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Há associação entre acyl-grelina e inflamação em pacientes em hemodiálise?

Resumos

INTRODUÇÃO E OBJETIVOS: Pacientes com doença renal crônica (DRC) apresentam um quadro de anorexia que pode estar relacionado com o processo inflamatório crônico, característico desta população. Assim, o presente estudo teve como objetivo avaliar se há associação entre inflamação e o hormônio orexígeno, acyl-grelina, em pacientes com DRC em hemodiálise (HD). MÉTODOS: Foram estudados 36 pacientes (61,1% homens; 46,7 ± 14,9 anos; IMC 22,9 ± 3,9 kg/m²) em programa regular de HD (65,0 ± 46,8 meses em HD). Os níveis plasmáticos de acyl-grelina e dos marcadores inflamatórios (TNF-α, IL-6 e PCR) foram medidos com o uso do método imunoenzimático (ELISA, Enzyme Linked Immunosorbent Assay). Dados antropométricos foram coletados para avaliação do estado nutricional e a ingestão alimentar foi analisada por meio de recordatório alimentar de 24h de 2 dias. RESULTADOS: Os pacientes apresentaram elevados níveis de IL-6 (83 ± 10 pg/mL), TNF-α (21,06 pg/mL [20,6-40,0]) e PCR (2,7 pg/mL [1,7-3,4]) quando comparados a valores normais. Os níveis plasmáticos de acyl-grelina (18,0 pg/mL [1,3-77,7 pg/mL]) foram baixos comparados com valores de indivíduos saudáveis. Porém, pacientes com elevado IMC (> 25 kg/m²) apresentaram menores concentrações plasmáticas de acyl-grelina (13,6 [1,3-30,5] pg/mL) em relação aos pacientes com IMC < 25 kg/m² (21,7 [7,4-77,7] pg/mL (p < 0,05). Houve correlação negativa entre o IMC e acyl-grelina (r = -0,38; p = 0,02), porém, não houve correlação significativa entre acyl-grelina e os marcadores inflamatórios. CONCLUSÃO: Apesar dos pacientes em HD apresentarem baixas concentrações de acyl-grelina e uma provável resistência a este hormônio, não houve associação entre inflamação e acyl-grelina.

diálise; grelina; inflamação; insuficiência renal crônica


INTRODUCTION AND OBJECTIVES: Patients with chronic kidney disease (CKD) present anorexia, which may be related with the chronic inflammatory process. Thus the objective of this study was to evaluate if there is association between inflammation and the orexigenic hormone, acyl-ghrelin, in CKD patients undergoing hemodialysis (HD). METHODS: Thirty-six patients were studied (61.1% men, 46.7 ± 14.9 years, BMI 22.9 ± 3.9 kg/m²) in regular HD program (65.0 ± 46.8 months). Plasma levels of acyl-ghrelin and inflammatory markers TNF-α, IL-6 and CRP were measured by enzyme immunoassay (ELI-SA, Enzyme Linked Immunosorbent Assay). Anthropometric parameters were collected for assessment of nutritional status and dietary intake was assessed by food recall. RESULTS: The patients presented elevated plasma levels of IL-6 (83 ± 10 pg/mL), TNF-α (21.06 pg/mL [20.6-40.0]) and CRP (2.7 pg/mL [1.73.4]) compared to normal values. Acylghrelin plasma levels were (18.0 [1.3 to 77.7 pg/mL]) low when compared to healthy individuals. However, patients with high BMI (> 25 kg/m²) presented lower acyl-ghrelin plasma levels (13.6 [1.3 to 30.5] pg/mL) when compared to patients with BMI < 25 kg/m² (21.7 [7.4 to 77.7] pg/mL) (p < 0.05). Acylghrelin and BMI were negatively correlated (r = -0.38, p = 0.02) and there was no significant correlation between acyl-ghrelin and inflammatory markers. CONCLUSIONS: Hemodialysis patients showed low acyl-ghrelin levels and seem to present an acyl-ghrelin resistance and there was no correlation between inflammation and this orexigenic hormone.

dialysis; ghrelin; inflammation; renal insufficiency, chronic


ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Há associação entre acyl-grelina e inflamação em pacientes em hemodiálise?

