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Relação entre a magnitude de sintomas e a qualidade de vida: análise de agrupamentos de pacientes com câncer de pulmão no Brasil

Resumos

OBJETIVO: Muitas vezes pacientes com câncer de pulmão vivenciam mudanças físicas e psicossociais profundas que resultam da progressão da doença ou dos efeitos colaterais do tratamento. Fadiga, dor, dispneia, depressão e distúrbios do sono parecem ser os sintomas mais comuns nesses pacientes. O objetivo deste estudo foi examinar a prevalência de sintomas em pacientes com câncer de pulmão a fim de identificar subgrupos (clusters) de pacientes, agrupados de acordo com a magnitude dos sintomas, bem como comparar os subgrupos quanto à qualidade de vida. MÉTODOS: Estudo transversal utilizando agrupamento hierárquico aglomerativo. Foram avaliadas as características demográficas de 50 pacientes com câncer de pulmão, bem como sua pontuação em três questionários de qualidade de vida: o 30-item European Organization for Research and Treatment of Cancer Core Quality of Life Questionnaire (EORTC QLQ-C30), o Functional Assessment of Cancer Therapy-Lung e o Medical Outcomes Study 36-item Short-form Survey. A análise de agrupamentos (clusters) levou em conta a magnitude dos sintomas de maior prevalência de acordo com as escalas de sintomas do EORTC QLQC-30; esses sintomas foram fadiga, dor, dispneia e insônia. RESULTADOS: Foram identificados três agrupamentos (subgrupos) de pacientes, baseados na magnitude dos quatro sintomas mais prevalentes. Os três subgrupos de pacientes foram os seguintes: pacientes com sintomas leves (n = 30; 60%); pacientes com sintomas moderados (n = 14; 28%) e pacientes com sintomas graves (n = 6; 12%). O subgrupo de pacientes com sintomas graves apresentou a pior qualidade de vida, conforme mensurada pelos escores totais e pelas dimensões integradas dos três instrumentos. CONCLUSÕES: Este estudo destaca a importância da avaliação de agrupamentos de sintomas como uma ferramenta relevante para medir a qualidade de vida de pacientes com doenças crônicas, como o câncer de pulmão.

Sinais e sintomas; Análise por conglomerados; Neoplasias pulmonares; Qualidade de vida; Questionários; Assistência Paliativa


OBJECTIVE: Lung cancer patients often experience profound physical and psychosocial changes as a result of disease progression or treatment side effects. Fatigue, pain, dyspnea, depression, and sleep disturbances appear to be the most common symptoms in such patients. The objective of the present study was to examine the prevalence of symptoms in lung cancer patients in order to identify subgroups (clusters) of patients, grouped according to the magnitude of the symptoms, as well as to compare the quality of life among the identified subgroups. METHODS: A cross-sectional study involving agglomerative hierarchical clustering. A total of 50 lung cancer patients were evaluated in terms of their demographic characteristics and their scores on three quality of life questionnaires, namely the 30-item European Organization for Research and Treatment of Cancer Core Quality of Life Questionnaire (EORTC QLQ-C30), the Functional Assessment of Cancer Therapy-Lung, and the Medical Outcomes Study 36-item Short-form Survey. The cluster analysis took into account the magnitude of the most prevalent symptoms as assessed by the EORTC QLQ-C30 symptom scale scores; those symptoms were fatigue, pain, dyspnea, and insomnia. RESULTS: Three clusters (subgroups)_of patients were identified on the basis of the magnitude of the four most prevalent symptoms. The three subgroups of patients were as follows: patients with mild symptoms (n = 30; 60%); patients with moderate symptoms (n = 14; 28%); and patients with severe symptoms (n = 6; 12%). The subgroup of patients with severe symptoms had the worst quality of life, as assessed by the total scores and by the integrated domains of all three instruments. CONCLUSIONS: This study highlights the importance of symptom cluster assessment as an important tool to assess the quality of life of patients with chronic diseases, such as lung cancer.

Signs and symptoms; Cluster analysis; Lung neoplasms; Quality of life; Questionnaires; Palliative care


ARTIGO ORIGINAL

Relação entre a magnitude de sintomas e a qualidade de vida: análise de agrupamentos de pacientes com câncer de pulmão no Brasil* * Trabalho realizado na Disciplina de Pneumologia, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.

