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Calorimetria indireta: uma técnica potencial, mas ainda não realizada para orientar o tratamento nutricional

EDITORIAIS

Calorimetria indireta: uma técnica potencial, mas ainda não realizada para orientar o tratamento nutricional

William W. Hay Jr.I; Patti J. ThureenII

IMD. Professor of Pediatrics and Neonatology. Director, Neonatal Clinical-Translational Research Center, Health Sciences Center, University of Colorado, Aurora and Denver, Colorado, USA

IIMD. Professor of Pediatrics and Neonatology, Department of Pediatrics, University of Colorado Health Sciences Center, Aurora and Denver, Colorado, USA

Entre os pesquisadores que estudam nutrição em recém-nascidos pré-termo pequenos para idade gestacional (PIG), existe a esperança de que, um dia, haverá um teste de beira de leito para medir a utilização de nutrientes, que seja simples, confiável e preciso, capaz de auxiliar na orientação do tratamento nutricional, assim como a gasometria e a oximetria de pulso auxiliam na orientação do uso de respiradores e oxigênio. Esta é, sem dúvida, uma esperança muito bem expressa no interessante artigo de Soares et al.1 ("Indirect calorimetry: a tool to adjust energy expenditure in very low birth weight infants") nesta edição do Jornal de Pediatria. Enquanto isso, existe a limitação de usar tabelas e gráficos de utilização de nutrientes que têm se baseado em sofisticadas (de forma alguma "à beira do leito") pesquisas de calorimetria direta e indireta em recém-nascidos. A maioria das diretrizes para alimentação de pré-termos baseia-se na nutrição exigida por bebês nascidos a termo e com crescimento normal que são alimentados com leite ou fórmula. Entretanto, essas diretrizes não são particularmente úteis na tentativa de lidar com o metabolismo e crescimento altamente variáveis de recém-nascidos pré-termo e PIG. Essa falha em definir a nutrição ótima em diferentes populações de neonatos contribui significativamente para nossa incapacidade de atingir taxas de crescimento normais nesses bebês. De fato, a maioria dos centros ainda relatam que quase 100% de recém-nascidos pré-termo apresentam restrições de crescimento e são PIG ao término da gestação.

Dados de modelos animais forneceram estimativas da nutrição necessária para o feto humano in utero para atingir taxas de crescimento ótimas. Tais estimativas são realistas somente quando consideramos que o crescimento fetal intra-utero normal foi considerado a meta para crescimento de recém-nascidos pré-termo. A partir desses estudos em modelos animais fetais, agora sabemos que o crescimento do feto exige relativamente poucas quantidades de proteína para crescimento de massa corporal magra e quantidades semelhantes de carboidratos e lipídeos para crescimento da massa gorda. As necessidades de produção energética também são bem altas, uma vez que a energia, além de realizar a manutenção de gradientes eletroquímicos nas membranas celulares por todo o corpo, também é necessária para as altíssimas taxas de síntese de proteínas e carboidratos complexos, lipídeos e gordura que são características do crescimento fetal durante a gestação. Os requisitos nutricionais para todos esses processos metabólicos são maiores no fim do segundo trimestre e início até metade do terceiro trimestre, quando a taxa de crescimento fracionário do feto é muito mais alta. A única exceção é que as necessidades calóricas para deposição energética em tecido adiposo aumentam significativamente durante o terceiro trimestre de gestação.

Não é surpreendente, portanto, que as necessidades energéticas e de proteína para recém-nascidos pré-termo sejam cada vez maiores à medida que o bebê nasce mais pré-termo. Necessidades de aminoácidos são de aproximadamente 4 g/kg/dia com 24-28 semanas de gestação, mas somente de aproximadamente 2 g/kg/dia a termo. De maneira semelhante, as taxas de utilização de glicose são cerca de duas vezes maiores na 24ª semana de gestação (6-8 mg/kg/min) do que a termo (3-4 mg/kg/min). Essas necessidades de nutrientes se equiparam às maiores taxas fracionárias na gestação precoce versus tardia. Juntos, esses fatores vêm sendo usados por clínicos para estimar e fornecer quantidades maiores de nutrientes para recém-nascidos pré-termo fortificando leite humano e usando "fórmulas para pré-termo" relativamente concentradas. Estudos como o de Kashyap et al. documentaram contribuições de consumo energético e de proteínas para ganho de peso, porém outros estudos enfatizaram que, acima das necessidades energéticas de 40-50 kcal/kg/dia para manutenção do metabolismo, o aumento de ganho de peso de massa corporal magra (músculos e ossos) é primariamente regulado pelo consumo de proteínas, ao passo que quaisquer aumentos posteriores de consumo energético primariamente contribuem com o crescimento aumentado de tecido adiposo e conteúdo de gordura corporal2,3.

