Acessibilidade / Reportar erro

Heterogeneidade de resposta por IFN-γ a cepas clínicas de Mycobacterium tuberculosis em humanos

Resumos

Mycobacterium tuberculosis é um dos mais bem sucedidos patógenos do homem. As cepas virulentas são mais facilmente transmitidas, induzindo respostas imunes variáveis. Avaliamos a resposta celular tipo Th1, através da produção de IFN-γ, como resposta a cepas com padrões diversos em voluntários sadios. Nossos resultados mostraram que indivíduos com teste tuberculínico (TT) negativo já tiveram contato com algumas das cepas testadas, ao passo que indivíduos com TT positivo não responderam a todas as cepas testadas. Cepas resistentes induziram uma média menor de produção de IFN-γ que aquelas sensíveis. Uma possível aplicação prática disto seria que a produção de IFN-γ, em relação a uma cepa isolada específica, poderia auxiliar na previsão da resposta ao tratamento dos pacientes.

Tuberculose; Polimorfismo de fragmento de restrição; Mycobacterium tuberculosis; Imunidade celular; Interferon gama


Mycobacterium tuberculosis is one of the most successful human pathogens. Highly virulent strains, which are more easily transmitted than are less virulent strains, elicit variable immune responses. We evaluated the Th1 responses (IFN-γ production) in healthy volunteers after stimulation with various strains. Our results show that the individuals with negative tuberculin skin test (TST) results were not necessarily naive to all of the strains tested, whereas individuals with positive TST results did not respond to all of the strains tested. Drug-resistant strains induced a lower mean level of IFN-γ production than did drug-sensitive strains. One possible practical application of this finding would be for the prediction of responses to treatment, in which it might be advantageous to have knowledge of the estimated IFN-γ production elicited by a specific isolated strain.

Tuberculosis; Polymorphism, restriction fragment length; Mycobacterium tuberculosis; Immunity, cellular; Interferon-gamma


COMUNICAÇÃO BREVE

Heterogeneidade de resposta por IFN-γ a cepas clínicas de Mycobacterium tuberculosis em humanos* * Trabalho realizado no Laboratório de Microbiologia Celular, Fundação Instituto Oswaldo Cruz - Fiocruz - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.

Vinícius Ribeiro CabralI; Cláudia Ferreira de SouzaII; Fernanda Luiza Pedrosa GuimarãesIII; Maria Helena Feres SaadIV

IBiólogo. Laboratório de Microbiologia Celular, Fundação Instituto Oswaldo Cruz - Fiocruz - Rio de Janeiro (RJ) Brasil

IIBióloga. Laboratório de Microbiologia Celular, Fundação Instituto Oswaldo Cruz - Fiocruz - Rio de Janeiro (RJ) Brasil

IIIBióloga. Laboratório de Microbiologia Celular, Fundação Instituto Oswaldo Cruz - Fiocruz - Rio de Janeiro (RJ) Brasil

IVPesquisadora Titular III. Laboratório de Microbiologia Celular, Fundação Instituto Oswaldo Cruz - Fiocruz - Rio de Janeiro (RJ) Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Maria Helena Féres Saad Laboratório de Microbiologia Celular, Instituto Oswaldo Cruz, Fiocruz Avenida Brasil, 4365 CEP 21045-900, Rio de Janeiro, RJ, Brasil Tel 55 21 2598-4346. Fax: 55 21 2270-9997 E-mail: saad@ioc.fiocruz.br

RESUMO

Mycobacterium tuberculosis é um dos mais bem sucedidos patógenos do homem. As cepas virulentas são mais facilmente transmitidas, induzindo respostas imunes variáveis. Avaliamos a resposta celular tipo Th1, através da produção de IFN-γ, como resposta a cepas com padrões diversos em voluntários sadios. Nossos resultados mostraram que indivíduos com teste tuberculínico (TT) negativo já tiveram contato com algumas das cepas testadas, ao passo que indivíduos com TT positivo não responderam a todas as cepas testadas. Cepas resistentes induziram uma média menor de produção de IFN-γ que aquelas sensíveis. Uma possível aplicação prática disto seria que a produção de IFN-γ, em relação a uma cepa isolada específica, poderia auxiliar na previsão da resposta ao tratamento dos pacientes.

