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Glomerulopatia esquistossomótica com depósitos mesangiais de IgA: relato de caso

Resumo

Introdução:

O acometimento renal é uma forma grave da esquistossomose e ocorre em 10% a 15% dos pacientes com a forma hepatoesplênica da doença. A síndrome nefrótica é a apresentação clínica mais comum. Trata-se de uma complicação causada por imunocomplexos (IC), sendo rara no contexto brasileiro apresentar-se com depósitos de imunoglobulina A (IgA). Quando instalada a lesão renal pelo Schistosoma mansoni, apresenta-se classicamente como glomerulonefrite membranoproliferativa (mesangiocapilar), com acentuação lobular.

Objetivo:

Relatar caso de glomerulopatia esquistossomótica que se apresentou 7 anos após tratamento de esquistossomose hepatoesplênica com padrão histológico de glomerulonefrite proliferativa mesangial com depósitos de IgA em mesângio. Clinicamente, evoluiu com diminuição progressiva de proteinúria com bloqueador do receptor de angiotensina (BRA).

Método:

Foi relatado caso de paciente com 36 anos, parda, com quadro clássico de síndrome nefrótica (proteinúria > 3,5 g/24h, hipoalbuminemia e hipercolesterolemia), no entanto, com histórico de esquistossomose hepatoesplênica há 7 anos e com hipertensão portal. Paciente foi submetida à biópsia renal, que apresentou depósitos de IgA em mesângio, sendo mais intensos que imunoglobulina G (IgG), acompanhados de C1q e C3, com 4/13 glomérulos esclerosados, padrão de lesão renal de glomerulopatia mesangial leve com depósitos de IgA. Paciente iniciou uso de BRA, com melhora progressiva da proteinúria.

Conclusão:

Pacientes com glomerulopatia por schistosoma não apresentam melhora da progressão da doença com tratamento antiparasitário. Entretanto, o tratamento antiproteinúrico pode retardar a progressão da doença renal crônica terminal.

Palavras-chave:
antagonistas de receptores de angiotensina; glomerulonefrite por IGA; Schistosoma mansoni

Abstract

Introduction:

Renal involvement is a severe form of schistosomiasis and occurs in 10% to 15% of patients with the hepatosplenic form of the disease. Nephrotic syndrome is the most common clinical presentation. It is a complication caused by immune complexes (IC), it is rare to appear in the Brazilian context with a immunoglobulin A (IgA) deposits. When installed the renal injury by Schistosoma mansoni, classically presents as membranoproliferative glomerulonephritis (mesangiocapillary) with lobular accentuation.

Objective:

To report a case of schistosomiasis nephropathy that appeared 7 years after treatment of hepatosplenic schistosomiasis with histologic pattern of mesangial proliferative glomerulonephritis with IgA deposits in mesangium. Clinically developed with progressive decrease of proteinuria with angiotensin receptor blocker (ARB).

Method:

It was reported a case of a 36 years old patient, brown, with classical sintoms of nephrotic syndrome (proteinuria > 3.5 g/24h, hypoalbuminemia and hypercholesterolemia), however with hepatosplenic schistosomiasis history 7 years ago and portal hypertension. Patient underwent renal biopsy which showed IgA deposits in mesangial, being more intense than immunoglobulin G (IgG), accompanied by C1q and C3, with 4/13 glomeruli sclerotic, standard light mesangial glomerulonephritis renal injury with IgA deposits. Patient began taking ARB with progressive improvement in proteinuria.

Conclusion:

Patients with glomerulonephritis by schistosoma don't show improvement of disease progression with antiparasitic treatment. However the anti-proteinuric treatment can slow the progression of end stage kidney disease.

