Acessibilidade / Reportar erro

Intensidade de uso de crack de acordo com a classe econômica de usuários internados na cidade de Porto Alegre/Brasil

Intensity of crack consumption according the economic level of the admitted users in the city of Porto Alegre/Brazil

Resumos

OBJETIVOS: Investigar se há associação entre intensidade e frequência de uso de crack e o nível econômico de dependentes da droga e verificar se há relação entre classe econômica e intensidade e frequência de uso de crack em homens adultos em internação psiquiátrica. MÉTODO: Estudo transversal quantitativo. Instrumentos: entrevista estruturada, Critérios de Classificação Econômica Brasil e Miniexame do Estado Mental. Tratamento estatístico: análises descritivas e inferenciais (testes de Kolmogorov-Smirnov, Mann-Whitney e Kruskal-Wallis - nível de significância de 5%). RESULTADOS: Duzentos e vinte e um participantes foram divididos em dois grupos: (1) Grupo de maior nível econômico (classes A e B) e (2) Grupo de menor nível econômico (Classes C, D e E). Não houve diferença significativa (p = 0,893 - teste de Mann-Whitney) entre os grupos quanto à intensidade e à frequência de uso de crack. Também não houve relação significativa (p = 0,549 - teste de Kruskal-Wallis) entre classe econômica (A, B, C, D e E) e intensidade e frequência de uso de crack. CONCLUSÃO: Os dependentes de crack de maior e de menor poder aquisitivo não diferiram de forma significativa com relação à intensidade e à frequência de uso da droga. Não houve relação entre classe econômica e intensidade e frequência de uso de crack nesta amostra.

Cocaína crack; transtornos relacionados ao uso de substâncias; usuários de drogas; classe social


OBJECTIVES: To investigate whether a relationship exists between the intensity and frequency of crack consumption and the economic level of the drug addicts, and verify if there is a relationship between economic class and frequency and intensity of crack consumption in adult men during a psychiatric hospitalization. METHOD: This is quantitative study. Instruments: structured interview, Brazil Economic Classification Criteria and Mini Mental State Examination. Statistical analysis: descriptive and inferential analysis (Kolmogorov-Smirnov, Mann-Whitney and Kruskal-Wallis test - significance level of 5%). RESULTS: Two hundred and twenty one participants were divided into two groups: (1) Higher socioeconomic status group (classes A and B) and (2) lower socioeconomic status group (Classes C, D and E). There was no significant difference (p = 0.893 - Mann-Whitney) between the groups regarding the intensity and frequency of crack use. There was also no significantly relationship (p = 0.549 - Kruskal-Wallis) between economic class (A, B, C, D and E) and frequency and intensity of crack use. CONCLUSION: The crack-dependent higher and lower buying power did not differ significantly with respect to intensity and frequency of drug use. There was no relationship between socioeconomic status and frequency and intensity of crack use in this sample.

Crack cocaine; substance-related disorders; drug users; social class


ARTIGO ORIGINAL

Intensidade de uso de crack de acordo com a classe econômica de usuários internados na cidade de Porto Alegre/Brasil

Intensity of crack consumption according the economic level of the admitted users in the city of Porto Alegre/Brazil

Suzana Dias FreireI; Paola Lucena dos SantosII; Marcela BortoliniIII; João Feliz Duarte de MoraesIV; Margareth da Silva OliveiraV

IPontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Psicologia Clínica; Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Especialização em Terapias Cognitivo-Comportamentais

IIPUCRS, Programa de Pós-Graduação em Psicologia

IIIPUCRS; Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Programa de Pós-Graduação em Psicologia

IVPUCRS; Faculdades de Matemática da PUCRS e da UFRGS

VPUCRS, Programa de Pós-Graduação, Faculdade de Psicologia

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Margareth da Silva Oliveira Av. Ipiranga, 6681, prédio 11, sala 927, Partenon 90169-900 - Porto Alegre, RS, Brasil E-mail: marga@pucrs.br

RESUMO

OBJETIVOS: Investigar se há associação entre intensidade e frequência de uso de crack e o nível econômico de dependentes da droga e verificar se há relação entre classe econômica e intensidade e frequência de uso de crack em homens adultos em internação psiquiátrica.

