a região Nordeste apresenta a maior taxa de analfabetismo (18,9%), seguida pela região Norte (10,3%). Com relação à renda média, o Nordeste apresenta a menor renda média mensal tanto para mulheres (460 reais) quanto para homens (519 reais), seguida pela região Norte (mulheres: 519 reais; homens: 809 reais).

Ainda sobre as diferenças encontradas nas diversas regiões, dados do Datasus mostram que as doenças cardiovasculares são as principais causas de morte em todas as regiões, porém, a região Norte apresenta menor mortalidade cardiovascular quando comparada a outras regiões.2 A causa é, provavelmente, multifatorial, um dos fatores é a baixa expectativa de vida dessa região, o que diminui a prevalência de doenças cronicodegenerativas.

Dados da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN)3 revelam que existem 87.044 pacientes em terapia renal substitutiva (TRS) no Brasil, sendo que 10,6% realizam diálise peritoneal. A maioria dos pacientes em TRS (57,4%) está na região Sudeste, região mais populosa segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Apenas 19,1% estão na região Nordeste, segunda região mais populosa do país, o que nos faz pensar sobre as diferenças no acesso à TRS nessa região. Os dados citados mostram um país continental com grande diversidade demográfica, econômica e cultural.

Estudos realizados em outros países, como no Canadá, onde aborígenes têm menor acesso à diálise peritoneal4 e estudos que mostram dificuldades múltiplas relacionadas com acesso para TRS, confecção de acesso vascular, acesso a medicações e ao transplante renal devido a raça, condições econômicas e localização geográfica5-9 demonstram que podem ocorrer diferenças nas características clínicas e nos desfechos de pacientes em diálise conforme a área geográfica avaliada, ainda que dentro de um mesmo país.

Com o objetivo de avaliar as características clínicas e os desfechos apresentados por pacientes em diálise peritoneal nas diversas regiões do Brasil, avaliamos uma coorte de pacientes (BRAZPD) no período de dezembro de 2004 a outubro de 2007.

Pacientes e Métodos

Para esta análise, utilizamos os dados do BRAZPD,10 estudo multicêntrico, prospectivo, observacional, de pacientes em diálise peritoneal, iniciado em dezembro de 2004 até outubro de 2007. Incluímos 5.819 pacientes prevalentes e incidentes de 102 clínicas brasileiras com mais de dez pacientes que utilizam o sistema Baxter de diálise peritoneal. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Nacional e pelos Comitês de Ética em Pesquisa Locais. Após aprovação, médicos e enfermeiras foram treinados para preenchimento e envio dos dados. Foram coletados mensalmente dados demográficos, clínicos e laboratoriais, e os pacientes foram acompanhados até o desfecho (óbito, transplante renal, recuperação da função renal, transferência para hemodiálise ou perda de seguimento). As definições das variáveis são as descritas por Fernandes et al. em 2008.10

Avaliamos pacientes em diálise peritoneal de cada uma das cinco regiões do país com relação às variáveis e aos desfechos descritos. Inicialmente, foi feita uma análise descritiva das características gerais da população em diálise peritoneal de cada região e, posteriormente, foi realizada uma análise de sobrevida (Kaplan-Meier) para cada região. A seguir, realizamos uma regressão de Cox, corrigindo para idade, gênero, doenças cardiovasculares e presença de diabetes mellitus. As variáveis desfecho para análise de sobrevida foram: óbito (censuradas as saídas por outras causas) e falência da técnica (censuradas as saídas por outras causas). Os dados são apresentados como média ± desvio-padrão ou percentagem. Considerado significante um p < 0,05. Utilizamos o software SPSS 13.0.

Resultados

Foram avaliados 5.819 pacientes no período de dezembro de 2004 a outubro de 2007. A maioria dos pacientes realizava TRS na região Sudeste, seguida pela região Sul, Nordeste, Centro-oeste e Norte. A média de tempo de acompanhamento foi menor no Centro-oeste (8,9 meses) e maior no Sudeste (12,3 meses). A média de idade foi maior nas regiões Sudeste (57 ± 19,9) e Sul (55,5 ± 19,5). Também é na região Sudeste onde temos o maior percentual de idosos (36,4% - Tabela 1).