Keywords:
angiotensin receptor antagonists; glomerulonephritis, IGA; Schistosoma mansoni

Introdução

A esquistossomose é uma das parasitoses infectocontagiosas que mais afetam o homem.11 Brasil. Ministério da Saúde. Vigilância da Esquistossomose Mansoni: diretrizes técnicas. Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. 4ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2014.,22 Rodrigues VL, Otoni A, Voieta I, Antunes CM, Lambertucci JR. Glomerulonephritis in schistosomiasis mansoni: a time to reappraise. Rev Soc Bras Med Trop 2010;43:638-42 DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0037-86822010000600007
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Causada por vermes do gênero Schistosoma, tendo como hospedeiros intermediários caramujos de água doce do gênero Biomphalaria - que pode evoluir desde formas clínicas assintomáticas até extremamente graves.11 Brasil. Ministério da Saúde. Vigilância da Esquistossomose Mansoni: diretrizes técnicas. Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. 4ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2014.,33 Nussenzveig I, De Brito T, Carneiro CR, Silva AM. Human Schistosomomansoni-associated glomerulopathy in Brazil. Nephrol Dial Transplant 2002;17:4-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1093/ndt/17.1.4
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Estima-se que 3,5% da população mundial (cerca de 200 milhões de pessoas) é infectada por três principais espécies de Schistosoma (mansoni, haematobium e japonicum).22 Rodrigues VL, Otoni A, Voieta I, Antunes CM, Lambertucci JR. Glomerulonephritis in schistosomiasis mansoni: a time to reappraise. Rev Soc Bras Med Trop 2010;43:638-42 DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0037-86822010000600007
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O acometimento renal é uma forma grave da esquistossomose e ocorre em 10% a 15% dos pacientes com a forma hepatoesplênica, sendo a síndrome nefrótica (SN) a apresentação clínica mais comum. Trata-se de uma complicação causada por deposição de imunocomplexos (IC),44 Nascimento GL. Formas graves da esquistossomose mansoni: carga epidemiológica e custos no Brasil em 2010. [Dissertação de mestrado]. Brasília: Universidade de Brasília, Faculdade de Medicina; 2013.

5 Abensur H, Nussenzveig I, Saldanha LB, Pestalozzi MS, Barros MT, Marcondes M, et al. Nephrotic syndrome associated with hepatointestinal schistosomiasis. Rev Inst Med Trop Sao Paulo 1992;34:273-6. PMID: 1342083 DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0036-46651992000400002
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-66 Barros RT, Alves MAVFR, Dantas M, Kirsztajn GM, Sens YAS. Glomerulopatias: patogenia, clínica e tratamento. 3a ed. São Paulo: Sarvier; 2012. sendo raro no contexto brasileiro apresentar-se com depósitos mesangiais de imunoglobulina A (IgA).33 Nussenzveig I, De Brito T, Carneiro CR, Silva AM. Human Schistosomomansoni-associated glomerulopathy in Brazil. Nephrol Dial Transplant 2002;17:4-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1093/ndt/17.1.4
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Quando instalada a lesão renal, o quadro histológico predominante é a glomerulonefrite membranoproliferativa (GNMP) (mesangiocapilar), com acentuação lobular. O segundo tipo histológico mais encontrado é a glomeruloesclerose segmentar e focal (GESF).11 Brasil. Ministério da Saúde. Vigilância da Esquistossomose Mansoni: diretrizes técnicas. Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. 4ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2014.,44 Nascimento GL. Formas graves da esquistossomose mansoni: carga epidemiológica e custos no Brasil em 2010. [Dissertação de mestrado]. Brasília: Universidade de Brasília, Faculdade de Medicina; 2013.,55 Abensur H, Nussenzveig I, Saldanha LB, Pestalozzi MS, Barros MT, Marcondes M, et al. Nephrotic syndrome associated with hepatointestinal schistosomiasis. Rev Inst Med Trop Sao Paulo 1992;34:273-6. PMID: 1342083 DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0036-46651992000400002
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,77 Brito TD, Nussenzveig I, Carneiro CR, Silva AM. Schistosoma mansoni associated glomerulopathy. Rev Inst Med Trop Sao Paulo 1999;41:269-72. PMID: 10602539 DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0036-46651999000500001
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O prognóstico da lesão renal causada pela esquistossomose não se modifica com os esquemas terapêuticos propostos (esquistossomicidas isoladamente ou associados a imunossupressores). O dano renal mostra-se progressivo e a doença evolui para a doença renal crônica terminal (DRCT).11 Brasil. Ministério da Saúde. Vigilância da Esquistossomose Mansoni: diretrizes técnicas. Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. 4ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2014.,44 Nascimento GL. Formas graves da esquistossomose mansoni: carga epidemiológica e custos no Brasil em 2010. [Dissertação de mestrado]. Brasília: Universidade de Brasília, Faculdade de Medicina; 2013.,66 Barros RT, Alves MAVFR, Dantas M, Kirsztajn GM, Sens YAS. Glomerulopatias: patogenia, clínica e tratamento. 3a ed. São Paulo: Sarvier; 2012.

