Acessibilidade / Reportar erro

Vírus respiratório sincicial humano em crianças hospitalizadas por infecções agudas das vias aéreas inferiores

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a prevalência e a sazonalidade do vírus respiratório sincicial humano (VRSH) em crianças de 0 a 6 anos hospitalizadas por infecção aguda das vias aéreas inferiores (IVAI) em São José do Rio Preto (SP) e a associação entre faixa etária, diagnóstico e VRSH. MÉTODOS: Entre maio de 2004 e setembro de 2005, foram estudados 290 episódios consecutivos de IVAI adquiridos na comunidade em crianças de 0 a 6 anos internadas no Hospital de Base de São José do Rio Preto. Para identificação do VRSH, foram coletadas amostras de secreção de nasofaringe e realizou-se análise molecular por meio da técnica de RT-PCR. RESULTADOS: A prevalência de VRSH foi de 29,3% nos episódios de IVAI hospitalizados. A IVAI foi frequente em lactentes (mediana de idade = 13,5 meses). O VRSH foi mais frequente nos casos de bronquiolite (64%) e no primeiro ano de vida (35%). Os episódios de infecção por VRSH ocorreram entre o outono e a primavera, com frequência maior em 2004 do que em 2005. Os critérios clínicos e radiológicos não foram suficientes para o diagnóstico de infecção pelo VRSH. Em 78,8% dos episódios de VRSH, houve tratamento com antibiótico. CONCLUSÕES: A prevalência do VRSH em crianças de 0 a 6 anos hospitalizadas por IVAI foi elevada, com predomínio nas mais jovens ou com bronquiolite. A circulação do vírus variou nos dois anos estudados. Os resultados sugerem necessidade de diagnóstico laboratorial do VRSR na prática clínica.

Infecções respiratórias; vírus sincicial respiratório humano; criança hospitalizada; bronquiolite


OBJECTIVE: To evaluate the prevalence and seasonality of human respiratory syncytial virus (HRSV) in children aged 0 to 6 years, hospitalized with acute lower respiratory infection (ALRI) in São José do Rio Preto, SP, Brazil, and the association between age, diagnosis, and HRSV. METHODS: Between May 2004 and September 2005, we studied 290 consecutive episodes of community-acquired ALRI in children aged 0 to 6 years admitted to the Hospital de Base of São José do Rio Preto. In order to detect HRSV, nasopharyngeal secretion samples were collected and RT-PCR molecular analysis was performed. RESULTS: The HRSV prevalence was 29.3% for the cases of hospitalized patients with ALRI. ALRI was common in infants (median age = 13.5 months). HRSV was more frequent in cases of bronchiolitis (64%) and during the first year of life (35%). Episodes of HRSV infection occurred between fall and spring, showing higher frequency in 2004 than in 2005. Clinical and radiological criteria were not sufficient to establish the diagnosis of infection with HRSV. Antibiotic therapy was used in 78.8% of episodes of HRSV. CONCLUSIONS: There was a high prevalence of HRSV in children aged 0 to 6 years who were hospitalized for ALRI, predominantly in younger patients or those with bronchiolitis. The circulation of the virus varied in the two years studied. Our results suggest the need for laboratory diagnosis of HRSV in the clinical practice.

Respiratory infections; human respiratory syncytial virus; hospitalized children; bronchiolitis


ARTIGO ORIGINAL

Vírus respiratório sincicial humano em crianças hospitalizadas por infecções agudas das vias aéreas inferiores

João B. Salomão JuniorI; Luiz G. A. GardinassiII; Paulo V. M. SimasIII; Cintia O. BittarIV; Fátima P. SouzaV; Paula RahalVI; Dirce M. T. ZanettaVII

IDoutor. Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP), SP

IIMestre. Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE), Universidade Estadual Paulista (UNESP), São José do Rio Preto, SP

IIIMestre, Microbiologia. IBILCE, UNESP, São José do Rio Preto, SP

IVMestre. IBILCE, UNESP, São José do Rio Preto, SP

VProfessora, IBILCE, UNESP, São José do Rio Preto, SP

VIProfessora livre-docente, IBILCE, UNESP, São José do Rio Preto, SP

VIIProfessora livre-docente, FAMERP, São José do Rio Preto, SP. Faculdade de Saúde Pública (FSP), Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Dirce Maria Trevisan Zanetta Av. Dr. Arnaldo, 715 CEP 01246-904 - São Paulo, SP Tel.: (11) 3061.7110, (11) 3061.7710 Fax: (11) 3061.7926 E-mail: dzanetta@usp.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a prevalência e a sazonalidade do vírus respiratório sincicial humano (VRSH) em crianças de 0 a 6 anos hospitalizadas por infecção aguda das vias aéreas inferiores (IVAI) em São José do Rio Preto (SP) e a associação entre faixa etária, diagnóstico e VRSH.