MÉTODO: Estudo transversal quantitativo. Instrumentos: entrevista estruturada, Critérios de Classificação Econômica Brasil e Miniexame do Estado Mental. Tratamento estatístico: análises descritivas e inferenciais (testes de Kolmogorov-Smirnov, Mann-Whitney e Kruskal-Wallis - nível de significância de 5%).

RESULTADOS: Duzentos e vinte e um participantes foram divididos em dois grupos: (1) Grupo de maior nível econômico (classes A e B) e (2) Grupo de menor nível econômico (Classes C, D e E). Não houve diferença significativa (p = 0,893 - teste de Mann-Whitney) entre os grupos quanto à intensidade e à frequência de uso de crack. Também não houve relação significativa (p = 0,549 - teste de Kruskal-Wallis) entre classe econômica (A, B, C, D e E) e intensidade e frequência de uso de crack.

CONCLUSÃO: Os dependentes de crack de maior e de menor poder aquisitivo não diferiram de forma significativa com relação à intensidade e à frequência de uso da droga. Não houve relação entre classe econômica e intensidade e frequência de uso de crack nesta amostra.

Palavras-chave: Cocaína crack, transtornos relacionados ao uso de substâncias, usuários de drogas, classe social.

ABSTRACT

OBJECTIVES: To investigate whether a relationship exists between the intensity and frequency of crack consumption and the economic level of the drug addicts, and verify if there is a relationship between economic class and frequency and intensity of crack consumption in adult men during a psychiatric hospitalization.

METHOD: This is quantitative study. Instruments: structured interview, Brazil Economic Classification Criteria and Mini Mental State Examination. Statistical analysis: descriptive and inferential analysis (Kolmogorov-Smirnov, Mann-Whitney and Kruskal-Wallis test - significance level of 5%).

RESULTS: Two hundred and twenty one participants were divided into two groups: (1) Higher socioeconomic status group (classes A and B) and (2) lower socioeconomic status group (Classes C, D and E). There was no significant difference (p = 0.893 - Mann-Whitney) between the groups regarding the intensity and frequency of crack use. There was also no significantly relationship (p = 0.549 - Kruskal-Wallis) between economic class (A, B, C, D and E) and frequency and intensity of crack use.

CONCLUSION: The crack-dependent higher and lower buying power did not differ significantly with respect to intensity and frequency of drug use. There was no relationship between socioeconomic status and frequency and intensity of crack use in this sample.

Keywords: Crack cocaine, substance-related disorders, drug users, social class.

INTRODUÇÃO

O crack surgiu no Brasil em meados de 1988, na periferia de São Paulo1. Somente após a virada do milênio, relatos sobre esse tema e suas consequências foram produzidos em maior escala2. Atualmente, já passados 20 anos do surgimento da droga no Brasil, constata-se a consequência de seus efeitos em diversos segmentos. O setor governamental de planejamento urbano e segurança tem sofrido alterações em virtude do aumento do uso de crack, assim como têm sido criados pesquisas, programas e políticas voltados para esse público, que ainda carecem dos conhecimentos necessários para a criação de intervenções mais eficazes1. Os dependentes de cocaína e crack, a partir dos anos 1990, passaram a liderar a busca por tratamento em ambulatórios e serviços de internação especializados no atendimento da dependência química3.

O crack traz, comprovadamente, prejuízos para a vida dos usuários, seus familiares e para a sociedade em geral. Entre os prejuízos relatados pela literatura científica, estão: complicações pulmonares frequentes4; zumbidos; alterações de equilíbrio; alucinações auditivas; hiperacusia5; risco aumentado de contrair o vírus da imunodeficiência humana (HIV) e outras doenças sexualmente transmissíveis6,7; alto índice de mortalidade, em curto espaço de tempo, em virtude de fatores externos como homicídios e a soropositividade8; maiores problemas sociais7; problemas com a justiça6; atraso na vida escolar; alto índice de desemprego9; ocorrência de condutas antissociais para a obtenção da droga, como furtos, assassinatos e roubos10,11.