Apresentação do caso

Paciente de 36 anos acompanhada pela gastroenterologia devido à esquistossomose hepatoesplênica, tendo sido submetida à esplenectomia em 2007. Há cerca de 6 meses, vinha apresentando proteinúria em exame de rotina. No início do ano de 2015 apresentou quadro clássico de SN (proteinúria > 3,5 g/24h, hipoalbuminemia, dislipidemia e edema) associada à hipertensão arterial sistêmica (HAS), sem hematúria, sem alteração da função renal (Quadro 1).

Quadro 1
Evolução dos exames no período de agosto de 2013 a novembro de 2015

Paciente apresenta exame físico normal, sem comorbidades e sem antecedentes familiares de DRCT.

Exames complementares mostram elevação de aminotransferases, normocomplementemia, fator antinúcleo não reagente, sorologias virais negativas (hepatite B, hepatite C e HIV), hipertensão portal, estato-hepatite não alcoólica (EHNA) com fibrose avançada e confirmação por Fibroscan, úlcera duodenal, varizes de esôfago.

Instituída a terapia com losartana e atenolol, paciente evoluiu com redução importante de proteinúria para níveis subnefróticos (indicada biópsia renal), resultado mostrado nas Figuras 1 a 3.

Figura 1
Microscopia de luz (ML).

Figura 2
Imunofluorescência (IF).

Figura 3
Microscopia eletrônica.

Concluiu-se que a presença de depósitos de IgA, sendo mais intensos que imunoglobulina G (IgG), acompanhados de C1q e C3, poderia corresponder à nefropatia por IgA secundária, com 4/13 glomérulos esclerosados, arterioloesclerose hialina discreta e espessamento fibroelástico intimal moderado em artéria interlobular. Outra possibilidade, como há depósitos de C1q, seria lúpus eritematoso sistêmico (LES), o que foi descartado, pois a paciente não preenchia outros critérios clínicos e/ou sorológicos. Há também a descrição de atrofia tubular focal discreta associada à fibrose intersticial leve e presença também de fibrose subintimal leve em artéria de pequeno calibre.

Com esse padrão de lesão apresentado nas biópsias (ML, IF e ME), pode-se inferir que o caso trata-se de uma glomerulopatia esquistossomótica com depósitos mesangiais de IgA.

Discussão

A glomerulopatia por schistosoma tem seis classes, segundo Barsoum88 Barsoum R. The changing face of schistosomal glomerulopathy. Kidney Int 2004;66:2472-84. PMID: 15569345 DOI: http://dx.doi.org/10.1111/j.1523-1755.2004.66042.x
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e Johnson:99 Johnson RJ, Feehally J, Floege J. Comprehensive clinical nephrology. 5th ed. Philadelphia: Elsevier Saunders; 2015. p. 657-64. Classe I - glomerulonefrite proliferativa mesangial, microhematúria e proteinúria subnefrótica; Classe II - glomerulonefrite exsudativa difusa, SN aguda e toxemia; Classe III - glomerulonefrite membranoproliferativa, hepatoesplenomegalia, SN, HAS e falha renal; Classe IV - Glomeruloesclerose segmentar e focal, hepatoesplenomegalia, SN, HAS, falha renal; Classe V - amiloidose, hepatoesplenomegalia, SN, HAS, falha renal; Classe VI - glomerulonefrite crioglobulinêmica (associada ao vírus da hepatite C), hepatoesplenomegalia, SN, púrpura, vasculite, artrite, HAS, falha renal. Conforme a biópsia da cliente, ela apresenta histologia de classe I e sintomatologia de classe III.

