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Critérios de decisão na ilusão da máscara côncava na esquizofrenia

Decision criteria in the concave mask illusion in schizophrenia

RESUMO

Objetivo

Alguns estudos têm mostrado que indivíduos com esquizofrenia não experimentam a ilusão da máscara côncava. Nesse fenômeno, uma máscara apresentada em seu lado côncavo é percebida como convexa. A ocorrência dessa ilusão, de acordo com uma hipótese, dar-se-ia pela inibição dos processos top-down sobre os processos bottom-up. Neste estudo, foi investigado se havia uma diferença estatisticamente significativa entre os indivíduos com esquizofrenia comparados aos indivíduos saudáveis na distinção do lado côncavo do convexo de uma máscara, bem como qual hipótese melhor explicava o fenômeno, a inibição top-down ou critérios de decisão diferentes.

Métodos

Adotando a teoria da detecção do sinal e o método de coleta de dados, Confidence Rating , procurou-se verificar o desempenho nos julgamentos dos indivíduos com esquizofrenia comparados aos indivíduos saudáveis frente a uma máscara que ora foi apresentada em seu lado côncavo ora em seu lado convexo.

Resultados

Neste estudo, os indivíduos com esquizofrenia foram suscetíveis à ilusão e mais liberais em seus julgamentos diante do estímulo máscara.

Conclusões

A hipótese de inibição top-down sobre os processos bottom-up parece não ser uma explicação plausível. Talvez, a tomada de decisão ou critérios de decisão explique melhor os resultados encontrados neste estudo. Mais estudos são necessários para esclarecer melhor o fenômeno da ilusão da máscara côncava em indivíduos com esquizofrenia.

Máscara côncava; esquizofrenia; tomada decisão

ABSTRACT

Objective

Some studies have shown that individuals with schizophrenia do not experience the illusion of the concave mask. In this phenomenon, a mask presented on its concave side is perceived as convex. The occurrence of this illusion, according to a hypothesis, would be due to the inhibition of the top-down processes on the bottom-up processes. In this study, we investigated whether there was a statistically significant difference between individuals with schizophrenia compared to healthy individuals in distinguishing the concave side of the convex from a mask, as well as which hypothesis best explained the phenomenon, top-down inhibition or different decision criteria.

Methods

Adopting the theory of the detection of the signal and in two tasks of data collection, the Confidence Rating and the 2-AFC, we tried to verify the performance in the judgments of the individuals with schizophrenia compared to the healthy individuals in front of a mask that now was presented on its concave side or on its convex side.

Results

In this study, individuals with schizophrenia were susceptible to delusion and more liberal in their judgments before the stimulus mask.

Conclusions

The hypothesis of top-down inhibition on bottom-up processes does not seem to be a plausible explanation. Perhaps, decision making or decision criteria better explain the results found in this study. Further studies are needed to better elucidate the phenomenon of the concave mask illusion in individuals with schizophrenia.

Concave mask; schizophrenia; decision making

INTRODUÇÃO

A esquizofrenia

A esquizofrenia é um transtorno mental devastador que aflige aproximadamente 1% da população do mundo, e seus critérios diagnósticos se encontram no Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-V)11. American Psychiatric Association. Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais – DSM. 5ª ed. Forte da Casa, Portugal: Climepsi Editores; 2014. da Associação Americana de Psiquiatria. Os sintomas característicos da esquizofrenia, de acordo com o DSM-V, envolvem delírios, alucinações, discurso desorganizado, comportamento desorganizado ou catatônico e sintomas negativos. Para Dalgalarrondo22. Dalgalarrondo P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed; 2008. , nas últimas décadas, tem-se dado mais importância à diferenciação da esquizofrenia em subtipos negativos ou deficitários e positivos ou produtivos. Os sintomas positivos são manifestações novas e produtivas do processo esquizofrênico, sendo os principais alucinações, ideias delirantes, comportamento bizarro, atos impulsivos, agitação psicomotora e produções linguísticas novas como neologismos e parafasias. Os sintomas negativos da esquizofrenia caracterizam-se pela perda de funções psíquicas na esfera da vontade, do pensamento e da linguagem, ainda por um empobrecimento global da vida psíquica e social do indivíduo, distanciamento afetivo em graus variados até o completo embotamento afetivo, lentidão psicomotora e autonegligência.