Descritores: Tuberculose; Polimorfismo de fragmento de restrição; Mycobacterium tuberculosis; Imunidade celular; Interferon gama.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde,(1) com base em uma resposta de hipersensibilidade a PPD, aproximadamente um terço da população mundial está infectado por Mycobacterium tuberculosis. Paradoxalmente, a resposta imune humana impede, de maneira bastante eficiente, o crescimento desse patógeno, mas não é capaz de erradicá-lo de maneira eficaz. A história natural da tuberculose indica que apenas 10% dos indivíduos infectados correm o risco de desenvolver a doença em algum momento de sua vida. Entretanto, a maioria dos indivíduos infectados possivelmente corre o risco de reativação da doença quando o sistema imune é suprimido ou quando há reinfecção por uma nova cepa. Alguns estudos demonstraram uma correlação entre a virulência de M. tuberculosis e a ausência de resposta Th1 em modelos murinos. Outros sugeriram que certas cepas, tipicamente aquelas com características especiais, como a cepa Beijing, interagem de maneira distinta com o hospedeiro, induzindo respostas imunes diferentes de acordo com seu potencial de transmissão.(2,3) No presente estudo, avaliamos a habilidade de isolados clínicos e não clínicos de cepas resistentes ou sensíveis de M. tuberculosis para induzir respostas imunes protetoras mediadas por IFN-γ em voluntários saudáveis. O delineamento do estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da instituição.

As cepas clínicas foram isoladas de pacientes com tuberculose pulmonar. A cepa de M. tuberculosis H37Rv foi obtida junto ao American Type Culture Collection (Manassas, VA, EUA). As características das diversas cepas são descritas na Tabela 1. O teste de sensibilidade foi realizado por meio do método das proporções em meio de Löwenstein-Jensen (LJ),(4) e o padrão da sequência de inserção 6110 (SI6110) foi obtido por meio da análise de RFLP.(5,6) Recrutamos 11 voluntários saudáveis, os quais foram submetidos ao teste tuberculínico (TT). Dos 11 voluntários, 6 apresentaram resultado positivo (TT+, induração > 5 mm) e 5 apresentaram resultado negativo (TT-). Nenhum dos voluntários tinha histórico de tuberculose. Todos os voluntários assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.

Amostras de sangue foram coletadas, e as PBMCs foram preparadas conforme descrito por Tavares et al.(7) Obteve-se a estimulação in vitro de 106 células/poço por meio de incubação, durante três dias, com uma suspensão contendo 105 bacilos/poço e, como controle positivo, 5 µg/mL de PHA (Sigma, St. Louis, MO, EUA). O sobrenadante das culturas celulares livres de bactérias foi coletado e armazenado imediatamente a -70ºC para a quantificação de IFN-γ por meio de ELISA (R&D Systems, Minneapolis, MN, EUA). Níveis de IFN-γ > 100 pg/mL foram considerados positivos. A suspensão de bacilos foi preparada através do cultivo das cepas em meio de LJ a 37ºC durante três semanas. O crescimento fresco foi removido, colocado em um tubo contendo pérolas de vidro de 3 mm e agitado em vórtice durante 1 min. Após a adição de PBS-Tween 80 a 5%, o crescimento micobacteriano foi disperso (através de aspirações múltiplas com uma agulha 25G), agitado em vórtice e meticulosamente lavado duas vezes com PBS por meio de centrifugação. Aguardamos 30 min até que as partículas maiores remanescentes decantassem, e, após esse período, a contagem de células do sobrenadante foi ajustada para 1 na Escala de McFarland e, em seguida, para o número desejado. Verificamos a ausência de grumos celulares na suspensão por meio de baciloscopia para BAAR. Os resultados foram expressos em média ± ep. Os dados foram analisados por meio do teste t de Student não paramétrico. O ponto de corte para IFN-γ foi 100 pg/mL, a menos que os níveis de fundo fossem maiores nas células de controle não estimuladas. Nesse caso, foi considerado positivo um valor pelo menos duas vezes maior que o do controle.

