Acessibilidade / Reportar erro

O papel dos canais iônicos nas epilepsias e considerações sobre as drogas antiepilépticas: uma breve revisão

Ion channels role in epilepsy and considers of the antiepileptic drugs: a short review

Resumos

INTRODUÇÃO: A epilepsia é um transtorno neurológico que chega a afetar cerca de 1% da população mundial. Muitas formas de epilepsias não conseguem ser tratadas adequadamente com os fármacos atualmente utilizados na clínica e o desenvolvimento de novas propostas terapêuticas que as tratem, não apenas de forma sintomática, mas em sua gênese, é uma busca constante de novos estudos. OBJETIVO E DISCUSSÃO: Nesse sentido, a presente revisão busca fazer um breve levantamento sobre os aspectos científicos mais consistentes acerca do papel dos canais iônicos no desenvolvimento das epilepsias, bem como correlacionar com o estudo de drogas antiepilépticas (DAEs) e mostrar as principais características farmacológicas das DAEs mais utilizadas na clínica atualmente. O papel dos canais de Na+ e Ca+2 como alvo de novas DAEs e a participação de outros receptores nesse processo são igualmente discutidos. CONCLUSÃO: A compreensão da fisiopatologia das epilepsias e dos possíveis alvos moleculares para novos fármacos é um dos principais focos para o descobrimento de tratamentos mais eficazes e com menos efeitos adversos.

epilepsias; canais iônicos; canais de sódio; drogas antiepilépticas


INTRODUCTION: Current epidemiological studies show a prevalence rate for active epilepsy in 0,5-1% of the population. Many forms of epilepsy are intractable to current therapies and there is a pressing need to develop agents and strategies to not only suppress seizures, but also cure epilepsy. OBJECTIVE AND DISCUSSION: The aim of this review was to the recent advances in the physiology of ion channels and other potential molecular targets, in conjunction with new informations on the genetics of idiopathic epilepsies, and current antiepileptic drugs (AEDs). Marketed AEDs predominantly target voltage-gated cation channels (the a-subunits of voltage gated Na+ channels and also T-type voltage-gated Ca2+ channels) or influence GABA-mediated inhibition. CONCLUSION: The growing understanding of the pathophysiology of epilepsy and the structural and functional characterization of the molecular targets provide many opportunities to create improved epilepsy therapies.

epilepsy; ion channels; sodium channel; antiepileptic drugs


REVIEW ARTICLE

O papel dos canais iônicos nas epilepsias e considerações sobre as drogas antiepilépticas – uma breve revisão

Ion channels role in epilepsy and considers of the antiepileptic drugs – a short review

Lívia Amorim PortoI; Jullyana de Souza SiqueiraII; Luciene Nascimento SeixasIII; Jackson Roberto Guedes da Silva AlmeidaIII; Lucindo José Quintans-JúniorIV

IDepartamento de Fisiologia, Universidade Federal de Sergipe (DFS/UFS)

IIDepartamento de Morfologia. Universidade Federal de Sergipe (DFS/UFS)

IIIColegiado de Medicina, Universidade Federal do Vale do São Francisco (CMED/UNIVASF). Caixa Postal 252, CEP 56.306-410, Petrolina, PE, Brasil

IVDepartamento de Fisiologia, Universidade Federal de Sergipe (DFS/UFS)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Lucindo José Quintans-Júnior Campus Universitário " Prof. Aloísio de Campos" – UFS CEP 49100-000, São Cristóvão, SE, Brasil E-mail: lucindo_jr@yahoo.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: A epilepsia é um transtorno neurológico que chega a afetar cerca de 1% da população mundial. Muitas formas de epilepsias não conseguem ser tratadas adequadamente com os fármacos atualmente utilizados na clínica e o desenvolvimento de novas propostas terapêuticas que as tratem, não apenas de forma sintomática, mas em sua gênese, é uma busca constante de novos estudos.

OBJETIVO E DISCUSSÃO: Nesse sentido, a presente revisão busca fazer um breve levantamento sobre os aspectos científicos mais consistentes acerca do papel dos canais iônicos no desenvolvimento das epilepsias, bem como correlacionar com o estudo de drogas antiepilépticas (DAEs) e mostrar as principais características farmacológicas das DAEs mais utilizadas na clínica atualmente. O papel dos canais de Na+ e Ca+2 como alvo de novas DAEs e a participação de outros receptores nesse processo são igualmente discutidos.

