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Uso alternado de antipiréticos para tratamento da febre em crianças: revisão sistemática de ensaios clínicos randomizados

Resumos

OBJETIVO: Sumarizar as evidências existentes sobre a eficácia da terapia alternada com antipiréticos no manejo da febre em crianças comparada com monoterapia. FONTES DE DADOS: MEDLINE, EMBASE, Cochrane Library, LILACS, SciELO, IBECS, Web of Science, Clinical Trials, Google Scholar e referências dos artigos encontrados. Foram incluídos na revisão ensaios clínicos randomizados, publicados até dezembro de 2011, em que um dos braços fosse terapia alternada com antipiréticos para tratamento de febre em crianças menores de 12 anos, atendidas em nível ambulatorial. A seleção e extração dos dados foram realizadas independentemente por dois revisores. A qualidade dos estudos foi avaliada de acordo com os itens do CONSORT. SÍNTESE DOS DADOS: Os estudos selecionados apresentaram grande heterogeneidade em relação aos participantes, temperatura para diagnóstico de febre, intervenções (doses e intervalos entre doses) e desfechos avaliados. Os grupos de tratamento variaram de 38 a 464 crianças. Os estudos compararam paracetamol e ibuprofeno alternados com paracetamol e/ou ibuprofeno. Em apenas um estudo foram utilizadas doses diferentes de 15 mg/kg para paracetamol e 10 mg/kg para ibuprofeno, mas os intervalos entre doses variaram consideravelmente. Em nenhum estudo foi avaliado o uso alternado com dipirona ou ácido acetilsalicílico. De modo geral, os artigos apontaram para uma tendência a menor média de temperatura nos grupos de terapia alternada. Poucos efeitos adversos foram relatados. CONCLUSÃO: Embora haja uma tendência na redução das médias de temperatura com antipiréticos alternados em relação aos antipiréticos isolados, não existe evidência suficiente para afirmar que essa prática é mais eficaz que a monoterapia.

Febre; crianças; antipiréticos; eficácia; terapia alternada; revisão


OBJECTIVE: To summarize the existing evidence on the efficacy of therapy with alternating antipyretics compared to monotherapy in the management of fever in children. SOURCES: MEDLINE, EMBASE, Cochrane Library, LILACS, SciELO, IBECS, Web of Science, Clinical Trials, Google Scholar and references of the articles found. The review included randomized clinical trials published until December 2011, in which one of the arms was the alternating antipyretics therapy to treat fever in children younger than 12 years, treated on an outpatient basis. Data selection and extraction were performed independently by two reviewers. The quality of the studies was assessed according to CONSORT items. SUMMARY OF THE FINDINGS: The selected studies showed great heterogeneity of participants, temperature for fever diagnosis, interventions (dose and dosing intervals) and assessed outcomes. The treatment groups ranged from 38 to 464 children. The studies compared paracetamol and ibuprofen alternated with paracetamol and/or ibuprofen. Only one study used different doses from the 15 mg/kg for paracetamol and 10 mg/kg for ibuprofen, but the dosing intervals varied considerably. The alternate use with dipyrone or acetylsalicylic acid was not assessed by any of the studies. Overall, the articles pointed to a tendency of lower mean temperatures in groups with alternating therapy. Few adverse effects were reported. CONCLUSION: Although there was a tendency towards the reduction of mean temperatures with alternating antipyretics compared to the use of one antipyretic alone, there is not enough evidence to say that alternating antipyretic therapy is more effective than monotherapy.

