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Neurocomportamento de recém-nascidos a termo, pequenos para a idade gestacional, filhos de mães adolescentes

Resumos

OBJETIVO: Comparar o neurocomportamento de recém-nascidos a termo pequenos (PIG) e adequados (AIG) para a idade gestacional, filhos de mães adolescentes. MÉTODOS: Estudo transversal prospectivo de nascidos a termo AIG e PIG, com 24-72 horas de vida, sem afecções do sistema nervoso central. Os neonatos foram avaliados por meio da Neonatal Intensive Care Unit Network Neurobehavioral Scale (NNNS) para: habituação, atenção, despertar, controle, manobras para a orientação, qualidade dos movimentos, excitabilidade, letargia, reflexos não ótimos, assimetria, hipertonia, hipotonia e sinais de estresse e abstinência. A comparação dos grupos AIG e PIG foi feita por análise de variância e teste do qui-quadrado. Aplicou-se a regressão multivariada para analisar os fatores associados ao escore de cada variável do NNNS. RESULTADOS: Dos 3.685 nascidos no local do estudo, 928 (25%) eram de mães adolescentes. Desses, 477 satisfizeram os critérios de inclusão, sendo 419 (88%) AIG e 58 (12%) PIG. A análise univariada não mostrou diferença em nenhuma das variáveis da NNNS entre os PIG e os AIG. Na análise multivariada, os PIG nascidos de parto vaginal apresentaram menor escore na variável qualidade de movimentos do que os nascidos por cesárea. Os PIG nascidos com anestesia local ou sem anestesia apresentaram maior escore na variável excitabilidade do que os nascidos sob anestesia loco-regional. Os PIG femininos tiveram menor escore na variável sinais de estresse/abstinência que os masculinos. CONCLUSÃO: Os recém-nascidos PIG de mães adolescentes mostraram menor qualidade de movimento, mais excitabilidade e mais sinais de estresse, em associação com o sexo do neonato e com variáveis relacionadas ao parto.

Comportamento; gravidez na adolescência; recém-nascido


OBJECTIVE: To compare the neurobehavior of small (SGA) and adequate (AGA) for gestational age full-term neonates born to adolescent mothers. METHODS: This prospective cross-sectional study included full-term newborn infants aged 24-72 hours, free from central nervous system malformations and born to adolescent mothers at a single center in Brazil. Infants were assessed with the Neonatal Intensive Care Unit Network Neurobehavioral Scale (NNNS) for: habituation, attention, arousal, regulation, handling, quality of movement, excitability, lethargy, nonoptimal reflexes, asymmetry, hypertonia, hypotonia, and stress/abstinence signals. The chi-square test and analysis of variance were used to compare SGA and AGA infants. Multivariate regression was used to analyze factors associated with the score of each NNNS variable. RESULTS: Of 3,685 infants born in the study hospital, 928 (25%) had adolescent mothers. Of these, 477 infants met the inclusion criteria: 419 (88%) were AGA and 58 (12%) were SGA. Univariate analysis did not show any differences between AGA and SGA neonates in terms of NNNS variables. Multivariate analysis showed that SGA neonates born by vaginal delivery had lower scores for quality of movements than those born by caesarean section. The SGA neonates born with local or without anesthesia had higher scores for excitability than those born with spinal anesthesia. Additionally, female SGA neonates had lower scores for stress/abstinence signals than males. CONCLUSION: SGA neonates born to adolescent mothers showed poorer quality of movements, more excitability and more signals of stress in association with sex of infant and variables related to delivery.

