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A inserção da epilepsia no ensino médico (graduação)

Epilepsy education in medical school (medical undergraduate)

Resumos

A epilepsia como um distúrbio crônico do SNC é freqüentemente atendida numa primeira etapa por um medico não neurologista. É crescente este atendimento principalmente pelo médico generalista na assistência básica de saúde. Do ponto de vista epidemiológico dos distúrbios neurológicos a epilepsia destaca-se como um dos mais prevalente. Este fato mostra importância da inserção da epilepsia na graduação médica. A Comissão de Ensino da Liga Brasileira de Epilepsia propõe um programa mínimo no currículo médico, sob a orientação da Disciplina de Neurologia, abrangendo os seguintes tópicos: definições, epidemiologia, classificação, semiologia, etiologia, fisiopatologia, métodos complementares, tratamento e os aspectos médicosociais. Pretende-se que este programa mínimo proporcione, ao futuro médico, uma abordagem adequada e competente para o atendimento do paciente com epilepsia e ou crises epilépticas.

epilepsia; educação médica; disciplina de neurologia; crises epilépticas


Epilepsy as a chronic CNS disorder is often treated in its first stage by a non-neurologist. Interest in epilepsy in general practice is growing at the community-based health care services. From the neuroepidemiological point of view the epilepsy stands out as one of the most prevalent neurological disorders. This fact shows the importance of integrating epilepsy into the medical graduation curriculum. The Brazilian Epilepsy League Committee on Epilepsy Education has proposed a minimum program in the medical curriculum, as part of the Neurology Course with the basic clinical aspects such as the definitions, epidemiology, classification, semiology, etiology, physiopathology, complementary methods, treatment and medical-social aspects. This minimum program is intended to provide the future doctor with a proper and competent approach for attending the patient with epilepsy and/or epileptic seizures.

epilepsy; medical education; neurological courses; seizures


FÓRUM DE EPILEPSIAS E XXX REUNIÃO DA LIGA BRASILEIRA DE EPILEPSIA

TRABALHOS APRESENTADOS

A inserção da epilepsia no ensino médico (graduação)

Epilepsy education in medical school (medical undergraduate)

Áurea Nogueira de Melo; Elza Márcia Yakubian; Iscia Lopes-Cendes; Lucia da Costa Fontenelle; Wagner Afonso Teixeira; Magda Lahorgue Nunes

Comissão de Ensino da Liga Brasileira de Epilepsia

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Áurea Nogueira de Melo Rua Paulo Lyra, 2183, ap. 1301 – Candelária CEP 59064-050, Natal, RN, Brasil E-mail: aurea@ccs.ufrn.br

RESUMO

A epilepsia como um distúrbio crônico do SNC é freqüentemente atendida numa primeira etapa por um medico não neurologista. É crescente este atendimento principalmente pelo médico generalista na assistência básica de saúde. Do ponto de vista epidemiológico dos distúrbios neurológicos a epilepsia destaca-se como um dos mais prevalente. Este fato mostra importância da inserção da epilepsia na graduação médica. A Comissão de Ensino da Liga Brasileira de Epilepsia propõe um programa mínimo no currículo médico, sob a orientação da Disciplina de Neurologia, abrangendo os seguintes tópicos: definições, epidemiologia, classificação, semiologia, etiologia, fisiopatologia, métodos complementares, tratamento e os aspectos médico­sociais. Pretende-se que este programa mínimo proporcione, ao futuro médico, uma abordagem adequada e competente para o atendimento do paciente com epilepsia e ou crises epilépticas.

Unitermos: epilepsia, educação médica, disciplina de neurologia, crises epilépticas.

ABSTRACT

Epilepsy as a chronic CNS disorder is often treated in its first stage by a non-neurologist. Interest in epilepsy in general practice is growing at the community-based health care services. From the neuroepidemiological point of view the epilepsy stands out as one of the most prevalent neurological disorders. This fact shows the importance of integrating epilepsy into the medical graduation curriculum. The Brazilian Epilepsy League Committee on Epilepsy Education has proposed a minimum program in the medical curriculum, as part of the Neurology Course with the basic clinical aspects such as the definitions, epidemiology, classification, semiology, etiology, physiopathology, complementary methods, treatment and medical-social aspects. This minimum program is intended to provide the future doctor with a proper and competent approach for attending the patient with epilepsy and/or epileptic seizures.