Fever; children; antipyretics; efficacy; alternating therapy; review


ARTIGO DE REVISÃO

Uso alternado de antipiréticos para tratamento da febre em crianças: revisão sistemática de ensaios clínicos randomizados

Gracian Li PereiraI; Josiane Magda Camarotto DagostiniII; Tatiane da Silva Dal PizzolIII

IMestre em Epidemiologia, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS

IIMédica residente, Serviço de Cardiologia Pediátrica, Hospital Pequeno Príncipe, Curitiba, PR

IIIDoutora em Epidemiologia. Professora, Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia, Faculdade de Medicina, UFRGS, Porto Alegre, RS

Correspondência Correspondência: Tatiane da Silva Dal Pizzol Rua Ramiro Barcelos, 2400, 2º andar CEP 90035-003 - Porto Alegre, RS Tel./Fax: (51) 3308.5281 E-mail: tatiane.silva@ufrgs.br

RESUMO

OBJETIVO: Sumarizar as evidências existentes sobre a eficácia da terapia alternada com antipiréticos no manejo da febre em crianças comparada com monoterapia.

FONTES DE DADOS: MEDLINE, EMBASE, Cochrane Library, LILACS, SciELO, IBECS, Web of Science, Clinical Trials, Google Scholar e referências dos artigos encontrados. Foram incluídos na revisão ensaios clínicos randomizados, publicados até dezembro de 2011, em que um dos braços fosse terapia alternada com antipiréticos para tratamento de febre em crianças menores de 12 anos, atendidas em nível ambulatorial. A seleção e extração dos dados foram realizadas independentemente por dois revisores. A qualidade dos estudos foi avaliada de acordo com os itens do CONSORT.

SÍNTESE DOS DADOS: Os estudos selecionados apresentaram grande heterogeneidade em relação aos participantes, temperatura para diagnóstico de febre, intervenções (doses e intervalos entre doses) e desfechos avaliados. Os grupos de tratamento variaram de 38 a 464 crianças. Os estudos compararam paracetamol e ibuprofeno alternados com paracetamol e/ou ibuprofeno. Em apenas um estudo foram utilizadas doses diferentes de 15 mg/kg para paracetamol e 10 mg/kg para ibuprofeno, mas os intervalos entre doses variaram consideravelmente. Em nenhum estudo foi avaliado o uso alternado com dipirona ou ácido acetilsalicílico. De modo geral, os artigos apontaram para uma tendência a menor média de temperatura nos grupos de terapia alternada. Poucos efeitos adversos foram relatados.

CONCLUSÃO: Embora haja uma tendência na redução das médias de temperatura com antipiréticos alternados em relação aos antipiréticos isolados, não existe evidência suficiente para afirmar que essa prática é mais eficaz que a monoterapia.

Palavras-chave: Febre, crianças, antipiréticos, eficácia, terapia alternada, revisão.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To summarize the existing evidence on the efficacy of therapy with alternating antipyretics compared to monotherapy in the management of fever in children.

SOURCES: MEDLINE, EMBASE, Cochrane Library, LILACS, SciELO, IBECS, Web of Science, Clinical Trials, Google Scholar and references of the articles found. The review included randomized clinical trials published until December 2011, in which one of the arms was the alternating antipyretics therapy to treat fever in children younger than 12 years, treated on an outpatient basis. Data selection and extraction were performed independently by two reviewers. The quality of the studies was assessed according to CONSORT items.

SUMMARY OF THE FINDINGS: The selected studies showed great heterogeneity of participants, temperature for fever diagnosis, interventions (dose and dosing intervals) and assessed outcomes. The treatment groups ranged from 38 to 464 children. The studies compared paracetamol and ibuprofen alternated with paracetamol and/or ibuprofen. Only one study used different doses from the 15 mg/kg for paracetamol and 10 mg/kg for ibuprofen, but the dosing intervals varied considerably. The alternate use with dipyrone or acetylsalicylic acid was not assessed by any of the studies. Overall, the articles pointed to a tendency of lower mean temperatures in groups with alternating therapy. Few adverse effects were reported.

CONCLUSION: Although there was a tendency towards the reduction of mean temperatures with alternating antipyretics compared to the use of one antipyretic alone, there is not enough evidence to say that alternating antipyretic therapy is more effective than monotherapy.

Keywords: Fever, children, antipyretics, efficacy, alternating therapy, review.