Observamos que, na região Nordeste, há o maior número de analfabetos (15,2%) e o maior percentual de pacientes com renda até dois salários mínimos (45,2%). Em todas as regiões, a maioria dos pacientes (70%) reside até 50 km do centro de diálise. Com relação à prevalência de comorbidades, vale ressaltar que a prevalência de diabetes mellitus é maior no Sudeste e Sul do país (38,1% e 37%, respectivamente). O maior índice de massa corpórea (IMC) também é visto nessas regiões (24,6 ± 5 e 25,5 ± 5, Sudeste e Sul, respectivamente - Tabela 1). A principal causa de DRC foi diabetes mellitus (33,2%), seguida de nefropatia associada à hipertensão (21,4%).

A indicação de diálise peritoneal foi médica e a única opção existente em 64,5% na região Sudeste, 65,4% no Sul, 56,5% no Nordeste, 84,9% no Norte e 41,3% no Centro-oeste. Quanto ao acompanhamento pré-dialítico, realizado por nefrologista, 48,5% foram acompanhados no Sudeste, 52,6% no Sul, 34,89% no Nordeste, 29% no Norte e 39,3% no Centro-oeste. A maioria dos pacientes da região Norte realizou hemodiálise previamente, 66,2%, seguidos pelo Nordeste com 51,6%, Sudeste 35,4%, Sul 34,9% e Centro-oeste 26,1%.

Com relação ao perfil laboratorial, o nível de hemoglobina foi menor na região Centro-oeste (10,9 ± 2,7) e os demais dados são equiparáveis.

A taxa de mortalidade do paciente no período de 34 meses foi maior na região Norte (30,1%), seguida pelo Sudeste (23,3%), Sul (20,7%), Nordeste (13,4%) e menor no Centro-oeste (11,5%) (Figura 1, log rank p = 0,001). O tempo médio de sobrevida do paciente foi respectivamente 8,2 ± 5 meses, 8,6 ± 6 meses, 9,2 ± 5,2 meses, 9,6 ± 7 meses e 9,6 ± 7,8 meses, para as regiões Norte, Sudeste, Sul, Nordeste e Centro-oeste, vale ressaltar que o tempo médio de acompanhamento para cada região foi diferente como consta na Tabela 1. A taxa de falência da técnica foi maior na região Norte (22,3%), seguida pelo Sul (17,7%), Nordeste (16,8%), Sudeste (16,6%) e Centro-oeste (10,8%) (Figura 2, log rank p = 0,02, respectivamente) e o tempo médio de falência da técnica foi 8,3 ± 4 meses, 9,1 ± 6,1 meses, 9,5 ± 7 meses, 9,7 ± 6 meses e 10 ± 7,5 meses, respectivamente para as regiões citadas. Na análise de sobrevida do paciente (cox proportional hazard, Tabela 2), analisando pacientes incidentes e prevalentes em um mesmo modelo, as variáveis que se correlacionaram com pior sobrevida foram a região Centro-oeste ( HR = 1,66; IC = 1,2 a 2,3); idade: 65 a75 anos (HR = 3,11, IC = 2,39 a 4,04), > 75 anos (HR = 4,29; IC = 3,31 a 5,57), presença de diabetes mellitus (HR = 1,23; IC = 1,03 a 1,46) e doença cardiovascular (HR = 1,31; IC = 1,12 a 1,54). Avaliando a sobrevida da técnica (cox proportional hazard, Tabela 2), idade de 65 a 75 anos mostrou HR = 0,77, IC = 0,61 a 0,97 e > 75 anos HR = 0,55, IC = O,41 a 0,72 e sexo feminino um HR = 1,21, IC = 1,03 a 1,43.



Discussão

As características demográficas, clínicas e laboratoriais dos pacientes em diálise peritoneal no Brasil refletem as características de cada região geográfica. Esse dado nos mostra que não há um viés de seleção relacionado à região geográfica, porém persiste o viés de indicação de diálise peritoneal para pacientes com maior prevalência de comorbidades.