Em virtude dessas e outras consequências, a questão do uso de crack no Brasil já tomou uma grande proporção, sendo considerado um grave problema de saúde pública12. É importante ressaltar que, para o delineamento de programas de prevenção e de tratamento, se torna crucial que se conheça a realidade da população atendida, a fim de se construírem ações condizentes com tal contexto.

Na literatura, os usuários de crack são frequentemente caracterizados como pertencentes a classes menos favorecidas9,11,13. Por outro lado, ressalta-se que ainda faltam evidências científicas de que o índice de usuários de crack nas classes média e alta seja alarmante2, o que pode significar que o uso de crack talvez não seja mais prevalente nas classes com menor poder aquisitivo, como se tem acreditado. A própria mídia brasileira tem relatado casos de uso de crack nas classes média e alta2, porém informações relacionadas ao consumo de crack no Brasil ainda são incipientes, estando aquém do desejável10.

Estudos que relacionem o nível econômico com a frequência e a intensidade de uso da droga entre usuários de crack em tratamento são dificilmente encontrados. Este trabalho visa contribuir para a melhora da saúde pública brasileira, preenchendo uma importante lacuna existente na literatura científica, até o momento, sobre o assunto em questão. Assim, objetiva-se investigar se há associação entre intensidade e frequência de uso de crack e o nível econômico de dependentes em tratamento, assim como verificar se há relação entre classe econômica e intensidade e frequência de uso de crack em pacientes em internação psiquiátrica.

MÉTODO

Delineamento

Estudo de delineamento transversal quantitativo, de associação entre variáveis.

Participantes

A amostra, selecionada por conveniência, foi composta por 221 homens dependentes de crack em tratamento de internação em unidades específicas para o atendimento da dependência química. Foram pesquisados pacientes em atendimento em três locais distintos, sendo dois deles alocados dentro de hospitais gerais (unidades específicas para dependência química) e o outro alocado dentro de uma clínica psiquiátrica. Os locais de coleta deste estudo possuem, respectivamente, capacidade para 100, 25 e 40 pacientes. Todos os locais atendiam em caráter particular e por meio de convênios, e as unidades alocadas dentro dos hospitais gerais também realizavam atendimento por meio de financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS). Os três locais pesquisados recebem pacientes provenientes de Porto Alegre, região metropolitana e de outras cidades do estado do Rio Grande do Sul. Em Porto Alegre, além dos locais pesquisados, existem outros dois locais com leitos semelhantes, e um deles possui 17 leitos e só atende em caráter particular e por convênios e o outro serviço possui em média 25 leitos e só atende pelo SUS. Portanto, do total de leitos disponíveis (n = 207), na época de coleta de dados deste estudo (de agosto de 2008 a agosto de 2009), 165 foram abrangidos, o que corresponde a 79,7%. Dessa forma, pode-se afirmar que este trabalho estudou uma amostra representativa dos leitos destinados à dependência química em Porto Alegre.

Foram selecionados homens dependentes de crack, segundo os critérios do DSM-IV-TR14, que estavam internados pelo uso dessa droga. Ter diagnóstico de abuso ou dependência de outras substâncias não foi critério de exclusão. Os sujeitos deveriam ter, no mínimo, 18 anos de idade, e escolaridade a partir da 5ª série do ensino fundamental. Foi exigido um período mínimo de sete dias de abstinência, com o intuito de minimizar dificuldades de compreensão dos itens do protocolo de entrevista. Além disso, não seriam selecionados sujeitos que apresentassem prejuízos cognitivos - de acordo com a avaliação do Miniexame do Estado Mental ou em quadros psicóticos agudos.

Instrumentos

• Entrevista clínica semiestruturada: elaborada especificamente para o estudo, consta de um questionário de autorrelato para coleta de dados sociodemográficos, diagnóstico de dependência de crack de acordo com os critérios do DSM-IV-TR14 e das informações relacionadas ao padrão de consumo de crack no último ano.

