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Progressão da doença renal crônica: experiência ambulatorial em Santarém - Pará

Resumos

INTRODUÇÃO: A doença renal crônica (DRC) é um crescente problema de saúde pública. Ainda assim, há poucos dados sobre DRC no Brasil, principalmente nos seus estágios não dialíticos. OBJETIVO: Conhecer aspectos demográficos, clínicos e laboratoriais de pacientes com DRC não dialítica e avaliar o impacto dessas variáveis na progressão da doença. MÉTODOS: Estudo de coorte retrospectiva, composta de 65 pacientes adultos com DRC nos estágios 2-4, acompanhados e tratados ambulatorialmente por média de 28,24 ± 13,3 meses. RESULTADOS: A idade média foi de 64,6 ± 12,6 anos. As principais etiologias de DRC foram doença renal diabética (DRD) (47,7%) e nefroesclerose hipertensiva (34,2%). A maioria dos pacientes encontrava-se no estágio 3 da DRC (44,6%) e a minoria alcançou os alvos terapêuticos no controle de suas comorbidades, 40% para pressão arterial e 38,7% para o controle glicêmico. A perda média anual da taxa de filtração glomerular (TFG) foi 3,1 ± 7,3 mL/min/1,73 m² (mediana 1,4 mL/min/1,73 m²) e 21,5% dos pacientes evoluíram com DRC Progressiva. Pressão arterial diastólica (PAD) > 90 mmHg aumentou 2,7 vezes o risco de evoluir com DRC progressiva (IC 95%; 1,14-6,57; p = 0,0341), assim como pressão arterial sistólica (PAS) > 160 mmHg (RR = 3,64; IC 95%; 1,53-8,65; p = 0,0053) e proteinúria (RR = 4,05; IC 95%; 1,5510,56; p = 0,0031). Foi observada também média de PAS maior (p = 0,0359) e mediana de HDL-c menor (p = 0,0047) nos pacientes com DRC Progressiva. CONCLUSÃO: Neste estudo, hipertensão e proteinúria foram fatores de risco para evolução com DRC progressiva. Apesar do difícil controle clínico, a minoria dos pacientes evoluiu com a forma progressiva da DRC.

fatores de risco; insuficiência renal crônica; progressão da doença


INTRODUCTION: Chronic kidney disease (CKD) is a growing public health problem. Nevertheless there is a little data about CKD in Brazil, mainly in its non-dialytic stages. OBJECTIVE: To know about demographic, clinical and laboratory features of patients with CKD non-dialytic, and evaluate the impact of these variables on disease progression. METHODS: A retrospective cohort study comprised of 65 adult patients with stages CKD 2-4, followed-up for 28.24 ± 13.3 months. RESULTS: Mean age was 64.6 ± 12.6 years. The main causes of the CKD were diabetic kidney disease (DRD) (47.7%) and hypertensive nephrosclerosis (34.2%). Most patients were on stage 3 CKD (44.6%) and the minority reached therapeutic targets in control of their co-morbidities, 40% for arterial pressure and 38.7% for glycemic control. The mean annual loss of glomerular filtration rate (GFR) was 3.1 ± 7.3 mL/min/1; 73 m² (median 1.4 mL/min/1; 73 mL/min/1; 73 m²) 21.5% of patients developed progressive CKD. Diastolic blood pressure (DBP) > 90 mmHg increased 2.7 times the risk of developing progressive CKD (95% CI 1.14 to 6.57; p = 0.0341) as well as systolic blood pressure (SBP) > 160 mmHg (RR = 3.64, 95% CI 1.53 to 8.65; p = 0.0053) and proteinuria (RR = 4.05, 95% CI; 1.55 to 10.56; p = 0.0031). It was also observed higher SBP mean (p = 0.0359) and lower HDL-c median (p = 0.0047) in patients with CKD Progressive. CONCLUSION: In this study, hypertension and proteinuria were risk factors for evolution with progressive CKD, in spite of the difficult clinical control a minority of patients had the progressive form of CKD.

disease progression; renal insufficiency; chronic; risk factors


ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Progressão da doença renal crônica: experiência ambulatorial em Santarém - Pará

Valmir José Crestani FilhoI; Rodrigo Alexandre da Cunha RodriguesII

IUniversidade do Estado do Pará

IISociedade Brasileira de Nefrologia. Secretaria Estadual de Saúde do Estado do Pará. Universidade do Estado do Pará

Correspondência para Correspondência para: Valmir José Crestani Filho Moradia dos Residentes do HCFMUSP Rua Dr. Ouvidio Pires de Campos, nº 171, apto 515, Cerqueira César São Paulo, SP, Brasil. CEP: 05403-010

RESUMO

INTRODUÇÃO: A doença renal crônica (DRC) é um crescente problema de saúde pública. Ainda assim, há poucos dados sobre DRC no Brasil, principalmente nos seus estágios não dialíticos.