Introdução

Embora a febre seja um processo adaptativo normal e com algumas vantagens em desfechos importantes em modelos animais1,2, o temor por parte dos pais de uma convulsão febril, dano cerebral ou mesmo morte fazem com que essa entidade seja uma das causas mais comuns da procura por atendimento pediátrico (de 25 a 40% das consultas)3, muitas vezes com a criança já tendo sido medicada em casa4. Embora a terapia antipirética não pareça diminuir a chance de uma convulsão febril, que, na grande parte das vezes, é benigna, o manejo agressivo desse sinal é comum. Estudos realizados na Argentina, EUA, Espanha e Austrália verificaram que o uso alternado de antipiréticos variou de 51 a 61%, sendo que 59 a 97% dos pediatras, nesses países, orientavam a utilização do esquema alternado de antipiréticos5-8.

A instituição de uma terapia alternada é geralmente indicada para que um medicamento esteja agindo quando outro esteja com sua curva de ação na descendente, impedindo que a temperatura suba novamente na criança quando o horário da próxima dose de antipirético se aproximar. De acordo com curvas de concentração versus diferença de temperatura do ibuprofeno e paracetamol em crianças, esse princípio é plausível9,10, justificando a sua utilização nesse esquema para, teoricamente, manter a criança por mais tempo com temperatura normal.

A eficácia e segurança de ibuprofeno e paracetamol utilizados de forma isolada para o tratamento de febre em crianças estão bem estabelecidas11. Em metanálise conduzida por Perrott et al.11, verificou-se que o ibuprofeno foi mais efetivo como antipirético que o paracetamol, produzindo temperaturas mais baixas 2, 4 e 6 horas após o tratamento. Não parece haver diferença entre os medicamentos no que concerne à segurança de uso. No Brasil, além de paracetamol e ibuprofeno, ainda é utilizado o ácido acetilsalicílico e, principalmente, a dipirona. Embora a dipirona não seja utilizada nos EUA, países da América Latina, da Europa, da África e da Ásia a comercializam livremente. Alguns estudos sobre a eficácia da dipirona no tratamento da febre em crianças têm sido reportados3,13-17. Sabe-se que o uso de dipirona está associado ao risco de aplasia de medula, mas nas populações em que seu uso é liberado, como no Brasil, as taxas de agranulocitose são tão baixas quanto em populações onde a dipirona foi banida, sugerindo uma possível propensão genética para a ocorrência do efeito adverso16,17.

O objetivo desta revisão sistemática é sumarizar os achados de ensaios clínicos randomizados comparando a eficácia do uso alternado com antipiréticos de uso corrente no Brasil com o uso de cada medicamento isolado para o tratamento de febre em crianças.

Métodos

Protocolo de pesquisa

Um protocolo de pesquisa foi redigido para guiar a execução de todas as etapas da revisão sistemática, o qual se encontra disponível com os autores.

Critérios de elegibilidade

Foram considerados elegíveis os estudos que preenchessem os seguintes critérios: (1) ensaios clínicos randomizados controlados, abertos ou cegados; (2) um dos braços de terapia constituído por antipiréticos em regime alternado para tratamento de febre em nível ambulatorial; (3) crianças de 12 anos ou menos; e (4) dados disponíveis para mensurar o efeito da terapia como diferença da média de temperatura entre os grupos.

Fonte de dados

Foram conduzidas buscas eletrônicas por artigos publicados até dezembro de 2011 nas bases de dados: MEDLINE, EMBASE, registro de ensaios clínicos da Cochrane Library, LILACS, SciELO, IBECS, Web of Science, Clinical Trials e Google Scholar. Pesquisa de dissertações, teses e anais de congressos foi realizada pela ferramenta de busca do Google Scholar. Não houve restrição para idioma ou ano de publicação. A lista de retorno de cada uma das buscas foi compilada numa lista única de resumos, retirando-se entradas repetidas.