MÉTODOS: Entre maio de 2004 e setembro de 2005, foram estudados 290 episódios consecutivos de IVAI adquiridos na comunidade em crianças de 0 a 6 anos internadas no Hospital de Base de São José do Rio Preto. Para identificação do VRSH, foram coletadas amostras de secreção de nasofaringe e realizou-se análise molecular por meio da técnica de RT-PCR.

RESULTADOS: A prevalência de VRSH foi de 29,3% nos episódios de IVAI hospitalizados. A IVAI foi frequente em lactentes (mediana de idade = 13,5 meses). O VRSH foi mais frequente nos casos de bronquiolite (64%) e no primeiro ano de vida (35%). Os episódios de infecção por VRSH ocorreram entre o outono e a primavera, com frequência maior em 2004 do que em 2005. Os critérios clínicos e radiológicos não foram suficientes para o diagnóstico de infecção pelo VRSH. Em 78,8% dos episódios de VRSH, houve tratamento com antibiótico.

CONCLUSÕES: A prevalência do VRSH em crianças de 0 a 6 anos hospitalizadas por IVAI foi elevada, com predomínio nas mais jovens ou com bronquiolite. A circulação do vírus variou nos dois anos estudados. Os resultados sugerem necessidade de diagnóstico laboratorial do VRSR na prática clínica.

Palavras-chave: Infecções respiratórias, vírus sincicial respiratório humano, criança hospitalizada, bronquiolite.

Introdução

Infecções agudas das vias aéreas inferiores (IVAI) são caracterizadas por processos inflamatórios agudos, infecciosos ou não, acometendo alvéolos, bronquíolos, brônquios e espaço intersticial1. Essas doenças são responsáveis por altos índices de morbidade e mortalidade infantil em todo o mundo2,3. Dados da Organização Pan-americana da Saúde (OPAS) e da Organização Mundial de Saúde (OMS) referentes à prevalência e à incidência de infecções respiratórias agudas na América Latina revelam que elas são responsáveis por 40 a 60% de todos os atendimentos ambulatoriais em pediatria4,5. Segundo a OMS, cerca de 4 milhões de crianças menores de 5 anos morrem por IVAI anualmente. Além disso, essas doenças geram elevados custos diretos e indiretos com assistência à saúde6.

Dentre os vários agentes etiológicos causadores de IVAI, os vírus são responsáveis por bronquiolite e pneumonia, principalmente em crianças menores de 1 ano7,8. O principal patógeno dessas doenças em crianças é o vírus respiratório sincicial humano (VRSH), que possui distribuição mundial7,8. Primariamente, a infecção por esse vírus ocorre em crianças menores de 2 anos, sendo que o pico de incidência é dos 2 aos 6 meses. Aos 2 anos, aproximadamente 95% das crianças já foram infectadas pelo VRSH9.

Nas regiões tropicais, as epidemias pelo VRSH iniciam no outono e vão até a primavera10. No Brasil, o VRSH predomina nas estações de outono e inverno, particularmente nos meses de abril a agosto/setembro de cada ano11. Yusuf et al.12, estudando a ocorrência do VRSH em nove diferentes cidades do mundo, constataram aumento da ocorrência de infecção pelo vírus em uma faixa de umidade relativa do ar entre 45-65%.

Os objetivos deste estudo incluíram a avaliação da prevalência e da sazonalidade do VRSH em crianças de 0 a 6 anos hospitalizadas por IVAI em São José do Rio Preto (SP) e a associação entre faixa etária, diagnóstico e esse agente viral.