OBJETIVO: Conhecer aspectos demográficos, clínicos e laboratoriais de pacientes com DRC não dialítica e avaliar o impacto dessas variáveis na progressão da doença.

MÉTODOS: Estudo de coorte retrospectiva, composta de 65 pacientes adultos com DRC nos estágios 2-4, acompanhados e tratados ambulatorialmente por média de 28,24 ± 13,3 meses.

RESULTADOS: A idade média foi de 64,6 ± 12,6 anos. As principais etiologias de DRC foram doença renal diabética (DRD) (47,7%) e nefroesclerose hipertensiva (34,2%). A maioria dos pacientes encontrava-se no estágio 3 da DRC (44,6%) e a minoria alcançou os alvos terapêuticos no controle de suas comorbidades, 40% para pressão arterial e 38,7% para o controle glicêmico. A perda média anual da taxa de filtração glomerular (TFG) foi 3,1 ± 7,3 mL/min/1,73 m2 (mediana 1,4 mL/min/1,73 m2) e 21,5% dos pacientes evoluíram com DRC Progressiva. Pressão arterial diastólica (PAD) > 90 mmHg aumentou 2,7 vezes o risco de evoluir com DRC progressiva (IC 95%; 1,14-6,57; p = 0,0341), assim como pressão arterial sistólica (PAS) > 160 mmHg (RR = 3,64; IC 95%; 1,53-8,65; p = 0,0053) e proteinúria (RR = 4,05; IC 95%; 1,5510,56; p = 0,0031). Foi observada também média de PAS maior (p = 0,0359) e mediana de HDL-c menor (p = 0,0047) nos pacientes com DRC Progressiva.

CONCLUSÃO: Neste estudo, hipertensão e proteinúria foram fatores de risco para evolução com DRC progressiva. Apesar do difícil controle clínico, a minoria dos pacientes evoluiu com a forma progressiva da DRC.

Palavras-chave: fatores de risco; insuficiência renal crônica; progressão da doença.

INTRODUÇÃO

A doença renal crônica (DRC) vem se tornando um grande problema de saúde pública em todo o mundo, causando grande impacto negativo na expectativa e qualidade de vida de seus portadores e demandando parte significativa dos recursos alocados para a saúde. Nos Estados Unidos, já se estima que cerca de 10% da população adulta apresenta DRC, alcançando 38%-44% em idosos.1,2 No Brasil, há poucos dados sobre DRC não dialítica; porém, uma análise de dados laboratoriais de adultos brasileiros revelou que 2,3% das amostras analisadas representavam TFG < 45 mL/min/1,73 m2, o que representaria uma estimativa de que cerca de 2,9 milhões de brasileiros teriam DRC maior ou igual ao estágio 3B.3 Seguindo essa tendência, a prevalência de pacientes em terapia renal substitutiva (TRS) no Brasil cresceu significativamente na última década: de 42.000 pacientes no ano de 2000 para mais de 92.091em 2010, o que representa uma taxa de prevalência de 483 pacientes por milhão da população (pmp). Esses números são menores na região norte, 265, e maiores na Região Sudeste, 591, sendo a nefroesclerose hipertensiva a principal causa de DRC em TRS, seguida de doença renal diabética (DRD).4

Vários fatores vêm sendo relacionados com a progressão da DRC: hipertensão arterial sistêmica (HAS) não controlada, proteinúria, uso de drogas nefrotóxicas, obstrução do trato urinário, diabetes mellitus, refluxo urinário, dieta com alto teor de proteínas, tabagismo, infecção urinária, obesidade, dislipidemia, anemia crônica, acidose metabólica, deficiência de vitamina D, hiperfosfatemia e doença de base ativa.5,6 Alguns estudos mostraram que a correção da hiperuricemia reduz a queda da TFG em pacientes com DRC pré-dialítica.7,8

Nas últimas décadas, o controle dos fatores envolvidos na progressão da DRC vem sendo o grande alvo das abordagens terapêuticas nos pacientes com DRC pré-dialítica tratados conservadoramente.6,9 Quanto ao tratamento medicamentoso, os bloqueadores do Sistema Renina Angiotensina Aldosterona (BSRAA) ocupam lugar de destaque, mostrando-se eficazes na redução da progressão da DRC.10,11

Este trabalho teve como objetivo conhecer aspectos demográficos, clínicos e laboratoriais de pacientes com DRC não dialítica e avaliar o impacto dessas variáveis na progressão dessa doença.