Amanda de Faria BarrosI; Cristiane MoraesI; Milena Barcza Stockler PintoII; Julie Calixto LoboI; Denise MafraI

IPrograma de Pós-Graduação em Ciências Cardiovasculares, Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, Brasil

IIInstituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, Centro de Saúde e Ciência, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro-RJ, Brasil

Correspondência para Correspondência para: Amanda Barros Rua da Inspiração, nº 297/101 Rio de Janeiro, RJ, Brasil. CEP: 21221-330 E-mail: afariabarros@gmail.com

RESUMO

INTRODUÇÃO E OBJETIVOS: Pacientes com doença renal crônica (DRC) apresentam um quadro de anorexia que pode estar relacionado com o processo inflamatório crônico, característico desta população. Assim, o presente estudo teve como objetivo avaliar se há associação entre inflamação e o hormônio orexígeno, acyl-grelina, em pacientes com DRC em hemodiálise (HD).

MÉTODOS: Foram estudados 36 pacientes (61,1% homens; 46,7 ± 14,9 anos; IMC 22,9 ± 3,9 kg/m2) em programa regular de HD (65,0 ± 46,8 meses em HD). Os níveis plasmáticos de acyl-grelina e dos marcadores inflamatórios (TNF-α, IL-6 e PCR) foram medidos com o uso do método imunoenzimático (ELISA, Enzyme Linked Immunosorbent Assay). Dados antropométricos foram coletados para avaliação do estado nutricional e a ingestão alimentar foi analisada por meio de recordatório alimentar de 24h de 2 dias.

RESULTADOS: Os pacientes apresentaram elevados níveis de IL-6 (83 ± 10 pg/mL), TNF-α (21,06 pg/mL [20,6-40,0]) e PCR (2,7 pg/mL [1,7-3,4]) quando comparados a valores normais. Os níveis plasmáticos de acyl-grelina (18,0 pg/mL [1,3-77,7 pg/mL]) foram baixos comparados com valores de indivíduos saudáveis. Porém, pacientes com elevado IMC (> 25 kg/m2) apresentaram menores concentrações plasmáticas de acyl-grelina (13,6 [1,3-30,5] pg/mL) em relação aos pacientes com IMC < 25 kg/m2 (21,7 [7,4-77,7] pg/mL (p < 0,05). Houve correlação negativa entre o IMC e acyl-grelina (r = -0,38; p = 0,02), porém, não houve correlação significativa entre acyl-grelina e os marcadores inflamatórios.

CONCLUSÃO: Apesar dos pacientes em HD apresentarem baixas concentrações de acyl-grelina e uma provável resistência a este hormônio, não houve associação entre inflamação e acyl-grelina.

Palavras-chave: diálise; grelina; inflamação; insuficiência renal crônica.

INTRODUÇÃO

O paciente com doença renal crônica (DRC) apresenta um quadro inflamatório persistente que causa várias complicações, dentre elas, mudanças na liberação e função de diversos neurotransmissores pela ação das citocinas como a Interleucina-6 (IL-6) e Fator de Necrose Tumoral (TNF-α), que agem diretamente no sistema nervoso central e podem levar a alterações no apetite e metabolismo energético,1-5 contribuindo, assim, para a síndrome wasting, que consiste em anorexia, aumento do gasto energético, redução no estoque de proteína, perda de peso e massa muscular. Todos os componentes individuais desta síndrome representam fatores de risco para mortalidade em pacientes com DRC.6 Desta forma, o processo inflamatório em pacientes com DRC parece estar relacionado com anorexia, que contribui diretamente para altas taxas de hospitalização, baixa qualidade de vida e está associada com maior incidência de mortalidade em pacientes que realizam hemodiálise (HD).7 De fato, Zabel et al.8 constataram associação positiva entre diminuição do apetite e marcadores inflamatórios em pacientes sob HD e, atualmente, outros estudos já verificaram a relação entre níveis elevados de citocinas pró-inflamatórias e de alguns hormônios do apetite.9-11