Key words: epilepsy, medical education, neurological courses, seizures.

INTRODUÇÃO

As doenças do sistema nervoso central (SNC) necessitam de atenção e cuidados especiais, pois podem afetar os aspectos mais importantes do comportamento humano: pensamento, memória, linguagem, emoção, sensação, e movimento(1). Esta percepção é muito importante para epilepsia, enquanto um distúrbio crônico que acomete o SNC, cuja sintomatologia marcante é a crise epiléptica, que envolve em seu cortejo vários aspectos deste comportamento.

Do ponto de vista epidemiológico ela é um distúrbio muito comum: 1% da população tem epilepsia ativa, 3% recorrência de crises epilépticas e 9%, no mínimo tem uma única crise em algum tempo de sua vida(2) Na epidemiologia das doenças neurológicas o Acidente Vascular Cerebral (AVC) mostra a maior incidência (casos novos – 200/100.000 hab/ano). Entretanto a prevalência (número de casos existentes em um ponto qualquer no tempo) a epilepsia se iguala ao AVC – 650 casos/ 100.000 hab(3). Esta prevalência da epilepsia mostra sua importância como um tema a ser ensinado na Disciplina de Neurologia na Graduação Médica. Ao organizar o currículo para a disciplina de Neurologia da FMUSP/SP Ferri-de-Barros e Nitrini com base em casos atendidos em nível ambulatorial a epilepsia foi o segundo distúrbio mais freqüentes(4). Em um outro cenário de práticas Ferri-de-Barros et al com o mesmo objetivo, mas utilizando como base os principais distúrbios neurológicos atendidos nos Serviços de Emergência em três instituições brasileira (Hospital de Taubaté; Hospital de São José dos Campos; Santa Casa de Misericórdia de São Paulo), mostrou que a epilepsia estava em sétimo lugar após o Alcoolismo, AVC, Coma, TCE, Demência, Zumbidos(5). Estas informações nos mostram que a epilepsia é realmente um tema relevante a ser inserido no curso médico da graduação.

Não podemos esquecer um paradigma antigo, mas ainda atual sobre os distúrbios neurológicos e muito válido para a epilepsia "os pacientes com sintomas neurológicos raramente procuram primeiro o neurologista ou o neurocirurgião(1). Apesar de todo avanço tecnológico e de mídia, os pacientes ainda procuram em primeiro lugar o médico generalista, seja ele de adulto, de criança ou geriatra. Este paradigma nos faz refletir o quanto é importante e necessário o ensino de conhecimento básicos de epilepsia na graduação, para que o futuro médico independente da sua especialidade possa fazer um primeiro atendimento de uma crise epiléptica adequadamente. Gomes(6), estudando as perspectivas e práticas para epilepsia com médicos generalistas e pediatras do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro, uma das conclusões foi a necessidade do ensino de práticas, que devem ser abordadas no currículo médico da graduação, para o atendimento de pacientes com epilepsia.

Atualmente há um maior incentivo por um atendimento médico básico primário de qualquer sintoma apresentado por um paciente, a crise epiléptica está incluída, e este atendimento será realizado por um médico não neurologista. Assim é importante que dois objetivos sejam atingidos no ensino de epilepsia na graduação: 1) que durante a graduação médica possamos formar estudantes competentes e confiantes para atender o paciente epiléptico e isto implica em uma aprendizagem adequada e eficiente com um programa bem definido, e 2) estimulação da iniciação científica que proporcionará não só uma aprendizagem crítica, mas descoberta de novos talentos para exercer a neurologia, em especial a epilepsia clínica, e futuros pesquisadores nesta área. Apesar de todo avanço tecnológico da neurociência em epilepsia a afirmação de Li e Sander é atual e verdadeira: a epilepsia é a mais prevalente e não comunicável condição neurológica no mundo(7).

Face a realidade crescente do atendimento por parte de médicos de famílias no Brasil, não podemos esquecer que esta formação em epilepsia será da responsabilidade dos professores em neurologia das várias escolas médicas brasileiras. A Liga Brasileira de Epilepsia (LBE) junto a sua Comissão de Ensino participante do Fórum Nacional de Epilepsia-2005, vem propor um programa mínimo e básico a ser ensinado pelas Disciplinas de Neurologia de graduação médica.