Em estudo brasileiro realizado por Rodrigues et al.,22 Rodrigues VL, Otoni A, Voieta I, Antunes CM, Lambertucci JR. Glomerulonephritis in schistosomiasis mansoni: a time to reappraise. Rev Soc Bras Med Trop 2010;43:638-42 DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0037-86822010000600007
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em pacientes com S. mansoni, observou-se que 12,7% de 63 pacientes apresentavam acometimento glomerular, com presença de lesão mesangial em todas as amostras (depósitos eletrodensos em mesângio). Na avaliação da imunofluorescência, houve 85% com depósitos de imunoglobulinas, IgG em 50%, imunoglobulina M (IgM) em 63% e IgA em 38%. A fração de Complemento 3 (C3) foi identificada em 75% e C1q em duas amostras.

Em todos os casos foram observados depósitos de IgA nos túbulos renais, ao redor dos cilindros, e Kappa e Lambda em 75%. Depósitos eletrodensos foram encontrados nas estruturas glomerulares de três pacientes, todos com GNMP tipo 1. Em síntese, a amostra demonstrou: quatro pacientes com GNMP tipo 1; um paciente com esclerose segmentar com mesangioproliferativa e depósitos de C3; um paciente com depósitos mesangiais de IgA, C1q e C3 e um paciente com esclerose segmentar e mesangial com depósitos de IgM, C3 e C1q.22 Rodrigues VL, Otoni A, Voieta I, Antunes CM, Lambertucci JR. Glomerulonephritis in schistosomiasis mansoni: a time to reappraise. Rev Soc Bras Med Trop 2010;43:638-42 DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0037-86822010000600007
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A glomerulopatia esquistossomótica ocorre em decorrência de infecção crônica por Schistosoma mansoni.11 Brasil. Ministério da Saúde. Vigilância da Esquistossomose Mansoni: diretrizes técnicas. Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. 4ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2014.,66 Barros RT, Alves MAVFR, Dantas M, Kirsztajn GM, Sens YAS. Glomerulopatias: patogenia, clínica e tratamento. 3a ed. São Paulo: Sarvier; 2012. Segundo é explanado pelo Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde,11 Brasil. Ministério da Saúde. Vigilância da Esquistossomose Mansoni: diretrizes técnicas. Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. 4ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2014. Dos-Santos et al.1010 dos-Santos WL, Sweet GM, Bahiense-Oliveira M, Rocha PN. Schistosomal glomerulopathy and changes in the distribution of histological patterns of glomerular diseases in Bahia, Brazil. Mem Inst Oswaldo Cruz 2011;106:901-4. PMID: 22124564 DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0074-02762011000700017
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e Nussenzveig et al.,33 Nussenzveig I, De Brito T, Carneiro CR, Silva AM. Human Schistosomomansoni-associated glomerulopathy in Brazil. Nephrol Dial Transplant 2002;17:4-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1093/ndt/17.1.4
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quando a lesão renal está instalada, o quadro histológico geralmente é a glomerulonefrite mesangiocapilar.

O segundo tipo de glomerulopatia mais encontrado nesses casos é a GESF, entretanto ainda não é bem elucidado a relação entre GESF e glomerulopatia por Schistosoma,33 Nussenzveig I, De Brito T, Carneiro CR, Silva AM. Human Schistosomomansoni-associated glomerulopathy in Brazil. Nephrol Dial Transplant 2002;17:4-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1093/ndt/17.1.4
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,88 Barsoum R. The changing face of schistosomal glomerulopathy. Kidney Int 2004;66:2472-84. PMID: 15569345 DOI: http://dx.doi.org/10.1111/j.1523-1755.2004.66042.x
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e está mais relacionad a a negros.