Métodos

População-alvo e critérios diagnósticos

Trata-se de um estudo prospectivo de série de casos consecutivos realizado para avaliar a prevalência de VRSH nas IVAI de crianças internadas no Hospital de Base (HB) de São José do Rio Preto, hospital universitário que presta atendimento de nível secundário e terciário à população da cidade e à região noroeste do estado de São Paulo. O estudo foi realizado no período de 1º de maio de 2004 a 30 de setembro de 2005. A inclusão dos pacientes no estudo foi feita após assinatura do termo de consentimento pelos pais. Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP) sob o número 062/2001.

Durante o período de estudo, foram feitas visitas diárias à enfermaria, à emergência e à unidade de terapia intensiva pediátrica, onde são internadas as crianças no HB. Foram incluídas no estudo todas as crianças de 0 a 6 anos, portadoras de IVAI adquirida na comunidade, internadas e que estavam assintomáticas por um período de pelo menos 7 dias antes do início do quadro13. IVAI foi caracterizada por ocorrência simples ou associada dos seguintes sinais e sintomas físicos: tosse, taquipneia, retrações torácicas, roncos, sibilância, crepitação ou alterações na radiografia de tórax13. As radiografias de tórax foram realizadas em posição anteroposterior e de perfil no Serviço de Radiologia do HB, sendo avaliadas por médicos radiologistas da instituição. O acompanhamento clínico diário das crianças foi realizado pelo Dr. João Batista Salomão Junior, responsável pelo setor de Pneumologia Infantil do HB. As IVAI foram classificadas em pneumonia isolada, pneumonia com derrame pleural, bronquiolite e sibilância aguda, de acordo com as recomendações para diagnóstico da OPAS/OMS5,13,14.

A pneumonia foi diagnosticada em crianças com tosse, taquipneia e tiragem intercostal, acompanhados de ausculta pulmonar com roncos e crepitações e com radiografia de tórax com opacidade segmentar ou lobar. Os casos de pneumonia mais extensa acompanhados de toxemia e efusão pleural ao exame radiográfico foram classificados como pneumonia com derrame pleural. O diagnóstico de bronquiolite foi feito em crianças com idade inferior a 2 anos que apresentavam taquipneia, sibilância bilateral, sem antecedente similar e cuja radiografia de tórax apresentava sinais de hiperinsuflação pulmonar difusa com ou sem atelectasia. Para o diagnóstico de sibilância aguda, considerou-se presença de tosse, roncos e sibilância expiratória em crianças com até 6 anos, exame radiográfico com hiperinsuflação, lesão intersticial peribrônquica ou normal.

A frequência respiratória para o estabelecimento do diagnóstico (taquipneia) foi ajustada para a idade14: 60 mrpm ou mais para crianças menores de 2 meses; 50 mrpm ou mais para crianças de 2 a 12 meses; 40 mrpm ou mais para crianças maiores de 12 meses.

Coleta de dados

Foram coletadas informações sobre histórico das crianças, nível socioeconômico, sinais clínicos e diagnóstico à admissão.

A evolução do quadro clínico foi acompanhada diariamente até o momento da alta hospitalar. As condutas terapêuticas não foram pré-estabelecidas, sendo adotadas segundo os parâmetros clínicos e radiográficos de cada caso.

Coleta de amostras

A coleta do material da secreção de nasofaringe foi realizada com swab e sonda de aspiração neonatal, após a fluidificação com 1 mL de tampão fosfato salino (PBS, pH 7,2). A coleta era feita após o atendimento inicial da criança, no período da manhã, de segunda a sexta-feira. Em pacientes internados no final de semana, a coleta era feita na segunda-feira. O material era colocado em frasco identificado, acondicionado em caixas térmicas com gelo e levado, em no máximo 1 hora, ao laboratório para o processamento das amostras.

Processamento e análise das amostras

No laboratório, era realizado o processamento do material biológico imediatamente após a sua chegada. Os aspirados eram divididos em alíquotas contendo 750 µL de Trizol-LS (Gibco®, Invitrogen/Gibco, Carlsbad, CA, EUA) e armazenados em ultra-freezer até o momento da análise. A extração de RNA foi feita segundo as instruções do fabricante.

Para a obtenção do cDNA foi utilizado o kit High-Capacity cDNA Archive (Applied Biosystems®, Invitrogen, Carlsbad, CA, EUA), seguindo as instruções do fabricante.