CONCLUSÃO: A compreensão da fisiopatologia das epilepsias e dos possíveis alvos moleculares para novos fármacos é um dos principais focos para o descobrimento de tratamentos mais eficazes e com menos efeitos adversos.

Unitermos: epilepsias, canais iônicos, canais de sódio, drogas antiepilépticas.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Current epidemiological studies show a prevalence rate for active epilepsy in 0,5-1% of the population. Many forms of epilepsy are intractable to current therapies and there is a pressing need to develop agents and strategies to not only suppress seizures, but also cure epilepsy.

OBJECTIVE AND DISCUSSION: The aim of this review was to the recent advances in the physiology of ion channels and other potential molecular targets, in conjunction with new informations on the genetics of idiopathic epilepsies, and current antiepileptic drugs (AEDs). Marketed AEDs predominantly target voltage-gated cation channels (the a-subunits of voltage gated Na+ channels and also T-type voltage-gated Ca2+ channels) or influence GABA-mediated inhibition.

CONCLUSION: The growing understanding of the pathophysiology of epilepsy and the structural and functional characterization of the molecular targets provide many opportunities to create improved epilepsy therapies.

Key words: epilepsy, ion channels, sodium channel, antiepileptic drugs.

CONSIDERAÇÕES SOBRE AS EPILEPSIAS

A epilepsia é uma das principais desordens neurológicas, com ampla distribuição, chegando a afetar cerca 0,5-1% da população mundial e uma incidência cumulativa para toda a vida em cerca de 3-4%,1 estimando-se que mais de 50 milhões de pessoas no mundo apresentem algum tipo desse transtorno. Entretanto, pouco progresso tem se obtido na compreensão da fisiopatogenia das crises epilépticas e da classificação das síndromes epilépticas.2

De acordo com a classificação mais atual, as epilepsias caracterizam-se por alterações crônicas, recorrentes e paroxísticas na função das áreas corticais e subcorticais envolvidas. Desse modo, muitas crises epilépticas manifestam-se através de alterações sensitivas, emocionais ou cognitivas.3 O evento mais dramático de alguns quadros de epilepsia é a crise epiléptica, estando associada à atividade hipersincrônica e repetitiva de um grupamento neuronal do córtex cerebral e estruturas hipocampais, cuja distribuição anatômica e duração de sua atividade determinam a natureza da crise.4

As manifestações das crises epilépticas refletem a função da área envolvida e muitas formas de epilepsia podem incluir distúrbios de cognição ou consciência, movimentos involuntários, automatismos de comportamento ou manifestações autonômicas, sensoriais e psíquicas.5

Um episódio único de crise generalizada pode ocorrer num indivíduo normal, em reação ao estresse fisiológico, privação do sono, efeito do álcool ou drogas ou traumatismo craniocefálico. Processos infecciosos, tóxicos ou metabólicos podem originar crises epilépticas recidivantes e limitadas, em indivíduos com um limiar reduzido, hereditário, sem síndrome epiléptica. Apesar do importante progresso na compreensão das crises epilépticas nas últimas décadas, as bases celulares das epilepsias no homem permanecem ainda desconhecidas.6

Várias hipóteses propõem-se a explicar a causa da epilepsia idiopática, incluindo alterações em vários sistemas de neurotransmissores, como nos da glicina, glutamato e GABA.7 Outros mediadores, como o óxido nítrico, têm sido implicados na fisiopatogênese da epilepsia.8 Sabe-se também da importância do receptor pós-sináptico de glutamato do tipo NMDA (N-metil-D-aspartato), que produz sobre focos epilépticos alterações paroxísticas despolarizantes, capazes de produzir descargas epilépticas na epileptogênese.9 Mais recentemente, os receptores de glutamato do tipo AMPA (a-amino-3-hidroxi-5-metil-isoxazol) foram identificados como alvo para supressão de crises epilépticas devido a sua habilidade em modular a transmissão glutamatérgica.10 Além disso, a excitabilidade intrínseca do sistema nervoso que é intimamente controlada pela abertura ou bloqueio de canais iônicos operados por voltagem e que são regulados pelo influxo de cátions para o interior do neurônio tem papel importante na deflagração das crises.11

Canalopatias

Os mecanismos celulares da excitabilidade neuronal e propagação dos sinais elétricos nos neurônios cerebrais são de grande importância funcional e patológica. A partir de estudos sobre alterações na permeabilidade de canais iônicos foi possível considerá-los como novos alvos terapêuticos para drogas anti-epilépticas em estudo, tanto os controlados por voltagem como por ligantes.12 Na verdade, há uma nova tendência em considerar algumas síndromes epilépticas como canalopatias, principalmente dos canais de Ca+2, Na+, K+ e Cl-.