• Critérios de Classificação Econômica Brasil (CCEB)15: critérios para categorização do poder aquisitivo. A pontuação dos CCEB classifica nas seguintes classes econômicas, na ordem de maior a menor poder aquisitivo: A1, A2, B1, B2, C1, C2, D e E. O índice de pontuação contempla informações como o grau de instrução do chefe da família, o fato de ter ou não empregada mensalista e a posse de itens duráveis (como televisão em cores, máquina de lavar, automóvel, DVD, entre outros).

• Miniexame do Estado Mental (MEEM)16: instrumento de rastreio de prejuízo cognitivo que avalia diferentes parâmetros, com itens agrupados em sete categorias: orientação temporal (5 pontos); orientação espacial (5 pontos); registro de três palavras (3 pontos); atenção e cálculo (5 pontos); recordação das três palavras (3 pontos); linguagem (8 pontos); e capacidade construtiva visual (1 ponto). O escore do MEEM pode variar de 0 a 30 pontos, e a classificação está condicionada à escolaridade17.

Coleta de dados

A aplicação do protocolo era feita de forma individual, conduzida por um dos auxiliares de pesquisa treinados. A entrevista tinha duração aproximada de 30 minutos e era realizada nos consultórios dos próprios locais de internação. Dos prontuários médicos, obtinha-se a confirmação do diagnóstico de dependência de crack e checagem do período de abstinência no dia da entrevista.

Análise dos dados

O processamento e a análise dos dados foram feitos por meio do software SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) na versão 17.0. Para análise dos dados, utilizou-se estatística descritiva e inferencial (teste de Mann-Whitney, teste de Kolmogorov-Smirnov, teste de qui-quadrado, teste exato de Fisher e teste de Kruskal-Wallis) com nível de significância de 5%.

Aspectos éticos

O presente estudo faz parte de um projeto maior18, submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa e pela Comissão Científica da Faculdade de Psicologia da PUCRS (registro nº 08/04387). Todos os participantes foram esclarecidos quanto aos objetivos do estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes da aplicação do protocolo de pesquisa.

RESULTADOS

A média de idade foi 27,73 anos (DP = 7,15), sendo a idade mínima de 18 e a máxima de 56 anos. O número de tratamentos de internação para dependência química, contando com a internação atual, obteve média de 3,58 (DP = 4,12). Dos 221 usuários de crack, 120 faziam uso exclusivo de crack e 101 fizeram uso concomitante de cocaína em pó no último ano. Desses últimos, 91,1% (92) faziam uso da droga pela via aspirada, 7,9% (8), pela via injetável e 1,0% (1) fazia uso misturando a droga na bebida alcoólica. Nenhum sujeito da amostra apresentou prejuízo cognitivo, de acordo com os resultados do Miniexame do Estado Mental16. A idade média de início de uso de substâncias psicoativas, assim como o número de usuários que já fez uso na vida de cada droga, pode ser observada na tabela 1.

Os participantes foram divididos em dois grupos:

Grupo 1: composto por 121 sujeitos classificados nas classes A e B dos cortes do Critério de Classificação Econômica Brasil (CCEB15).

Grupo 2: composto por 100 sujeitos classificados nas classes C, D e E dos CCEB15.

Os grupos foram proporcionais, visto que não houve diferença significativa (p = 0,158) entre os grupos quanto ao número de sujeitos, confirmada com o teste de qui-quadrado. Foi comprovada a homogeneidade entre os grupos quanto a idade (p = 0,182 - teste de Mann-Whitney), estado civil (p = 0,602 - teste exato de Fisher) e situação atual de trabalho (p = 0,174 - teste de qui-quadrado). Dados sociodemográficos da amostra geral e entre grupos podem ser observados na tabela 2.

Houve diferença significativa (p < 0,001 - teste de qui-quadrado) entre os grupos quanto à escolaridade. A caracterização dos dois grupos com relação à escolaridade pode ser observada na figura 1.