Paciente apresentou C1q positivo, que segundo Gusmão et al.,1111 Gusmão I, Moura CGG, Mangueira CLP, Rocha MS, Cruz CMS. Anticorpos anti-C1q e sua correlação com atividade do lúpus eritematoso sistêmico. Rev Soc Bras Clin Med 2014;12:149-53. tem sido fortemente associado ao envolvimento renal por LES, entretanto cliente não fechou critérios de LES conforme Sociedade Brasileira de Reumatologia.1212 Jesus AA, Campos LMA, Liphaus BL, Carneiro-Sampaio M, Mangueira CLP, Rosseto EA, et al. Anticorpos anti-C1q, anticromatina/nucleossomo e anti-dsDNA em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico juvenil. Rev Bras Reumatol 2012;52:976-81. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0482-50042012000600015
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O diagnóstico histológico de nefropatia por IgA (NIgA) é direto, e é definido pela presença de depósitos imunes de IgA-dominante ou codominante dentro do glomérulo como mostrado pela imunohistoquímica e imunofluorescência.1313 Working Group of the International IgA Nephropathy Network and the Renal Pathology Society. Roberts IS, Cook HT, Troyanov S, Alpers CE, Amore A, Barratt J, et al. The Oxford classification of IgA nephropathy: pathology definitions, correlations, and reproducibility. Kidney Int 2009;76:546-56. PMID: 19571790,1414 Alamartine E, Sauron C, Laurent B, Sury A, Seffert A, Mariat C. The use of the Oxford classification of IgA nephropathy to predict renal survival. Clin J Am Soc Nephrol 2011;6:2384-8. DOI: http://dx.doi.org/10.2215/CJN.01170211
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O produto da ativação da via clássica do complemento C1q não é tipicamente encontrado na NIgA.

Segundo a classificação de Oxford,1313 Working Group of the International IgA Nephropathy Network and the Renal Pathology Society. Roberts IS, Cook HT, Troyanov S, Alpers CE, Amore A, Barratt J, et al. The Oxford classification of IgA nephropathy: pathology definitions, correlations, and reproducibility. Kidney Int 2009;76:546-56. PMID: 19571790 a intensidade da imunopositividade por IgA deve ser mais do que traços e sua distribuição é caracteristicamente mesangial, com ou sem depósitos em alças capilares. IgG e IgM podem ser positivos, porém não em maior intensidade que IgA.

Segundo Barsoum et al.,1515 Barsoum R, Nabil M, Saady G, Genin C, Saleh E, Francis M, et al. Immunoglobulin-A and the pathogenesis of schistosomal glomerulopathy. Kidney Int 1996;50:920-8. PMID: 8872967 DOI: http://dx.doi.org/10.1038/ki.1996.392
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aventa-se que IgA pode ser um mediador tardio da lesão glomerular nesses casos. A dominância de depósitos de IgA mesangial no contexto egípcio é comum, sugerindo a significante patogenicidade glomerular por IgA que requer um fator de comorbidade com uma exposição concomitante aos antígenos schistosomais.

Nos estudos de Brito et al.,77 Brito TD, Nussenzveig I, Carneiro CR, Silva AM. Schistosoma mansoni associated glomerulopathy. Rev Inst Med Trop Sao Paulo 1999;41:269-72. PMID: 10602539 DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0036-46651999000500001
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somente um de seus casos, com GN membranosa, apresentou IgA (+), IgG (++), IgM (+) e C3 no glomérulo, o que, conforme Nussenzveig et al.,33 Nussenzveig I, De Brito T, Carneiro CR, Silva AM. Human Schistosomomansoni-associated glomerulopathy in Brazil. Nephrol Dial Transplant 2002;17:4-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1093/ndt/17.1.4
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sugere que os depósitos de IgA em glomerulopatia esquistossomótica sejam raros no Brasil, por fatores geográficos, quando comparados aos achados de Barsoum et al.1515 Barsoum R, Nabil M, Saady G, Genin C, Saleh E, Francis M, et al. Immunoglobulin-A and the pathogenesis of schistosomal glomerulopathy. Kidney Int 1996;50:920-8. PMID: 8872967 DOI: http://dx.doi.org/10.1038/ki.1996.392
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Pode-se considerar como fator de progressão da doença renal os depósitos glomerulares de IgA que têm sido observados em pacientes com hipertensão portal na forma hepatoesplênica da esquistossomose, sendo explicados pela disfunção na depuração das imunoglobulinas pelas células de Kupffer.1414 Alamartine E, Sauron C, Laurent B, Sury A, Seffert A, Mariat C. The use of the Oxford classification of IgA nephropathy to predict renal survival. Clin J Am Soc Nephrol 2011;6:2384-8. DOI: http://dx.doi.org/10.2215/CJN.01170211
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A importância da IgA na patogênese desta nefropatia é desconhecida e são necessários estudos para redefinir a estrutura molecular dos depósitos glomerulares de IgA.1414 Alamartine E, Sauron C, Laurent B, Sury A, Seffert A, Mariat C. The use of the Oxford classification of IgA nephropathy to predict renal survival. Clin J Am Soc Nephrol 2011;6:2384-8. DOI: http://dx.doi.org/10.2215/CJN.01170211
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Pacientes com o diagnóstico de NIgA são tratados com inibidor da enzima conversora de angiotensina (IECA) e/ou BRA, podendo haver associações, tornando-os mais efetivos, quando apresentam proteinúria ≥ 1 g/dia, sendo hipertensos ou não, com função renal normal e lesões histológicas leves.1616 Sociedade Brasileira de Nefrologia. Tratamento da Nefropatia por IgA. J Bras Nefrol 2005;27:18-21.,1717 Ramos EA, Andrade ZA. Chronic glomerulonephritis associated with hepatosplenic Schistosomiasis mansoni. Rev Inst Med Trop Sao Paulo 1987;29:162-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0036-46651987000300008
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Como se apresentou o caso em questão, mostrando melhora progressiva da proteinúria.