Segundo Rodríguez (2002)13, os canais iônicos implicados na epilepsia são classificados de acordo com o estímulo que os ativam em: dependentes de voltagem, operados por ligantes, associados à proteína G e associados a segundos mensageiros.

Canais de Na+

Os canais de Na+ dependentes de voltagem são um dos principais responsáveis pela rápida despolarização da membrana neuronal presente amplamente e de forma desordenada nos processos epilépticos14. Mutações nas subunidades a formadora do poro e das subunidades acessórias b dosses canais no SNC foram descobertas em algumas formas de epilepsias, como as mutações nas subunidades a SNC1A e b SNC1B, que causa epilepsia generalizada tais como as convulsões febris.15 Esses canais representam um importante sítio de ligação para várias drogas antiepilépticas (DAEs): hidantoína, carbamazepina, ácido valpróico, lamotrigina entre outras.

Estudo realizado por Kaplan e Lacey (1983) mostrou mutações na subunidade SNC2A dos canais de Na+ dependentes de voltagem e que estão envolvidas na epilepsia neonatal familiar benigna. As mutações nesses receptores são heterogêneas e várias propriedades desses canais são modificadas, mas todas provocam ganho de função e aumento de corrente de Na+, o que provoca excitabilidade neuronal.16

Canais de Ca+2

As primeiras evidências da possível participação dos canais de Ca+2 dependentes de voltagem nas epilepsias provem da constatação de que reduções acentuadas na concentração extracelular desse íon pode criar atividade epiléptica em tecidos cerebrais como o giro denteado e outras estruturas hipocampais.17,18,19 Contudo, a magnitude dessa participação depende de neurônios específicos dessas regiões cerebrais.30 Sabe-se que o aumento agudo do influxo de Ca+2 é importante para manutenção da hiperexcitabilidade reflexa que ocorre em processos convulsivos.2 Além disso, a observação que a ativação de canais de Ca+2 pode induzir alterações na expressão gênica20 sugere uma participação de maneira crônica na epilepsia. Na verdade, essas mudanças crônicas podem ser estruturais21 e/ou induzindo morte celular.2

Atualmente, são descritos seis subtipos de canais de Ca+2 dependentes de voltagem L, N, P, Q, R e T,19 onde pelo menos três desses subtipos (N-, P- e Q-) tem sido implicados no controle da liberação de neurotransmissores nas sinapses, como acetilcolina e serotonina, e ainda, o do tipo T tem papel importante nas descargas rítmicas das crises epilépticas generalizadas de ausência.22 Nesse contexto, os canais de Ca+2 dependentes de voltagem tem papel importante nos processos funcionais do sistema nervoso.23 Por exemplo, a entrada de Ca+2 pré-sináptica se associa à liberação desses neurotransmissores e à entrada pós-sináptica dos mesmos com a despolarização sustentada do neurônio.

Trabalho realizado por Naergel et al. (2000) constatou que na epilepsia do lobo temporal a redução do Ca+2 intracelular por incremento intracelular da proteína calbidina D-28K, produzida a partir da degranulação intracelular, atua bloqueando a ação do Ca+2 nas vesículas sinápticas. Outro estudo importante realizado por Magloczky et al. (1998), mostrou que a depleção da proteína calbidin D-28K provoca excitabilidade na região hipocampal do giro denteado, provocando a hiperestimulação dos canais de Ca+2 voltagem-dependente (VDCC), permitindo a recorrência de crises epilépticas.24

Outrossim, o bloqueio dos canais de Ca+2 pode produzir vários efeitos no funcionamento neuronal: (a) bloqueio dos canais tipo T (está associado ao tratamento das crises de ausência); (b) bloqueio dos canais tipo L (está associado ao controle de crises parciais); (c) o bloqueio de canais de Ca+2 pode prevenir a liberação de neurotransmissores excitatórios como o glutamato e (d) o bloqueio desses canais diminui a concentração dos íons Ca+2 no citoplasma neuronal, reduzindo a possibilidade de dano celular excitotóxico.

