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O que a crescente prevalência de obesidade significa para o tratamento da asma e de doenças das vias aéreas?

Há uma epidemia global de obesidade e, coincidindo com isso, uma alta prevalência de obesidade coexistindo com asma. Pesquisas sugerem que adultos com asma e obesidade têm asma mais grave, pior controle da doença, função pulmonar reduzida e exacerbações mais frequentes do que indivíduos com asma que não são obesos.11 Scott HA, Wood LG, Gibson PG. Role of Obesity in Asthma: Mechanisms and Management Strategies. Curr Allergy Asthma Rep. 2017;17(8):53. https://doi.org/10.1007/s11882-017-0719-9
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Eles também têm uma resposta reduzida à farmacoterapia para asma, incluindo β2 agonistas, corticosteroides inalatórios e montelucaste.22 Camargo CA Jr, Boulet LP, Sutherland ER, Busse WW, Yancey SW, Emmett AH, et al. Body mass index and response to asthma therapy: fluticasone propionate/salmeterol versus montelukast. J Asthma. 2010;47(1):76-82. https://doi.org/10.3109/02770900903338494
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A eficácia reduzida de medicamentos de manutenção e de alívio provavelmente desempenha um papel importante na piora dos desfechos da asma. No entanto, ainda não entendemos corretamente o impacto que a obesidade tem sobre os desfechos da asma, os mecanismos responsáveis ou a abordagem de manejo ideal, o que representa um grande problema.

Em um estudo publicado nesta edição do JBP, Souza et al.33 Souza ECC, Pizzichini MMM, Dias M, Cunha MJ, Matte DL, Karloh M, Maurici R, Pizzichini E. Body mass index, asthma, and respiratory symptoms: a population-based study. J Bras Pneumol. 2020;46(1):e20190006. https://doi.org/10.1590/1806-3713/e20190006
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examinaram a prevalência de sintomas respiratórios e asma de acordo com o índice de massa corpórea, além de avaliar os fatores associados à asma em mais de 1.000 adultos com 40 anos de idade ou mais. O estudo foi uma subanálise transversal do estudo Respira Floripa, no qual a população do estudo era proveniente de uma região metropolitana no Brasil. Os participantes relataram sintomas respiratórios e foram submetidos a testes de função pulmonar. Os autores demonstraram que o diagnóstico de asma é mais comum em indivíduos obesos e que o diagnóstico médico de asma era três vezes mais frequente em indivíduos obesos do que naqueles com peso normal. Isso está de acordo com os resultados de uma meta-análise de 2007 que mostrou que a obesidade precede o desenvolvimento da asma, quase dobrando as chances de sua incidência. Souza et al.33 Souza ECC, Pizzichini MMM, Dias M, Cunha MJ, Matte DL, Karloh M, Maurici R, Pizzichini E. Body mass index, asthma, and respiratory symptoms: a population-based study. J Bras Pneumol. 2020;46(1):e20190006. https://doi.org/10.1590/1806-3713/e20190006
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também mostraram em seu estudo que a prevalência de sintomas respiratórios, principalmente dispneia e sibilância, é maior em obesos, independentemente do status tabágico. Notavelmente, os autores descobriram que, entre os não fumantes, sintomas de expectoração crônica e de sintomas semelhantes aos de bronquite crônica eram mais comuns em obesos, enquanto a prevalência de expectoração crônica não diferia por categoria de peso em fumantes atuais e ex-fumantes. Esse achado sugere que o fumo mascara os efeitos induzidos pela obesidade na produção de muco. Entre os não fumantes, a rinite foi comum e sua prevalência foi maior nos obesos, enquanto essa prevalência foi semelhante entre fumantes atuais e ex-fumantes, independentemente do índice de massa corpórea. O estudo de mundo real de Souza et al.33 Souza ECC, Pizzichini MMM, Dias M, Cunha MJ, Matte DL, Karloh M, Maurici R, Pizzichini E. Body mass index, asthma, and respiratory symptoms: a population-based study. J Bras Pneumol. 2020;46(1):e20190006. https://doi.org/10.1590/1806-3713/e20190006
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é importante pois contribui para a nossa compreensão do impacto da obesidade em adultos com asma.