Estudos sobre sobrevida em TRS em geral e em diálise peritoneal mostram que idade, doenças cardiovasculares e diabetes mellitus são os principais determinantes de sobrevida. As doenças cardiovasculares são a principal causa de óbito na população geral, porém, na população portadora de DRC, principalmente em TRS, esta mortalidade sobe de forma exponencial.11 Isso acontece porque portadores de DRC, além de sofrerem a influência dos fatores de risco cardiovasculares tradicionais (idade, sexo masculino, predisposição genética, hipertensão arterial sistêmica, obesidade, hipercolesterolemia, diabetes mellitus, sedentarismo), com o declínio da função renal, passam a sofrer também a influência de novos fatores de risco relacionados à DRC (anemia, hipervolemia, alterações do metabolismo cálcio x fósforo, albuminúria, aumento do estresse oxidativo, inflamação crônica, o acúmulo de ADMA-assimetrical-dimetyl-arginine, diminuição dos níveis séricos de fetuína A e adiponectina).12 Além disso, as alterações presentes na DRC são consideradas fatores de risco para doenças cardiovasculares.13

Ao avaliarmos a sobrevida dos pacientes no período na região Sudeste (76,7%), Sul (79,3%), Nordeste (86,6%), Centro-oeste (88,5%) e Norte 69,9%), vemos que é semelhante e é comparável a estudos publicados em países desenvolvidos. Também a sobrevida da técnica é satisfatória no período, na região Sudeste (83,4%), Sul (82,3%), Nordeste (83,2%), Centro-oeste (89,2%) e Norte (77,7%), e comparável aos grandes estudos publicados14-18,19 (Tabela 3, Gráficos 1 e 2).

A distância até o centro de diálise mais próximo está em até 50 km para as regiões Sudeste, Sul e Norte em mais de 70% dos pacientes. No entanto, na região Norte, por existirem poucos centros de diálise, concentrados na grande região de Manaus, um percentual elevado de pacientes não tem acesso à TRS ou muda seu domicílio para que tenha acesso. Nas regiões Nordeste e Centro-oeste, quase 40% residem há mais de 50 km do centro de TRS mais próximo.

A diálise peritoneal é uma terapia que é realizada no domicílio do paciente, mesmo que a distância deste até o centro de TRS seja longa, portanto, deve ser lembrada para pacientes com dificuldades de acesso aos centros. Ritt et al., 2007, realizaram um estudo avaliando a distância do domicílio até o centro de TRS na Bahia e concluíram que a maioria dos pacientes necessitou sair de seus municípios de residência e percorrer longas distâncias para ter acesso a hemodiálise (HD), o que demanda gasto excessivo de tempo e implicações socioeconômicas.20

Quando avaliamos separadamente as regiões, observamos um perfil demográfico, econômico e clínico muito semelhante entre as regiões Sul e Sudeste. O maior número de pacientes em TRS nas duas regiões mais desenvolvidas do país está em acordo com Sesso et al.3 que mostraram uma prevalência estimada de 467/milhão de habitantes no Sul e 583/milhão de habitantes no Sudeste com DRC em TRS. Nessas regiões, concentra-se maior número de clínicas, assim como de nefrologistas, o que facilita o acesso dos pacientes ao tratamento. Portanto observamos maior número de pacientes com acompanhamento pré-dialítico no Sul (52,6%) e Sudeste (48,5%), o que diminui o percentual de pacientes com encaminhamento tardio a serviços de nefrologia especializados. A maior expectativa de vida (Sudeste - 74,0 anos e Sul - 74,7 anos)21 aumenta a prevalência de idosos, com doenças cronicodegenerativas, notadamente doenças cardiovasculares e diabetes mellitus. Essas são importantes causas de DRC dialítica e fatores que se correlacionam com pior sobrevida em portadores de DRC em TRS.

