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Espaçadores: deposição pulmonar, eficácia e efetividade clínicas

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CARTAS AO EDITOR

Espaçadores: deposição pulmonar, eficácia e efetividade clínicas

Senhor Editor,

Foi com grande interesse que analisamos o artigo de Rocha Filho et al.1, e sobre ele gostaríamos de tecer os seguintes comentários e indagações:

1) Nos espaçadores de grande volume, as partículas respiráveis permanecem por maior tempo em suspensão antes de serem inaladas ou decantarem no dispositivo; sendo assim, para um melhor aproveitamento da droga, é recomendável que o período de inalação seja necessariamente superior àquele dos seus congêneres de pequeno volume, em geral 30 segundos, e não 10 segundos, como mencionado no artigo.

2) Como pré-escolares de 3 anos têm uma dinâmica respiratória distinta de escolares de 7 anos, parece-nos mais adequado fazer análises de deposição igualmente distintas, por faixa etária, e não incluí-los na mesma análise; qual teria sido a média de idade desses dois grupos?

3) Já que se trata de um teste de hipóteses, deixa-se de incluir, nas referências que se faz ao tamanho amostral, o tipo e a quantidade da diferença que se quer testar; teriam sido diferenças entre médias ou proporções de deposição pulmonar? Que valores foram tomados? Em se tratando de diferença entre médias, qual foi o valor da variância pooled que fundamentou o cálculo amostral?

4) Na falta dessas premissas — indispensáveis para a análise do poder do estudo —, servimo-nos da fórmula matemática aplicável às diferenças entre médias e chegamos à aproximação do tamanho amostral necessário para se assegurar o power de 80% explicitado na metodologia; assim, para se detectar diferenças entre médias de deposição entre Inalair® e Flumax®, seriam necessários, idealmente, cerca de 20 crianças e em torno de 34 adultos2. Sendo assim, cabe-se indagar: qual o verdadeiro poder do estudo?

5) É recomendável que o valor de p venha acompanhado dos limites superior e inferior do intervalo de confiança a 95%, permitindo, assim, a real compreensão da significância estatística e sua conseqüente interpretação do ponto de vista clínico; quais teriam sido esses valores? Como a análise da Figura 2 sugere superposição das variações de deposição pulmonar entre os espaçadores testados, esses resultados mereceriam maior aprofundamento na discussão? Qual seria a validade interna e externa da investigação? Os resultados obtidos permitem afirmar que "nosso estudo demonstra claramente que os espaçadores de pequeno volume são superiores aos de grande volume"?

6) Ademais, no ensaio clínico randomizado incluído nas referências bibliográficas3, o espaçador de grande volume testado foi uma garrafa de água mineral de 500 ml, que se mostrou tão eficaz quanto o nebulizador no tratamento da asma aguda, mesmo que 95,8% dos pacientes estudados tenham sido pré-escolares e escolares; espaçadores de grande volume são sempre menos eficazes nessas faixas etárias?

7) Como a imprecisão é indissociável de qualquer técnica semiquantitativa, a deposição de tecnécio fitato per se corresponderia à proporção efetivamente inalada de broncodilatadores e/ou corticóides cujas moléculas foram ou não marcadas com isótopos radioativos? Quais seriam as reais limitações dos estudos de deposição semiquantitativos realizados in vivo? Deveriam esses aspectos ser aprofundados na discussão?

8) Entendemos, ademais, que a noção de carga eletrostática dos espaçadores plásticos mereceria também maior detalhamento: diferentes tipos de plástico reúnem a mesma carga eletrostática? Flumax®, fabricado com PVC, comportar-se-ia da mesma forma que Aerochamber® e espaçadores feitos com policarbonato? Há métodos consagrados na literatura para reduzir essa carga eletrostática? Qual o papel dos detergentes caseiros nesse caso? As diferenças de deposição entre espaçadores de metal e plástico reduzem ou aumentam quando estes últimos são enxaguados com aqueles produtos? Seria metodologicamente recomendável enxaguar os espaçadores de plástico testados antes de se analisar a deposição pulmonar?

9) Já que nosso estudo foi citado (referência número 10), vale também acrescentar que, como parte inseparável do estudo de deposição semiquantitativo que fizemos com o Flumax®, incluímos a avaliação clínica e, nela, obtivemos resultados favoráveis mesmo que a idade média das crianças estudadas tenha sido de 5,5 anos; como explicar essa resposta já que espaçadores de grande volume devem ser reservados a adolescentes e adultos? Esse achado deveria ou não ser incluído na discussão do artigo ora comentado?