A identificação do VRSH foi feita por nested-PCR utilizando os primers da Tabela 1. Após a identificação do vírus nas amostras clínicas, essas amostras foram cultivadas em linhagem celular HEP2 com passagens de 7, 14 e 21 dias. Em seguida foi realizada novamente a técnica para identificação do vírus.

Análise estatística

A análise dos dados foi realizada com o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 15.0 (SPSS Inc., Chicago, EUA). Os resultados são expressos em porcentagem ou mediana, com valores mínimo e máximo. Foram calculadas as prevalências mensais de VRSH nos episódios de IVAI nas crianças internadas. As comparações foram feitas pelos métodos de Fischer, qui-quadrado ou Mann-Whitney, conforme apropriado, considerando significante p < 0,05.

Resultados

Episódios de internação por IVAI

No período estudado, de 1º de maio de 2004 a 30 de setembro de 2005, ocorreram 58.485 internações no Hospital de Base, com 5.320 (9,1%) internações de crianças na faixa de 0 a 6 anos. Nessas internações, as identificadas com doenças respiratórias totalizaram 1.431 internações (26,9% das internações em crianças), sendo 303 por episódios de IVAI (21,2% das internações por doença respiratória em crianças).

Não houve recusa dos pais ou responsáveis para a participação das crianças no estudo. Dos 303 episódios de IVAI, foram analisados prospectivamente 290, pois houve perda de 13 amostras do material de secreção nasofaríngea durante o transporte para o laboratório (quatro em dezembro de 2004, quatro em janeiro de 2005, quatro em fevereiro de 2005 e uma em março de 2005). Esses episódios ocorreram em 278 crianças, uma vez que 10 crianças foram internadas duas vezes e uma criança teve três internações por IVAI no período de estudo. Não houve nova infecção em nenhuma criança no mesmo mês, que foi o período adotado para calcular as prevalências de VRSH.

Em relação à idade, 134 pacientes eram lactentes (48,2%), 64 eram crianças de 13 a 24 meses (23,0%) e 80 tinham mais de 24 meses (28,8%). Nas internações por IVAI estudadas, 274 (94,5%) ocorreram na enfermaria, 14 (4,8%) na emergência e apenas dois casos na unidade de terapia intensiva (0,7%). A mediana do período de internação foi 5 dias (mínimo = 1 e máximo = 62).

Os motivos de internação foram pneumonia isolada em 48,6% (n = 141) dos casos, pneumonia com derrame pleural em 10,7% (n = 31), bronquiolite em 17,2% (n = 50) e crianças com sibilância aguda em 23,4% (n = 68).

Na evolução dos casos, observou-se um óbito, ocorrido em uma criança de 3 meses de idade internada com quadro de pneumonia e cardiopatia congênita, que evoluiu com insuficiência respiratória, insuficiência renal, choque séptico e parada cardíaca após 2 meses de hospitalização. Nessa criança, não foi identificada a presença de VRSH.

As internações por IVAI foram mais frequentes entre junho e novembro de 2004 (meses de inverno e primavera), como mostrado na Figura 1. Em 2005, não houve internações por IVAI em janeiro e apenas uma criança foi internada em fevereiro. As internações ocorreram principalmente a partir de março, com queda em setembro, último mês de estudo.


Episódios de infecção por VRSH

Nos 290 episódios analisados, a prevalência de VRSH foi 29,3% (n = 85), sendo 54 episódios em 2004 (43,9% dos 123 episódios desse ano) e 31 em 2005 (18,6% dos 167 episódios desse ano). Uma criança teve dois episódios em que o vírus foi detectado, sendo a primeira internação em março e a segunda em agosto de 2005. Todas as crianças com infecção pelo VRSH foram internadas na enfermaria do Hospital de Base.

Em todos os meses com episódios de IVAI, foi verificada a presença do VRSH, exceto em fevereiro de 2005, com apenas um episódio de IVAI, que foi negativo para VRSH. Os episódios de VRSH ocorreram principalmente nos meses de inverno e primavera de 2004 e no outono de 2005.