Assim, foram desenvolvidas duas abordagens para estudar recém-nascidos pré-termo para determinar suas necessidades de nutrientes4. A primeira é a medição do gasto energético (GE) para determinar necessidades de nutrientes (como carboidratos e lipídeos), e a segunda é a medição da composição corporal para determinar o crescimento relativo de massa corporal magra e massa de gordura. Por muitos anos, o método preferencial para avaliação de massa magra e gora tem sido a medição com adipômetro da espessura do tecido cutâneo e subcutâneo (espessura da dobra cutânea tricipital, por exemplo). Mais recentemente, a absorciometria com raio X de dupla energia (DEXA) vem sendo utilizada para essas medições. Outras técnicas, como ultra-sonografia e ressonância magnética, também estão se mostrando promissoras.

As medições de GE mostraram consistência significativa quando realizadas com precisão, com valores de 40-50 kcal/kg/dia em recém-nascidos pré-termo e a termo medidos com freqüência relativamente comum, consistentes com o valor de cerca de 50 kcal/kg/dia estimado para o feto humano in utero no terceiro trimestre5. Os valores de GE são maiores por kg de peso corporal em bebês muito pré-termo quando alimentados suficientemente e em bebês PIG, conforme demonstrado no artigo de Soares et al.1 nesta edição do Jornal de Pediatria. Isso acontece primariamente devido à sua necessidade de maior produção energética para atender às taxas aumentadas de perdas de calor radiante e evaporativo (em sua maior parte), bem como condutivo (um pouco menos), por causa de sua razão maior entre superfície e massa corporal. Portanto, é razoável concluir que os clínicos poderiam utilizar medições de GE para orientar o tratamento nutricional. Certamente isso é possível, mas tomando alguns cuidados importantes6.

Primeiro, o GE varia consideravelmente dependendo da temperatura ambiente. A menos que os bebês sejam estudados sob condições térmicas neutras, é difícil, se não impossível, saber se o GE medido representa somente a manutenção do metabolismo, ou se é isso mais a quantidade variável de energia produzida por termogênese sem tremores para manter a temperatura corporal. Infelizmente, não existem maneiras simples e confiáveis para determinar um bebê em particular se encontra em um ambiente térmico neutro, no qual o consumo de oxigênio e a produção de energia para manter a temperatura corporal sejam mínimos. Devem-se utilizar gráficos representando pesquisas anteriores, mas esta não é uma abordagem satisfatória para aqueles inclinados a medir GE diretamente e "à beira do leito" para orientar o tratamento nutricional.

Segundo, o GE aumenta proporcionalmente ao consumo energético, pelo menos na faixa de taxas baixas a suficientes de consumo energético7,8. Desta forma, se os recém-nascidos pré-termo não recebem nenhum alimento ou se são alimentados em excesso, suas taxas metabólicas reduzem à medida que as taxas de proteína (primariamente) e a síntese de lipídeos/carboidratos complexos (um pouco menos) diminuem. Alguns pesquisadores interpretaram equivocadamente essas medições mais baixas de GE em recém-nascidos pré-termo que são subalimentados como evidência de que estes não precisam de mais alimentos, quando a realidade era exatamente o oposto. Portanto, deve-se garantir que as medições de GE sejam realizadas quando o bebê estiver recebendo quantidades normais de alimento e, se não estiver, que o consumo insuficiente de alimento seja observado, para que os ajustes em consumo energético sejam adequados para o tamanho e idade do bebê, e não apenas o resultado de quanto alimento o bebê está recebendo.