Canais de K+

Outra família de canais iônicos dependentes de voltagem que tem se mostrado importante nos processos epilépticos são os canais de K+. Mais precisamente, o que a literatura já descreveu foi o envolvimento dessas proteínas receptoras na modulação da atividade elétrica, no desencadeamento de crises epilépticas e sua importância como alvo de drogas anticonvulsivantes tem sido descritos na literatura.25,26

Os canais de K+ dependentes de voltagem participam da repolarização e hiperpolarização da membrana que segue as alterações paroxísticas da despolarização, evitando a repetição do potencial de ação. Mutações nos genes responsáveis pela formação dos canais de potássio provocam diminuição da repolarização, gerando uma hiperexcitabilidade. Um exemplo já descrito dessas alterações é o envolvimento dos canais voltagem-dependentes de potássio KCNQ2 e KCNQ3, que quando alterados principalmente no domínio C-terminal reduz a corrente de potássio em 30% a 60% do fluxo normal. A alteração desses canais envolvem a fisiopatogenia da Síndrome da Epilepsia Autossômica Dominante Benigna Familiar.16

Os canais KNCQ correlacionam-se a correntes do tipo M25 que recebem este nome porque é inibida pela estimulação de receptores muscarínicos da acetilcolina. Essas correntes estão envolvidas na regulação da excitabilidade sublimiar dos neurônios e sua responsividade aos sinais de entrada (inputs) sinápticos. Esta regulação da excitabilidade neuronal provavelmente explica por que uma pequena perda de correntes M é suficiente para causar epilepsia.15

Estudo realizado com um derivado da benzoiltriptamina, com propriedade anticonvulsivante em roedores, mostrou o envolvimento de canais de K+ do tipo Maxi-K, em células GH3, e que sua ativação pode contribuir com a redução da excitabilidade neuronal e reduzir a capacidade epileptogênica.26

Canais de Cl– associados a GABA

Quanto aos receptores para os principais neurotransmissores inibitórios, o GABA e a glicina, que exercem seu rápido efeito inibitório através de canais de Cl–, foram descobertos recentemente apenas dois genes afetados relacionados à epilepsia.27 Mutações da subunidade g2 do receptor GABAA (GABRG2) foram identificadas na epilepsia com crises de ausência na infância e convulsões febris generalizadas27. Mutações na subunidade a1 do receptor da glicina causa hiperekplexia ou Doença dos Surdos.28 A Doença dos Surdos é uma enfermidade genética rara caracterizada por hipertonia muscular e hiperreflexia em recém-nascidos, pela mutação na subunidade a1 do receptor da glicina. O diagnóstico é muitas vezes confundido com o de epilepsia.

Receptores ionotrópicos glutamatérgicos

O desenvolvimento de novos fármacos que são antagonistas dos receptores NMDA e AMPA, como o felbamato e o topiramato, respectivamente, têm mostrado resultados promissores em atenuar a epileptogênese apesar de apresentar efeitos adversos desagradáveis que dificultam suas indicações clínicas.6 Os receptores NMDA são altamente permeáveis ao Ca+2 e contribuem com um componente lento para o potencial de ação excitatório.29

Essa dependência em relação ao Ca+2 para a liberação das vesículas sinápticas de glutamato proporcionaram a descoberta de novos alvos para as drogas anti-epilépticas, como a gabapentina e o leviracetam. Estudos identificaram a proteína que a gabapentina se liga, é a subunidade a2-d do canal de Ca+2, um outro alvo possível é a proteína SV2A, ambas envolvidas na liberação de vesícula sinápticas de glutamato.30

Estudo realizado por Ivanov et al. (2004), com ratos Ducky, mostrou que mutações deletérias no gene CACNA2D1 que codifica a proteína a2-d, promovem maior suscetibilidade para o início das crises epilépticas.30

Receptores da acetilcolina

Efeitos mutagênicos nos receptores nicotínicos parecem estar relacionados com a Epilepsia do Lobo Frontal Autossômica Dominante Noturna. Mutações nos genes CHRNA4 e CHRNB2, cujo efeito altera os aminoácidos dos receptores transmembrana, diminuem a resposta a acetilcolina dependente do cálcio e esse efeito promove a excitabilidade durante o sono, o que pode gerar crises epilépticas.16

CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE DROGAS ANTIEPILÉPTICAS (DAEs)

Uma droga antiepiléptica pode ser definida como uma substância que quando administrada por um determinado período, pode diminuir a incidência ou severidade das crises epilépticas que acometem pacientes portadores de síndrome epilépticas. Nesse sentido, foram várias as propostas terapêuticas para o tratamento das epilepsias antes do surgimento das DAEs, tais como: oculosterapia, ligadura das artérias vertebrais, compressão testicular, trepanação, aplicação de ventosas, histerectomia e o uso de preparações a base de ervas e extratos animais.31