Tem havido muitas hipóteses etiológicas para a esquizofrenia, tais como fatores genéticos, epidemias virais durante a gestação, traumatismos de parto, infecções perinatais e anormalidades neurodesenvolvimentais, como a diminuição do volume cerebral total, a diminuição da substância cinzenta em regiões corticais e subcorticais, sobretudo em áreas frontais e temporais, o aumento do volume dos ventrículos, a hiperatividade da via dopaminérgica mesolímbica, que medeia os sintomas positivos, e a hipoatividade da via dopaminérgica mesocortical, que medeia os sintomas negativos e cognitivos, e a excitação neurotóxica glutamatérgica causando neurodegenerescência33. Stahl SM. Psicofarmacologia: bases neurocientíficas e aplicações práticas. 4ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2014. .

Modelos de processamentos bottom-up e top-down na percepção visual

Há dois modelos explicativos gerais envolvendo o processamento da informação visual que se destacam. Um modelo centra na localização do estímulo no espaço – top-down – e o outro, nas características intrínsecas do objeto, independentemente da sua posição espacial – bottom-up . O primeiro tipo de operação apresenta um processamento balizado por parâmetros fisiológicos da detecção do estímulo, isto é, a percepção visual atua pelos fatores externos ao indivíduo, como a saliência do estímulo, tornando-se um processo automatizado44. Melo HM, Nascimento LM, Takase E. Top-down vs. Bottom-up: alterações no processamento de informações durante a indução de fadiga mental. Ciênc Cogn. 2018;23(1):10-8. .

O modelo top-down apresenta processos centrados em diretrizes internas dos sujeitos como metas e parâmetros cognitivos, bem como representações mentais. O processamento top-down é caracterizado, então, por conhecimentos ou experiências do indivíduo, tornando-se endógeno44. Melo HM, Nascimento LM, Takase E. Top-down vs. Bottom-up: alterações no processamento de informações durante a indução de fadiga mental. Ciênc Cogn. 2018;23(1):10-8. .

Esse modelo tem sido adotado para a explicação da ocorrência do fenômeno da ilusão da máscara côncava. Esse fenômeno acontece quando o lado côncavo de uma máscara, observado a certa distância, passa a ser visto como convexo. Segundo Gregory55. Gregory RL. Knowledge in perception and illusion. Philos Trans R Soc Lond B Biol Sci. 1997;352(1358):1121-8. , a ilusão da máscara côncava seria decorrente do envolvimento de processos cognitivos – top-down – relativos ao conhecimento passado do indivíduo, particularmente faces. O alto grau de familiaridade de faces auxilia na percepção da face convexa no lado côncavo, porque os processos cognitivos – top-down – inibiriam os processos – bottom-up – relacionados aos inputs sensoriais.