O VRSH foi observado em 35,0% dos 165 episódios em crianças de 0 a 11 meses de vida; em 20,9% dos 79 episódios em crianças de 13 a 24 meses; e em 26,3% dos 48 episódios em crianças com mais de 24 meses de vida (Tabela 2). Com relação ao diagnóstico das crianças, o VRSH foi positivo em 24,1% dos 141 episódios de pneumonia, 25,8% dos 31 de pneumonia com derrame pleural, 64,0% dos 50 casos de bronquiolite e 16,2% dos 68 com sibilância aguda. Nas pneumonias a prevalência do vírus foi semelhante nas faixas etárias estudadas. Na bronquiolite, que ocorreu essencialmente em crianças no primeiro ano de vida, o VRSH foi diagnosticado em 62,5% dos casos nesse faixa etária. Nas crianças com sibilância aguda, houve aumento na prevalência do VRSH com o aumento da faixa etária (p = 0,048).

A análise dos sinais presentes nos episódios de IVAI mostrou que os mais frequentes foram tosse (93,1%), febre (91,0%) e coriza (62,1%). A obstrução nasal esteve presente em cerca de metade e os espirros em cerca de 1/3 dos episódios. Durante o período de internação, a maioria das crianças apresentou bom estado geral (77,2%). Tosse foi o único sinal que se associou estatisticamente à infecção por VRSH, embora a diferença encontrada não seja clinicamente relevante (88,2 versus 95,4% de presença de tosse em episódios com e sem infecção pelo VRSH, respectivamente).

Durante as internações, falta de ar (72,4%) e chiado (71,0%) foram as manifestações clínicas pulmonares mais frequentes apresentadas pelas crianças com IVAI. Estertores e sibilos estiveram presentes em cerca de metade das crianças internadas. Houve associação positiva significante entre infecção por VRSH e ocorrência de retração intercostal (p = 0,03).

Com relação ao uso de antibióticos, cerca de metade (52,1%) das crianças usou antibiótico previamente à internação e 78,3% durante a internação. Nos episódios com infecção por VRSH, 78,8% receberam antibiótico durante a internação.

Discussão

Na presente pesquisa foram estudadas a prevalência e a sazonalidade do VRSH em crianças de 0 a 6 anos hospitalizadas por IVAI em São José do Rio Preto (SP) e a associação entre faixa etária, diagnóstico e esse agente viral.

O presente estudo avaliou 96% de todos os casos de IVAI em crianças que necessitaram internação, durante o período de estudo, em um hospital de referência terciária para uma população de aproximadamente 1 milhão de pessoas. Nos 290 episódios de IVAI avaliados, a prevalência de VRSH foi de 29,3%. Costa et al.18, avaliando 379 episódios de IVAI em crianças menores de 5 anos hospitalizadas em Uberlândia, MG, encontraram positividade do VRSH em 26,4% dos casos.

Vários trabalhos têm demonstrado que o VRSH é frequente causador de infecções respiratórias agudas em crianças menores de 5 anos, atingindo 21 a 68% dos casos investigados18-20. Essa ampla variação pode ser explicada tomando-se como base as diferentes metodologias empregadas no diagnóstico, o local de estudo, as doenças estudadas, a duração do estudo, o período do ano, a idade dos pacientes incluídos, o número de amostras, o local de atendimento e de internação dos pacientes.

O percentual de identificação viral em crianças com IVAI está associado ao quadro clínico avaliado21. O VRSH foi encontrado em 24% das pneumonias e em 26% das pneumonias com derrame pleural. A maior parte dos estudos de VRSH em IVAI não diferencia as pneumonias com derrame pleural. Entretanto, estudo realizado em crianças com IVAI internadas mostrou que a prevalência de VRSH foi menor em crianças hospitalizadas que apresentaram derrame pleural do que naquelas com pneumonia sem essa complicação22, contrariando os achados da presente pesquisa. Embora possa ocorrer em pneumonias de etiologia viral, o derrame pleural tem sido mais frequentemente observado em casos de infecção bacteriana23. A técnica de detecção viral utilizada neste estudo, que incluiu a cultura celular, é segura na determinação de infecção atual pelo vírus. Entretanto, por não ter sido objeto deste estudo, não é possível excluir a possibilidade de esses casos apresentarem co-infecção com outros agentes infecciosos.

A alta frequência de infecção por VRSH em crianças com bronquiolite neste estudo está de acordo com os relatos da literatura7,8.

O período de estudo, de maio de 2004 a setembro de 2005, compreendeu dois invernos, parte de dois outonos, uma primavera e um verão. O estudo iniciou quando os episódios de IVAI internados começaram a ocorrer em 2004 e durou até que houvesse diminuição acentuada do número de episódios em 2005, sendo interrompido após 10 dias sem internação por IVAI. A análise dos resultados, considerando a prevalência do VRSH para cada mês, permitiu avaliar a presença de sazonalidade.