A Tabela 2 mostra a produção de IFN-γ após a estimulação com as diversas cepas. Como esperado, a maioria dos voluntários TT+ produziram IFN-γ em resposta a estimulação com as cepas testadas. Embora algumas das cepas testadas não tenham sido reconhecidas, a intensidade da resposta, na maioria dos casos, apresentou correlação positiva com a reação do TT. A cepa de M. tuberculosis multirresistente 046, com dez cópias de SI6110 e pertencente a um cluster, foi a cepa que induziu mais frequentemente uma resposta imune na amostra como um todo, além de ter induzido tal resposta em 1 (20%) dos 5 voluntários com TT-. Isso indica que, apesar de terem apresentado TT-, alguns dos indivíduos saudáveis já haviam tido contato com alguma cepa de M. tuberculosis. Entretanto, é possível também que isso indique uma reação cruzada com micobactérias ambientais. Sabe-se que os antígenos PPD e H37Rv induzem respostas Th1 em indivíduos com TT+. Um voluntário com TT- apresentou resposta citocínica à cepa H37Rv e a mais uma cepa. Entretanto, em toda a amostra, a produção elevada de IFN-γ correlacionou-se positivamente com a induração do TT, exceto no caso de um indivíduo com TT+, no qual nem a H37Rv nem nenhuma outra cepa provocou a produção de IFN-γ. O fato de que alguns indivíduos com TT+ vindos de áreas endêmicas não responderam a cepas micobacterianas pode ser relevante em testes de vacinas e no uso de métodos diagnósticos baseados na análise da resposta por IFN-γ, que têm sido usados comercialmente para identificar indivíduos com infecção tuberculosa latente. Devido ao fato de que certos isolados clínicos, inclusive o H37Rv, produzem respostas diversas em humanos, assim como ao fato de que virtualmente todas as novas vacinas contra a tuberculose (a maioria das quais contém a cepa H37Rv) são testadas em animais, ainda não se sabe se novas vacinas (cujos alvos sejam outras cepas) propiciarão o mesmo nível de proteção que vacinas cujo alvo é essa cepa padrão propiciam. Relatou-se recentemente que cepas clínicas de M. tuberculosis produzem respostas variadas da doença em modelos animais.(8) São necessários mais estudos para esclarecer a influência que a sensibilidade estimada da análise da resposta por IFN-γ exerce sobre os níveis de IFN-γ em indivíduos com infecção tuberculosa latente.

A cepa 238 resistente à isoniazida, abrigando um cluster com duas cópias de SI6110, induziu a produção de IFN-γ em apenas 2 dos voluntários (voluntários G e K), que apresentaram baixa positividade para IFN-γ e indurações de TT de 10 e 20 mm, respectivamente. Dentre os voluntários com TT+, a média de produção de IFN-γ foi menor para as cepas resistentes do que para as sensíveis (445,6 ± 155,6 pg/mL vs. 548,10 ± 153,9 pg/mL). O mesmo foi observado entre os voluntários com TT- (43,78 ± 12,73 pg/mL vs. 51,72 ± 14,25 pg/mL), embora a diferença não tenha sido significativa. De acordo com relatos prévios, algumas cepas endêmicas prevalentes, bem como aquelas com baixo número de cópias de SI6110, podem apresentar maior virulência e potencial de transmissão, estando associadas à ausência de resposta imune protetora e à supressão da produção de IL-1β, IFN-γ e TNF-α.(9-11) No presente estudo, cepas em cluster induziram uma resposta imune com menor frequência em voluntários com TT+. Entretanto, todas as cepas em cluster isoladas eram resistentes a antibióticos. A diminuição da produção de IFN-γ já foi descrita em pacientes infectados por cepas multirresistentes.(12,13) Nosso estudo obteve resultados similares, o que corrobora relatos de que cepas resistentes promovem downregulation da resposta Th1 e de que o grau de downregulation depende da cepa.

Em suma, observamos respostas imunes citocínicas heterogêneas para um painel de cepas clínicas de M. tuberculosis. Isso sugere uma diferença de cepa a cepa com relação aos fatores de virulência. Em geral, uma resposta imune eficaz provavelmente depende mais do hospedeiro do que da cepa infectante. Entretanto, observamos algumas respostas específicas relacionadas a características das cepas, como resistência a medicamentos. Isso sugere que uma estimativa da produção de IFN-γ provocada por uma cepa isolada específica pode ajudar a prever a resposta ao tratamento. Em nosso estudo, demonstramos que algumas cepas induzem ou mimetizam doença grave por meio de downregulation da resposta por IFN-γ, o que pode ter implicações na eficácia de testes diagnósticos baseados em células T. Além disso, nossos resultados sugerem que novas vacinas devem ser avaliadas no que tange a sua capacidade de gerar respostas imunes a outras cepas de M. tuberculosis, visto que demonstramos que as cepas clínicas características induzem respostas heterogêneas do hospedeiro.

Agradecimentos

Agradecemos a Mitchell Raymond Lisbon a revisão gramatical do texto em inglês.

Recebido para publicação em 20/1/2010.

Aprovado, após revisão, em 17/3/2010.

Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processos 573548/2008-0 e 470558/2008-3, e da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), processo E-26/111657/2008.