Estratégia de busca

A estratégia de busca foi desenvolvida tendo o MEDLINE como referência, usando as seguintes palavras-chave: (fever) AND (antipyretic) AND (child) AND (alternated) AND randomized controlled trial[Publication type] OR randomized[Title/Abstract] OR (random*). Quando necessário, a estratégia foi adaptada para cada base de dados.

Seleção dos estudos

Os critérios de elegibilidade foram aplicados a todos os títulos e resumos, por dois revisores (GLP, JMCD). Casos de discordância foram discutidos pelos revisores até que chegassem a um consenso. As referências dos estudos selecionados foram acessadas como fonte de novas referências.

Extração dos dados

Os dados dos artigos selecionados foram extraídos independentemente por dois pesquisadores (GLP, JMCD) para uma ficha pré-estabelecida. Os casos de discordância foram resolvidos por consenso. Os pesquisadores não foram cegados para revista e autores. Os autores dos estudos foram contatados em caso de dúvida ou na ausência de dados específicos.

Os seguintes itens foram coletados: características da amostra, medidas de diagnóstico de febre, características dos grupos em comparação (fármaco, dose, intervalo entre doses, via de administração e duração da intervenção), financiamento pela indústria farmacêutica e aspectos de qualidade metodológica. A redução da temperatura corporal foi o desfecho primário escolhido para testar a eficácia dos tratamentos. Outras formas de medir os benefícios (escala de estresse, recorrência de febre, visitas à emergência) também foram descritas quando encontradas. Efeitos adversos dos tratamentos foram analisados como desfecho secundário.

Avaliação da qualidade

A qualidade dos artigos foi avaliada de acordo com os itens do CONSORT18,19, sendo classificados pelos revisores como de alta ou baixa qualidade.

Medidas-sumário

A principal medida do efeito do tratamento foi a diferença média de temperatura corporal entre os grupos em comparação. Dados sobre as temperaturas médias nas primeiras oito horas de tratamento foram obtidos após contato com os autores, quando não disponíveis no artigo.

Síntese dos resultados

Devido ao pequeno número de ensaios clínicos e a grande heterogeneidade entre eles, os dados dos estudos individuais foram avaliados qualitativamente, sem emprego de metanálise.

As diretrizes Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA) foram seguidas para a elaboração dessa revisão sistemática20.

Resultados

De um total de 1.018 referências localizadas em nove bases de dados, restaram 986 para análise, após exclusão das referências duplicadas. Dessas referências, 12 foram inicialmente incluídas, a partir da leitura do resumo. Após exclusão de quatros estudos que não preenchiam os critérios de inclusão (2) ou que ainda não estavam finalizados (2), restaram oito artigos. Após leitura completa dos artigos, foram excluídos mais quatro, por apresentarem população ou intervenção diferentes dos critérios de elegibilidade. O processo de seleção dos estudos pode ser visualizado na Figura 1.


As características dos quatro ensaios clínicos que preencheram os critérios de inclusão21-24 estão sumarizadas na Tabela 1. Os participantes, as intervenções (doses, intervalos, duração) e as medidas de desfecho utilizadas nos estudos são heterogêneos, impossibilitando a realização de metanálise.

Características dos estudos

Participantes

O número total de participantes em cada estudo variou de 3824 a 464 crianças21. Foram incluídas crianças a partir de 6 meses de idade até 8 anos, procedentes dos EUA22,24, Inglaterra23 e Israel21, em atendimento ambulatorial ou que necessitassem, no máximo, de observação em day care24. Em dois estudos, foram excluídas crianças que receberam antibióticos21 e/ou antipiréticos21,22 nas últimas 4 a 8 horas.

Diagnóstico de febre

O ponto de corte de diagnóstico de febre variou de 37,823 a 38,4 ºC21, medidos por via retal21,22, oral22, axilar23 ou de artéria temporal24. Hay et al.23 usaram um aparelho conectado a um probe axilar que registrava a temperatura da criança eletronicamente a cada 30 segundos durante as primeiras 24 horas do estudo, utilizando termometria axilar para as 4, 16, 24, 48 horas e no quinto dia de tratamento antitérmico.