Conclusão

Embora os parâmetros mundiais e nacionais apresentem a GNMP como sendo a principal lesão histológica na infecção por Schistosoma mansoni com comprometimento renal,33 Nussenzveig I, De Brito T, Carneiro CR, Silva AM. Human Schistosomomansoni-associated glomerulopathy in Brazil. Nephrol Dial Transplant 2002;17:4-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1093/ndt/17.1.4
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,88 Barsoum R. The changing face of schistosomal glomerulopathy. Kidney Int 2004;66:2472-84. PMID: 15569345 DOI: http://dx.doi.org/10.1111/j.1523-1755.2004.66042.x
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,1818 Barsoum RS. Schistosomal glomerulopathies. Kidney Int 1993;44:1-12. PMID: 8355449 DOI: http://dx.doi.org/10.1038/ki.1993.205
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o caso em questão apresenta histologia de uma GN esquistossomótica com depósitos mesangiais de IgA.

A importância da IgA na patogênese desta nefropatia ainda é desconhecida. O tratamento com BRA resultou em melhora da proteinúria, contribuindo para retardar a progressão para DRCT

A GN proliferativa mesangial é a forma mais precoce e mais frequente, seguida pela GNMP, favorecendo a hipótese do mesângio como alvo inicial. A apresentação clínica é variável, sendo a glomerulopatia assintomática em até 35% dos pacientes. Entretanto, como o diagnóstico é realizado tardiamente, SN, HAS, e hipocomplementemia são achados comuns.77 Brito TD, Nussenzveig I, Carneiro CR, Silva AM. Schistosoma mansoni associated glomerulopathy. Rev Inst Med Trop Sao Paulo 1999;41:269-72. PMID: 10602539 DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0036-46651999000500001
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,1919 Sociedade Brasileira de Nefrologia. Glomerulopatias associadas a doenças parasitárias. J Bras Nefrol 2005;27:30-1.

Conhecer as diversas apresentações histológicas da glomerulopatia esquistossomótica é necessária diante do parâmetro de frequência nacional.33 Nussenzveig I, De Brito T, Carneiro CR, Silva AM. Human Schistosomomansoni-associated glomerulopathy in Brazil. Nephrol Dial Transplant 2002;17:4-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1093/ndt/17.1.4
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,1818 Barsoum RS. Schistosomal glomerulopathies. Kidney Int 1993;44:1-12. PMID: 8355449 DOI: http://dx.doi.org/10.1038/ki.1993.205
http://dx.doi.org/10.1038/ki.1993.205...

Pacientes com glomerulopatia esquistossomótica não apresentam melhora da progressão da doença com tratamento antiparasitário,88 Barsoum R. The changing face of schistosomal glomerulopathy. Kidney Int 2004;66:2472-84. PMID: 15569345 DOI: http://dx.doi.org/10.1111/j.1523-1755.2004.66042.x
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2017

Histórico

  • Recebido
    17 Fev 2016
  • Aceito
    20 Jun 2016
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