Behavior; pregnancy in adolescence; infant, newborn


ARTIGO ORIGINAL

Neurocomportamento de recém-nascidos a termo, pequenos para a idade gestacional, filhos de mães adolescentes

Marina C. de Moraes BarrosI; Ruth GuinsburgII; Sandro S. MitsuhiroIII; Elisa ChalemIV; Ronaldo R. LaranjeiraV

IDoutora, Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM), São Paulo, SP

II Professora titular, Departamento de Pediatria, UNIFESP-EPM, São Paulo, SP

IIIDoutor, UNIFESP-EPM, São Paulo, SP

IVPsicóloga pesquisadora, Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas, UNIFESP-EPM, São Paulo, SP

VProfessor livre-docente, Departamento de Psiquiatria, UNIFESP-EPM, São Paulo, SP. Chefe, Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas, UNIFESP-EPM, São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Ruth Guinsburg Rua Vicente Felix, 77/09 CEP 01410-020 - São Paulo, SP Tel.: (11) 5579.4982 Fax: (11) 5579.4982 Email: ruthgbr@netpoint.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Comparar o neurocomportamento de recém-nascidos a termo pequenos (PIG) e adequados (AIG) para a idade gestacional, filhos de mães adolescentes.

MÉTODOS: Estudo transversal prospectivo de nascidos a termo AIG e PIG, com 24-72 horas de vida, sem afecções do sistema nervoso central. Os neonatos foram avaliados por meio da Neonatal Intensive Care Unit Network Neurobehavioral Scale (NNNS) para: habituação, atenção, despertar, controle, manobras para a orientação, qualidade dos movimentos, excitabilidade, letargia, reflexos não ótimos, assimetria, hipertonia, hipotonia e sinais de estresse e abstinência. A comparação dos grupos AIG e PIG foi feita por análise de variância e teste do qui-quadrado. Aplicou-se a regressão multivariada para analisar os fatores associados ao escore de cada variável do NNNS.

RESULTADOS: Dos 3.685 nascidos no local do estudo, 928 (25%) eram de mães adolescentes. Desses, 477 satisfizeram os critérios de inclusão, sendo 419 (88%) AIG e 58 (12%) PIG. A análise univariada não mostrou diferença em nenhuma das variáveis da NNNS entre os PIG e os AIG. Na análise multivariada, os PIG nascidos de parto vaginal apresentaram menor escore na variável qualidade de movimentos do que os nascidos por cesárea. Os PIG nascidos com anestesia local ou sem anestesia apresentaram maior escore na variável excitabilidade do que os nascidos sob anestesia loco-regional. Os PIG femininos tiveram menor escore na variável sinais de estresse/abstinência que os masculinos.

CONCLUSÃO: Os recém-nascidos PIG de mães adolescentes mostraram menor qualidade de movimento, mais excitabilidade e mais sinais de estresse, em associação com o sexo do neonato e com variáveis relacionadas ao parto.

Palavras-chave: Comportamento, gravidez na adolescência, recém-nascido.

Introdução

O recém-nascido pequeno para a idade gestacional (PIG) resulta da restrição de crescimento intra-uterino, que pode ser desencadeada por uma série de fatores inerentes à saúde da mãe e do feto, além daqueles relacionados à situação socioeconômica da família. A gravidez na adolescência, a ausência de parceiro fixo, a baixa escolaridade, a realização inadequada de pré-natal, o uso de drogas lícitas e ilícitas, a exposição a doenças sexualmente transmissíveis, à violência e a distúrbios psicopatológicos podem, de maneira conjunta ou isolada, levar ao crescimento inadequado do feto1,2. No que se refere à gestação na adolescência, esta se acompanha com certa freqüência de exposição à violência e à presença de desordens mentais, sendo a violência durante a gravidez adolescente associada ao nascimento de PIG, ao passo que as doenças mentais se associam à prematuridade3. Por outro lado, a gravidez na adolescência não representa fator de risco para baixo peso ao nascer quando a influência de fatores clínicos, gestacionais e psicossociais desfavoráveis é afastada4.