No entanto, os indivíduos com esquizofrenia apresentam maior dificuldade para experimentar essa ilusão. O lado côncavo da máscara tende a ser corretamente visto por indivíduos com esquizofrenia como sendo côncavo66. Dima D, Roiser, JP, Dietrich DE, Bonnemann C, Lanfermann H, Emrich HM, et al. Understanding why patients with schizophrenia do not perceive the hollow-mask illusion using dynamic causal modeling. Neuroimage. 2009;46(4):1180-6. . Alguns estudos como os de Schneider et al. 77. Schneider U, Leweke FM, Sternemann U, Weber MM, Emrich HM. Visual 3D illusion: A systems – Theoretical approach to psychosis. Eur Arch Psychiatry Clin Neurosci. 1996;246:256-60. , Schneider et al. 88. Schneider U, Borsurtzky M, Seifert J, Leweke FM, Huber TJ, Rollnik JD, et al. Reduced Binocular Depth Inversion in Schizophrenic Patients. Schizophr Res. 2002;53(1-2):101-8. , Dima et al. 66. Dima D, Roiser, JP, Dietrich DE, Bonnemann C, Lanfermann H, Emrich HM, et al. Understanding why patients with schizophrenia do not perceive the hollow-mask illusion using dynamic causal modeling. Neuroimage. 2009;46(4):1180-6. , Koethe et al. 99. Koethe D, Kranaster L, Hoyer C, Gross S, Neatby MA, Schultze-Lutter F, et al. Binocular depth inversion as a paradigm of reduced visual information processing in prodromal state, antipsychotic-naïve and treated schizophrenia. Eur Arch Psychiatry Clin Neurosci. 2009;259(4):155-209. , Dima et al. 1010. Dima D, Dietrich DE, Dillon W, Emrich HM. Impaired top-down process in schizophrenia: A DCM study of ERPs. Neuroimage. 2010;52(3):824-32. , Dima et al. 1111. Dima D, Dillo W, Bonnemann C, Emrich HM, Dietrich DE. Reduced P 300 and P600 amplitude in the hollow-mask illusion in patients with schizophrenia. Psychiatry Res. 2011;191(2):145-51. , Keane et al. 1212. Keane BP, Silverstein SM, Wang Y, Papathomas TV. Reduced depth inversion illusions in schizophrenia are state-specific and occur for multiple object types and viewing conditions. J Abnorm Psychol. 2013;122(2):506-12. , Wang et al. 1313. Wang Y, Keane B, Silverstein S, Papathomas T. Three-dimensional depth illusions in schizophrenia and bipolar disorder. J Vision. 2013;13(9). , Alves et al. 1414. Alves A, Quaglia MAC, Bachetti LS, Oliveira MS. Percepção monocular da profundidade ou relevo na ilusão da máscara côncava na esquizofrenia. Estudos Psicol. 2014;19(1):40-7. , Wichowicz et al. 1515. Wichowicz HM, Ciszewski S, Żuk K, Rybak-Korneluk A. Hollow mask illusion – is it really a test for schizophrenia? Psychiatr Pol. 2016;50(4):741-5. , Keane et al. 1616. Keane BP, Silverstein SM, Wang Y, Roché MW, Papathomas TV. Seeing more clearly through psychosis: depth inversion illusions are normal in bipolar disorder but reduced in schizophrenia. Schizophr Res. 2016;176(2):485-92. e Reuter et al. 1717. Reuter AR, Bumb JM, Mueller K, Rohleder C, Pahlisch F, Hanke, F, et al. Association of Anandamide with altered Binocular Depth Inversion Illusion in Schizophrenia. World J Biol Psychiatry. 2017;18(6):483-8. investigaram a capacidade do indivíduo com esquizofrenia em realizar a inversão visual da profundidade, particularmente de inverter a profundidade da máscara côncava.

Teoria de Detecção do Sinal

Para Stephaneck1818. Stephaneck P. Influência dos fatores decisórios na percepção evidenciados pela aplicação da Teoria da Detecção do Sinal. Arq Bras Psic. 1983;39(2):71-100. , a psicofísica clássica já suspeitava que os processos sensoriais medidos seriam influenciados por fatores como atitude, motivação ou variáveis ligadas à personalidade do sujeito. Para o autor, a Teoria da Detecção do Sinal (TDS) permitiu mostrar e isolar o efeito desses fatores não sensoriais dos sensoriais na percepção e fundamentar esses problemas relacionando-os à Teoria de Tomada de Decisão. A TDS inspirou-se nos problemas levantados pela construção de sensores muito precisos que consistiam em determinar as características formais de um sensor eletrônico que tomasse decisões a partir das informações detectadas. Os efeitos dos mecanismos sensor e tomador de decisão são confundidos no desempenho do sujeito nos experimentos executados pelos métodos da psicofísica clássica.