MÉTODOS

Foram selecionados 65 pacientes recebendo tratamento conservador, com mais de 18 anos de idade, portadores de DRC nos estágios 2, 3A, 3B, 4, que originaram uma coorte retrospectiva acompanhada por período superior a um ano, entre junho de 2006 e junho de 2012 (média de 28,24 ± 13,3 meses) em um ambulatório de Nefrologia da Unidade de Ensino e Assistência do Baixo Amazonas (UEASBA) da Universidade do Estado do Pará (UEPA) no município de Santarém - PA. Esse serviço é composto por uma equipe multidisciplinar, da qual os pacientes recebem orientação nutricional, além de avaliação e acompanhamento com psicólogos, fisioterapeutas, enfermeiros, assistentes sociais e médicos de outras especialidades quando necessário. Rotineiramente, os pacientes no estágio 2 da DRC são consultados pelo nefrologista quadrimestralmente; no estágio 3, trimestralmente; e no estágio 4, bimestralmente.

No ambulatório estudado, em todas as consultas são solicitados exames de creatinina, glicemia, exame simples de urina (urina 1), ácido úrico sérico e estimada da taxa de filtração glomerular (TFG) pela fórmula de Cockcroft & Gault.12 Rotineiramente, são solicitados exames de hemoglobina glicada (para os Diabéticos), colesterol total, liporoteina de baixa densidade (LDL), liporoteina de alta densidade (HDL), triglicerídeos e proteinúria 24 hs, sendo essas as variáveis laboratoriais avaliadas no estudo. As variáveis clínicas consideradas foram: causa da DRC, uso de bloqueadores do sistema renina angiotensina aldosterona (BSRAA) [inibidor da enzima conversora da angiotensina (IECA) e/ou bloqueador do receptor da angiotensina (BRA)] e pressão arterial. As variáveis demográficas estudadas foram idade e sexo.

Por meio do cálculo das médias dos valores encontrados nas múltiplas aferições das variáveis laboratoriais e pressão arterial durante o acompanhamento, foi realizada dicotomização quanto ao controle ou não desses parâmetros, assim como o controle ou não das comorbidades apresentadas pelos pacientes durante o acompanhamento de acordo com os alvos estabelecidos pelas principais diretrizes e estudos. Considerou-se como controle dos níveis pressóricos: pressão arterial < 140/90 mmHg;13 controle glicêmico, glicemia de jejum < 130 mg/dL (tolerável);14 controle lipídico,15 HDL-c para mulheres > 50 mg/dL para homens > 40 mg/dL, LDL-c < 100 mg/dL, TGL < 150 mg/dL; controle da uricemia,7 ácido úrico sérico < 7,6 mg/dl. Os níveis de HAS foram estabelecidos de acordo com as definições da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).16 Foram considerados proteinúricos aqueles pacientes com albuminúria sustentada > 300 mg/dia sem causa reversível identificada.9 Considerou-se usuário de BSRAA todos os pacientes que fizeram uso de pelo menos uma droga dessa classe por período superior a 6 meses ininterruptos.

O desfecho observado foi a evolução para a forma progressiva da DRC de acordo com a definição do NICE13 (perda anual da TFG > 5 mL/min/1,73 m2 ou perda maior que 10 mL/min/1,73 m2 em 5 anos) após um período superior a um ano de acompanhamento. A realização deste estudo foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Pará Campus XII - UEPA (parecer nº 40/2012).

Os resultados obtidos foram organizados em planilhas do Microsoft Excel® 2003 e analisadas por meio do software SPSS 15.0. Realizou-se análise descritiva dos dados, apresentando-se a frequência absoluta, frequência relativa e medidas de tendência central (média aritmética, mediana, mínimo e máximo) e medidas de dispersão (desvio-padrão). Realizou-se estatística inferencial para análise de associação e efeito entre as variáveis qualitativas por meio do Risco Relativo. Para análise da média entre as variáveis quantitativas, utilizou-se o teste t de Student e, para análise da mediana, o teste de Mann-Whitney. Nos cálculos estatísticos, foram utilizados inferenciais nível alfa de significância, valores iguais ou menores a 0,05 (5%) para rejeição da hipótese de nulidade e Intervalo de Confiança de 95%.