Dentre os vários hormônios estudados na DRC, está a grelina, um peptídeo com 28 aminoácidos secretado pelo estômago e que, quando liberado, estimula o apetite através do sistema nervoso central (SNC), bem como ganho de peso e gordura corporal.12 Duas formas de grelina são encontradas nos tecidos e fluidos corporais: a acyl-grelina, sendo esta a forma ativa da grelina, e a desacyl-grelina representando 80%-90% da grelina circulante, que parece ter efeito anorexígeno e encontra-se significantemente aumentada em pacientes com DRC devido à redução da depuração renal.13,14 Além disso, a elevação dos níveis de grelina pode representar uma tentativa de aumentar o apetite e a atividade anabólica do hormônio de crescimento. No entanto, na DRC o eixo hormonal pode ser regulado de forma negativa devido à inflamação e uremia.15

A administração de grelina em ratos com DRC melhorou a ingestão alimentar, a massa muscular, diminuiu a degradação de proteínas do músculo, bem como reduziu os níveis de citocinas inflamatórias.16 De fato, a grelina parece ter potentes efeitos anti-inflamatórios no sistema imunológico e em células endoteliais humanas, onde provavelmente exerce efeitos inibitórios sobre a expressão das citocinas inflamatórias IL-1β, IL-6 e TNF-α.17

Em contrapartida, recentes descobertas sugerem que os níveis de grelina total e acyl-grelina estão alterados em estados inflamatórios.9-11 Os níveis de grelina total e acyl-grelina parecem estar correlacionados negativamente com citocinas inflamatórias em pacientes renais crônicos sob hemodiálise, especialmente TNF-α e IL-6.11

Resultados conflitantes existem acerca desta relação. Deste modo, o presente trabalho teve como objetivo analisar a relação entre acyl-grelina e citocinas pró-inflamatórias (IL-6, TNF-α e PCR) em pacientes com DRC sob hemodiálise.

MATERIAIS E MÉTODOS

SUJEITOS

Foi realizado um estudo transversal com 36 pacientes (61,2% homens) com DRC em hemodiálise na clínica Renalvida (Rio de Janeiro, Brasil). O estudo incluiu pacientes com as seguintes características: homens e mulheres com idade entre 18-65 anos com mais de 3 meses de tratamento em HD e presença de fístula arteriovenosa como acesso vascular. Pacientes com doenças inflamatórias, doenças agudas ou doenças malignas foram excluídos. A média de duração das sessões de HD foi de aproximadamente 3 a 4,5 horas três vezes por semana, com fluxo de sangue superior a 250 mL/min, fluxo de dialisado 500 mL/min e tampão de bicarbonato. As principais causas de DRC foram nefroesclerose hipertensiva (N = 24) seguida de glomerulonefrite crônica (N = 6), nefroesclerose diabética (N = 2), doença renal policística (N = 1) e outras doenças ou causa desconhecida (N = 3). O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense (073/10) e todos os pacientes foram solicitados para assinar um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

AVALIAÇÃO NUTRICIONAL

Os seguintes parâmetros antropométricos foram medidos: circunferência do braço e da cintura, peso seco e estatura para obtenção do IMC. Dobra cutânea tricipital, subescapular, suprailíaca e bíceps para cálculo do percentual de gordura corporal com densidade corporal calculada pela soma das quatro dobras, de acordo com Durnin & Womersley,18 e percentual de gordura corporal calculado a partir da equação de Siri.19 As medidas foram realizadas após sessão de HD por profissional treinado.