Juliana FranceschiniI; José Roberto JardimII; Ana Luisa Godoy FernandesIII; Sérgio JamnikIV; Ilka Lopes SantoroV

IPesquisadora. Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil

IIProfessor Adjunto Livre-Docente. Disciplina de Pneumologia, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil

IIIProfessora Associada Livre-Docente. Disciplina de Pneumologia, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil

IVMédico. Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil

VProfessora Associada. Disciplina de Pneumologia, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Ilka L. Santoro Rua Botucatu, 740 - 3º andar Pneumologia (Disciplina de Pneumologia- Universidade Federal de São Paulo) CEP: 04023-062 São Paulo - SP - Brasil Tel. 55 11 5576-4238. Fax: 55 11 5082-5105 E-mail: ilkasantoro@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Muitas vezes pacientes com câncer de pulmão vivenciam mudanças físicas e psicossociais profundas que resultam da progressão da doença ou dos efeitos colaterais do tratamento. Fadiga, dor, dispneia, depressão e distúrbios do sono parecem ser os sintomas mais comuns nesses pacientes. O objetivo deste estudo foi examinar a prevalência de sintomas em pacientes com câncer de pulmão a fim de identificar subgrupos (clusters) de pacientes, agrupados de acordo com a magnitude dos sintomas, bem como comparar os subgrupos quanto à qualidade de vida.

MÉTODOS: Estudo transversal utilizando agrupamento hierárquico aglomerativo. Foram avaliadas as características demográficas de 50 pacientes com câncer de pulmão, bem como sua pontuação em três questionários de qualidade de vida: o 30-item European Organization for Research and Treatment of Cancer Core Quality of Life Questionnaire (EORTC QLQ-C30), o Functional Assessment of Cancer Therapy-Lung e o Medical Outcomes Study 36-item Short-form Survey. A análise de agrupamentos (clusters) levou em conta a magnitude dos sintomas de maior prevalência de acordo com as escalas de sintomas do EORTC QLQC-30; esses sintomas foram fadiga, dor, dispneia e insônia.

RESULTADOS: Foram identificados três agrupamentos (subgrupos) de pacientes, baseados na magnitude dos quatro sintomas mais prevalentes. Os três subgrupos de pacientes foram os seguintes: pacientes com sintomas leves (n = 30; 60%); pacientes com sintomas moderados (n = 14; 28%) e pacientes com sintomas graves (n = 6; 12%). O subgrupo de pacientes com sintomas graves apresentou a pior qualidade de vida, conforme mensurada pelos escores totais e pelas dimensões integradas dos três instrumentos.

CONCLUSÕES: Este estudo destaca a importância da avaliação de agrupamentos de sintomas como uma ferramenta relevante para medir a qualidade de vida de pacientes com doenças crônicas, como o câncer de pulmão.

Descritores: Sinais e sintomas; Análise por conglomerados; Neoplasias pulmonares; Qualidade de vida; Questionários; Assistência Paliativa.

Introdução

O câncer de pulmão continua a ser a principal causa de morte por câncer. Já que o tabagismo e a poluição do ar não podem ser controlados em curto prazo, é provável que a incidência de câncer de pulmão continue a aumentar.(1) Além disso, o prognóstico para pacientes com câncer de pulmão (especialmente aqueles com doença avançada) não é favorável, não obstante o progresso da medicina, biologia e tecnologia.(2)

Os pacientes com câncer de pulmão frequentemente experimentam profundas mudanças físicas e psicossociais que se devem à progressão da doença ou aos efeitos colaterais do tratamento.(3-5) Sugeriu-se que os pacientes com câncer de pulmão experimentam maior angústia relacionada a sintomas do que os pacientes com outros tipos de câncer, especialmente próximo ao fim da vida.(3) Fadiga, dor, dispneia, depressão e distúrbios do sono parecem ser os sintomas mais comuns em pacientes com câncer de pulmão.(4)

A ocorrência de múltiplos sintomas prevê alterações funcionais, falha do tratamento, e desfechos pós-tratamento.(4) Um agrupamento (cluster) de sintomas é um grupo estável de dois ou mais sintomas simultâneos relacionados uns aos outros e independentes de outros agrupamentos de sintomas.(6) Estudos oncológicos demonstraram que combinações ou agrupamentos de sintomas são mais importantes que sintomas individuais. Esses sintomas simultâneos provavelmente são de natureza multiplicativa e têm efeito catalítico uns sobre os outros(7) - de acordo com a teoria de sintomas desagradáveis - além de exercer influência sinergética sobre desfechos comportamentais, funcionais e de qualidade de vida.(8,9)