Sabe-se que a desnutrição intra-uterina influencia a maturação anatômica e funcional do sistema nervoso central. A insuficiência placentária crônica, que resulta em restrição do crescimento fetal, leva a déficits de conexão neural e mielinização e altera a funcionalidade dos sistemas auditivo e visual no período pós-natal5. No recém-nascido a termo PIG, estudos volumétricos por ressonância magnética indicam redução da substância cinzenta, sendo o hipocampo especialmente vulnerável aos efeitos da insuficiência placentária6. Além disso, em fetos com restrição grave do crescimento intra-uterino, há comprometimento do crescimento cortical, com diminuição do número de células no córtex cerebral7. Tais modificações do crescimento e desenvolvimento do sistema nervoso central podem desencadear alterações neurocomportamentais perceptíveis já nos primeiros dias de vida8.

A descrição clássica do recém-nascido PIG inclui maior habilidade motora, resposta exacerbada à pesquisa dos reflexos, permanência prolongada em estado de alerta e mais apetite do que neonatos de mesmo peso, porém menor idade gestacional9. No entanto, estudos de aspectos específicos do desempenho neurológico de recém-nascidos PIG, como a pesquisa de avaliação do tônus muscular por método objetivo, indicam a presença de tônus muscular diminuído10. De maneira paralela, a avaliação neurocomportamental global de nascidos a termo com restrição de crescimento intra-uterino, comparando-os a neonatos adequados para a idade gestacional (AIG), mostra pior desempenho nos itens relativos à orientação aos estímulos, às respostas motoras e aos reflexos, além de menor tônus muscular nos primeiros dias de vida. Os PIG permanecem menos em estado de alerta e necessitam de maior número de manobras para o consolo, com dificuldade para o auto-consolo11-14. Porém, essas alterações não são notadas de maneira uniforme, e alguns autores observam maior capacidade de orientação aos estímulos externos em recém-nascidos PIG15,16.

O neurocomportamento, em recém-nascidos PIG, além de pouco estudado, não conta com homogeneidade em relação à definição de "pequeno para a idade gestacional" nem quanto ao método de avaliação neurocomportamental. Neste contexto, o presente estudo tem por objetivo comparar o perfil neurocomportamental de recém-nascidos a termo, filhos de mães adolescentes, PIG e AIG, por meio da Neonatal Intensive Care Unit Neurobehavioral Network Scale (NNNS).

Métodos

Trata-se de estudo de transversal, unicêntrico, com coleta prospectiva de dados, em um hospital de nível terciário do município de São Paulo (SP), no período de julho de 2001 a novembro de 2002. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do hospital onde foi realizada a coleta de dados e da instituição de ensino dos pesquisadores, sendo financiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo.

Para a constituição da casuística, foram considerados os seguintes critérios de inclusão: assinatura do termo de consentimento livre esclarecido materno, recém-nascido filho de mãe adolescente (idade 10-19 anos), a termo (idade gestacional 37-416,7 semanas), sendo a idade gestacional calculada a partir da data da última menstruação ou, quando este dado não estava disponível, estimada pelo método de New Ballard17.

Foram excluídos os neonatos que apresentaram uma ou mais das seguintes condições que poderiam interferir nas respostas neurocomportamentais: mães com sorologia positiva na gestação ou parto para infecções congênitas; mães que receberam opióides, sedativos e/ou anticonvulsivantes nas 24 horas antes do parto ou anestesia geral para o parto; recém-nascidos expostos intra-útero ao tabaco, álcool, maconha, cocaína ou outra droga; gemelares; pacientes com boletim de Apgar < 3 no 1º minuto ou < 7 no 5º minuto de vida; recém-nascidos com malformações congênitas maiores; e presença de intercorrências clínicas no dia do estudo. Foram incluídos os neonatos ictéricos que não estavam em fototerapia à época do exame e aqueles que haviam apresentado desconforto respiratório adaptativo, mas não necessitavam de oxigenoterapia e estavam em berço comum no momento do exame.