O padrão de uso de crack foi definido pela frequência e intensidade de uso da droga nos últimos 12 meses. A frequência foi investigada por meio de questões referentes à quantidade de dias de consumo de crack em uma semana típica. A intensidade foi identificada pelo número de pedras fumadas em um dia típico de uso. A multiplicação entre o número de vezes que o crack foi utilizado em uma semana e o número de pedras fumadas em um dia típico de uso resultou na média de pedras utilizadas por semana no último ano.

As variáveis idade e número de pedras utilizadas por semana foram analisadas quanto à normalidade pelo teste de Kolmogorov-Smirnov, sendo a condição de normalidade violada em pelo menos um dos grupos. Por essa razão, foram utilizados o teste de Mann-Whitney e o teste de Kruskal-Wallis para comparação das variáveis de padrão de uso entre os grupos. Os achados do teste de normalidade podem ser observados na tabela 3.

Assim, a frequência e a intensidade de uso foram mensuradas pela média de pedras utilizadas por semana no último ano. O Grupo 1 obteve a média de 46,85 pedras (DP = 47,09); e o Grupo 2 apresentou média de 54,82 (DP = 69,37) pedras por semana. Segundo o teste de Mann-Whitney, não houve diferença significativa entre os grupos quanto ao padrão de uso de crack. Os achados podem ser observados na tabela 4.

Segundo o teste de Kruskal-Wallis, não houve associação entre classe econômica (A, B, C, D e E) e intensidade e frequência de uso de crack (p = 0,549).

DISCUSSÃO

Os resultados do presente estudo indicaram que, na amostra estudada, os dependentes de crack pertencentes às classes de maior poder aquisitivo apresentaram padrão de uso de crack semelhante aos dependentes pertencentes às classes de menor poder aquisitivo. Não foram encontrados estudos, por parte dos autores deste trabalho, que objetivassem investigar a relação entre intensidade e frequência de uso de crack e a classe econômica de usuários de crack em tratamento.

É sabido que pessoas com maior poder aquisitivo passaram, nos últimos anos, a utilizar crack19. O uso de drogas ilícitas não está necessariamente associado a um determinado nível econômico ou educacional. A título de exemplo, estudo que comparou adolescentes usuários e não usuários de maconha não encontrou diferença estatisticamente significativa (p = 0,602) quanto à classe econômica entre os dois grupos20. Estudo recente encontrou, em amostra que buscou atendimento em um serviço universitário, que não houve diferença significativa (p = 0,566) entre usuários e não usuários de crack em relação à escolaridade21.

O baixo poder aquisitivo e a baixa escolaridade encontrada em alguns grupos de usuários de crack podem estar relacionados à associação entre uso de drogas e baixo desempenho escolar, relatado por alguns estudos22-24, bem como com as dificuldades de avaliar o poder aquisitivo por causa das dívidas decorrentes do envolvimento com drogas. Entre os usuários de crack, é frequente a perda temporária de laços familiares em virtude do uso pesado da droga e comportamentos decorrentes, o que pode levar os dependentes dessa droga a serem classificados em classes econômicas inferiores à classificação que obteriam antes do efetivo rompimento com a família25.

Uma pesquisa26 investigou 440 homens e mulheres internados por problemas decorrentes do uso de cocaína aspirada e/ou fumada (crack). Com o uso dos CCEB, foi observado que 70% da amostra pertenciam às classes C, D ou E. Além disso, foi encontrado que 50% dos sujeitos não haviam completado a 8ª série. A mesma relação direta entre poder aquisitivo e escolaridade foi encontrada no presente estudo. Entretanto, os autores alertam para o fato de que a proporção de usuários de cocaína/crack pertencentes a classes de poder aquisitivo mais baixo (C, D ou E), encontrada neste estudo, pode não ser a real. Dizem isso em virtude de dois fatores: o primeiro diz respeito aos locais de coleta de seu estudo, pois, por questões operacionais, não foram visitados locais que atendiam somente pacientes em regime de pagamento particular; o segundo seria o fato de que os usuários comumente se desfazem de seus bens para adquirir a droga e, muitos desses bens, são considerados na pontuação que vai classificar o indivíduo em diferentes classes econômicas.

