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Pico de fluxo expiratório: é melhor medir!

EDITORIAL

Pico de fluxo expiratório. É melhor medir!

Álvaro Augusto Cruz

Coordenador do Programa de Controle da Asma e da Rinite Alérgica da Bahia (ProAR)

Professor Adjunto da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia - UFBA- Salvador (BA) Brasil

Na asma, uma má percepção da gravidade dos fenômenos obstrutivos pode enganar alguns pacientes,(1-2) implicando risco de asfixia por falta de tratamento adequado.(3) A percepção inadequada da gravidade engana também os médicos, como pudemos demonstrar em um estudo de pacientes ambulatoriais com asma moderada a grave.(4)

Neste número do Jornal Brasileiro de Pneumologia, Piovesan et al.(5) apresentam resultados de um estudo realizado no Rio Grande do Sul que reafirma a utilidade das medidas seriadas do pico do fluxo expiratório (PFE) no atendimento de emergência de adultos e adolescentes com asma, demonstrando que a medida do PFE obtida quinze minutos depois do início do tratamento é um bom marcador prognóstico do desfecho da crise, avaliado por nova medida do PEF quatro horas depois da primeira inalação de broncodilatador.

Contrariando esta conclusão, encontramos o relato recente de Paro e Rodrigues,(6) que avaliaram 130 crianças de um a treze anos com asma aguda em São Paulo. Estudando fatores preditivos de admissões por asma, estes autores relatam que a saturação arterial de oxigênio e o escore clínico obtidos no início do atendimento de emergência foram úteis, mas o PFE não contribuiu para predizer hospitalizações.

Há algumas diferenças entre as metodologias desses dois estudos que podem explicar a diversidade dos resultados. Em primeiro lugar, a faixa etária é claramente distinta. Em segundo lugar, o desfecho avaliado no estudo do Rio Grande do Sul foi a medida do PFE quatro horas depois da primeira dose de broncodilatador, enquanto que no estudo de São Paulo o desfecho avaliado foi admissão hospitalar por asma. No atendimento de emergência do paciente com asma, antes de mais nada, é preciso oferecer alívio. Realizar manobra de PFE é desagradável nesta situação e pode eventualmente agravar o broncoespasmo, além de retardar o início do tratamento. A opção de Piovesan et al.(5) de avaliar o PFE quinze minutos após o início do tratamento provavelmente facilitou a realização da manobra, com maior colaboração dos pacientes e incluiu nos seus resultados a resposta imediata às primeiras doses de broncodilatador. Esta resposta imediata pode ser um fator prognóstico mais importante do que a medida inicial do PFE. Embora o estudo do Rio Grande do Sul não permita a "dissecção" dos componentes relevantes do marcador de prognóstico identificado, visto que se considerou apenas o PFE quinze minutos depois do início do tratamento, oferece uma opção simples e exeqüível de medida objetiva do grau de obstrução das vias aéreas para emprego rotineiro em atendimento de emergência da asma. Todavia, é recomendável reproduzir este estudo em adultos e crianças e avaliar hospitalizações como desfecho primário, antes de se generalizar a recomendação para a implementação do protocolo empregado.

A despeito de todos os avanços farmacológicos no tratamento da asma, que oferecem opções de alta eficácia, esta enfermidade continua sendo uma das principais causas de internação e de atendimentos de emergência no Brasil. Considerando a elevada morbidade por asma e a sobrecarga habitual dos serviços de emergência e dos hospitais brasileiros, é preciso atuar em duas frentes. A primeira delas é a luta incessante pela implementação de políticas públicas de atenção ao asmático, de âmbito nacional, que deve continuar mobilizando sociedades médicas e de pacientes a fim de comprometer todas as instâncias do Sistema Único de Saúde. A SBPT, ao longo de muitos anos, tem tido um papel de destaque nesse processo, e precisa continuar agregando aliados. Na Bahia, partindo de propostas do Plano Nacional da Asma, elaborado em 1999 por representantes do Ministério da Saúde, da SBPT, da Sociedade Brasileira de Alergia e Imunopatologia e da Sociedade Brasileira de Pediatria, elaboramos um projeto multi-institucional de integração entre ensino, pesquisa e assistência, intitulado Programa de Controle da Asma e da Rinite Alérgica da Bahia (ProAR).(7) Obtivemos o auxílio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia a partir de 2003, e o apoio da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, da Secretaria de Saúde do Estado e das secretarias de saúde de vários municípios baianos. A partir da consolidação do ProAR em 2005, dando prioridade à atenção ao asmático grave, obtivemos redução de 40% das internações em Salvador e em Feira de Santana, municípios mais populosos do Estado da Bahia.(8) Por outro lado, seria fundamental a padronização de condutas baseadas em evidências, visando à simplificação e à maior eficiência do atendimento de emergência ao asmático no Brasil. O trabalho liderado por Paulo Dalcin, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,(5) comentado neste editorial, oferece opção simples e de baixo custo, que poderia contribuir para o prognóstico, e por conseguinte para o planejamento da conduta para o paciente asmático atendido no serviço de emergência. Merece destaque e elogios neste trabalho da equipe gaúcha a participação expressiva de estudantes de medicina, bolsistas de iniciação científica.