A região Nordeste apresenta algumas peculiaridades geográficas. A expectativa de vida é a menor do país, 69,7 anos.21 Os pacientes são mais jovens e com menos comorbidades, notadamente com menor número de diabéticos. Apresenta os piores indicadores sociais e é uma região na qual os centros de TRS estão concentrados nas grandes cidades e, portanto, existe um grande número de pacientes que não devem ter acesso a esse tratamento. Isso fica claro quando observamos que o Nordeste é a segunda região mais populosa do país e sua população em TRS é menor do que a população da região Sul e que apresenta uma prevalência estimada de portadores de DRC em TRS de 347/milhão.3 Há também um percentual menor de pacientes recebendo cuidados pré-dialíticos (34,8%), refletindo o encaminhamento tardio ao nefrologista. A sobrevida do paciente em diálise peritoneal nesta região é maior do que no Sudeste e Sul, porém a saída por outras causas (como falência da técnica) é maior.

No Norte do país, temos a menor concentração populacional, a menor mortalidade cardiovascular geral e a segunda menor expectativa de vida (71,5 anos) 21, o que reflete a menor prevalência de doenças cronicodegenerativas. Seus indicadores sociais também estão dentre os piores do país. A mortalidade dos pacientes em diálise peritoneal é mais elevada do que nas outras regiões. A prevalência estimada de portadores de DRC em TRS é de 236/milhão.3 Nessa região, também observamos uma concentração dos centros de TRS na capital e uma grande dificuldade de acesso a serviços especializados. O número de pacientes que recebem acompanhamento pré-dialítico é baixo e há um grande número de pacientes em DP egressos da hemodiálise (66,2%) e que tem a DP como única possibilidade de TRS (84,9%). A taxa de sobrevida da técnica também é mais baixa do que nas outras regiões, refletindo, provavelmente, a pior condição clínica do paciente com DRC ao ser admitido em DP nessa região.

A região Centro-oeste tem características que a tornam heterogênea. É a região proporcionalmente com maior número de habitantes que provêm de outras áreas. E, a despeito de seus indicadores sociais serem, em média, melhores do que das regiões Norte e Nordeste, há uma heterogeneidade na sua população. Por exemplo, sua taxa geral de analfabetismo não é elevada, mas apresenta o maior número de crianças fora da escola. A prevalência estimada de portadores de DRC em TRS é 455/milhão.3 O número de pacientes em TRS é baixo e o de pacientes em DP é o menor do país. A expectativa de vida é de 73,3 anos.21 Apresenta uma boa sobrevida tanto da técnica quanto do paciente. As características dos pacientes em DP nessa região são de pacientes mais jovens, com o menor número de diabéticos e doenças cardiovasculares do país e um maior número de pacientes sem outras comorbidades além da DRC em DP. O acompanhamento pré-dialítico foi realizado em 39,3% dos pacientes e a indicação de DP nessa região foi principalmente médica e única opção TRS (41,3%).

Avaliando o modelo de cox proportional hazard para sobrevida dos pacientes, vale ressaltar que esta análise incluiu pacientes incidentes e prevalentes. As variáveis que classicamente correlacionam-se com maior mortalidade, maior idade, presença de diabetes mellitus e doenças cardiovasculares também mostraram significância no modelo. No entanto, com relação a sobrevida da técnica, maior idade revelou-se fator protetor e sexo feminino fator de risco para menor sobrevida da técnica, achados que não estão em acordo com a maioria dos estudos. É provável que a análise conjunta de incidentes e prevalentes tenha sido responsável por esse achado.

O estudo descreve importantes diferenças clínicas e no desfecho de pacientes portadores de DRC em diálise peritoneal nas diversas regiões do Brasil. Algumas das diferenças observadas, aparentemente, refletem a diversidade sociodemográfica do país. Essas diferenças regionais devem ser consideradas pelos gestores de saúde e pelos profissionais que tratam os pacientes visando melhorar a sobrevida da técnica e dos pacientes em diálise peritoneal de manutenção no país.

Data de submissão: 27/05/2010

Data de aprovação: 08/07/2010

Declaramos a inexistência de conflitos de interesse.

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  • Correspondência para:

    Natália Fernandes
    Universidade Federal de Juiz de Fora
    Rua Jamil Altaff, 132. Vale do Ipê
    Juiz de Fora - Minas Gerais - CEP-36035-380
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Out 2010
    • Data do Fascículo
      Set 2010

    Histórico

    • Recebido
      27 Maio 2010
    • Aceito
      08 Jul 2010
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