  • 1. World Health Organization. Global tuberculosis control: surveillance, planning, financing. Geneva: World Health Organization; 2007.
  • 2. López B, Aguilar D, Orozco H, Burger M, Espitia C, Ritacco V, et al. A marked difference in pathogenesis and immune response induced by different Mycobacterium tuberculosis genotypes. Clin Exp Immunol. 2003;133(1):30-7.
  • 3. Barczak AK, Domenech P, Boshoff HI, Reed MB, Manca C, Kaplan G, et al. In vivo phenotypic dominance in mouse mixed infections with Mycobacterium tuberculosis clinical isolates. J Infect Dis. 2005;192(4):600-6.
  • 4. Canetti G, Rist N, Grosset J. Measurement of sensitivity of the tuberculous bacillus to antibacillary drugs by the method of proportions. Methodology, resistance criteria, results and interpretation [Article in French]. Rev Tuberc Pneumol (Paris). 1963;27:217-72.
  • 5. van Embden JD, Cave MD, Crawford JT, Dale JW, Eisenach KD, Gicquel B, et al. Strain identification of Mycobacterium tuberculosis by DNA fingerprinting: recommendations for a standardized methodology. J Clin Microbiol. 1993;31(2):406-9.
  • 6. Saad MH, Fonseca LD, Ferrazoli L, Fandinho F, Palaci M, Grinsztejn B, et al. IS1245 genotypic analysis of Mycobacterium avium isolates from patients in Brazil. Int J Infect Dis. 1999;3(4):192-6.
  • 7. Tavares RC, Salgado J, Moreira VB, Ferreira MA, Mello FC, Leung JW, et al. Interferon gamma response to combinations 38 kDa/CFP-10, 38 kDa/MPT-64, ESAT-6/MPT-64 and ESAT-6/CFP-10, each related to a single recombinant protein of Mycobacterium tuberculosis in individuals from tuberculosis endemic areas. Microbiol Immunol. 2007;51(3):289-96.
  • 8. Ordway D, Palanisamy G, Henao-Tamayo M, Smith EE, Shanley C, Orme IM, et al. The cellular immune response to Mycobacterium tuberculosis infection in the guinea pig. J Immunol. 2007;179(4):2532-41.
  • 9. Valway SE, Sanchez MP, Shinnick TF, Orme I, Agerton T, Hoy D, et al. An outbreak involving extensive transmission of a virulent strain of Mycobacterium tuberculosis. N Engl J Med. 1998;338(10):633-9. Erratum in: N Engl J Med 1998;338(24):1783.
  • 10. Manca C, Tsenova L, Barry CE 3rd, Bergtold A, Freeman S, Haslett PA, et al. Mycobacterium Tuberculosis Cdc1551 Induces A More Vigorous Host Response In Vivo And In Vitro, But Is Not More Virulent Than Other Clinical Isolates. J Immunol. 1999;162(11):6740-6.
  • 11. Sharma MK, Al-Azem A, Wolfe J, Hershfield E, Kabani A. Identification of a predominant isolate of Mycobacterium tuberculosis using molecular and clinical epidemiology tools and in vitro cytokine responses. BMC Infect Dis. 2003;3:3.
  • 12. McDyer JF, Hackley MN, Walsh TE, Cook JL, Seder RA. Patients with multidrug-resistant tuberculosis with low CD4+ T cell counts have impaired Th1 responses. J Immunol. 1997;158(1):492-500.
  • 13. Fortes A, Pereira K, Antas PR, Franken CL, Dalcolmo M, Ribeiro-Carvalho MM, et al. Detection of in vitro interferon-gamma and serum tumour necrosis factor-alpha in multidrug-resistant tuberculosis patients. Clin Exp Immunol. 2005;141(3):541-8.
  • Endereço para correspondência:
    Maria Helena Féres Saad
    Laboratório de Microbiologia Celular, Instituto Oswaldo Cruz, Fiocruz
    Avenida Brasil, 4365
    CEP 21045-900, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
    Tel 55 21 2598-4346. Fax: 55 21 2270-9997
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado no Laboratório de Microbiologia Celular, Fundação Instituto Oswaldo Cruz - Fiocruz - Rio de Janeiro (RJ) Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Set 2010
    • Data do Fascículo
      Ago 2010

    Histórico

    • Recebido
      20 Jan 2010
    • Aceito
      17 Mar 2010
    Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia SCS Quadra 1, Bl. K salas 203/204, 70398-900 - Brasília - DF - Brasil, Fone/Fax: 0800 61 6218 ramal 211, (55 61)3245-1030/6218 ramal 211 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: jbp@sbpt.org.br