Conforme Stephaneck1818. Stephaneck P. Influência dos fatores decisórios na percepção evidenciados pela aplicação da Teoria da Detecção do Sinal. Arq Bras Psic. 1983;39(2):71-100. , na TDS, o desempenho do sujeito atuando como sensor e tomador de decisão dependeria de dois fatores, da capacidade do observador para detectar ou discriminar dois estímulos, sensibilidade, d’, e da atitude ou do critério escolhido pelo sujeito, xβ. Assim, com uma mesma discriminação sensorial, o sujeito poderia dar respostas exatas em proporções diferentes, dependendo de seu critério, que pode ser mais ou menos rigoroso e que varia em função das condições experimentais. Esses dois parâmetros – d’ e Xβ – poderiam ser deduzidos, matematicamente, a partir das respostas dadas pelos sujeitos. Essa seria a razão pela qual a psicofísica moderna sugeria abandonar o conceito de limiar sensorial e substituí-lo pelo conceito de limiar de resposta.

A TDS tem sido pouco adotada em estudo sobre a percepção visual, especificamente, os critérios de decisão adotados pelo observador em tarefas de discriminação de estímulos. Essa exiguidade de pesquisas é maior ainda em estudos envolvendo a percepção visual na ilusão da máscara côncava em indivíduos com esquizofrenia. Dessa forma, julgou-se fundamental investigar quais são os critérios de decisão ou resposta nessa população diante desse fenômeno, bem como o tempo dispendido na observação do estímulo máscara em duas tarefas, empregando o método Confidence Rating e o método Escolha Forçada de Duas Alternativas (2-AFC).

MÉTODOS

Participantes

Os participantes deste estudo constituíram-se de 15 indivíduos com esquizofrenia, com idades entre 18 e 55 anos, atendidos nos Serviços de Referência em Saúde Mental (Sersam), na cidade de Divinópolis, preenchendo os critérios para esquizofrenia segundo o DSM-V e a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID-10)1919. Organização Mundial da Saúde. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – CID-10. Disponível em: www.datasus.gov.br/cid10/v2008/cid10.ht.
www.datasus.gov.br/cid10/v2008/cid10.ht...
. Foram excluídos da amostra dessa população os indivíduos que apresentaram comorbidade psiquiátrica grave, diagnóstico de retardo mental ou problema neurológico, impossibilidade de compreender as instruções do experimento, abstinência alcoólica, privação de sono por período prolongado, uso crônico de Cannabis sativa e estado de crise psicótica no ato da realização do estudo.

Os participantes do grupo controle constituíram-se de 15 indivíduos saudáveis com idades entre 18 e 55 anos que trabalhavam em serviços gerais na Universidade Federal de São João del-Rei, MG, e foram pareados ao grupo experimental em todas as características sociodemográficas. Todos os participantes das duas amostras das populações acima possuíam acuidade visual de 6/6 na escala de Snellen e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Instrumentos de coleta de dados

Como estímulo de observação, foi utilizada uma máscara de face humana de tamanho 5,4 x 2,9 x 1,8 cm, iluminada frontalmente por duas lâmpadas. A caixa de tamanho 31,5 x 16 x 12 cm foi posicionada em um tripé ( Figuras 1 e 2 ). A Escala Optométrica de Snellen foi utilizada para avaliar a acuidade visual do observador, que devia ser de 6/6.

Figura 1
Tripé para suporte da caixa.

Figura 2
Máscara tomada de seu lado convexo.