O QUE DEVEMOS ENSINAR SOBRE A EPILEPSIA NA GRADUAÇÃO MÉDICA?

A caracterização de uma aprendizagem em epilepsia deve ser realizada tendo como base os seguintes tópicos os quais serão apresentados sucintamente:

Definições

São conceitos já estabelecidos pela ILAE e que são importantes na prática clínica e em especial na comunicação médico-científica como:epilepsia, crise epilépticas, convulsão, aura, marcha jacksoniana, e estado de mal epiléptico(8-9).

Epidemiologia

Neste tópico não pode faltar a incidência, prevalência, distribuição segundo o sexo, a faixa etária para os diversos tipos de crises, a primeira crise e o risco de recorrência(10).

Classificação

Na literatura temos para as crises a classificação de 1981(11) e para as epilepsias a de 1989(12) ainda bastante usadas nas publicações científicas. Em 2001 foi lançada uma nova proposta que na verdade é um esquema diagnóstico(13). Esta classificação seria feita em seis eixos e na prática da graduação poderíamos estar utilizando para adquirirmos experiência. Os quatros primeiros eixos são importantes para uma classificação adequada de crises e epilepsias com conseqüente introdução da medicação ainda em nível ambulatorial.

Semiologia

Consideramos este ponto fundamental. Ela é decisiva para uma boa classificação. Hoje dispomos de vídeos, inclusive brasileiros, que permitem uma aprendizagem tanto das crises dos adultos, como das crianças e dos neonatos. Apesar dos vídeos uma boa descrição a partir da das informações clínica dos pais e ou responsáveis é possível e pelo menos numa primeira etapa, permitindo separar uma crise parcial da crise generalizada primária ou secundariamente generalizada(14). Neste aspecto lembramos que o velho esquema da descrição clínica por fase da crise epiléptica, continua sendo importante: fase pré-ictal, ictal e pós-ictal e os fenômenos relacionados.

Fisiopatologia

Este é um tópico imprescindível para selar a aprendizagem em epilepsia e em especial acerca das crises epilépticas. Sugerimos que seja abordado em três níveis:

a) Macro nível ou nível macroanatômico – descrição das estruturas que participam da epileptogênese seja cortical ou sub cortical, por exemplo o lobo frontal.

b) Micronível – neste ponto começando pela estruturação das camadas corticais, localização das sinapses excitatórias e inibitórias, os fenômenos da despolarização normal e modificada, canais seletivos para os íons. Abordagem das alterações neste nível pelas lesões ou disfunções levando ao fenômeno epiléptico.

c) Nível molecular – aqui as noções básicas sobre os principais neurotransmissores: excitatórios (Glutamato e Glicina) e inibitórios (Gaba).

Na síntese dos principais mecanismos teremos então: redução das sinapses inibitórias, abertura excessiva dos canais de cálcio, aumento da excitabilidade neuronal e redução do Gaba. Lembraríamos a todos que a fisiopatologia das crises epilépticas não é contemplada na Disciplina de Fisiologia ou Patologia na parte básica da graduação médica. Assim esta responsabilidade é da Disciplina de Neurologia.

Etiologia

Determinar a etiologia da crise é importante não só para o tratamento, mas sobretudo para o prognóstico. Quanto a etiologia e o tratamento temos o exemplo clássico da indicação da vigabatrina na síndrome de West tendo como etiologia a esclerose tuberosa.

Principais síndromes segundo a idade

Neste tópico listaremos as síndromes clínicas mais freqüentes cujos futuros médicos terão com mais freqüência a oportunidade de lidar na prática diária: convulsões neonatais; crises febris; crises parciais benignas da criança, a epilepsia ausência, epilepsia tônicoclônica generalizada seja primária ou secundária e as epilepsias parciais sintomáticas.

Métodos complementares

Na epilepsia moderna os métodos complementares jogam um papel fundamental no diagnóstico, prognóstico e tratamento. Dentre eles temos: o eletroencefalograma, tomografia computadorizada, a ressonância nuclear magnética do encéfalo, SPECT (single photon emission computed tomography) cerebral, e o PET (Positron Emisson Tomography). Quanto ao EEG a noção básica de monitorização em epilepsia não pode ser negligenciada.