É importante notar que a qualidade de vida tornou-se um assunto importante tanto na pesquisa como na prática oncológica pulmonar. A avaliação da qualidade de vida pode ajudar os provedores de saúde a identificar subgrupos de pacientes com câncer de pulmão e fazer intervenções específicas em cada subgrupo de pacientes. Além disso, a qualidade de vida pode ser um preditor de morbidade e mortalidade por câncer de pulmão.(2,10)

Embora muitos estudos tenham mostrado que os sintomas constituem um importante aspecto da morbidade em pacientes com câncer, apenas alguns estudos examinaram a relação entre sintomas e qualidade de vida em pacientes com câncer de pulmão. Portanto, os objetivos do presente estudo são os seguintes: examinar a prevalência de sintomas em pacientes com câncer de pulmão; identificar subgrupos (clusters) de pacientes com câncer de pulmão com base na magnitude dos sintomas e comparar os subgrupos de pacientes com sintomas de diferente magnitude quanto à qualidade de vida.

Métodos

Conduzimos um estudo transversal com uma amostra de conveniência composta por 50 pacientes consecutivos que estavam clinicamente estáveis após ter recebido tratamento para câncer de pulmão. Os pacientes foram selecionados dentre aqueles tratados no Ambulatório de Oncopneumologia do Hospital São Paulo, Universidade Federal de São Paulo, em São Paulo (SP). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo, e todos os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.

Os critérios de inclusão foram os seguintes: ter 18 anos de idade ou mais; ter câncer de pulmão comprovado histologicamente; obter no mínimo 21 pontos no Miniexame do Estado Mental(11) e ter permanecido clinicamente estável durante pelo menos 10 dias antes do início da avaliação. A estabilidade clínica foi caracterizada pela ausência de alterações na tosse, no escarro e na dispneia (avaliada por meio de um formulário estruturado preenchido durante o acompanhamento ambulatorial), bem como pela ausência de hospitalizações e de modificações no esquema terapêutico. O critério de exclusão foi ter se recusado a responder a qualquer uma das perguntas.

As avaliações clínicas e os exames físicos foram realizados pela equipe de médicos assistentes e foram baseados em um formulário estruturado. Todos os pacientes preencheram os critérios de estabilidade.

Na primeira visita (no momento da inclusão no estudo), coletamos dados a respeito das seguintes variáveis independentes: gênero; idade; status tabágico; carga tabágica; subtipo histológico (câncer pulmonar de células não pequenas ou câncer pulmonar de células pequenas); estágio da doença, de acordo com a classificação tumor-nódulo-metástase de 1997(12); índice de Karnofsky(13); pontuação no Miniexame do Estado Mental(14) e pontuação obtida nas versões em português de três questionários de qualidade de vida, ou seja, o 30-item European Organization for Research and Treatment of Cancer Core Quality of Life Questionnaire (EORTC QLQ-C30),(15) o Functional Assessment of Cancer Therapy-Lung (FACT-L)(16) e o Medical Outcomes Study 36-item Short-form Survey (SF-36).(17)

Para determinar a prevalência e a magnitude dos sintomas - um domínio conhecido como "experiência de sintomas"(6,18) - empregamos o EORTC QLQ-C30, que avalia oito sintomas relacionados ao câncer e os efeitos colaterais do tratamento primário. O instrumento consiste em uma escala de 4 pontos, com respostas cuja pontuação pode variar de 1 (não) a 4 (muito).(19) Sintomas de maior prevalência (maior que 50%) foram considerados para inclusão na análise de agrupamentos.