As infecções por VRSH ocorreram do outono até a primavera, como tem sido descrito na literatura3,7,9, com picos em março e abril, similar ao verificado em Ribeirão Preto (SP), por Cintra et al.19, e em Uberlândia (MG), por Costa et al.18 Além disso, a prevalência do VRSH em crianças internadas por IVAI foi maior em 2004 em relação a 2005, mesmo comparando somente meses comuns nos dois anos, indicando que a circulação viral variou entre os anos. Investigando a presença dos grupos A e B do VRSH num período de 7 anos em Porto Alegre (RS), Straliotto et al.24 constataram circulação desse vírus na comunidade durante o ano todo, incluindo o verão.

Os dados clínicos não se associaram à presença de infecção pelo VRSH no presente estudo, exceto a presença de retração intercostal e de tosse; entretanto, mesmo essas associações não foram clinicamente relevantes.

Nas crianças com sibilância, observou-se a menor prevalência de positividade para o VRSH do que nos outros diagnósticos analisados. Houve aumento da prevalência com o aumento da idade. Na literatura, embora seja frequente o encontro de VRSH em crianças com sibilância, esse sintoma clínico também não foi suficiente para a identificação da infecção pelo VRSH25.

A bronquiolite ocorreu quase exclusivamente em crianças com menos de 1 ano e foi o diagnóstico com maior prevalência de infecção pelo VRSH.

Nos casos de pneumonia, a prevalência de infecção por VRSH foi semelhante nas faixas etárias estudadas. Esse achado difere da literatura, que descreve infecção pelo VRSH associada à pneumonia em crianças menores de 2 anos9,26. No presente estudo, os resultados mostraram maior frequência de infecção pelo VRSH em crianças com menos de 1 ano, sugerindo que elas sejam mais suscetíveis ao VRSH, conforme tem sido relatado27.

Esta pesquisa mostrou que os critérios clínicos e radiológicos não foram suficientes para identificar a etiologia da infecção por VRSH. As crianças receberam antibióticos com frequências elevadas tanto antes como durante a hospitalização, semelhante nos grupos com e sem infecção pelo VRSH.

O objetivo primário neste estudo foi estimar a prevalência do VRSH como agente etiológico das IVAI nessa população e não houve interferência na terapêutica dos pacientes. Os exames laboratoriais para identificação do VRSH foram realizados após a coleta de todas as amostras, ao final do estudo, e não estavam disponíveis no momento da internação da criança. A elevada frequência de uso de antibióticos observada correspondeu, portanto, ao uso na prática clínica diária, onde ocorre uso descontrolado dos mesmos3,28,29. Os resultados mostram a necessidade de um diagnóstico laboratorial para a identificação da infecção pelo VRSH na prática clínica. O VRSH é agente frequente nas IVAI e seu diagnóstico pode evitar o uso inadequado de antibióticos, que podem causar superinfecção bacteriana em crianças com infecções virais, originar formas resistentes de bactérias, aumentar a ocorrência de efeitos colaterais e elevar os custos do tratamento28,29.

A identificação laboratorial do vírus pode influenciar diretamente na suspensão da prescrição de antibióticos para esses pacientes. Em um hospital em Córdoba, Argentina, a frequência da prescrição inicial de antibióticos para pacientes internados com pneumonia por VRSH não se modificou após a implementação rotineira da técnica laboratorial para o diagnóstico desse vírus, mas houve aumento significativo da sua suspensão após a confirmação da etiologia do quadro30.

As técnicas disponíveis para esse diagnóstico laboratorial (imunofluorescência e moleculares), que até pouco tempo eram caras e demoradas, restritas a laboratórios de pesquisa, hoje estão disponíveis em laboratórios clínicos, com menor custo, podendo ser utilizadas na rotina. Apesar de terem um custo mais elevado, as técnicas moleculares de detecção da presença viral são as mais sensíveis e específicas no diagnóstico do que a imunofluorescência direta com uso de anticorpos monoclonai31 e permitem a identificação dos tipos virais presentes na população.