O estado nutricional foi avaliado segundo o IMC (kg/m2), obtido pela razão entre o peso seco e o quadrado da estatura e foi classificado segundo a Organização Mundial de Saúde.20 Os valores de referência para o percentual de gordura corporal foram os pontos de corte propostos por Lohman et al.21

Para melhor avaliar a reserva de tecido muscular, devido à correção da área óssea, foi calculada a área muscular do braço corrigida (AMBc). A classificação do estado nutricional por meio da AMBc foi baseada nos valores de referência estabelecidos por Frisancho.22 Para analisar o perfil de distribuição de gordura corporal, foi aferida a circunferência da cintura. Os valores obtidos foram comparados com os valores limítrofes associados ao risco de desenvolvimento de complicações relacionadas à obesidade. Para homens, este risco encontra-se aumentado quando os valores de circunferência da cintura são maiores que 102 cm e para mulheres quando maiores que 88 cm.23

A ingestão média diária de calorias e proteínas foi estimada utilizando recordatório alimentar de 24h de dois dias (dia de diálise e dia sem diálise). A ingestão média diária de nutrientes foi calculada utilizando software NutWin (software desenvolvido pelo Departamento de Nutrição da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP, São Paulo, Brasil).

VARIÁVEIS BIOQUÍMICAS

Os exames bioquímicos de rotina foram coletados dos prontuários dos pacientes e classificados de acordo com os valores de referência da National Kidney Foundation (NKF, 2000).24 Dose de diálise (Kt/V) foi calculada a partir dos valores de ureia sanguínea pré e pós-diálise, peso, e a duração de diálise segundo Daugirdas.25 O sangue foi coletado em jejum antes da sessão de hemodiálise, centrifugado (15 min, 3000 x g, 4ºC) e o plasma foi armazenado a -80ºC para análises posteriores. A acyl-grelina plasmática foi analisada pelo Kit comercial (Human acylated Ghrelin EIA - SPI Bio, Montigny, France) e os valores foram comparados com os níveis de acyl-grelina de 18 indivíduos saudáveis (51 ± 6,6 anos, sete homens, 11 mulheres). As citocinas pró-inflamatórias foram analisadas utilizando ensaios imunoenzimáticos (proteína C-reativa humana, DY1707, R&D Systems®; TNF-α humano/TNFSF1A, DY210, R&D Systems®; IL-6 humano, DY206, R&D Systems®) e os valores foram comparados com um grupo de indivíduos saudáveis que fez parte de um estudo do nosso grupo.26

ANÁLISE ESTATÍSTICA

Os resultados foram expressos como média ± DP (desvio padrão) ou valores mínimo e máximo conforme teste de normalidade (Shapiro-Wilk). A acyl-grelina plasmática, a citocina TNF-α e PCR não apresentaram distribuição normal e o teste Mann-Whitney foi aplicado para analisar a diferença entre as médias. O teste-t para amostras independentes foi aplicado para analisar a diferença entre as médias das variáveis com distribuição normal. As variáveis foram analisadas de acordo com gênero e IMC (ponto de corte 25,0 kg/m2). Os coeficientes de correlação entre as variáveis foram calculados utilizando a correlação de Pearson ou Spearman conforme apropriado. A significância estatística foi aceita como p < 0,05. As análises estatísticas foram realizadas por meio do programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) 17.0 (Chicago, EUA).

RESULTADOS

Os parâmetros antropométricos e bioquímicos estão apresentados na Tabela 1. Do total, 14% dos pacientes apresentaram valores de IMC compatíveis com desnutrição (< 18,5 kg/m2) e 44,4% apresentaram sobrepeso/obesidade (IMC > 25 kg/m2). Todos os pacientes apresentaram elevado percentual de gordura corporal e cerca de 20% dos homens e 43% das mulheres apresentaram circunferência da cintura acima das recomendações do NCEP (2001).23 Em contraste, 66,7% dos pacientes apresentaram depleção nutricional segundo avaliação da área muscular do braço.

A maioria dos indivíduos (70%) apresentou ingestão energética inferior a 35 kcal/kg/dia e apenas 30% estavam com ingestão energética adequada. A média da ingestão de proteínas foi de 1,4 ± 0,9 g/kg/dia, porém, metade dos pacientes apresentou ingestão de proteínas inferior a 1,2 g/kg/dia.