Tratamento

Quanto ao tratamento a noção de quando tratar é fundamental no combate ao tratamento desnecessário. Os seguintes tópicos não podem faltar no conteúdo básico: principais drogas, farmacocinética clínica, principais indicações segundo o tipo de crises epilépticas e os efeitos colaterais(15).

Finalmente, do ponto de vista humano e médico vários aspectos são fundamentais e devem ser abordados com os alunos, pela importância que eles exercem na qualidade de vida dos pacientes com epilepsia: sociais, comportamentais, psicológicos e profissionais.

QUANDO E COMO ENSINAR A EPILEPSIA

Na graduação médica o curso é dividido em períodos onde são locadas as disciplinas. Acreditamos que uma melhor aprendizagem de epilepsia se faria com um aluno mais amadurecido em torno do oitavo e ou nono período. Entretanto, isto teria em muito a haver com o programa de cada Disciplina de Neurologia e com o curriculum da escola médica.

Outro aspecto é que o ensino teórico tivesse uma associação com a prática ambulatorial que, para o futuro médico, será fundamental à um atendimento de qualidade(6)

PROPOSTA FINAL

A comissão de Ensino da Liga Brasileira de Epilepsia propõe um programo mínimo e necessário que proporcione ao futuro médico uma abordagem adequada e competente ao paciente com epilepsia e ou crise epiléptica, onde sejam contemplados os tópicos mais relevantes: definição de epilepsia e crises epilépticas; epidemiologia; classificação e semiologia; noções básicas de epileptogênese; principais síndromes epilépticas segundo a idade; principais métodos de investigação; neurofarmacologia básica e tratamento; e os aspectos comportamentais, sociais e profissionais.

Received November 20, 2005; accepted Dec. 20, 2005.

  • 1. Collins RC. Neurology. 1st ed. Philadelphia: W.B. Saunders; 1997. (Título original em inglęs). Trad. Fernando Diniz Mundin. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan (Direitos exclusivos para a língua portuguesa); 1997. p. 3-19.
  • 2. Devinski O, Lowenstein D, Bromfield E, Duchowny M, Smith DB. Epilepsy Education in Medical School: Report of the American Epilepsy Society Committee on Medical Student Education. Epilepsia. 1993; 34(5):809-11.
  • 3 Kurtzke JF. The current neurologic burden of illness and injury in the United States. Neurology. 1982; 32:1207-14.
  • 4. Ferri-de Barros JE, Nitrini R. Que pacientes atende um neurologista? (alicerce de um currículo em neurologia). Arq Neuropsiquiatr. 1996;54:637-44.
  • 5. Ferri-de-Barros JE, Veiga JCE, Priante AVM, Cardoso CA, Alves FL, Ferri-de-Barros ME et al. Transtornos neurológico mais freqüentes. Contribuiçăo para a definiçăo de temas do conteúdo programático do curso de neurologia, para graduaçăo médica. Arq Neuropsiquiatr. 2000;58(1):128-35.
  • 6. Gomes MM. Doctors perspective and practices regarding epilepsy. Arq Neuropsiquiatr. 2000;59(2-a):221-226.
  • 7. Li LM, Sander JW. National demonstration project on epilepsy in Brazil. Arq Neuropsiquiatr. 2003;61(1):153-6.
  • 8. Warren TB, Lüders HO, Mizrahi E, Tassinari C, Boas Walter van Emde .Glossary of descriptive terminology for ictal semiology: report of the ILAE task force on classification and terminology. Epilepsia. 2001;42(9):1212-8.
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  • 12. Commission on classification and terminology of the International League Against Epilepsy. Proposal for revised classification of epilepsies and epileptic syndromes. Epilepsia. 1989;30:389-99.
  • 13. Engel Jr J. A proposed diagnostic scheme for people with epileptic seizures and with epilepsy: report of the ILAE task force on classification and terminology. Epilepsia. 2001;42(6):796-803.
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  • 15. Yakubian EMT. Tratamento medicamentoso das epilepsias. Elza MT Yakubian, editora. 2Ş ed. Săo Paulo: Lemos Editorial; 2004.
  • Endereço para correspondência:
    Áurea Nogueira de Melo
    Rua Paulo Lyra, 2183, ap. 1301 – Candelária
    CEP 59064-050, Natal, RN, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jun 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2005

    Histórico

    • Recebido
      20 Nov 2005
    • Aceito
      20 Dez 2005
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