O estudo compreendeu entrevistas maternas e exame físico e neurocomportamental dos recém-nascidos. As adolescentes foram entrevistadas no puerpério para obter dados referentes às condições sociodemográficas e clínicas, aos antecedentes obstétricos, à evolução da gestação atual, do trabalho de parto e do parto.

A avaliação neurocomportamental do neonato foi feita por neonatologistas com a aplicação da NNNS18, que é uma escala que avalia a integridade neurológica, a função comportamental e a presença de sinais de estresse e abstinência no recém-nascido19. O exame foi feito após 24 horas de vida, quando a resposta de estresse ao parto está suprimida e até 72 horas de vida, em ambiente calmo, aquecido e com baixa luminosidade por um dos quatro neonatologistas. O pesquisador principal (MMCB) foi certificado a realizar a NNNS no Women and Infants Hospital, Brown University (Rhode Island, EUA) e treinou os outros três neonatologistas. A reprodutibilidade do exame foi verificada por aplicação simultânea semanal pelo pesquisador principal e cada um dos três neonatologistas durante todo o decorrer do estudo, a fim de verificar e corrigir possíveis discrepâncias. Após completar a avaliação, os itens analisados foram agrupados em 13 variáveis, de acordo com Boukydis et al.19: habituação, atenção, despertar, controle, manobras para a orientação, qualidade dos movimentos, excitabilidade, letargia, reflexos não ótimos, assimetria, hipertonia, hipotonia, e sinais de estresse e abstinência.

A informação do consumo de drogas lícitas e ilícitas pela adolescente durante a gestação foi obtida por meio de entrevista e por análise toxicológica de amostras do cabelo da mãe e do mecônio do recém-nascido. A entrevista materna foi realizada por psicólogos no puerpério. Para identificar os metabólitos da maconha e da cocaína no cabelo da mãe, analisou-se uma amostra de 3 cm, obtida junto ao couro cabeludo. A triagem toxicológica foi realizada por técnica semiquantitativa de imunoensaio enzimático e confirmada por cromatografia gasosa e/ou espectrometria de massa. Considerou-se a amostra positiva quando ambos os resultados, triagem e confirmatório, revelaram-se positivos. Para o rastreamento da exposição intra-útero à maconha e/ou cocaína por meio da análise toxicológica do mecônio, colheu-se a amostra nos 2 primeiros dias de vida que foi processada por técnica semiquantitativa de imunoensaio enzimático homogêneo. Para o tabaco, foram excluídos os recém-nascidos cujas mães consumiram qualquer cigarro durante a gestação. Quanto ao álcool, foram mantidos na casuística apenas os neonatos cujas mães referiram não ter bebido na gestação ou apenas uma vez, em ocasião especial. Para as drogas ilícitas, foram excluídos os recém-nascidos expostos, independente da freqüência ou quantidade do consumo materno.

Os recém-nascidos foram divididos em dois grupos, de acordo com a adequação do peso ao nascer à idade gestacional segundo a curva descrita por Alexander et al.20: AIG (peso entre os percentis 10 e 90 para a idade gestacional) e PIG (peso abaixo do percentil 5). Os recém-nascidos com peso ao nascer entre o percentil 5 e 10 foram excluídos do estudo. A comparação dos recém-nascidos AIG e PIG foi realizada por meio do teste do qui-quadrado para as variáveis categóricas, e pelo teste t de Student, para as numéricas.

Para verificar se a restrição de crescimento intra-uterino modificava o escore das variáveis da NNNS, controlando-se outros fatores que poderiam influenciar o comportamento do recém-nascido, realizaram-se a análise de variância (ANOVA) e a regressão linear múltipla. Foram consideradas variáveis respostas cada uma das 11 variáveis numéricas da NNNS (habituação, atenção, despertar, controle, manobras para orientação, qualidade dos movimentos, excitabilidade, letargia, reflexos não ótimos, assimetria e sinais de estresse e abstinência) e como variáveis independentes as seguintes: adequação peso/idade gestacional (AIG versus PIG), anestesia para o parto (ausente/local versus bloqueio loco-regional), tipo de parto (vaginal versus cesáreo), sexo, idade gestacional, peso de nascimento, escore de Apgar de 1º e 5º minutos e idade do recém-nascido no momento do exame neurocomportamental. Das 13 variáveis da NNNS, duas foram analisadas de forma qualitativa: hipertonia e hipotonia. Para ambas, verificou-se o efeito da restrição de crescimento intra-uterino por meio da regressão logística, sendo as variáveis independentes as mesmas empregadas nas análises de regressão linear múltipla e ANOVA.

