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Uma realidade

EDITORIAL

Uma realidade

Em 1977 Kenneth Moser publicou no American Review Respiratory Disease um artigo em que apresentava um abrangente estado-da-arte sobre a embolia pulmonar(1). A partir daí, parece que esta deixou de ser uma curiosidade para os pneumologistas, para ser uma entidade com consistência, história natural e doutrina. Estudos epidemiológicos prospectivos sucederam-se à estimativa clássica de Dalen e Alpert,(2) confirmando o impacto e a importância de se levar a sério no cotidiano a problemática da tromboembolia venosa (TEV). Avanços subseqüentes nos aspectos dediagnóstico e a introdução das heparinas de peso molecular baixo demonstraram a vitalidade do tema. Propostas eficazes de profilaxia, dúvidas sobre o melhor processo diagnóstico e os regimes de tratamento para uma entidade potencialmente tão complexa resultaram em diretrizes disciplinadoras que democratizaram sua abordagem.

Não obstante seu desenvolvimento acadêmico e científico rápido e notável, em 1990, o mesmo Moser, em outro state-of-the art, chamava a atenção para a incidência e a taxa de mortalidade por TEV nos Estados Unidos da América quecontinuava "substancial e inaceitável".(3) Urgia que se soubesse e se fizesse mais.

Em 1996, durante o XXVIII Congresso Brasileiro de Pneumologia e Tisiologia em Belo Horizonte, foi criada a comissão científica de circulação pulmonar da SBPT, com o objetivo de estimular o estudo e a abordagem das doenças que afetam a circulação pulmonar nos eventoscientíficos e no processo de educação continuada patrocinado pela entidade. Este objetivo tem sido atingido. Aumentou em muito o interesse de boa parte dos pneumologistas pelos vários aspectos da patologia circulatória pulmonar. E – aqui entre nós -, uma entidade até então de domínio quase absoluto da cardiologia, passou a ser compartilhada pela pneumologia: a hipertensão arterial pulmonar.

Este número do Jornal Brasileiro de Pneumologia é um expressivo exemplo do que estamos falando. Quatro artigos abordam diferentes aspectos de anormalidades da circulação pulmonar.

Yoo et al (4) apresentam uma análise de achados clínico-patológicos na TEP, originados em 24 anos de necropsias. Durante muitas décadas, os estudos post mortem constituíram-se no padrão dourado em tromboembolia pulmonar (TEP), por serem a única forma de diagnóstico de certeza. Atualmente, mesmo que os estudos prospectivos com instrumentos diagnósticos objetivos de TEP venham fornecendo informações de grande exatidão, o conhecimento advindo de correlações clínico-patológicas mantém sua importância no entendimento dos múltiplos aspectos da doença. As necropsias, quando realizadas regularmente, servem como controle de qualidade da prática assistencial e trazem uma experiênciaque enriquece o grupo e o meio. E continuam nos ensinando.

Silva et al (5) apresentam uma revisão concisa sobre o diagnóstico por imagens da TEP aguda, com ênfase no papel da angiotomografia helicoidal. Desde o artigo inicial de Remy-Jardim et al, (6) foi rápida e fulminante a ascensão desta técnica, para posicionar-se, inicialmente, como de confirmação e logo como de exclusão da TEP aguda. Para os centros que possuem um tomógrafo helicoidal com multidetectores e uma equipe interessada de radiologistas, a problemática diagóstica da TEP parece encerrada. Assim seja.

Terra-Filho et al (7) apresentam um relato de caso que reflete a grande experiência de seu grupo no manejo cirúrgico da TEP crônica, isto é, da hipertensão pulmonar tromboembólica crônica. Sua casuística e resultados obtidos são de padrão internacional.

Maciel et al(8) apresentam uma revisão igualmente concisa sobre profilaxia da TEV em pacientes submetidos a procedimentos vídeolaparoscópicos, a propósito de um caso acompanhado. Avanços nos procedimento cirúrgicos, fazendo-os menos invasivos, menos cruentos e mais ágeis, não os tornam isentos de riscos de TEV, merecendo avaliação e tromboprofilaxia correspondente.

A circulação pulmonar é uma realidade entre nós.

Sérgio Saldanha Menna Barreto (TE SBPT)

Prof. Titular da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

REFERÊNCIAS

1. Moser KM. Pulmonary embolism. Am Rev Respir Dis1977; 115:829-51.

2. Dalen JE, Alpert JS. Natural history of pulmonary embolism. Prog Cardiovasc Dis.1975; 17:259-70

3. Moser MK. Venous thromboembolism. Am Rev Respir Dis 1990; 141:235-49.

4. Yoo HHB, Mendes FG, Alem CER. Achados clinicopatológicos na tromboembolia pulmonar: estudos de 24 anos de autopsias. J Bras Pneumol 2002: 30:426-32.

5. Silva IS, Müller NL. Diagnóstico por imagens do tromboembolismo pulmonar agudo. J Bras Pneumol 2004; 30: 474-9.

6. Remy-Jardim M, Remy J, Wattime L et al. Central pulmonary thromboembolism: diagnosis with spiral volumetric CT with single-breatjh technique – comparison with pulmonary angiography. Radiology 1992, 185:381-7.

7. Terra-Filho M, Ribeiro SCC, Souza R, Jatene FB. Tromboendarterectomia pulmonar em paciente com 80 anos de idade. J Bras Pneumol 2004; 30:485-7.

8. Maciel R, Menna Barreto SS. Tromboprofilaxia na colecistectomia videolaparoscópica. J Bras Pneumol 2004; 30:480-4.

Nota do Autor: Considero que a palavra inglesa embolism traduz-se melhor por embolia e não por embolismo, como termo médico. Em português embolismo (do grego embolismó: intercalação) é um substantivo masculino que se refere a um fenômeno astronômico. Assim, a tradução do inglês para o português de thromboembolismo deve ser tromboembolia. Mas não está convencido que será ouvido...

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jan 2005
  • Data do Fascículo
    Out 2004
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