Terceiro, e de uma perspectiva semelhante, bebês superalimentados poderiam ter taxas aumentadas de GE em razão da síntese excessiva de gordura de carboidratos, especialmente glicose. A produção de gordura a partir da glicose em excesso é um processo que consome muita energia. Também produz CO2 em excesso e um valor de quociente respiratório mais baixo e, com calorimetria indireta, poderia levar à conclusão errônea de que a gordura está sendo oxidada preferencialmente em carboidrato. A interpretação equivocada dessas condições poderia levar até mesmo à administração posterior de carboidratos em excesso, somente piorando ainda mais as anormalidades metabólicas. Neste sentido, é interessante e importante notar que muitos estão atualmente prestando mais atenção às altas taxas de proteína necessárias para bebês muito pré-termo, que então são reduzidas à medida que o bebê fica mais próximo ao termo, quando as necessidades de proteínas para a taxa de crescimento mais lento de bebês a termo são menores. No entanto, esta prática não tem sido muito aplicada à nutrição energética. Ainda se aplica a manutenção de necessidades energéticas muito altas de bebês de muito pré-termo, mesmo que o bebê nasça mais próximo ao termo ou se aproxime do termo enquanto estiver na unidade de terapia intensiva neonatal. Como resultado, tais bebês ficam hiperglicêmicos com muita facilidade e também acabam chegando a termo muito mais gordos do que seriam se tivessem permanecido no útero.

Quarto, o fornecimento de energia acima das necessidades para taxas normais de GE não produz mais crescimento de massa corporal magra, que é dependente do consumo de proteínas e apresenta um limite acima do qual o crescimento não aumenta, e sim o conteúdo da gordura corporal. Portanto, não é surpreendente que o padrão mais comum de crescimento em bebês pré-termo que receberam menos proteínas e mais energia do que precisavam seja a restrição de crescimento de comprimento corporal e massa corporal magra, além do crescimento em excesso de tecido adiposo.

Quinto, conforme discutido anteriormente em outras pesquisas e editoriais, a medida de GE através de calorimetria indireta não é facilmente realizada em bebês pré-termo9. Medições precisas de consumo de oxigênio e produção de CO2 exigem um conjunto consistente e cuidadoso de equipamentos, fluxos estáveis de oxigênio e/ou ar ao bebê (observar que unidades de oxigênio na maioria dos hospitais não fornecem valores constantes de concentração de oxigênio necessários para tais medições), métodos para prevenir vazamento de ar em torno da face ou do tubo endotraqueal, medições altamente precisas de concentração de oxigênio no ar que o bebê respira e de CO2 no ar que o bebê expira, bem como o próprio fluxo de ar10. Também há grandes diferenças de resultado entre diferentes tipos de calorímetros indiretos para pesquisa, além de grandes variações de resultado em calorímetros disponíveis comercialmente. Cada um deles precisa ser calibrado de forma independente e antes de realizar as medições em qualquer bebê ou grupo de bebês, como a medição de consumo de oxigênio e produção de CO2 de uma chama flamejante de álcool11.

Finalmente, a interpretação adequada de medições de GE exige uma ampla perspectiva sobre as adaptações que o bebê realizou para consumos nutricionais prévios, bem como o que pode acontecer quando diferentes consumos energéticos são fornecidos por longos períodos. Por exemplo, a medição de taxas mais altas de GE em bebês PIG que tiveram restrição de crescimento intra-uterino em função de insuficiência placentária não significa que eles devem ser simplesmente "engordados" com maiores consumos energéticos. Evidências recentes de estudos em animais e humanos indicam que bebês com crescimento intra-uterino restrito (CIUR) apresentam maior propensão à captação de glicose celular e ácidos graxos e produção de reservas de gordura. Como resultado, a superalimentação desses nutrientes pode levar ao crescimento excessivamente rápido de gordura corporal durante as etapas iniciais da vida, o que claramente pode levar ao aumento do desenvolvimento de obesidade, resistência à insulina e diabetes melito tipo 2 ("síndrome metabólica") posteriormente12.