O tamanho da amostra foi determinado pela necessidade de estudar 15-20 recém-nascidos para cada variável independente avaliada nos modelos de regressão linear múltipla ou regressão logística. Como cada uma das 13 variáveis da NNNS foi considerada variável resposta e, para cada uma delas foi testada a associação com nove variáveis independentes, o tamanho amostral mínimo seria de 135-180 recém-nascidos. Os procedimentos estatísticos foram realizados com o programa SPSS 10.0. Em todos os testes, considerou-se significante p < 0,05.

Resultados

Durante o período de estudo, nasceram 792 recém-nascidos a termo. Destes, 264 foram excluídos por apresentarem uma ou mais condições definidas nos critérios de exclusão. Dos 528 neonatos restantes, a restrição de crescimento intra-uterino foi evidenciada em 109, sendo que 51 apresentaram o peso entre os percentis 5 e 10 para a idade gestacional. Assim, a casuística do estudo foi composta de 477 pacientes: 419 AIG e 58 PIG.

Ambos os grupos foram similares no tocante às características maternas, com exceção da assistência pré-natal e anestesia para o parto. No grupo de PIG, as mães compareceram a menos consultas no acompanhamento pré-natal e a anestesia loco-regional foi menos freqüente (Tabela 1).

Em relação às características neonatais, no grupo de PIG, comparado ao de adequados, o sexo masculino foi menos freqüente e a idade gestacional média foi menor, assim como o peso ao nascer e o perímetro cefálico (Tabela 2).

O exame neurocomportamental foi aplicado pelos quatro neonatologistas previamente treinados, sendo o número de exames realizados por cada um de 106 (22,2%), 114 (23,9%), 123 (25,8%) e 134 (28,1%). Não houve diferença entre os grupos AIG e PIG quanto à idade em que os recém-nascidos foram examinados, duração do exame e tempo entre a última mamada e o início do exame (Tabela 2).

Na análise univariada, os dois grupos apresentaram escores similares para as seguintes variáveis da NNNS: habituação, atenção, despertar, controle, manobras para a orientação, qualidade dos movimentos, excitabilidade, letargia, reflexos não ótimos, assimetria, hipertonia, hipotonia e sinais de estresse e abstinência (Tabela 3).

Na análise multivariada, não houve influência do fato de o recém-nascido ser PIG para os seguintes itens do exame neurocomportamental: habituação, atenção, despertar, controle, manobras para a orientação, letargia, reflexos não ótimos, assimetria, hipertonia e hipotonia. No entanto, ser PIG influenciou as seguintes variáveis do exame: qualidade dos movimentos, excitabilidade e sinais de estresse e abstinência.

Para a variável qualidade dos movimentos, houve uma interação entre o tipo de parto e a adequação peso/idade gestacional (p = 0,057). Os neonatos PIG nascidos de parto normal apresentaram menor escore do que os de parto cesárea (5,01±0,74 versus 5,34±0,13), controlando-se o tipo de anestesia e o sexo. Tal diferença não foi observada nos AIG.

Em relação à variável excitabilidade, houve uma interação entre o tipo de anestesia e a adequação peso/idade gestacional (p = 0,038). Os neonatos PIG nascidos de parto sob anestesia local ou sem anestesia apresentaram maior escore nessa variável do que os PIG nascidos sob anestesia loco-regional (3,18±0,35 versus 2,09±0,29), controlando-se o tipo de parto e o sexo. Tal diferença não foi observada nos AIG.