Apesar da ausência de fatores etiológicos bem compreendidos ser um limitante no uso da DAEs e da própria terapêutica, os tratamentos clínicos em prática priorizam o controle dos sintomas das crises epilépticas, em detrimento daqueles que objetivam a supressão da própria epileptogênese.6

A primeira droga utilizada como antiepiléptica eficaz foi o sal de brometo de potássio, introduzido por Locock (1857). Baseado numa premissa totalmente errada de que os pacientes com epilepsia tinham hipersexualidade, o autor usou esse sal e relatou resposta positiva em 14 de 15 mulheres com epilepsia catamenial.32

Atualmente, há um arsenal vasto de DAEs no mercado e as mesmas agem com certa seletividade no Sistema Nervoso Central (SNC), no entanto, cerca de 30% dos pacientes não conseguem ter um tratamento adequado com esses fármacos.6,33 Desse percentual, cerca de 40% desses pacientes apresentam " farmacorresistência" , o que denota a ineficácia dos medicamentos até então presentes no mercado.34 A despeito desse importante registro, os mecanismos desencadeadores da farmacoresistência são pouco compreendidos.35 As DAEs de primeira geração (fenitoína, carbamazepina, fenobarbital, diazepam e valproato de sódio) apresentam um número significativo de efeitos adversos (Quadro 1).


É verdade que nas duas últimas décadas, com o surgimento das DAEs de segunda (lamotrigina, vigabatrina, tiagabine, topiramato, gabapentina e leviracetam) e de terceira gerações, o tratamento das epilepsias tem apresentado muitos avanços. Contudo, o percentual de pacientes que não tem um controle apropriado continua sem reduções significativas.6

Além disso, um percentual expressivo de pacientes epilépticos sofre mais danos em decorrência do tratamento medicamentoso que da própria condição epiléptica.31 Os efeitos adversos das DAEs atuais no tratamento de crianças e mulheres grávidas podem causar déficit cognitivo em crianças de até três meses de vida (barbitúricos), microcefalia e outras malformações congênitas. Concentrações plasmáticas equivalentes às doses usadas para controlar convulsões em seres humanos, a fenitoína, o fenobarbital, a vigabatrina e o ácido valpróico causam neurodegeneração apoptótica no cérebro de ratos em desenvolvimento, provavelmente associada com uma redução de neutrofinas e de proteínas anti-apoptóticas no cérebro.6,36

Estudos atuais que buscam o desenvolvimento de novas DAEs de drogas com alto potencial de bloqueio das crises epilépticas, controlando de forma seletiva os diversos tipos de epilepsias, e que apresentem baixa toxicidade.29 Contudo, pesquisas mais recentes com possíveis drogas eficazes contra as crises estão inseridas em novos conceitos, como drogas que atuem sobre a própria epileptogênese inibindo o desenvolvimento e progressão da epilepsia e abandonando um pouco o enfoque das DAEs tradicionais que agem, de maneira geral, suprimindo a propagação inicial das convulsões tratando, assim, os sintomas.36

Numerosos mecanismos têm sido propostos para ação das DAEs, mas, de maneira geral, atuam principalmente por três mecanismos: (1) limitação dos disparos neuronais repetitivos através do bloqueio de canais iônicos dependentes de voltagem, (2) incremento da neurotransmissão inibitória mediada pelo GABA (3) bloqueio da transmissão glutamatérgica excitatória22 (Quadro 1).

Existem ainda fármacos que funcionam como antiepilépticos atípicos e são utilizados no tratamento da hipertensão, angina e arritmias cardíacas. Atuam bloqueando canais de Ca+2: fenilalquilaminas (verapamil); as diidropiridinas (nimodipinas) e as benzotiazepinas (diltiazem).

DAEs MAIS UTILIZADAS NA CLÍNICA

O Quadro 1 mostra propriedades farmacológicas importantes das DAEs, tais como possível mecanismo de ação, o espectro de atividade, a farmacocinética e os perfis de efeitos adversos.