Ao passo que não devemos manter esses bebês desnutridos, o desenvolvimento de estratégias nutricionais e tratamento para manter seu crescimento mais magro, ao invés de mais gordo, tem o potencial de fornecer um padrão de crescimento melhor. Neste sentido, a medição de GE através de calorimetria indireta em bebês PIG ou com CIUR pode ser muito útil para determinar sua resposta de GE a maiores ou menores consumos energéticos e em relação a como esses consumos energéticos promovem o crescimento de massa corporal magra. Portanto, está claro que mais estudos de GE, como aquele relatado no artigo de Soares et al.1 nesta edição do Jornal de Pediatria, são de grande auxílio para determinar as necessidades energéticas de determinado bebê, além da resposta desse bebê a diferentes consumos energéticos. Esses estudos também devem ser realizados longitudinalmente, uma vez que os bebês apresentam diferentes necessidades nutricionais e taxas de metabolismo de nutrientes logo após o nascimento, alguns dias depois e semanas mais tarde8. Quando associadas a medições de alterações em componentes de massa corporal magra e gora, tais medições deveriam oferecer uma avaliação mais robusta e precisa do tipo, composição e quantidade de nutrientes para recém-nascidos de todas as idades, formatos e tamanhos, na esperança de, com isso, garantir uma vida mais longa e saudável.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste editorial.

  • 1. Soares FV, Moreira ME, Abranches AD, Ramos JR, Gomes SC Jr. Indirect calorimetry: a tool to adjust energy expenditure in very low birth weight infants. J Pediatr (Rio J). 2007;83:567-570.
  • 2. Kashyap S, Schulze KF, Ramakrishnan R, Dell RB, Heird WC. Evaluation of a mathematical model for predicting the relationship between protein and energy intakes of low-birth-weight infants and the rate and composition of weight gain. Pediatr Res. 1994;35:704-12.
  • 3. Kashyap S, Schulze KF. Energy requirements and protein-energy metabolism and balance in preterm and term infants. In: Thureen PJ, Hay WW, editors. Neonatal nutrition and metabolism. Cambridge: Cambridge; 2006. p. 134-46.
  • 4. Putet G, Senterre J, Rigo J, Salle B. Nutrient balance, energy utilization, and composition of weight gain in very-low-birth-weight infants fed pooled human milk or a preterm formula. J Pediatr. 1984;105:79-85.
  • 5. Kalhan SC, Denne SC. Energy consumption in infants with bronchopulmonary dysplasia. J Pediatr. 1990;116:662-4.
  • 6. Thureen PJ. Measuring energy expenditure in preterm and unstable infants. J Pediatr. 2003;142: 366-7.
  • 7. DeMarie MP, Hoffenberg A, Biggerstaff SL, Jeffers BW, Hay WW Jr., Thureen PJ. Determinants of energy expenditure in ventilated preterm infants. J Perinat Med. 1999;27:465-72.
  • 8. Bauer K, Laurenz M, Ketteler J, Versmold H. Longitudinal study of energy expenditure in preterm neonates <30 weeks gestation during the first three postnatal weeks. J Pediatr. 2003;142:390-6.
  • 9. Thureen PJ, Phillips RE, DeMarie MP, Hoffenberg AH, Bronstein MN, Spedale SB, et al. Technical and methodological considerations for performance of indirect calorimetry in sick and recovering preterm infants. Crit Care Med. 1997;25:171-9.
  • 10. Ultman JS, Bursztein S. Analysis of error in the determination of respiratory gas exchange at varying FIO2. J Appl Physiol. 1981;50:210-6.
  • 11. Bauer K, Ketteler J, Laurenz M, Versmold H. In vitro validation and clinical testing of an indirect calorimetry system for ventilated preterm infants that is unaffected by endotracheal tube leaks and can be used during continuous positive airway pressure. Pediatr Res. 2001;49:394-401.
  • 12. Stettler N, Stallings VA, Troxel AB, Zhao J, Schinnar R, Nelson SE, et al. Weight gain in the first week of life and overweight in adulthood: a cohort study of European American subjects fed infant formula. Circulation. 2005;111:1897-903.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jan 2008
  • Data do Fascículo
    Dez 2007
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