Os dados bioquímicos representados na Tabela 2 indicam que os pacientes apresentaram elevados níveis plasmáticos de IL-6 (83,0 ± 10,2 pg/mL), TNF-α (21,06 [20,6-40,0] pg/mL) e PCR (2,7 [1,7-3,4] pg/mL), quando comparados aos níveis plasmáticos de indivíduos saudáveis: IL-6 (2,7 ± 0,3 pg/mL), TNF-α (2,3 ± 1,2 pg/mL), PCR (0,59 ± 0,07 pg/mL).26 Os pacientes apresentaram reduzidos valores de acyl-grelina (18,0 [1,3-77,7] pg/mL) quando comparados aos valores dos indivíduos saudáveis (24,2 [16,3-41,7] pg/mL) (p < 0,001).

Os níveis plasmáticos de acyl-grelina se correlacionaram negativamente com o IMC (r = -0,38; p = 0,02) conforme ilustrado na Figura 1. Os pacientes com sobrepeso/obesidade apresentaram níveis plasmáticos de acyl-grelina significativamente menores (13,6 [1,3-30,5 pg/mL]) quando comparados àqueles com IMC < 25 kg/m2 (21,7 [7,4-77,7] pg/mL), conforme indicado na Figura 2.



Entre as mulheres, a gordura corporal se correlacionou negativamente com a acyl-grelina (r = -0,53; p = 0,03) (Figura 3). Não houve correlação significativa entre idade, estado nutricional e citocinas pró-inflamatórias, nem entre os níveis de acyl-grelina com as citocinas (TNF-α, IL-6 e PCR).


DISCUSSÃO

Dentre os peptídeos atuantes no apetite e estado nutricional está a grelina, que na DRC parece estar com seus níveis alterados.27,28 No presente estudo, observamos que os pacientes em HD apresentaram baixos níveis de acyl-grelina em comparação a indivíduos saudáveis e, além disso, pacientes com IMC > 25 kg/m2 apresentaram concentrações plasmáticas de acyl-grelina significativamente menores em relação aos pacientes com IMC < 25 kg/m2. Em adição, não foi observada nenhuma associação entre os marcadores inflamatórios e os níveis de acyl-grelina.

Estudos têm observado elevados níveis de grelina total em pacientes com DRC.13,27,29,30 No entanto, é importante ressaltar que grande parte desses estudos relata as concentrações plasmáticas de grelina total e, no presente, analisamos apenas a fração acyl-grelina, que é orexígena, ao contrário da desacyl-grelina, que tem ação anorexígena e que compõe 90% da grelina total circulante.

Com relação à acyl-grelina, pesquisadores também observaram baixos níveis desse hormônio em pacientes com DRC. Oner-Iyidogan et al.11 avaliaram 36 pacientes em HD e encontraram baixos níveis plasmáticos de acyl-grelina. Mafra et al.12 também constataram baixos níveis plasmáticos da fração acilada da grelina em 125 pacientes em HD. De acordo com esses autores, pacientes com DRC exibem um perfil de reduzidos níveis plasmáticos de acyl-grelina e de altas concentrações da fração desacyl-grelina e, desta forma, os elevados valores de grelina total se devem à fração desacyl. De fato, Muscaritoli et al.9 encontraram valores significativamente mais altos de desacyl-grelina em pacientes em HD quando comparados a indivíduos saudáveis.

No presente estudo, observamos associação negativa entre IMC e os níveis plasmáticos de acyl-grelina, ademais, entre as mulheres houve forte correlação negativa entre acyl-grelina e o percentual de gordura corporal. Tais achados vão de encontro com estudo de Mafra et al.,12 no qual níveis de acyl-grelina foram maiores em pacientes com IMC < 23 kg/m2. Do mesmo modo, ao avaliar grelina total, alguns estudos encontraram relação inversa entre a grelina total e o IMC em que pacientes com DRC que apresentam caquexia têm altos níveis de grelina total. Diante disto, esse perfil tem sido sugerido como um mecanismo para manter o balanço energético, evitando a perda de peso destes pacientes31,32 nos quais a fração de acyl-grelina é responsável pelos efeitos orexígenos da grelina total.33-35 Além disso, estudo recente realizado em humanos constatou que a enzima ativadora da grelina, grelina-O-acyltransferase (GOAT), possui sua expressão alterada por diferentes condições de peso corporal, neutralizando as alterações adaptativas de grelina observadas sob estas condições e contribuindo para o desenvolvimento ou a manutenção de anorexia e obesidade.36