RESULTADOS

Dentre 65 pacientes avaliados, a média de idade foi de 64,6 (± 12,6) anos, sendo 67% com mais de 60 anos. Cinquenta e nove por cento eram mulheres. As principais etiologias de DRC foram a DRD (47,7%), a nefroesclerose hipertensiva (34,2%), e a doença renal policística do adulto (7,6%). À admissão, a maioria encontrava-se no estágio 3 (44,6%), sendo 18,5% IIIa e 26,1 IIIB com TFG média de 40,8 ± 17,8 mL/min/1,73 m2. Oitenta e três por cento dos pacientes eram hipertensos. Desses, apenas 40% apresentaram seus níveis pressóricos médios controlados, sendo que os não controlados apresentaram níveis médios muito elevados de pressão arterial sistólica (161,6 ± 17,9 mmHg). Apenas 38,7% dos pacientes diabéticos possuíam seus níveis glicêmicos de jejum controlados. Trinta e um por cento dos pacientes eram proteinúricos. Foi grande o número médio de comorbidades apresentadas pelos pacientes (3,11 ± 0,93). A maioria (77%) fazia uso de BSRAA. Quase a totalidade de pacientes apresentava algum tipo de dislipidemia, a maioria (73,8%) mais de um tipo de dislipidemia, sendo que 40% possuíam os três colesteróis medidos elevados, 28% apresentavam hiperuricemia. A minoria, 21,5% dos pacientes, evoluiu com a forma progressiva da DRC. A perda anual média da TFG foi de 3,1 ± 7,3 mL/min/1,73 m2 e mediana de 1,43 mL/min/1,73 m2 (Tabela 1).

Na análise univariada, foi observado que a média da pressão arterial sistólica foi significativamente maior no grupo com DRC progressiva (p = 0,0359). A mediana dos níveis de HDL-c foi significativamente menor nesse grupo em relação aos pacientes que não evoluíram com DRC progressiva (p = 0,0047), conforme Tabela 2.

Na análise dicotomizada, observou-se que a pressão artérial diastólica > 90 mmHg aumenta significativamente cerca de 2,7 vezes o risco de evoluir com a forma progressiva da DRC (IC 95%; 1,146,57; p = 0,0341), assim como hipertensão sistólica > estágio 2 da SBC (RR = 3,64; IC 95%; 1,53-8,65; p = 0,0053) e Proteinúria (RR = 4,05; IC 95%; 1,5510,56; p = 0,0031) (Tabela 3).

DISCUSSÃO

A população estudada apresentou idade média elevada (64,6 ± 12,6) anos, alta proporção de pacientes idosos (64,6%) e elevada média de comorbidades (3,11 ± 0,93), como é esperado para a DRC e mostrado em outros levantamentos.17,18

A predominância da DRD como etiologia da DRC não é compatível com outros estudos nacionais, estando em conformidade com a população com DRC nos EUA.17 Esses dados estão em conformidade com as etiologias encontradas nos pacientes recebendo TRS no mesmo município.19

É positiva a constatação de que a maioria dos pacientes estudados foram encaminhados ao nefrologista no estágio 3 da DRC (44,6%). Esses dados contrariam outros levantamentos nacionais. Esses estudos demonstraram que a maioria dos pacientes que inicia TRS no Brasil é referenciada tardiamente aos serviços de nefrologia, além de um encaminhamento tardio aos ambulatórios dessa especialidade, com predomínio da referência apenas no estagio 4 da doença.18,20,21

As baixas taxas de controle da HAS (40%) e do controle glicêmico (38,7%) são preocupantes, uma vez que são considerados metas no tratamento da DRC.6 Batista et al. encontraram dados semelhantes: 34,4% e 65%, respectivamente, para o controle pressórico e glicêmico na sua casuística. 21 Por outro lado, foi alto o percentual de pacientes que fizeram uso de BSRAA (77%). Outro estudo retrospectivo nacional mostrou dados semelhantes. 18 Batista et al. e Kausz et al. avaliaram de forma negativa o fato de apenas 65% dos pacientes analisados em seus estudos fazerem uso dessas drogas.21,22 Apesar de usarem metodologias e valores de corte diferentes, esses estudos mostram como o manejo do paciente renal crônico em tratamento conservador é complexo, bem como atingir as metas terapêuticas pode ser um desafio de difícil alcance.