Finalmente, no tocante aos sinais de estresse e abstinência, verificou-se uma interação entre adequação peso/idade gestacional e sexo (p = 0,039). Os pacientes PIG do sexo feminino apresentaram menos sinais de estresse e/ou abstinência do que os masculinos (0,059±0,008 versus 0,093±0,012), controlando-se o tipo de anestesia e de parto. Tal diferença não foi observada nos AIG.

Discussão

A cada ano, aproximadamente 900.000 adolescentes engravidam nos EUA21 e, no Brasil, em 2004, dos 3.026.548 nascidos vivos, 22% foram de mães adolescentes22. A gravidez na adolescência está associada ao baixo nível socioeconômico, ausência de parceiro fixo, falta de acesso à educação em geral e à educação em saúde e comportamentos de risco, como uso de tabaco, álcool e drogas, entre outros. Vários destes fatores, de forma isolada ou conjunta, podem levar à restrição de crescimento intra-uterino1,2.

A freqüência de 14% (109/792) de recém-nascidos PIG na presente casuística de recém-nascidos a termo, embora elevada, tem sido observada em outros estudos brasileiros23,24. Discute-se se esta alta proporção encontrada em nosso meio com a curva de crescimento intra-uterino construída para a população estadunidense20 reflete a prevalência elevada de desnutrição intra-uterina ou um padrão constitucional diferente da população brasileira. Para evitar que a casuística do presente estudo incluísse aqueles recém-nascidos com peso abaixo do padrão estadunidense para a idade gestacional, mas que não sofreram restrição de crescimento intra-uterino, optou-se por estudar apenas os PIG abaixo do percentil 5 da curva de referência, excluindo aqueles com peso ao nascer entre os percentis 5 e 10.

Quanto ao neurocomportamento dos neonatos PIG, Als et al. avaliaram 10 neonatos a termo com baixo índice ponderal, nascidos de parto vaginal, no primeiro, terceiro, quinto e 10º dia de vida. Comparados aos bebês de maior índice ponderal, os pacientes analisados apresentaram pior desempenho no comportamento interativo, com menor capacidade de resposta aos estímulos oferecidos11. Lester et al. estudaram 37 neonatos a termo, saudáveis, no segundo e terceiro dia de vida. Aqueles com peso, comprimento ou índice ponderal abaixo do percentil 10 evidenciaram pior desempenho nos itens relativos à orientação aos estímulos, às respostas motoras e aos reflexos, além de se mostrarem menos alertas25. Costas i Moragas et al. avaliaram 41 nascidos a termo PIG, com 3 dias de vida, comparando-os com bebês de termo e peso ao nascer entre os percentis 25 e 75 para a idade gestacional. Os PIG mostraram menor capacidade de resposta aos estímulos externos, menor atividade motora e tônus muscular, além de necessitarem de maior número de manobras para o consolo e mostrarem dificuldade no auto-consolo13. Abrol et al. também analisaram o comportamento de 25 bebês PIG, nascidos de parto vaginal com 1, 5, 10 e 30 dias de vida. Comparados aos AIG, os PIG evidenciaram pior desempenho em todos os itens que avaliavam sua interação com o meio ambiente e desempenho motor14. Tais achados foram atribuídos por esses autores a alterações do desenvolvimento do sistema nervoso e da organização cerebral de recém-nascidos submetidos a restrição nutricional durante a gestação14,25. No presente estudo, com o uso de uma escala validada para a avaliação neurocomportamental nos primeiros dias de vida e com valores de referência estabelecidos26,27, os achados diferiram dos acima relatados, pois, nas comparações univariadas, observou-se desempenho similar para as 13 variáveis neurocomportamentais examinadas nos recém-nascidos PIG e AIG. No entanto, ao analisar os fatores associados ao escore de cada uma das variáveis isoladamente, verificou-se que o fato de o recém-nascido ser PIG influenciou o seu desempenho neurocomportamental quando associado a outros fatores de estresse para o binômio mãe/recém-nascido (anestesia e tipo de parto) ou a características próprias do neonato (sexo).