CONCLUSÃO

O presente estudo não encontrou diferença significativa entre a intensidade e a frequência de uso de crack e o nível econômico de adultos usuários de crack em tratamento, resultados esses relevantes e originais na literatura científica nacional. Futuros estudos devem buscar a ampliação desses resultados, bem como a diversificação da amostra, incluindo usuários de crack do sexo feminino, pacientes em tratamento de regime ambulatorial, avaliação da diferença entre os grupos em relação à presença ou ausência de comorbidades psiquiátricas e em relação ao fato de a internação ter ocorrido de forma voluntária ou involuntária.

Em nosso país, as informações acerca do consumo de crack e seus usuários estão aquém do desejável, sendo necessária a realização de novos estudos na área, a fim de orientar ações de políticas públicas capazes de atender também às particularidades relacionadas ao tratamento dos usuários de crack pertencentes às classes sociais mais elevadas. Assim, é importante ressaltar a importância desses achados para a literatura científica brasileira, para a prática clínica e a implementação de políticas de tratamento adequadas aos usuários de crack pertencentes a níveis econômicos mais elevados.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelas bolsas de estudo de Iniciação Científica concedidas a segunda e a terceira autoras (Paola Lucena dos Santos e Marcela Bortolini, respectivamente) e pela bolsa de Produtividade em Pesquisa concedida à última autora e orientadora deste trabalho (Margareth da Silva Oliveira). Igualmente, agradecem à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES) pela bolsa de mestrado outorgada à primeira autora desta pesquisa.

CONFLITOS DE INTERESSE

Não há.