O EORTC QLQ-C30 consiste em 30 itens que abrangem questões de saúde relevantes para uma ampla gama de pacientes com câncer. Desses 30 itens, 13 são agrupados em escalas que medem sintomas relacionados ao câncer (fadiga, dor, náusea/vômito, dispneia, insônia, perda de apetite, constipação e diarreia, todos os quais são usados para medir a prevalência e a magnitude dos sintomas de câncer de pulmão) e a percepção do impacto econômico da doença e do tratamento. Os demais 17 itens (que são usados para avaliar a qualidade de vida) são agrupados em cinco escalas funcionais (capacidade física, capacidade funcional, capacidade emocional, capacidade cognitiva e capacidade social) e uma sobre estado geral de saúde/qualidade de vida global.(19,20) A pontuação obtida nas escalas funcionais e na escala de estado geral de saúde pode variar de 0 (debilitação grave) a 100 (assintomático), e a pontuação nas escalas de sintomas pode variar de 0 (assintomático) a 100 (debilitação grave). A versão em português do EORTC QLQ-C30 já foi validada para uso no Brasil.(15)

Para avaliar a qualidade de vida, empregamos o EORTC QLQ-C30, o FACT-L e o SF-36. Optamos por usar dois questionários específicos e um genérico a fim de aumentar o poder discriminativo dos dados para a análise de agrupamentos.

O FACT-L (versão 4) é uma compilação de 36 itens que abordam preocupações especificamente relacionadas à doença e preocupações adicionais a respeito de pacientes com câncer de pulmão. O instrumento é subdividido em quatro principais domínios de qualidade de vida do Functional Assessment of Cancer Therapy-General (domínio físico, social/familiar, emocional e funcional) mais 9 itens específicos para câncer de pulmão. O total de pontos no FACT-L pode variar de 0 (assintomático) a 108 (debilitação grave). O FACT-L gera um índice conhecido como FACT-L Trial Outcome Index (FACT-L TOI). O FACT-L TOI é derivado da soma dos pontos obtidos em algumas das subescalas que constituem o FACT-L e é usado principalmente para avaliar a capacidade funcional; o FACT-L TOI varia de 0 (assintomático) a 84 (debilitação grave).(20,21)

O SF-36 é um questionário de qualidade de vida genérico que consiste em oito domínios, ou seja, capacidade funcional, função física, dor corporal, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais, função emocional e saúde mental; a pontuação obtida em cada domínio pode variar de 0 (debilitação grave) a 100 (assintomático).(17,22,23)

Os pacientes completaram os questionários respondendo às perguntas uma a uma, após sua leitura por um entrevistador. Todas as entrevistas foram realizadas pelo mesmo entrevistador. Essa abordagem foi adotada com base em nossa experiência anterior com uma população na qual a proporção de analfabetos funcionais era elevada. As entrevistas foram realizadas em um ambiente silencioso, sem interrupções. O entrevistador revisou cada um dos questionários após o término da entrevista a fim de confirmar se todas as perguntas haviam sido de fato respondidas.

A análise de agrupamentos é uma técnica descritiva usada para identificar subgrupos de pacientes semelhantes.(7,18) Nossa análise de agrupamentos levou em conta um conjunto de medidas de magnitude de sintomas obtidas por meio das escalas de sintomas do EORTC QLQ-C30; os sintomas foram fadiga, dor, dispneia e insônia (isto é, os sintomas mais prevalentes). A avaliação desses sintomas não é um método padronizado de avaliação da capacidade funcional e qualidade de vida global. Adotamos uma abordagem hierárquica porque não havia como sabermos quantos agrupamentos encontraríamos.(24) Por meio de agrupamento hierárquico, os pacientes que apresentem padrões semelhantes de sintomas podem ser agrupados em conglomerados (clusters) e subgrupos podem ser formados com base na experiência de sintomas. A escala aglomerativa, o método do vizinho mais distante e o quadrado da distância Euclidiana foram usados como medidas de dessemelhança. Como a análise de agrupamentos não tem índices de qualidade do ajuste baseados na probabilidade, o número apropriado de soluções de agrupamento foi determinado por dendrogramas e pela perícia dos investigadores, e o número de indivíduos em cada grupo limitou-se a não mais que 10% da amostra.(25) A solução de agrupamento usada no presente estudo foi verificada com avaliações clínicas a respeito do perfil das médias dos sintomas para cada grupo, para nos assegurarmos de que os grupos diferiam na avaliação do conjunto de sintomas.(26)

A ANOVA para um fator (corrigida pelo teste de Bonferroni) foi usada para comparar as características dos pacientes que foram agrupados por meio da melhor solução de agrupamento. Foram incluídas as seguintes variáveis: idade; índice de Karnofsky; carga tabágica (em anos-maço); pontuação no SF-36; pontuação no EORTC QLQ-C30 e pontuação no FACT-L. O teste do qui-quadrado de Pearson foi usado para comparar os agrupamentos quanto ao gênero, subtipo histológico, estágio da doença, carga tabágica e escolaridade.