Intervenções

Em todos os estudos, o tratamento alternado investigado incluiu ibuprofeno e paracetamol. Um estudo apresentou um único grupo de comparação com paracetamol isolado22. Sarrell et al.21 e Hay et al.23 compararam o esquema alternado (grupo C) com paracetamol isolado (grupo A) e ibuprofeno isolado (grupo B). Paul et al.24 compararam ibuprofeno isolado (grupo A) contra ibuprofeno e paracetamol administrados no mesmo momento (grupo B) e ibuprofeno e paracetamol alternados (grupo C). Sarrell et al.21 utilizaram doses posológicas diferentes de 15 mg/kg/dose de paracetamol e 10 mg/kg/dose de ibuprofeno.

Os intervalos entre as doses variaram; para os antipiréticos usados isoladamente, a administração ocorreu a cada 4 a 6 horas para o paracetamol e dose única ou a cada 8 horas para o ibuprofeno. Para o esquema alternado, Sarrell et al.21 mantiveram o intervalo entre doses fixo em 4 horas, mas as doses ou número de administrações variaram. Em dois estudos22,24, foi utilizado intervalo entre doses de 3 horas. Hay et al.23 mantiveram os medicamentos com seus intervalos de dose costumeiros (4 a 6 horas para o paracetamol e 6 a 8 horas para o ibuprofeno), deixando a critério dos pais a administração do próximo medicamento após as primeiras 24 horas de tratamento, critério esse também utilizado por Sarrell et al.21 após a dose inicial do estudo.

Desfecho principal

Em três estudos, o desfecho primário analisado foi a diferença da média de temperatura entre os grupos após diferentes intervalos de tempo, medidos em horas22,24 ou dias21. Um dos estudos23 apresentou seu resultado principal como tempo sem febre, porém dados de diferença de média de temperatura foram obtidos após contato com o autor. Sarrell et al.21 obtiveram menor média de temperatura no grupo de terapia alternada nos dias 1, 2 e 3, quando comparado com paracetamol isolado (p < 0,001) e ibuprofeno isolado (p < 0,001), com diferenças maiores nas médias de temperaturas entre os grupos (de até 1,1 ºC entre ibuprofeno isolado e terapia alternada no dia 3), porém nenhuma média de temperatura inferior a 37,8 ºC nos três grupos em comparação.

Kramer et al.22 encontraram uma diferença estatisticamente significativa entre a terapia alternada e paracetamol após 4 (p = 0,05) e 5 horas (p = 0,003) da primeira dose, cujas diferenças absolutas das médias em graus foram 0,6 e 0,8 ºC, na quarta e quinta hora, respectivamente. Na sexta hora, a diferença absoluta da média foi de 0,1 ºC (p > 0,05). Hay et al.23 usaram como desfecho primário o tempo sem febre nas primeiras 4 horas após a primeira dose (era considerada afebril a criança cuja temperatura fosse menor que 37,2 ºC), demonstrando maior tempo sem febre no grupo de terapia alternada que nos outros grupos (171,1 minutos para terapia alternada, 156 minutos para ibuprofeno e 116,2 minutos para paracetamol) (p < 0,001). Paul et al.24 verificaram menor média de temperatura no grupo de terapia alternada quando comparado ao grupo que recebeu ibuprofeno isolado após 4 (p = 0,003), 5 (p < 0,001) e 6 horas (p < 0,001) do início do estudo.

As médias de temperatura nas primeiras 8 horas de tratamento para os grupos em comparação são apresentadas na Figura 2. Sarrell et al.21 não mediram a evolução da curva térmica nesse período de tempo, não existindo dados para plotagem em gráfico.