10) O que interessa aos clínicos é aquilo que se passa na vida real, e isso pode ser analisado em estudos de efetividade; em dois diferentes estudos que avaliaram o programa de asma de Belo Horizonte, no qual as crianças usaram exclusivamente o espaçador de grande volume da marca Flumax®, foram avaliadas 2.1414 e cerca de 7005 crianças, das quais 75% eram menores de 5 anos de idade, obtendo-se, respectivamente, uma redução de 75,8 e 89% na taxa de hospitalização e de 85 e 91% nas visitas a serviços de pronto-atendimento; como, então, explicar esses resultados numa população constituída basicamente por pré-escolares?

11) Finalmente, de acordo com Anderson6, "there is no 'best' outcome or 'gold standard' in the assessment of inhaled drug delivery... We need more trials comparing in vitro with in vivo outcomes...; in the final analysis, however, there is no substitute for clinical trials in patients". Caberia aprofundar a discussão desses aspectos no artigo?

Paulo A. M. Camargos

Professor titular, Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG

José Augusto Rubim de Moura

Professor assistente, Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG

Referências

1. Rocha Filho W, Noronha VX, Senna SN, Simal CJ, Mendonça WB. Avaliação da influência da idade e do volume do espaçador na deposição pulmonar de aerossóis. J Pediatr (Rio J). 2004;80:387-90.

2. Hulley SB, Cummings SR, Browner WS, Grady D, Hearst N, Newman TB. Designing clinical research: an epidemiological approach. 2nd ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2001.

3. Duarte M, Camargos P. Efficacy and safety of a home-made non-valved spacer for bronchodilator therapy in acute asthma. Acta Paediatr. 2002;91:909-13.

4. Fischer GB, Camargos PA. Paediatric asthma management in developing countries. Paediatr Respir Rev. 2002;3:285-91.

5. Fontes MJ. Síndrome sibilante e asma brônquica: proposta de tratamento em crianças e adolescentes através da parceria SUS/UFMG [tese]. Belo Horizonte, MG: Universidade Federal de Minas Gerais; 2002.

6. Anderson PJ. Assessment end points for inhaled drug delivery. Respir Care. 2000;45:737-55.

Resposta do autor

Prezado Editor,

Agradecemos o interesse dos Profs. Camargos e Rubim pelo nosso estudo1 e a gentileza de apresentar suas opiniões. Gostaríamos de lembrar que nosso estudo teve como objetivo avaliar a deposição pulmonar de aerossol marcado com isótopos radioativos. Portanto, os dados apresentados não permitem tirar qualquer conclusão em relação à eficiência clínica dos espaçadores estudados. Concordamos com a afirmação de que a deposição pulmonar varia de acordo com a medicação utilizada. No entanto, não encontramos respaldo na literatura para a afirmação de que as partículas respiráveis permanecem por maior tempo em suspensão em espaçadores de grande volume, sendo recomendável um maior período de inalação. Por que 30 segundos e não 20, 25 ou 15 segundos?

É nossa opinião que os principais fatores relacionados com a deposição pulmonar de um determinado aerossol são o tamanho das partículas geradas, mais especificamente o diâmetro médio de massa dessas partículas, e o fluxo inspiratório. Quando se utilizam espaçadores, além das variáveis acima, a carga eletrostática e o volume corrente do paciente (10 a 15 ml/kg) passam a ser de fundamental importância. Portanto, uma criança de 15 kg terá um volume corrente em torno de 120 a 150 ml. Bastariam duas incursões respiratórias no espaçador de pequeno volume e cinco incursões no espaçador de grande volume para que todo o conteúdo do espaçador fosse inalado. De fato, um dos co-autores do nosso estudo (Simal CJR) verificou que, independentemente da idade, a quase totalidade do aerossol com isótopos radioativos era inalada nas duas primeiras incursões respiratórias (comunicação pessoal). Trata-se do mesmo co-autor do estudo de Rubim et al.2, utilizando técnica idêntica de avaliação da deposição pulmonar. Portanto, não acreditamos que 30 segundos de inalação nos espaçadores de grande volume traria algum benefício adicional.

A carga eletrostática também influencia de forma considerável a deposição pulmonar. Concordamos que a carga eletrostática pode variar de acordo com o material utilizado. É provável que um espaçador de PVC, como o Flumax®, tenha uma carga eletrostática diferente de espaçadores de policarbonato, como o Aerochamber®. Além disso, a carga eletrostática sofre influência do clima e do volume do espaçador, estando inversamente relacionada à umidade do ar e ao tamanho do espaçador. Portanto, em clima mais seco e em espaçadores de pequeno volume, o efeito da carga eletrostática é maior, diminuindo o número de partículas respiráveis. De qualquer forma, seja qual for a matéria-prima do espaçador, a carga eletrostática será sempre menor no espaçador de alumínio, pois este não possui carga eletrostática. Essa importante diferença pode ser abolida se os espaçadores forem enxaguados com detergente neutro, fato que eliminaria a carga eletrostática dos espaçadores de PVC ou policarbonato. Nosso estudo tinha como objetivo avaliar a influência dessa carga eletrostática nos diferentes espaçadores, e não faria sentido eliminá-la com o uso de detergente. Acreditamos também que os espaçadores de alumínio sejam muito mais práticos de serem utilizados em serviços de pronto-atendimento, pois dispensam a lavagem com detergente neutro após a utilização pelo paciente.