Felbamato O felbamato parece atuar inibindo os canais de Na+ sensíveis a voltagem produzindo uma redução na condutância e, ainda, bloqueando os canais de Ca+2 do tipo T14. É indicado para pacientes com epilepsia grave, refratários a outros tratamentos devido a reações como anemia aplástica e insuficiência hepática.33

Gabapentina Apresenta um mecanismo específico de ação que pode envolver aminoácidos para as células e aumentar a liberação não sináptica de GABA, provavelmente seu alvo molecular seja a GABAtransaminase. Seus efeitos adversos mais comuns são leves e com freqüência transitórios. Ocasionalmente, ocorre efeitos comportamentais e movimentos involuntários, especialmente em crianças com encefalopatias estáticas.37

Lamotrogina O seu mecanismo de ação envolve o bloqueio de canais de Na+ dependentes de voltagem.38 Há o bloqueio indireto da liberação do glutamato. Apresenta um amplo espectro de atividade e um perfil favorável aos efeitos adversos.33 Entretanto, ainda apresenta discinesia, diplopia, fadiga, ataxia e rashes.39

Oxicarbazepina O seu potencial antiepiléptico parece ser dependente do bloqueio de canais de Na+ sensíveis a voltagem, contudo, a inibição de canais de Ca+2 do tipos T tem sido descrito por alguns autores.22 Tem indicação terapêutica nas crises tônico-clônicas e nas crises parciais.40 A oxcarbazepina além de um amplo espectro tem baixa toxicidade hepática e é pouco propenso a interação com outras drogas.41

Topiramato O mecanismo de ação mais aceito é o de pontencialização da transmissão GABAérgica (GABAA) e a inativação de canais de Na+ sensíveis a voltagem. A participação do sistema glutamatérgico como possível alvo do topiramato também tem sido descrito.14 Os efeitos adversos mais comuns são a perda de peso e disfunções cognitivas.39

Tiagabina O seu mecanismo de ação envolve a inibição do transportador de GABA (GAT-1) deste modo reduzindo a recaptação do GABA nos neurônios, potencializando a inibição neuronal.39 Apresenta efeitos adversos cognitivos leves relacionados à dose e, ainda pode apresentar discinesia, sonolência, astenia e tremores.33

Vigabatrina Possui uma estrutura química análoga ao de GABA e atua modulando as sinapses GABAérgicas aumentando significativamente os níveis de GABA. No tratamento com vigabatrina os pacientes comumente apresentam sedação, fadiga, ataxia e confusão mental. Rashes são comuns. Agitação pode ocorrer em crianças, contudo, em doses elevadas.39

PERSPECTIVAS NO DESENVOLVIMENTO DE NOVAS DAEs

A pesquisa de novas DAEs tem se concentrado na busca de fármacos mais eficazes em bloquear as crises epilépticas, com amplos espectros e baixa toxicidade.6 Drogas que atenuam a neurotransmissão excitatória, tais como bloqueadores dos receptores glutamatérgicos têm sido propostos.14 Entretanto, nenhuma droga existente atualmente no mercado tem promovido uma " cura" para epilepsia, apenas atenuam os sintomas promovidos pela condição epiléptica. Desta forma, novos conceitos e direcionamentos têm sido buscados pelos pesquisadores no desenvolvimento de novas DAEs.

Produtos naturais de origem vegetal são uma fonte promissora para obtenção de substâncias com atividade farmacológica relacionada ao SNC.43,44 A biodiversidade e complexidade dos metabólitos secundários existentes nas plantas medicinais, tais como flavonóides, alcalóides, monoterpenos, esteróides e entre outros têm mostrado atividade farmacológica para várias patologias neurológicas, entre elas a epilepsia.44-46

As DAEs atualmente utilizadas na clínica são efetivas e bem toleradas, com eficácia semelhante e perfis de efeitos adversos superiores quando comparadas a outras drogas psicoativas tradicionais. Por outro lado, apesar das limitações e dos efeitos adversos apresentados, as DAEs representam avanços importantes no tratamento dos pacientes epilépticos, mas a procura por novas substâncias mais eficazes e menos tóxicas é uma das novas perspectivas na busca por uma DAE ideal.

Received Apr 30, 2007; accepted May 25, 2007.