Procedimento

Inicialmente, foram fornecidas aos participantes da pesquisa as informações acerca do objetivo da pesquisa, duração aproximada do experimento, possibilidade de sua interrupção, sigilo das respostas e, no caso de indivíduos com esquizofrenia, não interferência no tratamento. Após a avaliação da acuidade visual e a assinatura do TCLE, cada participante foi instruído a observar a máscara, através do visor da caixa, com o olho preferencial, conforme ilustrado na figura 3 . Os participantes observaram com visão monocular uma máscara facial cujo lado côncavo ou convexo foi exposto em sequência aleatória ao ser iluminado por um segundo. O lado côncavo foi considerado como sinal e o lado convexo, como ruído, e vice-versa, conforme sorteio prévio das ordens apresentadas; em seguida, os participantes deveriam dizer qual o lado percebido e se tinham certeza em relação à sua resposta. As respostas foram coletadas em uma sessão com 40 observações para cada participante pelo método dos julgamentos de confiabilidade de respostas – Confidence Rating – e pelo método 2-AFC, que foram utilizados em ordens alternadas. O tempo total dispendido foi cronometrado.

Figura 3
Posição do observador diante da caixa experimental.

CONSIDERAÇÕES ÉTICAS

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética Envolvendo Seres Humanos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP), CAAE nº 50022314.9.0000.5407, e pela coordenação do Sersam, em Divinópolis, MG. Foram dadas as informações sobre o caráter confidencial das respostas e que a divulgação dos resultados seria anônima, aparecendo apenas os dados do grupo de participantes.

RESULTADOS

Os dados coletados foram analisados utilizando-se o software Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 20.0 e o software MatLab versão 2013ª da MatWorks Co, com nível de significância α de 5% e nível de 95% para o intervalo de confiança. O indicador de sensibilidade ou de discriminação, d’, proveniente da TDS, bem como o critério de decisão β, foram utilizados na análise dos resultados.

Na tabela 1 , são mostradas as distribuições em relação a idade, gênero e escolaridade dos participantes do estudo. Observa-se que, dos 15 indivíduos saudáveis, 9 (60 %) eram do sexo masculino e 6 (40%), do sexo feminino, com uma média de idade de 43,3 anos (DP = 12,7). Dos 15 indivíduos com esquizofrenia, 9 (60%) eram do sexo masculino e 6 (40%), do sexo feminino, com uma média de idade de 41,3 anos (DP = 5,8). Na comparação das médias, verificou-se que não houve uma diferença estatisticamente significativa entre as idades dos indivíduos saudáveis e dos indivíduos com esquizofrenia – p > 0,05. Quanto ao tempo de escolaridade, observou-se que, dos 15 indivíduos saudáveis, nove tinham oito anos ou menos e seis tinham oito anos ou mais de escolaridade. Observou-se que, dos 15 indivíduos com esquizofrenia, sete tinham oito anos ou menos e oito tinham oito anos ou mais de escolaridade. Na comparação das médias, verificou-se que não houve uma diferença estatisticamente significativa entre o tempo de escolaridade entre os indivíduos dos dois grupos – χ2(1) = 0,536, p > 0,05.

Tabela 1
Descrição sociodemográfica dos participantes da pesquisa com as médias, desvios-padrão e porcentagens

A seguir, na tabela 2 , são apresentadas as distribuições absolutas e relativas mais salientes das respostas dos indivíduos saudáveis e dos indivíduos com esquizofrenia ao observarem a máscara côncava como sinal pelo método Confidence Rating . Os indivíduos saudáveis foram mais realistas ao observarem a máscara côncava. Na comparação das médias entre os dois grupos, verificou-se não haver uma diferença estatisticamente significativa na observação da máscara côncava como sinal – t(28) = 1,051, p > 0,05. Curiosamente, nessa tarefa, os indivíduos saudáveis perceberam a máscara côncava como convexa em 28% das observações e os indivíduos com esquizofrenia perceberam-na como convexa em 57% das observações, já indicando o contrário do esperado pela maior parte da literatura sobre o assunto.

Tabela 2
Distribuição das frequências das respostas da observação da máscara côncava como sinal dos indivíduos saudáveis e indivíduos com esquizofrenia pelo método Confidence Rating

Em seguida, na tabela 3 , são mostradas as distribuições absolutas e relativas das respostas dos indivíduos saudáveis e dos indivíduos com esquizofrenia ao observarem a máscara convexa como sinal pelo método Confidence Rating . Na comparação das médias dos dois grupos amostrais, verificou-se não haver uma diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos na discriminação da máscara convexa como sinal – U = 0,567, p > 0,05.