Embora os mecanismos responsáveis pela associação entre obesidade e asma não sejam claros, é provável que eles sejam devidos a uma combinação de influências inflamatórias e mecânicas. O aumento da obesidade parece ser o resultado de mudanças no estilo de vida, sendo a má nutrição e a inatividade física os principais fatores. Tais alterações levam ao excesso de tecido adiposo, juntamente com alterações na microbiota e no sistema imunológico, incluindo aumentos em IL-6 e TNF-α.44 Scott HA, Gibson PG, Garg ML, Wood LG. Airway inflammation is augmented by obesity and fatty acids in asthma. Eur Respir J. 2011;38(3):594-602. https://doi.org/10.1183/09031936.00139810
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A obesidade é caracterizada pelo aumento de neutrófilos no tecido adiposo e em circulação.55 Nijhuis J, Rensen SS, Slaats Y, van Dielen FM, Buurman WA, Greve JW. Neutrophil activation in morbid obesity, chronic activation of acute inflammation. Obesity (Silver Spring). 2009;17(11):2014-2018. https://doi.org/10.1038/oby.2009.113
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,66 Shah TJ, Leik CE, Walsh SW. Neutrophil infiltration and systemic vascular inflammation in obese women. Reprod Sci. 2010;17(2):116-124. https://doi.org/10.1177/1933719109348252
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Nosso grupo44 Scott HA, Gibson PG, Garg ML, Wood LG. Airway inflammation is augmented by obesity and fatty acids in asthma. Eur Respir J. 2011;38(3):594-602. https://doi.org/10.1183/09031936.00139810
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e outros77 Telenga ED, Tideman SW, Kerstjens HA, Ten Hacken NH, Timens W, Postma DS, et al. Obesity in asthma: more neutrophilic inflammation as a possible explanation for a reduced treatment response. Allergy. 2012;67(8):1060-1068. https://doi.org/10.1111/j.1398-9995.2012.02855.x
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8 Marijsse GS, Seys SF, Schelpe AS, Dilissen E, Goeminne P, Dupont LJ, et al. Obese individuals with asthma preferentially have a high IL-5/IL-17A/IL-25 sputum inflammatory pattern. Am J Respir Crit Care Med. 2014;189(10):1284-1285. https://doi.org/10.1164/rccm.201311-2011LE
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-99 Chen JH, Qin L, Shi YY, Feng JT, Zheng YL, Wan YF, et al. IL-17 protein levels in both induced sputum and plasma are increased in stable but not acute asthma individuals with obesity. Respir Med. 2016;121:48-58. https://doi.org/10.1016/j.rmed.2016.10.018
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observaram um aumento de neutrófilos no escarro de adultos obesos com asma, o que sugere que os efeitos inflamatórios sistêmicos da obesidade se estendem às vias aéreas de indivíduos suscetíveis com asma. Em relação aos efeitos mecânicos, o tecido adiposo na parede torácica reduz o movimento da parede torácica e o volume da cavidade torácica, enquanto o tecido adiposo abdominal limita a insuflação pulmonar, reduzindo a capacidade do diafragma de se deslocar para baixo.1010 Salome CM, King GG, Berend N. Physiology of obesity and effects on lung function. J Appl Physiol (1985). 2010;108(1):206-211. https://doi.org/10.1152/japplphysiol.00694.2009
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Isso pode contribuir para a redução da função pulmonar e para a sensação de dispneia em adultos obesos com asma.

O manejo eficaz da asma em indivíduos obesos requer uma abordagem individualizada e multidisciplinar, incluindo a avaliação e o tratamento de comorbidades. Souza et al.33 Souza ECC, Pizzichini MMM, Dias M, Cunha MJ, Matte DL, Karloh M, Maurici R, Pizzichini E. Body mass index, asthma, and respiratory symptoms: a population-based study. J Bras Pneumol. 2020;46(1):e20190006. https://doi.org/10.1590/1806-3713/e20190006
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constataram que sibilância e dispneia eram mais comuns em obesos. Em outro estudo realizado por nosso grupo,1111 Scott HA, Gibson PG, Garg ML, Pretto JJ, Morgan PJ, Callister R, et al. Dietary restriction and exercise improve airway inflammation and clinical outcomes in overweight and obese asthma: a randomized trial. Clin Exp Allergy. 2013;43(1):36-49. https://doi.org/10.1111/cea.12004
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demonstramos que uma perda de peso de 5-10% é eficaz para melhorar o controle da asma (incluindo sintomas de sibilância e dispneia), bem como a função pulmonar e a qualidade de vida relacionada à asma, em adultos com sobrepeso ou obesos com asma. Tomados em conjunto, esses achados sugerem que, embora a obesidade piore sintomas como sibilos e dispneia, uma modesta perda de peso pode efetivamente reduzir esses sintomas. Souza et al.33 Souza ECC, Pizzichini MMM, Dias M, Cunha MJ, Matte DL, Karloh M, Maurici R, Pizzichini E. Body mass index, asthma, and respiratory symptoms: a population-based study. J Bras Pneumol. 2020;46(1):e20190006. https://doi.org/10.1590/1806-3713/e20190006
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também observaram que a prevalência de doenças cardíacas e diabetes era maior em indivíduos obesos, que também apresentavam uma maior incidência de asma. Isso indica o aumento da carga de doenças crônicas na população acima de 40 anos e, como doenças cardíacas e diabetes também estão associadas ao aumento da inflamação sistêmica, ressalta a necessidade de se avaliar e gerenciar a inflamação sistêmica e a das vias aéreas em indivíduos com asma. Uma maior circunferência de pescoço em obesos também sugere que a avaliação e o manejo da apneia do sono provavelmente são críticos e podem melhorar a qualidade de vida das pessoas com asma. Embora existam alguns estudos sugerindo possíveis formas de tratamento, são necessárias muito mais pesquisas. Devido à escassez de pesquisas na área, não há diretrizes para o manejo da asma associada à obesidade. Estudos adicionais como o discutido aqui são urgentemente necessários para que diretrizes de gerenciamento possam ser desenvolvidas.

Em conclusão, Souza et al.33 Souza ECC, Pizzichini MMM, Dias M, Cunha MJ, Matte DL, Karloh M, Maurici R, Pizzichini E. Body mass index, asthma, and respiratory symptoms: a population-based study. J Bras Pneumol. 2020;46(1):e20190006. https://doi.org/10.1590/1806-3713/e20190006
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fornecem novos dados importantes sobre a associação entre a obesidade e o diagnóstico de asma, bem como as consequências clínicas da obesidade em indivíduos com a doença estabelecida. Os achados corroboram os de estudos anteriores nessa área e facilitarão o desenvolvimento de diretrizes clínicas para o manejo da asma associada à obesidade, que atualmente não existem. Mais pesquisas são necessárias para determinar a forma ideal de tratamento para gerenciar sintomas e melhorar os desfechos de pacientes com asma associada à obesidade.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    2020
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