Desfechos secundários

Sarrell et al.21 mediram a recorrência de febre nos dias 5 e 10 após o início do estudo e encontraram diferença entre os grupos apenas para o quinto dia (p = 0,02), além de menor número de faltas na creche no grupo de terapia alternada (p < 0,001). Não foi verificada diferença entre os grupos no número de visitas à emergência após o início do estudo. Outros desfechos avaliados foram diferença no checklist de dor em crianças não comunicativas e quantidade de medicamento utilizada nos três dias de estudo, havendo uma diferença de menor pontuação na escala e menor utilização de medicamento para o grupo de terapia alternada, quando comparada à monoterapia (p < 0,001).

Hay et al.23 mediram a proporção de crianças sem desconforto avaliado pelos pais por meio de escala nas primeiras 48 horas, não encontrando diferenças entre os grupos. No entanto, o poder amostral foi insuficiente para esse desfecho. No tempo até o primeiro momento afebril, houve diferença favorecendo a terapia alternada e ibuprofeno isolado quando comparados ao paracetamol isolado (p = 0,025 para terapia alternada versus paracetamol isolado e p = 0,015 para ibuprofeno isolado versus paracetamol isolado), sendo que a terapia alternada versus ibuprofeno não mostrou diferença significativa. A diferença absoluta entre os grupos com diferença significativa ficou em torno de 25 minutos. Outro desfecho secundário avaliado foi o tempo sem febre nas primeiras 24 horas. A terapia alternada mostrou maior tempo sem febre comparado a paracetamol isolado (p < 0,001) e ibuprofeno isolado (p = 0,008). A diferença absoluta entre os grupos com diferença significativa variou de 4,4 a 2,5 horas.

No estudo de Paul et al.24, o grupo que recebeu terapia alternada teve todos os seus pacientes afebris desde a segunda hora de observação até a sexta hora, enquanto o grupo que recebeu ibuprofeno isolado nunca ficou totalmente afebril, mostrando uma diferença de proporção estatisticamente significativa na hora 4 (p = 0,002), 5 (p < 0,001) e 6 (p < 0,001). Kramer et al. não apresentaram dados de desfecho secundário22.

Eventos adversos

Um estudo não verificou a ocorrência de eventos adversos24. Nenhum dos outros relatou evento adverso grave. Sarrell et al.21 não encontraram diferenças entre os grupos para marcadores de insuficiência hepática ou renal; nenhum paciente com dosagens enzimáticas alteradas na fase aguda (medidas nos dias 3 e 5) persistiu com níveis elevados após o dia 14. Kramer et al.22 não verificaram diferença entre os grupos no surgimento de efeitos adversos leves, como diarreia, flatulência, náuseas, vômitos, inapetência, dor epigástrica, dor de cabeça e insônia. Diarreia e vômitos foram os principais eventos adversos relatados por Hay et al.23, aparecendo igualmente distribuído entre os grupos. Cinco crianças participantes do estudo foram hospitalizadas, mas não houve relação entre a causa da hospitalização e o tratamento utilizado no estudo23.

Discussão

A presente revisão sistemática sumariza os dados da literatura sobre o uso da terapia alternada com antipiréticos para o tratamento da febre em crianças em regime ambulatorial, mostrando que não há evidências suficientes que suportem o uso desses esquemas de administração no tratamento da febre, apesar do delineamento dos ensaios clínicos ter sido satisfatório, de acordo com os critérios de avaliação do CONSORT. Nossa conclusão concorda com os achados de duas revisões sobre terapia alternada ou combinada (administração de dois fármacos ao mesmo tempo) com paracetamol e ibuprofeno25,26, acrescentando dados preocupantes sobre a ausência de evidências a respeito da eficácia da terapia alternada com outros antipiréticos de uso corrente no Brasil, especificamente dipirona e ácido acetilsalicílico27,28. Além disso, aspectos importantes da metodologia de revisão sistemática não foram relatados nas revisões citadas, como tentativas de acesso a estudos não publicados (grey literature)25, seleção dos artigos e extração dos dados em duplicata25,26 e limitação ao idioma inglês e às bases MEDLINE e EMBASE26.