Tabela 3
Distribuição das frequências das respostas da observação da máscara convexa como sinal dos indivíduos saudáveis e indivíduos com esquizofrenia pelo Confidence Rating

Para avaliar os critérios de decisão ou de respostas adotados pelos dois grupos, foi adotado o índice xβ. Na comparação das médias, verificou-se que no critério liberal houve uma diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos – U = 0, 045, p < 0,05. Os indivíduos com esquizofrenia adotaram um critério liberal – 1,54 – em suas decisões, isto é, apresentaram um maior número de falsos-positivos quando o sinal foi a máscara côncava e maior taxa de acerto quando o sinal foi a máscara convexa, comparados aos indivíduos saudáveis – 0,51.

O tempo médio dispendido das respostas distribuiu-se assim: indivíduos saudáveis, média = 7 minutos e 3 segundos, e indivíduos com esquizofrenia, média = 11 minutos e 30 segundos, pelo método Confidence Rating , e indivíduos saudáveis, média = 7 minutos e 2 segundos, e indivíduos com esquizofrenia, média = 15 minutos e 24 segundos, pelo método 2-AFC. Na análise estatística desses tempos dispendidos, houve uma diferença estatisticamente significativa entre os tempos de resposta. Como se verifica acima, os indivíduos com esquizofrenia dispenderam maior tempo tanto na tarefa empregando o método Confidence Rating quanto na tarefa empregando o método 2-AFC – p < 0,05.

DISCUSSÃO

Nos estudos de Schneider et al. 77. Schneider U, Leweke FM, Sternemann U, Weber MM, Emrich HM. Visual 3D illusion: A systems – Theoretical approach to psychosis. Eur Arch Psychiatry Clin Neurosci. 1996;246:256-60. , Schneider et al. 88. Schneider U, Borsurtzky M, Seifert J, Leweke FM, Huber TJ, Rollnik JD, et al. Reduced Binocular Depth Inversion in Schizophrenic Patients. Schizophr Res. 2002;53(1-2):101-8. , Koethe et al. 99. Koethe D, Kranaster L, Hoyer C, Gross S, Neatby MA, Schultze-Lutter F, et al. Binocular depth inversion as a paradigm of reduced visual information processing in prodromal state, antipsychotic-naïve and treated schizophrenia. Eur Arch Psychiatry Clin Neurosci. 2009;259(4):155-209. , Dima et al. 66. Dima D, Roiser, JP, Dietrich DE, Bonnemann C, Lanfermann H, Emrich HM, et al. Understanding why patients with schizophrenia do not perceive the hollow-mask illusion using dynamic causal modeling. Neuroimage. 2009;46(4):1180-6. , Dima et al. 1010. Dima D, Dietrich DE, Dillon W, Emrich HM. Impaired top-down process in schizophrenia: A DCM study of ERPs. Neuroimage. 2010;52(3):824-32. , Dima et al. 1111. Dima D, Dillo W, Bonnemann C, Emrich HM, Dietrich DE. Reduced P 300 and P600 amplitude in the hollow-mask illusion in patients with schizophrenia. Psychiatry Res. 2011;191(2):145-51. , Keane et al. 1212. Keane BP, Silverstein SM, Wang Y, Papathomas TV. Reduced depth inversion illusions in schizophrenia are state-specific and occur for multiple object types and viewing conditions. J Abnorm Psychol. 2013;122(2):506-12. , Wang et al. 1313. Wang Y, Keane B, Silverstein S, Papathomas T. Three-dimensional depth illusions in schizophrenia and bipolar disorder. J Vision. 2013;13(9). , Wichowicz et al. 1515. Wichowicz HM, Ciszewski S, Żuk K, Rybak-Korneluk A. Hollow mask illusion – is it really a test for schizophrenia? Psychiatr Pol. 2016;50(4):741-5. , Keane et al. 1616. Keane BP, Silverstein SM, Wang Y, Roché MW, Papathomas TV. Seeing more clearly through psychosis: depth inversion illusions are normal in bipolar disorder but reduced in schizophrenia. Schizophr Res. 2016;176(2):485-92. e Reuter et al. 1717. Reuter AR, Bumb JM, Mueller K, Rohleder C, Pahlisch F, Hanke, F, et al. Association of Anandamide with altered Binocular Depth Inversion Illusion in Schizophrenia. World J Biol Psychiatry. 2017;18(6):483-8. , os indivíduos com esquizofrenia não realizaram a inversão visual da profundidade, isto é, os indivíduos com esquizofrenia, tanto na observação mono ou binocular e com variados objetos como estímulo, não foram suscetíveis ao fenômeno da ilusão da máscara côncava. Contudo, no estudo de Alves et al. 1414. Alves A, Quaglia MAC, Bachetti LS, Oliveira MS. Percepção monocular da profundidade ou relevo na ilusão da máscara côncava na esquizofrenia. Estudos Psicol. 2014;19(1):40-7. , os indivíduos com esquizofrenia, na sua maioria, foram suscetíveis ao fenômeno.