Estudo da percepção da gravidade da crise de asma por médicos e pacientes realizado em São Paulo,(9) confirma observações prévias de uma percepção inadequada da intensidade da obstrução brônquica pelos pacientes. Quanto à percepção dos médicos, os autores descrevem que o exame físico sistemático e cuidadoso pode resultar em avaliação que associa-se com o VEF1, embora numa correlação fraca (rho=0,42). Análise das variáveis do exame físico correlacionadas com o VEF1, indica que a utilização de musculatura acessória, tempo expiratório prolongado e intensidade dos sibilos, são os principais marcadores da intensidade da obstrução brônquica nas exacerbações. Conquanto consideremos desejável uma medida objetiva da intensidade da obstrução brônquica no atendimento de emergência do asmático, é preciso destacar que o PFE não deve substituir a avaliação clínica, e que o PFE é uma medida fortemente influenciada pelo esforço expiratório. Por conseguinte, um valor reduzido de PFE não é invariavelmente indicativo de obstrução brônquica. Esforço inadequado, problemas neuro-musculares, dor abdominal ou torácica, podem resultar em redução de PFE na ausência de obstrução das vias aéreas inferiores.

A medida domiciliar seriada do PEF não é necessária na rotina do atendimento ao asmático,(10) mas pode ser útil em casos mais graves e por períodos de tempo definidos. Entretanto, este parâmetro objetivo de mensuração da intensidade da obstrução das vias aéreas é um instrumento importante na reavaliação no serviço de saúde, reduzindo a necessidade de espirometrias repetidas, e particularmente na identificação da gravidade da exacerbação.(11) Embora sejam observadas dificuldades e limitações do seu uso em atendimento de emergência em crianças,(12) a disseminação deste instrumento simples e de baixo custo parece ser uma estratégia importante para capacitar unidades de atenção básica do Sistema Único de Saúde para o pronto-atendimento de exacerbações de asma, permitindo aos seus profissionais a triagem mais precisa dos pacientes que irão necessitar de hospitalização e favorecendo a resolutividade. Nessas unidades de atenção básica deve ser possível oferecer inalações de broncodilatador via aerossol pressurizado de broncodilatador com espaçador, associado ou não a corticosteróides. É preciso que os especialistas contribuam para a qualificação dos clínicos, pediatras e médicos do programa de saúde da família, para a atenção aos casos de asma leve a moderada, e o cuidado durante exacerbações, reservando para si a responsabilidade do controle dos casos de asma grave. Para tanto seria importante um esforço conjunto das sociedades médicas afins com as várias instâncias do SUS em cada estado do Brasil.

REFERÊNCIAS

1. Souza-Machado A, Alcoforado G, Cruz AA. Dispnéia aguda e morte súbita em pacientes com má percepção da intensidade da obstrução brônquica. J Pneumol. 2001;27(6):341-4.

2. Kikuchi Y, Okabe S, Tamura G, Hida W, Homma M, Shirato K, et al. Chemosensitivity and perception of dyspnea in patients with a history of near-fatal-asthma. N Engl J Med.1994;330(19):1329-34. Comment in: N Engl J Med. 1994;330(19):1383-4.

3. Souza-Machado A, Cavalcanti MN, Cruz AA. Má percepção da limitação aos fluxos aéreos em pacientes com asma moderada e grave. J Pneumol. 2001;27(4):185-92.

4. Souza-Machado A, Cavalcanti MN, Cruz AA. Ausência de correlação entre a ausculta de sibilos e a gravidade da asma. Rev Bras Alergia Imunopatol. 2001; 24(2):38-45.

5. Piovesan DM, Menegotto DM, Kang S, Franciscatto E, Millan T, Hoffmann C, et al. Avaliação prognóstica precoce da asma aguda na sala de emergência. J Bras Pneumol. 2006;32(1):1-9.

6. Paro MLZ, Rodrigues JC. Fatores preditivos da asma aguda em crianças. J Bras Pneumol. 2005;31(5):378-81.

7. Ponte E, Souza-Machado A, Franco RA, Sarkis V, Shah K, Souza-Machado C, et al. Programa de Controle da asma e da rinite alérgica da Bahia (ProAR); um modelo de integração entre assistência, ensino e pesquisa. Rev Baiana Saúde Pública. 2004;28(1):124-32.

8. Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS. Indicadores básicos de saúde no Brasil: conceitos e aplicações [texto na Internet]. Brasília. [citado 2005 Nov 11]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2005/public.htm

9. Atta JA, Nunes MPT, Fonseca-Guedes CHF, Avena LA, Borgiani MT, Fiorenza RF, et al. Patient and physician evaluation of the severity of acute asthma exacerbations. Braz J Med Biol Res 2004;37(9):1321-30.

10. Tierney WM, Roesner JF, Seshadri R, Lykens MG, Murray MD, Weinberger M. Assessing symptoms and peak expiratory flow rate as predictors of asthma exacerbations. J Gen Intern Med. 2004;19(3):237-42. Erratum in: J Gen Intern Med. 2004;19(8):903. Comment in: J Fam Pract. 2004;53(8):608.

11. National Institutes of Health. National Heart, Lung and Blood Institute. Global Initiative for Asthma. Global strategy for Asthma Management and Prevention. Revised 2002. Washington, NIH; 2002. [NIH Publication: Nº 02-3659].

12. Gorelick MH, Stevens MW, Schultz T, Scribano PV. Difficulty in obtaining peak expiratory flow measurements in children with acute asthma. Pediatr Emerg Care. 2004;20(1):22-6.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Maio 2006
  • Data do Fascículo
    Fev 2006
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