Como potencial limitação do presente estudo está o fato de que foram avaliadas apenas crianças com quadros mais graves de IVAI que necessitaram internação em um hospital terciário. Os resultados mostraram diferentes prevalências do vírus nos anos de 2004 e 2005, mesmo quando comparamos os meses comuns de seguimento nos dois anos. Outros estudos, mais abrangentes e com maior tempo de duração, envolvendo outros hospitais e centros médicos de complexidades variáveis são necessários para uma melhor caracterização clínica e epidemiológica das infecções por VRSH na região estudada, bem como do papel do VRSH em quadros mais leves de IVAI. Embora os resultados mostrem alta frequência de uso de antibióticos em crianças com infecção pelo VRSH, a realização dos exames laboratoriais no final do estudo não permitiu avaliar o impacto do diagnóstico de infecção viral na frequência de prescrição de antibióticos.

Este trabalho, em conclusão, vem colaborar para o conhecimento da prevalência do VRSH em crianças internadas por IVAI e sugerir a necessidade de um diagnóstico preciso e sensível, que possibilite um tratamento mais adequado dessas infecções.

Artigo submetido em 25.09.09, aceito em 19.01.11.

Apoio financeiro: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP, processo 04/06883-2).

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

Como citar este artigo: Salomão Junior JB, Gardinassi LG, Simas PV, Bittar CO, Souza FP, Rahal P, et al. Human respiratory syncytial virus in children hospitalized for acute lower respiratory infection. J Pediatr (Rio J). 2011;87(3):219-224.