Os estudos de Schneider et al. 77. Schneider U, Leweke FM, Sternemann U, Weber MM, Emrich HM. Visual 3D illusion: A systems – Theoretical approach to psychosis. Eur Arch Psychiatry Clin Neurosci. 1996;246:256-60. , Schneider et al. 88. Schneider U, Borsurtzky M, Seifert J, Leweke FM, Huber TJ, Rollnik JD, et al. Reduced Binocular Depth Inversion in Schizophrenic Patients. Schizophr Res. 2002;53(1-2):101-8. , Koethe et al. 99. Koethe D, Kranaster L, Hoyer C, Gross S, Neatby MA, Schultze-Lutter F, et al. Binocular depth inversion as a paradigm of reduced visual information processing in prodromal state, antipsychotic-naïve and treated schizophrenia. Eur Arch Psychiatry Clin Neurosci. 2009;259(4):155-209. , Dima et al. 66. Dima D, Roiser, JP, Dietrich DE, Bonnemann C, Lanfermann H, Emrich HM, et al. Understanding why patients with schizophrenia do not perceive the hollow-mask illusion using dynamic causal modeling. Neuroimage. 2009;46(4):1180-6. , Dima et al. 1010. Dima D, Dietrich DE, Dillon W, Emrich HM. Impaired top-down process in schizophrenia: A DCM study of ERPs. Neuroimage. 2010;52(3):824-32. , Dima et al. 1111. Dima D, Dillo W, Bonnemann C, Emrich HM, Dietrich DE. Reduced P 300 and P600 amplitude in the hollow-mask illusion in patients with schizophrenia. Psychiatry Res. 2011;191(2):145-51. , Keane et al. 1212. Keane BP, Silverstein SM, Wang Y, Papathomas TV. Reduced depth inversion illusions in schizophrenia are state-specific and occur for multiple object types and viewing conditions. J Abnorm Psychol. 2013;122(2):506-12. , Wang et al. 1313. Wang Y, Keane B, Silverstein S, Papathomas T. Three-dimensional depth illusions in schizophrenia and bipolar disorder. J Vision. 2013;13(9). , Alves et al. 1414. Alves A, Quaglia MAC, Bachetti LS, Oliveira MS. Percepção monocular da profundidade ou relevo na ilusão da máscara côncava na esquizofrenia. Estudos Psicol. 2014;19(1):40-7. , Wichowicz et a l.1515. Wichowicz HM, Ciszewski S, Żuk K, Rybak-Korneluk A. Hollow mask illusion – is it really a test for schizophrenia? Psychiatr Pol. 2016;50(4):741-5. , Keane et al .1616. Keane BP, Silverstein SM, Wang Y, Roché MW, Papathomas TV. Seeing more clearly through psychosis: depth inversion illusions are normal in bipolar disorder but reduced in schizophrenia. Schizophr Res. 2016;176(2):485-92. , e Reuter et al. 1717. Reuter AR, Bumb JM, Mueller K, Rohleder C, Pahlisch F, Hanke, F, et al. Association of Anandamide with altered Binocular Depth Inversion Illusion in Schizophrenia. World J Biol Psychiatry. 2017;18(6):483-8. não empregaram a metodologia proporcionada pela TDS. Assim, os critérios de resposta ou de decisão dos indivíduos, xβ, e o tempo empregado nas tarefas dos participantes não foram investigados. Neste estudo, houve uma diferença estatisticamente significativa entre o xβ adotado pelos indivíduos com esquizofrenia e os indivíduos saudáveis ao discriminarem a máscara côncava da máscara convexa. Os indivíduos com esquizofrenia adotaram um critério liberal em suas respostas e dispenderam um tempo maior que os indivíduos saudáveis nas duas tarefas, nas quais, empregaram-se o método Confidence Rating e o método 2-AFC. Em função dos resultados obtidos neste estudo, seria plausível afirmar que, diante do fenômeno da ilusão da máscara côncava, há não uma inibição dos processos top-down sobre os processos bottom-up , mas uma diferença de adoção de critério de resposta pelos indivíduos com esquizofrenia.