Os dados foram analisados com o programa IBM SPSS Statistics, versão 19.0 para Windows (IBM Corporation, Armonk, NY, EUA). Estabeleceu-se erro tipo I de 0,05 para todos os testes.

Resultados

Cinquenta pacientes com câncer de pulmão foram avaliados quanto à prevalência e à magnitude de seus sintomas, medidas por meio de sua pontuação nas escalas de sintomas do EORTC QLQ-C30. Como se pode observar na Tabela 1, os sintomas mais prevalentes e a pontuação para sua magnitude foram os seguintes: fadiga (26,9); dor (31,4); dispneia (35,0) e insônia (39,2). Dos 50 pacientes com câncer de pulmão estudados, 24% afirmaram que tinham todos os quatro sintomas, 28% afirmaram que tinham três dos quatro sintomas, 22% afirmaram que tinham dois dos quatro sintomas, 10% afirmaram que tinham um dos quatro sintomas e 16% afirmaram que não tinham nenhum dos quatro sintomas.

Uma solução distinta e interpretável de três agrupamentos foi identificada com base na magnitude dos quatro sintomas mais prevalentes (fadiga, dispneia, insônia e dor). À inspeção visual do dendrograma, três agrupamentos pareciam ser distintos (Figura 1). Os três subgrupos de pacientes foram os seguintes: pacientes com sintomas leves (n = 30; 60%); pacientes com sintomas moderados (n = 14; 28%) e pacientes com sintomas graves (n = 6; 12%).


As características dos pacientes e a descrição dos agrupamentos são apresentadas na Tabela 2. A maioria dos participantes do estudo era do gênero masculino (68%), estava na faixa etária de 27 a 81 anos, era ex-fumante (84%) e tinha baixa escolaridade (64%). Além disso, a maioria (90%) dos participantes recebeu diagnóstico de câncer pulmonar de células não pequenas, e a maioria (78%) recebeu diagnóstico de câncer pulmonar de células não pequenas estágio I-III. Em comparação com os subgrupos de pacientes com sintomas leves e moderados, o subgrupo de pacientes com sintomas graves incluiu um número maior de pacientes em estágios avançados (p = 0,007), com redução significativa do índice de Karnofsky (p = 0,001). Não houve diferenças significativas entre os três subgrupos de pacientes no que tange à proporção de homens, ao status tabágico, aos subtipos histológicos ou à escolaridade. A pontuação para os sintomas aumentou nos estratos de gravidade dos agrupamentos.

Para a avaliação da qualidade de vida, a média dos pontos obtidos em cada uma das escalas do EORTC QLQ-C30, do FACT-L e do SF-36 foi estratificada pela solução de agrupamento. Os aspectos físicos e funcionais foram os mais afetados pela magnitude dos sintomas, independentemente do instrumento usado para medir a qualidade de vida (Tabela 3). Como se pode observar na Tabela 3, a ANOVA para um fator com correção post hoc de Bonferroni revelou associações significativas entre domínios dos questionários e gravidade dos sintomas definida por agrupamento hierárquico.

O subgrupo de pacientes com sintomas graves apresentou a pior qualidade de vida, conforme mensurada pela pontuação total e pelas dimensões integradas dos três instrumentos (Figuras 2 e 3). A diferença entre os três subgrupos no que tange à pontuação para qualidade de vida atingiu a diferença clinicamente importante mínima estabelecida para cada questionário.(19-22)


Discussão

Nossa análise de agrupamentos baseou-se na magnitude da fadiga, dor, dispneia e insônia e identificou três agrupamentos (subgrupos) de pacientes, ou seja, aqueles com sintomas leves, aqueles com sintomas moderados e aqueles com sintomas graves. A análise de agrupamentos é reconhecida como um método importante que pode ajudar a compreender a relação entre múltiplos sintomas simultâneos de câncer e a qualidade de vida dos pacientes.(27,28) No presente estudo, o agrupamento hierárquico aglomerativo permitiu a identificação de subgrupos de pacientes agrupados por experiência de sintomas, demonstrando a associação entre agrupamentos de sintomas e qualidade de vida. Portanto, avaliamos não apenas a prevalência dos sintomas, mas também a gravidade dos sintomas no agrupamento.(28)