  • 1. Hilman BC. Clinical assessment of pulmonary disease in infants and children. In: Hilman BC (editor). Pediatric respiratory disease: diagnosis and treatment. Philadelphia: WB Saunders Company; 1993. p. 57-67.
  • 2. World Health Organization. Management of childhood illness. Geneva: WHO; 1995.
  • 3. Chidgey SM, Broadley KJ. Respiratory syncytial virus infections: characteristics and treatment. J Pharm Pharmacol. 2005;57:1371-1381.4.
  • 4. Brasil. Ministério da Saúde. Manual de normas para infecção respiratória aguda. Brasília: Sociedades Brasileiras de Pediatria e Pneumologia; 1991.
  • 5. Pan American Health Organization, World Health Organization. Respiratory infections in children. Washington: PAHO/WHO; 1999.
  • 6
    Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS; 2006. http://www.datasus.gov.br Acesso: 06 Jul 2007.
    » link
  • 7. Guthrie EW. Common pediatric respiratory illnesses. US Pharm. 2005;7:2-8.
  • 8. Weissembacher MC, Ávila MM. Os vírus como causa de IRA alta e baixa em crianças: características gerais e diagnóstico. In: Benguigui Y, Schmunis G, Yunes J (editores). Infecções respiratórias em crianças. Washington: Organização Pan-Americana da Saúde; 1998. p. 91-103
  • 9. Collins CL, Pollard AJ. Respiratory syncytial virus infections in children and adults. J Infect. 2002;45:10-7.
  • 10. Santos NS, Ramanos MT, Wigg MD. Introdução à virologia humana. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002.
  • 11. Bricks LF. Prevention of respiratory syncytial virus infections. Rev Hosp Clin Fac Med Sao Paulo. 2001;56:79-90.
  • 12. Yusuf S, Piedimonte G, Auais A, Demmler G, Krishnan S, Van Caeseele P, et al. The relationship of meteorological conditions to the epidemic activity of respiratory syncytial virus. Epidemiol Infect. 2007;135:1077-90.
  • 13. World Health Organization. Handbook: IMCI integrated management of childhood illness. Geneva: WHO; 2000.
  • 14. Simpson W, Hacking PM, Court SD, Gardner PS. The radiological findings in respiratory syncytial virus infection in children. Part II. The correlation of radiological categories with clinical and virological findings. Pediatr Radiol. 1974;2:155-60.
  • 15. Peret TC, Hall CB, Schnabel KC, Golub JA, Anderson LJ. Circulation patterns of genetically distinct group A and B strains of human respiratory syncytial virus in a community. J Gen Virol. 1998;79:2221-9.
  • 16. Peret TC, Hall CB, Hammond GW, Piedra PA, Storch GA, Sullender WM, et al. Circulation patterns of group A and B human respiratory syncytial virus genotypes in 5 communities in North America. J Infect Dis. 2000;181:1891-6.
  • 17. Zheng H, Peret TC, Randolph VB, Crowley JC, Anderson LJ. Strain-specific reverse transcriptase PCR assay: means to distinguish candidate vaccine from wild-type strains of respiratory syncytial virus. J Clin Microbiol 1996;34:334-7.
  • 18. Costa LF, Yokosawa J, Mantese OC, Oliveira TF, Silveira HL, Nepomuceno LL, et al. Respiratory viruses in children younger than five years old with acute respiratory disease from 2001 to 2004 in Uberlândia, MG, Brazil. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2006;101:301-6.
  • 19. Cintra OA, Owa MA, Machado AA, Cervi MC, Figueiredo LT, Rocha GM, et al. Occurrence and severity of infections caused by subgroup A and B respiratory syncytial virus in children in southeast Brazil. J Med Virol. 2001;65:408-12.
  • 20. Thomazelli LM, Vieira S, Leal AL, Souza TS, Oliveira DB, Golono MA, et al. Surveillance of eight respiratory viruses in clinical samples of pediatric patients in southeast Brazil. J Pediatr (Rio J). 2007;83:422-8.
  • 21. Jeng MJ, Lemen RJ. Respiratory syncytial virus bronchiolitis. Am Fam Physician. 1997;55:1139-46.
  • 22. Miyao CR, Gilio AE, Vieira S, Hein N, Pahl MM, Betta SL, et al. Infecções virais em crianças internadas por doença aguda do trato respiratório inferior. J Pediatr (Rio J). 1999;75:334-44.
  • 23. Sandora TJ, Harper MB. Pneumonia in hospitalized children. Pediatr Clin N Am. 2005;52:1059-81.
  • 24. Straliotto SM, Nestor SM, Siqueira MM. Respiratory syncytial virus groups A and B in Porto Alegre, Brazil, from 1990 to 1995 and 1998. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2001;96:155-8.
  • 25. Kabra SK, Broor S, Lodha R, Maitreyi RS, Ghosh M. Can we identify acute severe viral lower respiratory tract infection clinically? Indian Pediatr. 2004;41:245-9.
  • 26. Malhotra A, Krilov LR. Influenza and respiratory syncytial virus: update on infection, management, and prevention. Pediatr Clin North Am. 2000;47:353-72, vi-vii.
  • 27. Queiroz DA, Duringon EL, Botosso VF, Ejzemberg B, Vieira SE, Mineo JR, et al. Immune response to respiratory syncytial virus in young Brazilian children. Braz J Med Biol Res. 2002;35:1183-93.
  • 28. Spurling GK, Fonseka K, Doust J, Del Mar C. Antibiotics for brochiolitis in children. Cochrane Database Syst Rev. 2007;1:CD005189.
  • 29. D'Elia C, Siqueira MM, Portes SA, Sant'Anna CC. Infecções do trato respiratório inferior pelo vírus sincicial respiratório em crianças hospitalizadas menores de um ano de idade. Rev Soc Bras Med Trop. 2005;38:7-10.
  • 30. Collard Borsotti MV, Moreno LB, Bujedo E, Marqués I, Mosca L, Ferreira Soaje P, et al. Prescripción de antibióticos en lactantes hospitalizados con neumonía por virus sincicial respiratorio. Arch Argent Pediatr. 2008;106:515-7.
  • 31. Reis AD, Fink MC, Machado CM, Paz Jde P Jr, Oliveira RR, Tateno AF, et al. Comparison of direct immunofluorescence, conventional cell culture and polymerase chain reaction techniques for detecting respiratory syncytial virus in nasopharyngeal aspirates from infants. Rev Inst Med Trop Sao Paulo. 2008;50:37-40.
  • Correspondência:

    Dirce Maria Trevisan Zanetta
    Av. Dr. Arnaldo, 715
    CEP 01246-904 - São Paulo, SP
    Tel.: (11) 3061.7110, (11) 3061.7710
    Fax: (11) 3061.7926
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Recebido
      25 Set 2009
    • Aceito
      19 Jan 2011
    Sociedade Brasileira de Pediatria Av. Carlos Gomes, 328 cj. 304, 90480-000 Porto Alegre RS Brazil, Tel.: +55 51 3328-9520 - Porto Alegre - RS - Brazil
    E-mail: jped@jped.com.br