De fato, alguns estudos têm mostrado relação inversa entre IMC, gordura corporal e níveis de acyl-grelina.34 Segundo Chen et al.,35 a diminuição de peso corporal aumenta as concentrações de grelina e o aumento de peso diminui essas concentrações. Entre os pacientes magros, parece haver resistência à ação da grelina, motivo pelo qual tais pacientes apresentam tendência à anorexia. Tal fato é compatível aos nossos achados, pois embora 70% dos indivíduos apresentassem ingestão de energia menor que o recomendado, os indivíduos com IMC menor que 25 kg/m2 tinham níveis plasmáticos de acyl-grelina maiores que pacientes obesos.

A redução dos níveis de acyl-grelina pode ter relação com a presença de inflamação nesses pacientes, que apresentaram elevados níveis de citocinas. No entanto, no presente estudo não observamos correlação significativa entre a inflamação, ingestão energética-proteica e níveis de acyl-grelina.

As citocinas pró-inflamatórias provocam catabolismo proteico e redução na massa muscular.6 No presente estudo, houve grande proporção de pacientes com depleção muscular apesar de as correlações entre as citocinas pró-inflamatórias e a massa muscular não terem sido significativas. Segundo Carrero & Stenvinkel,37 as citocinas pró-inflamatórias, em especial a IL-6, desempenham um importante papel do catabolismo muscular, contribuindo para o wasting, caracterizado por depleção energético-proteica e que acomete entre 23% a 76% de pacientes sob hemodiálise. Esta deterioração do estado nutricional tem como características a anorexia, elevado gasto energético, diminuição de proteínas séricas, perda de massa muscular e peso corporal.6,38,39

Atualmente, sabe-se que o tecido adiposo é um órgão endócrino que produz e secreta várias citocinas pró-inflamatórias; dentre estas, a IL-6 é fundamental nos processos inflamatórios e, ao que parece, altas concentrações plasmáticas de IL-6 estão fortemente correlacionadas com IMC em pacientes obesos.40 Além disso, segundo Mafra et al.41 a obesidade pode ser um fator que leva a um estado de inflamação subclínica, onde o aumento do tecido adiposo pode levar a aumento de citocinas pró-inflamatórias, como a IL-6. Embora os pacientes do presente estudo apresentassem elevado percentual de gordura corporal, não foi vista correlação com citocinas inflamatórias.

Atualmente, há informações conflitantes sobre a associação entre grelina total, acyl-grelina e marcadores inflamatórios. Estudos fornecem evidências de que a grelina total pode exercer efeitos anti-inflamatórios, ao passo que reduzem a expressão de citocinas pró-inflamatórias.17,28 E, segundo estudo de Yada et al.,42 a acyl-grelina parece regular a proliferação de células imunes, a ativação e secreção de citocinas pró-inflamatórias sendo, desta forma, capaz de inibir a expressão de citocinas pró-inflamatórias, tais como TNF-α e IL-6.43

Em suma, constatou-se que os níveis plasmáticos de acyl-grelina nos pacientes em hemodiálise apresentaram-se baixos em relação aos valores em indivíduos saudáveis e se correlacionaram negativamente com o IMC e a gordura corporal, ficando clara a influência do estado nutricional nos níveis deste hormônio. Além disto, o quadro de inflamação ficou evidente diante dos valores supracitados das citocinas pró-inflamatórias, porém, não houve associação com os níveis de acyl-grelina.

Tendo em vista as importantes propriedades da grelina e seus derivados na DRC e os diversos resultados contraditórios na literatura, são necessários novos estudos com o objetivo de melhor esclarecer a relação entre a acyl-grelina e inflamação na DRC.

AGRADECIMENTOS

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).

Data de submissão: 05/10/2012.

Data de aprovação: 13/04/2013.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      05 Out 2012
    • Aceito
      13 Abr 2013
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