Uma explicação tem sido, frequentemente, dada para a ocorrência da ilusão da máscara côncava, na qual os aspectos cognitivos ligados ao conhecimento prévio do indivíduo, no caso, ao conhecimento de faces, relativos aos processos top-down , se sobrepõem aos sinais sensoriais recebidos, bottom-up 55. Gregory RL. Knowledge in perception and illusion. Philos Trans R Soc Lond B Biol Sci. 1997;352(1358):1121-8. . Essa hipótese, neste estudo, recebeu, genericamente, o nome de inibição top-down . Os indivíduos com esquizofrenia, neste estudo, foram suscetíveis à ilusão, portanto não há como sustentar essa teoria pelos resultados aqui encontrados, isto é, os indivíduos com esquizofrenia perceberam mais vezes a face convexa do que os indivíduos saudáveis. Quanto à diferença, estatisticamente significativa, de tempo, encontrada entre os indivíduos saudáveis e os indivíduos com esquizofrenia na execução das tarefas, poderia ser explicada pela lentificação no tempo de reação dos indivíduos com esquizofrenia em consequência da distratibilidade, não conseguindo suprimir informações interferentes e pela dificuldade com a atenção constante22. Dalgalarrondo P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed; 2008. .

CONCLUSÕES

Mais pesquisas deverão ser conduzidas para uma explicação mais detalhada da percepção visual desse fenômeno em indivíduos com esquizofrenia em razão dos resultados diferentes encontrados neste estudo, particularmente adotando as ferramentas de análise provenientes da TDS.

Este estudo apresenta a limitação de generalização dos resultados para a população de indivíduos com esquizofrenia. Os participantes não foram selecionados aleatoriamente da população-alvo, desse modo, reduz-se a possibilidade de sua generalização.

  • ERRATUM
    DOI: 10.1590/0047-2085000000278
    J Bras Psiquiatr. 2020;69(3):143-8
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    Received in: Mar/26/2020. Approved in: Apr/27/2020
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AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Capes pela bolsa de doutorado concedida ao primeiro autor.

REFERÊNCIAS

  • 1
    American Psychiatric Association. Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais – DSM. 5ª ed. Forte da Casa, Portugal: Climepsi Editores; 2014.
  • 2
    Dalgalarrondo P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed; 2008.
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    Stahl SM. Psicofarmacologia: bases neurocientíficas e aplicações práticas. 4ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2014.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2020

Histórico

  • Recebido
    07 Jun 2019
  • Aceito
    26 Mar 2020
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