Universidade Federal de Sergipe – DFS/UFS

  • 1. Browne TR, Holmes GL. Epilepsy. New England Journal Medicine. 2001; 344:1145-51.
  • 2. McNamara JO. Emerging insights into the genesis of epilepsy. Nature. 1999; 399:A15-A22.
  • 3. Costa JC, Russo RE, Guilhermo G, Velluti JC. Bases celulares da epilepsia. Jornal da Liga Brasileira de Epilepsias. 1992; 5(1):9-17.
  • 4. Avanzini G, Franceschetti S. Cellular biology of epileptogenesis. The Lancet: Neurology. Jan. 2002; 2.
  • 5. Shneker BF, Fountain NB. Epilepsy. Disease-a-Month. 2003; 49(7):426-47.
  • 6. Löscher W, Schmidt D. New horizons in the development of antiepileptic drugs. Epilepsy Research. 2002; 50:3-16.
  • 7. Oliveira FA, Almeida RN, Sousa MFV, Barbosa-Filho JM, Diniz AS, Medeiros IA. Anticonvulsant properties of N-salicy-loyltryptamine in mice. Pharmacology, Biochemistry and Behavior. 2001; 68:199-202.
  • 8. Del-Bel EA, Oliveira PR, Oliveira JAC, Mishra PK, Jobe PC, Garcia-Cairasco N. Anticonvulsant and proconvulsant roles of nitric oxide in experimental epilepsy models. Brazilian Journal of Medical and Biological Research, 1997; 30: 971-979.
  • 9. França GV. Epilepsias. In: Medicina legal. 5Ş ed. Guanabara-Koogan; 1998. p 351-3.
  • 10. Moldrich RX, Beart PM, Jane DE, Chapman AG, Meldrum BS. Anticonvulsant activity of 3,4-dicarboxyphenylglycines in DBA/2 mice. Neuropharmacology. 2001; 40:732-5.
  • 11. Kwan P, Brodie MJ. Epilepsy after the first drug fails: substitution or add-on? Seizures. 2000; 9:464-8.
  • 12. Kullmann DM, Hanna MG. Neurological disorders caused by inherited ion-channel mutations. The Lancet Neurology. 2002; 1(3):157-66.
  • 13. Rodríguez T. Síndromes convulsivos y epilepsia: mecanismos fisiopatológicos. 2002. [Acesso em 19 jan. 2007]. Disponível em: http://www.iespana.es/ medicinausach/fisiopat/epi.htm
  • 14. Kwan P, Sills GJ, Brodie MJ. The mechanisms of action of commonly used antiepileptic drugs. Pharmacology Therapy. 2001; 90:21-34.
  • 15. Hübner A, Jentsch TJ. Ion channel diseases. Human Molecular Genetic. 2002; 11(20):2438-45.
  • 16. Heron SE, Scheffer IE, Berkovic SF, Dibbens LM, Mulley JC. Channelopathies in idiopathic epilepsy.The American Society for Experimental NeuroTherapeutics; 2007. v. 4.
  • 17. Traub RD, Llinas R. Hippocampal pyramidal cells: significance of dendritic ionic conductances for neuronal function and epileptogenesis. Journal of Neurophysiology. 1979; 42:476-96.
  • 18. Jefferys JG, Haas HL. Synchronized bursting of CA1 hippocampal pyramidal cells in the absence of synaptic transmission. Nature. 1982; 300:448-50.
  • 19. Yaari Y, Konnerth A, Heinemann U. Spontaneous epileptiform activity of CA1 hippocampal neurons in low extracellular calcium solutions. Experimental Brain Research. 1983; 51:153-56.
  • 20. Jones OT. Ca2+ channels and epilepsy. European Journal of Pharmacology. 2002; 447:211-25.
  • 21. Ikegaya Y. Abnormal targeting of developing hippocampal mossy fibers after epileptiform activities via L-type Ca2+ channel activation in vitro. J Neuroscience. 1999; 19:802-12.
  • 22. Deckers CLP, Genton P, Schmidt D. Current limitations of antiepileptic drug therapy: a conference review. Epilepsy Research. 2003; 53:1-17.
  • 23. Catterall WA. Structure and regulation of voltage-gated Ca2+ channels. Annu. Rev. Cell Dev. Biol. 2000; 16: 521-55.
  • 24. Jones OT. Ca+2 channels and epilepsy. Division of Neuroscience, School of Biological Sciences, University of Manchester; 2002.
  • 25. Pisciotta M, Prestipino G. Anticonvulsant phenytoin affects voltage-gated potassium currents in cerebellar granule cells. Brain Research. 2002; 941:53-61.
  • 26. Araújo DAM, Mafra RA, Rodrigues ALP, Miguel-Silva V, Beirão PSL, Almeida RN, Quintans-Júnior LJ, Souza MFV, Cruz JS. N-Salicyloyltryptamine, a new anticonvulsant drug, acts on voltage-dependent Na+, Ca2+, and K+ ion channels. Br J Pharmacol. 2003; 140:1331-9.