Os recém-nascidos PIG cujo parto ocorreu sob anestesia local ou sem anestesia, comparados aos nascidos de parto com anestesia regional, apresentaram-se mais excitáveis, com maior irritabilidade, labilidade da cor da pele e de estado, tremores e startles. Da mesma forma, os bebês com peso ao nascer abaixo do percentil 5 para a idade gestacional, nascidos de parto vaginal, mostraram pior qualidade de movimentos comparados aos nascidos por cesárea. Estudos em modelos animais mostram existir alterações significantes de concentrações de fatores de crescimento, especialmente do fator neurotrófico derivado da neurotrofina cerebral, e de citocinas no hipocampo de fetos com restrição de crescimento intra-uterino e que tais alterações de mediadores de lesão neuronal e de substância branca são potencializadas por eventos agudos5,28. Assim, é possível que modificações de organização do sistema nervoso associadas à restrição de crescimento intra-uterino possam ser amplificadas pela liberação de hormônios de estresse durante o trabalho de parto e o parto, interferindo no neurocomportamento dos recém-nascidos PIG.

É intrigante que os recém-nascidos PIG do sexo masculino, comparados aos do sexo feminino, apresentassem maior número de sinais de estresse e abstinência. A influência do gênero sexual no neurocomportamento de recém-nascidos na primeira semana de vida não tem sido sistematicamente avaliada. No entanto, Brown et al., ao analisarem as alterações neurocomportamentais ao termo de prematuros extremos com uso da NNSS, relataram que bebês femininos apresentavam melhor desempenho na variável qualidade de movimento do que os do sexo masculino29. Sabe-se que níveis mais elevados de hormônios de estresse são encontrados em recém-nascidos masculinos, quando esses são submetidos a procedimentos desencadeadores de estresse30. Talvez a restrição de crescimento intra-uterino cause modificações diferentes de crescimento e organização cortical na vida intra-uterina para fetos do sexo masculino e feminino, de acordo com a influência hormonal predominante, explicando as peculiaridades neurocomportamentais observadas em recém-nascidos PIG do sexo masculino e feminino nos primeiros dias de vida.

Vale lembrar que o presente estudo apresenta limitações no tocante ao seu desenho metodológico transversal, não fornecendo dados evolutivos do desempenho neurológico e comportamental durante o desenvolvimento dos recém-nascidos PIG e AIG. No entanto, deve-se ressaltar que a pesquisa visou detectar alterações nos primeiros dias de vida de neonatos por meio de uma escala validada para avaliar o neurocomportamento de bebês expostos a situações de risco. A avaliação da NNNS neste grupo de crianças PIG permite adicionar à literatura resultados objetivos, relativos à análise de âmbitos definidos do comportamento e do desempenho neurológico no período que se segue ao nascimento. Tal período é fundamental para o estabelecimento de vínculos afetivos familiares saudáveis, especialmente entre a mãe e o recém-nascido.

Agradecimentos

Às neonatologistas Cristiane Balut, Samira J. Cardo e Silvana P. M. Amaral, pela ajuda na coleta de dados. Ao Hospital Municipal Maternidade Escola Dr. Mário de Moraes Altenfelder Silva, por possibilitar a realização do estudo. À Fapesp, pelos recursos para a concretização da pesquisa.

Artigo submetido em 13.12.07, aceito em 27.02.08.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

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  • Correspondência:

    Ruth Guinsburg
    Rua Vicente Felix, 77/09
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jun 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2008

    Histórico

    • Aceito
      27 Fev 2008
    • Recebido
      13 Dez 2007
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