O cálculo do poder da amostra baseou-se no fato de que os três grupos de comparação tinham tamanhos iguais a 9, considerando, ainda, um nível de significância igual a 0,05, um desvio padrão comum igual a 8,7 e uma variância das médias igual a 68,756. Esses dados são necessários para o cálculo do poder quando temos três ou mais grupos de comparação. Achamos, ainda, que o comentário referente ao valor p não procede, uma vez que não foram feitos cálculos de intervalos de confiança. A Figura 2 mostra gráficos boxplot para a deposição pulmonar nos três espaçadores de acordo com a idade, e não intervalos de confiança. Realmente, a questão não é se a diferença entre os três grupos é significativa. Uma diferença pequena pode ser estatisticamente significativa e não ter relevância clínica. O que realmente importa é o tamanho da diferença.

É importante salientar que os espaçadores de grande volume vêm sendo cada vez menos utilizados em nível mundial, e até mesmo no Brasil. Enquanto dispomos de inúmeros espaçadores de pequeno volume, o Flumax®é o único espaçador de grande volume disponível no mercado brasileiro. Os espaçadores de grande volume são bojudos, incômodos para transportar e guardar, considerados por muitos de montagem difícil, além de possuírem carga eletrostática. Soma-se a isso o fato de que, em nenhum momento, documentou-se que espaçadores de grande volume são superiores aos de pequeno volume. Nosso estudo está de acordo com inúmeros outros da literatura que indicam a superioridade de espaçadores de pequeno volume, os quais, ao contrário dos seus congêneres, podem ser utilizados em qualquer idade. No último Congresso Brasileiro de Pneumologia Pediátrica, realizado no Rio de Janeiro em abril de 2004, o Dr. Hawm Tildden, analisando a deposição pulmonar com técnica mais elaborada do que aquela por nós utilizada, confirmou a baixa deposição pulmonar quando testou o Flumax® em seu laboratório na Holanda (comunicação pessoal).

Por fim, estamos de pleno acordo com os Profs. Camargos e Rubim no sentido de que muitas das afirmações feitas por nós e por eles precisam ser respaldadas por trabalhos clínicos bem feitos. A experiência clínica de Belo Horizonte no tratamento da criança asmática em nível de saúde pública é um exemplo de como esses pacientes podem ser beneficiados através de um projeto bem feito e colocado em prática com competência. Apesar da redução importante na taxa de internação por asma, questionamos se a utilização de espaçadores de pequeno volume traria um benefício ainda maior. Essa preocupação parece estar presente na equipe que coordena o projeto, tendo em vista que espaçadores de pequeno volume já estão disponíveis na rede pública de Belo Horizonte. Da mesma forma, o estudo de Rubim et al. não se propôs a comparar a eficácia clínica de diferentes espaçadores. Em nenhum momento inferimos que espaçadores de grande volume são ineficazes, mas sim que os espaçadores de pequeno volume são superiores aos de grande volume no que diz respeito à deposição pulmonar. Mas hipóteses são cantigas de ninar com as quais os mestres embalam seus pupilos. Sem o apoio de estudos clínicos bem elaborados, elas não passam de ficção. Para isso, está em andamento, em nosso serviço, um estudo duplo-cego comparativo, onde avaliaremos cerca de 200 pacientes utilizando diferentes espaçadores. Esperamos, com isso, responder algumas das dúvidas aqui levantadas, pois uma meia verdade pode ser uma mentira inteira. A impressão clínica e a experiência pessoal certamente são válidas para se formar uma hipótese, mas não são substitutas de dados objetivos obtidos através de estudos clínicos bem elaborados. A hipótese é passível de teste, mas até ser testada não deve ser encarada como fato.

Wilson Rocha Filho

Coordenador do Serviço de Alergia e Pneumologia Pediátrica, Hospital Felício Rocho e Centro Geral de Pediatria, Belo Horizonte, MG

Referências

1. Rocha Filho W. Noronha VX, Senna SN, Simal CJ, Mendonça WB. Avaliação da idade e do volume do espaçador na deposição pulmonar de aerossóis. J Pediatr (Rio J). 2004;80:387-90.

2. Rubim JA, Simal CJ, Lasmar LM, Camargos PA. Deposição pulmonar de radioaerossol e desempenho clínico verificado com espaçador desenvolvido no Brasil. J Pediatr (Rio J). 2000;76:434-42.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jun 2005
  • Data do Fascículo
    Fev 2005
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