  • 27. Wallace RH. Mutations in GABA-receptor genes cause human epilepsy The Lancet Neurology. 2002; 1(4):212.
  • 28. Rees MI, Lewis TM, Kwok JBJ, Mortier GR, Govaert P, Snell RG, Schofield PR, Owen MJ. Hyperekplexia associated with compound heterozygote mutations in the beta subunit of the human inhibitory glycine receptor (GLRB). Hum Molec Genet. 2002; 11:853-60.
  • 29. Löscher W. New visions in the pharmacology of anticonvulsion. European Journal of Pharmacology. 1998; 342:1-13.
  • 30. Löscher W, Schmidt D. New horizons in the development of antiepileptic drugs: Innovative strategies. Epilepsy Research. 2006; 69:183-272.
  • 31. Trevisol-Bittencourt PC, Sander JWAS. Arquivos Catarinenses de Medicina. 1989; 18(3):147-54.
  • 32. Guerreiro CAM. História do Surgimento e Desenvolvimento das Drogas Antiepilépticas. J Epilepsy Clin Neurophysiol. 2006; 12(1):18-21.
  • 33. Herman ST, Pedley TA. Novas opções para o tratamento da Epilepsia, JAMABrasil. 1999; 3(1).
  • 34. Regesta G, Tanganelli P. Clinical aspects and biological bases of drug-resistant epilepsies. Society for Neuroscience. 1999; 34:109-22.
  • 35. Jeub M, Beck H, Siep E, Rüschenschmidt C, Speckmann EJ, Ebert U, Potschka H, Freichel C, Reissmüller E, Löscher W. Effect of phenytoin on sodium and calcium currents in hippocampal CA1 neurons of phenytoin-resistant kindled rats. Neuropharmacology. 2002; 42:107-16.
  • 36. Brodie MJ. Do we need any more new antiepileptic drugs? Epilepsy Research. 2001; 45:3-6.
  • 37. Shorvon S, Stefan H. Overview of the safety of newer antiepileptic drugs. Epilepsia. 1997; 38(1):S45-S51.
  • 38. Dupere JRB, Dale TJ, Starkey SJ, Xie X. The anticonvulsant BW534U87 depress epileptiform activity in rat hippocampal slices by an adenosine-dependent mechanism and through inhibition of voltage-gated Na+ channels. Br J Pharmacol. 1999; 128:1011-20.
  • 39. Britton JW, So EL. New antiepileptic drugs: prospects for the future. J Epilepsy. 1995; 8(4):267-81.
  • 40. González ML, Hernández JMS, Gutiérrez JAS. Nuevos fármacos contra la epilepsia. Rev Med IMSS. 1996; 34(1):75-79.
  • 41. Beydoun A, Sachdeo RC, Rosenfeld WE, Krauss GL, Sessler N, Mesenbrink P, Kramer L, Souza GL. Oxcarbazepine monotherapy for partial-onset seizures. Neurology. 2000; 54(2):2245-50.
  • 42. Macdonald RL, Greenfield LJ. Mechanisms of action of new antiepileptic drugs. Curr Opin Neurol. 1997; 10:121-8.
  • 43. Quintans-Júnior LJ, Silva DA, Siqueira JS, Souza MFV, Barbosa-Filho JM, Almeida RN, Silva Júnior RGC. Anticonvulsant properties of the total alkaloid fraction of Rauvolfia ligustrina Roem. et Schult. in male mice. Br J Pharmacognosy. 2007; 17(2):152-8.
  • 44. Sousa DP, Gonçalves JCR, Quintans-Júnior LJ, Cruz JS, Araújo DAM, Almeida RN. Study of anticonvulsant effect of citronellol, a monoterpene alcohol, in rodents. Neuroscience Letters. 2006; 401:231-5.
  • 45. Quintans-Júnior LJ, Almeida RN, Falcão ACGM, Agra MF, Sousa MFV, Barbosa-Filho JM. Avaliação da Atividade Anticonvulsivante de Plantas do Nordeste Brasileiro. Acta Farmacêutica Bonaerense. 2002; 21(3):179-84.
  • 46. C Filho V, Yunes RA. Estratégias para a obtenção de compostos farmacologicamente ativos a partir de plantas medicinais. conceitos sobre modificação estrutural para otimização da atividade. Química Nova. 1999; 21(1):99-105.
  • Endereço para correspondência:

    Lucindo José Quintans-Júnior
    Campus Universitário " Prof. Aloísio de Campos" – UFS
    CEP 49100-000, São Cristóvão, SE, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Fev 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Aceito
      25 Maio 2007
    • Recebido
      30 Abr 2007
    Liga Brasileira de Epilepsia (LBE) Av. Montenegro, 186 sala 505 - Petrópolis, 90460-160 Porto Alegre - RS, Tel. Fax.: +55 51 3331 0161 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: jecnpoa@terra.com.br