Em análise dicotomizada, proteinúria, níveis elevados de pressão arterial sistólica e hipertensão diastólica revelaram-se como fatores de risco para evolução desfavorável da função renal (DRC progressiva), sendo esses fatores classicamente associados à pior evolução dessa doença.6

A importante associação aqui encontrada entre proteinúria e progressão da doença renal já foi demonstrada por vários estudos.23,24 Apesar dos benefícios apresentados pelo uso dos BSRAA nesses pacientes, diversos autores destacaram a associação entre proteinúria e mortalidade, sendo esse achado também um fator de risco independente para morbidade e mortalidade cardiovascular.25-28 Pereira et al. ainda encontraram associação entre maiores níveis de proteinúria no momento da admissão em serviço de tratamento ambulatorial da DRC com mortalidade e evolução para TRS.18

Já está bem definido, por diversos estudos, o papel benéfico do controle pressórico como medida protetora na progressão da DRC.29,30 Por outro lado, os alvos a serem alcançados divergem entre as principais diretrizes e estudos recentes. Se por um lado a Organização Mundial da Saúde (OMS)31 e o Kidney/Disease Outcomes Quality Initiative (K/DOQI)32 recomendam valores de pressão arterial < 130/85 mmHg, uma metanálise recente33 concluiu não haver benefício adicional em manter tais níveis pressóricos comparativamente a níveis inferiores a 140 x 90 mmHg, exceto nos pacientes com proteinúria entre 300 e 1.000 mg/24h, sendo esses últimos também os valores estabelecidos pelo NICE.13 No presente estudo, pacientes com níveis pressóricos sistólicos iguais ou maiores a 160 mmHg (estágio > 2 da SBC)16 e aqueles com hipertensão diastólica apresentaram maior risco de evolução para a forma progressiva da DRC. Além disso, pacientes que apresentaram progressão desfavorável da DRC tiveram níveis pressóricos sistólicos médios significantemente maiores do que aqueles com evolução favorável.

A alta prevalência de dislipidemias entre os pacientes com DRC já demandou a realização de múltiplos estudos com objetivo de estabelecer a relação entre colesterol e progressão da perda da função renal. No presente estudo, níveis medianos significativamente maiores de HDL-c foram encontrados nos pacientes com evolução favorável da DRC. Porém, o benefício do controle lipídico com o uso de estatinas sobre a progressão da DRC permanece controverso. Os maiores estudos sobre o tema divergem sobre o real beneficio do uso dessas drogas para esse fim. Se, por um lado, o estudo 4S34 demonstrou redução da velocidade de progressão com tal medida, o estudo ALLHAT35 não encontrou os mesmos resultados. Tal divergência não anula a já estabelecida relação entre o uso de estatinas e o menor índice de morbidade e mortalidade cardiovascular.36

A perda média anual de TFG foi 3,1 ± 7,3 mL/min/1,73 m2 com mediana de 1,4 mL/min/1,73 m2. Apesar da dificuldade em se alcançar o controle clínico e laboratorial das variáveis classicamente relacionadas à progressão da DRC, esses valores são inferiores ao estabelecido nas diretrizes sobre DRC (NICE).16 Além disso, apenas 21,5% dos pacientes evoluíram com a forma progressiva da DRC. Pereira et al., estudando retrospectivamente pacientes atendidos em um centro brasileiro de atenção integral à DRC pré-dialítica, encontram níveis menores de perda da função renal (0,6 ± 2,5 mL/min/1,73 m2).22

CONCLUSÃO

A DRD foi a principal etiologia da DRC na população estudada. Hipertensão diastólica, níveis elevados de pressão sistólica e proteinúria foram fatores de risco para evolução desfavorável da perda da função renal. Também foram observados níveis pressóricos sistólicos maiores e níveis de HDL-c menores nos pacientes com DRC progressiva. O controle das variáveis clínicas e laboratoriais influenciadoras na progressão da perda da função renal é de difícil alcance. A despeito disso, a minoria dos pacientes evoluiu para a forma progressiva da DRC.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem aos professores Frederico Galante Neves e Romy Castro e aos acadêmicos Rafael Scherer e Nayara Binda pela contribuição em diversas etapas do estudo.

Data de submissão: 29/08/2012.

Data de aprovação: 08/03/2013.

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  • Correspondência para:

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      29 Ago 2012
    • Aceito
      08 Mar 2013
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