Constatamos que aumentos na magnitude dos sintomas apresentaram associação negativa com a qualidade de vida dos pacientes com câncer de pulmão no presente estudo. Nossa análise de dados revelou diferenças significativas entre os subgrupos de pacientes no que tange à pontuação obtida em vários dos domínios dos questionários de qualidade de vida usados no presente estudo. Em geral, o subgrupo de pacientes com pontuação maior para todos os quatro domínios (ou seja, o subgrupo de pacientes com sintomas graves) apresentou forte tendência a ter pior qualidade de vida, ao passo que os subgrupos de pacientes com pontuação menor para os sintomas apresentaram melhor qualidade de vida (medida pelos três questionários usados no presente estudo).

Os pacientes com sintomas graves obtiveram pontuação significativamente menor nos domínios físicos e funcionais do EORTC QLQ-C30, do FACT-L e do SF-36. Esse achado vai ao encontro dos achados de estudos prévios com pacientes com câncer de pulmão(8,29) e corrobora a importância da presença e magnitude de sintomas como um correlato de piora da qualidade de vida em pacientes com câncer de pulmão.

No presente estudo, os pacientes com sintomas graves apresentaram o menor total de pontos no FACT-L (isto é, a menor pontuação no Functional Assessment of Cancer Therapy-General e no FACT-L, bem como o menor FACT-L TOI). Esses sintomas também podem causar ansiedade, que interfere no bem-estar emocional dos pacientes. Embora os pacientes com sintomas graves tenham obtido as pontuações mais baixas nos domínios emocionais e sociais do EORTC QLQ-C30 e do SF-36, não houve diferenças significativas entre os três subgrupos de pacientes no que tange à pontuação obtida nos domínios emocionais e sociais do FACT-L. Isso mostra que, embora tenham domínios com nomes parecidos, os três questionários de qualidade de vida usados no presente estudo diferem no que tange ao conteúdo que avaliam.

A pontuação total no SF-36 e a pontuação no domínio "vitalidade" do SF-36 foram significativamente menores nos pacientes com sintomas graves do que naqueles com sintomas leves ou moderados. Esses fatores são diretamente influenciados pelo sintoma em si, especialmente fadiga.

Não encontramos diferenças entre os três subgrupos de pacientes no que tange a fatores demográficos, com exceção do estágio da doença; a prevalência de doença em estágio avançado foi maior nos pacientes com sintomas graves do que naqueles com sintomas leves ou moderados. Sabe-se que pacientes com doença progressiva apresentam maior prevalência de sintomas não controlados (especialmente fadiga, dor, dispneia e anorexia), que interferem de maneira significativa na capacidade funcional dos pacientes.(30)

O presente estudo tem algumas limitações. O estudo se concentrou em quatro sintomas (fadiga, dor, dispneia e insônia). Esses sintomas foram escolhidos com base em uma análise prévia dos dados coletados. Futuros estudos que avaliem pacientes com câncer de pulmão podem incluir mais sintomas. Como nossa amostra consistiu principalmente em pacientes idosos, nossos achados não devem ser generalizados a indivíduos em outras faixas etárias, especialmente a pacientes mais jovens. Finalmente, o presente estudo teve delineamento transversal, o que significa que não foram investigadas mudanças nos agrupamentos de sintomas ao longo do tempo.(28) Portanto, o delineamento do estudo não nos permite considerar o agrupamento de sintomas como um preditor causal de qualidade de vida reduzida em pacientes com câncer de pulmão. Estudos longitudinais são, portanto, necessários.

Em suma, o presente estudo fornece uma base experimental para análises de agrupamentos de sintomas e desfechos de qualidade de vida associados em pacientes com câncer de pulmão. O presente estudo demonstra que a avaliação de agrupamentos de sintomas é uma ferramenta importante para minimizar as imprecisões introduzidas pela avaliação não estruturada dos sintomas. Em última análise, o reconhecimento da importância dos agrupamentos de sintomas pode mudar a prática clínica e permitir o aperfeiçoamento de intervenções multidisciplinares para melhorar a adaptação à experiência da doença.

Recebido para publicação em 15/8/2012.

Aprovado, após revisão, em 16/11/2012.

Apoio financeiro: Nenhum.

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    Trabalho realizado na Disciplina de Pneumologia, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (SP) Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 2013

    Histórico

    • Recebido
      15 Ago 2012
    • Aceito
      16 Nov 2012
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