Recebido em 26/6/2012

Aprovado em 1/9/2012

  • 1. Raupp LM, Adorno RCF. Circuitos de uso de crack na região central da cidade de São Paulo. Ciênc Saúde Colet. 2011;16(5):2613-22.
  • 2. Kessler F, Pechansky F. Uma visão psiquiátrica sobre o fenômeno do crack na atualidade. Rev Psiquiatr Rio Gd Sul. 2008;30(2):97-8.
  • 3. Dunn J, Laranjeira R, Silveira DX, Formigoni MLOS, Ferri CP. Crack cocaine: an increase in use among patients attending clinics in São Paulo: 1990-1993. Subst Use Misuse. 1997;31(4):519-27.
  • 4. Hain DH, Lippmann ML, Goldberg SK, Walkenstein MD. The pulmonary complications of crack cocaine. A comprehensive review. Chest. 1995;107(1):233-40.
  • 5. Nigri LF, Samelli AG, Schochat E. Potenciais evocados auditivos de tronco encefálico em usuários de crack e múltiplas drogas. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(3):528-33.
  • 6. Azevedo RCS, Botega NJ, Guimaraes IAM. Crack users, sexual behavior and risk of HIV infection. Rev Bras Psiquiatr. 2007;29(1):27-30.
  • 7. Malta M, Monteiro S, Lima RMJ, Bauken S, Marco A, Zuim GC. HIV/AIDS risk among female sex workers who use crack in Southern Brazil. Rev Saude Publica. 2008;42(5):830-7.
  • 8. Ribeiro M, Dunn J, Sesso R, Dias AC, Laranjeira R. Causes of death among crack cocaine users. Rev Bras Psiquiatr. 2006;28(3):196-202.
  • 9. Duailibi IB, Ribeiro M, Laranjeira R. Profile of cocaine and crack users in Brazil. Cad Saude Publica. 2008;24(4):545-57.
  • 10. Guimarães CF, Santos DVV, Freitas RC, Araújo RB. Perfil do usuário de crack e fatores relacionados à criminalidade em unidade de internação para desintoxicação no Hospital Psiquiátrico São Pedro de Porto Alegre (RS). Rev Psiquiatr Rio Gd Sul. 2008;30(2):101-8.
  • 11. Oliveira LG, Nappo AS. Caracterização da cultura de crack na cidade de São Paulo: padrão de uso controlado. Rev Saude Publica. 2008;42(4):771-4.
  • 12. Almeida MM, Oliveira MA, Pinho PH. O tratamento de adolescentes usuários de álcool e outras drogas: uma questão a ser debatida com os adolescentes? Rev Psiq Clín. 2010;35(1):77-81.
  • 13. Borini P, Guimarães RC, Borini SB. Usuários de drogas ilícitas internados em hospital psiquiátrico: padrões de uso e aspectos demográficos epidemiológicos. J Bras Psiquiatr. 2003;52(3):171-9.
  • 14
    American Psychiatric Association - APA. DSM-IV-TR. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed; 2002.
  • 15
    Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa - ABEP. Critério de Classificação Econômica Brasil 2008. Disponível em: <http://www.abep.org/novo/Content.aspx?ContentID=139>. Acesso em: 27 de julho de 2011.
  • 16. Bertolucci PH, Brucki SM, Campacci SR, Juliano Y. O Miniexame do Estado Mental em uma população geral: impacto da escolaridade. Arq Neuropsiquiatr. 1999;52(1)1-7.
  • 17. Brucki SMD, Nitrini R, Caramelli P, Bertolucci PHF, Okamoto IH. Sugestões para o uso do Miniexame do Estado Mental no Brasil. Arq Neuropsiquiatr. 2003;71(3):777-81.
  • 18. Freire S. Evidências de validade da "Escala de Autoeficácia para Abstinência de Drogas" (EAAD) e da "Escala de Tentação para Uso de Drogas" (ESTUD) em dependentes e cocaína e crack internados [dissertação]. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; 2009.
  • 19. Nappo SA, Galduroz JC, Raymundo M, Carlini EA. Changes in cocaine use as viewed by key informants: a qualitative study carried out in 1994 and 1999 in Sao Paulo, Brazil. J Psychoactive Drugs. 2001;33(3):241-53.
  • 20. Rigoni MS, Oliveira MS, Moraes JFD, Zambom LF. O consumo de maconha na adolescência e as consequências nas funções cognitivas. Psicol Estud. 2007;12(2):277-5.
  • 21. Vargens RW, Cruz MS, Santos MA. Comparação entre usuários de crack e de outras drogas em serviço ambulatorial especializado de hospital universitário. Rev Latino-Am Enfermagem. 2011;19:804-12.
  • 22. Tavares BF, Beria JU, Lima MS. Prevalência do uso de drogas e desempenho escolar entre adolescentes. Rev Saude Publica. 2001;35(2):150-8.
  • 23. Souza FGM, Landim RM, Perdigao FB, Morais RM, Carneiro-Filho BA. Consumo de drogas e desempenho acadêmico entre estudantes de medicina no Ceará. Rev Psiq Clín. 1999;26(4):188-94.
  • 24. Queiroz S, Scivoletto S, Silva MMS, Strassman PG, Andrade AG, Gattaz WF. Uso de drogas entre estudantes de uma escola de São Paulo. Rev Psiq Clín. 2001;28(4):176-82.
  • 25. Nappo AS, Galduróz JCF, Noto AR. Uso de crack em São Paulo: fenômeno emergente? Rev ABP-APAL. 1994;16(1):75-83.
  • 26. Ferreira Filho OF, Turchi MD, Laranjeira R, Castelo A. Perfil sociodemográfico e de padrões de uso entre dependentes de cocaína hospitalizados. Rev Saude Publica. 2003;37(7):751-9.
  • Endereço para correspondência:

    Margareth da Silva Oliveira
    Av. Ipiranga, 6681, prédio 11, sala 927, Partenon
    90169-900 - Porto Alegre, RS, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      26 Jun 2012
    • Aceito
      01 Set 2012
    Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro Av. Venceslau Brás, 71 Fundos, 22295-140 Rio de Janeiro - RJ Brasil, Tel./Fax: (55 21) 3873-5510 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: editora@ipub.ufrj.br