Embora haja plausibilidade biológica em utilizar o esquema de antipiréticos alternados para aumentar o tempo sem febre nas crianças, não há concordância nos estudos sobre o melhor esquema padrão, principalmente no que concerne ao intervalo de doses entre medicamentos diferentes, nem mesmo se o uso não poderia ser combinado – dois medicamentos no mesmo horário29-32. Com a diferença no pico e duração da ação dos medicamentos, a escolha de um ponto na linha de tempo onde a avaliação da temperatura entre os grupos de terapia seja mais adequada também é difícil, e outras alternativas de desfecho, como conforto e estresse das crianças, deveriam ser consideradas. A heterogeneidade entre os esquemas de administração, o número reduzido de pacientes nos grupos e o acompanhamento por período curto de tempo dificultam o estabelecimento de uma resposta sobre segurança dessa prática terapêutica em desfechos mais graves.

O temor dos pais em participar de um estudo para tratamento de febre faz com que seja difícil randomizar o número necessário de pacientes para responder a questão clínica5,33. Os motivos são inúmeros, advindos principalmente do desconhecimento sobre o processo febril4,34. Alguns estudos sobre tratamento de febre e convulsão febril falharam em demonstrar que terapia agressiva com antipiréticos diminui a recorrência do evento35 e que a presença de febre parece apenas estar ligada à piora do estado de pacientes com algum tipo de dano cerebral36.

Ibuprofeno e paracetamol apresentam, em geral, efeitos adversos leves quando utilizados nas doses e intervalos recomendados; entretanto, há risco de eventos graves, ainda que raros, como sangramento digestivo, síndrome de Steven-Johnson e insuficiência hepática ou renal37. Achados mostrando erros de dose e intervalos na administração desses medicamentos pelos pais devem alertar para a necessidade de educação sobre o processo febril e o emprego racional da terapia com antipiréticos5,8. Deve-se estar atento ao fato de que as diferenças encontradas na média de temperatura nas primeiras 6 horas de tratamento, nos ensaios clínicos avaliados na presente revisão, não parecem grandes o suficiente para justificar o uso de dois medicamentos, agregando efeitos adversos potenciais, num quadro cuja escolha por tratar ou não permanece controverso2,26,36.

Esta revisão não está livre de viés de publicação. Apesar de encontrarmos estudos que não podem ser considerados definitivos em responder nossa questão clínica, todos referem uma tendência de melhor desempenho para o grupo de terapia alternada, mesmo que o desfecho escolhido pelos estudos, a temperatura, seja um marcador secundário do bem-estar do paciente. Nenhum artigo com resultados negativos, ou mesmo tendência negativa, foi encontrado. Além disso, os avaliadores não estavam cegados durante a seleção dos artigos ou extração dos dados. Embora Jadad et al.38 sugiram que o cegamento dos avaliadores produza pontuações menores e mais rigorosas, outros estudos39,40 mostram pouco benefício, além de ser trabalhoso e inútil quando os revisores conhecem bem o tema estudado.

Não encontramos evidências definitivas que suportem o uso alternado de antipiréticos para tratamento ambulatorial da febre em crianças. A indefinição existente sobre o tratamento da febre de forma agressiva ainda necessita ensaios clínicos que avaliem não somente quantos graus a temperatura em cada grupo diminui, mas o impacto dessa terapia no bem-estar do paciente, relacionado principalmente com morbidade/mortalidade. Esses resultados somente poderão ser obtidos com estudos mais longos, com maior número de participantes e que incluam outros antipiréticos de amplo uso no Brasil e em outros países, como a dipirona.

Artigo submetido em 31.03.12, aceito em 10.04.12.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.

Como citar este artigo: Pereira GL, Dagostini JM, Dal Pizzol Tda S. Alternating antipyretics in the treatment of fever in children: a systematic review of randomized clinical trials. J Pediatr (Rio J). 2012;88(4):289-96.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Set 2012
    • Data do Fascículo
      Ago 2012

    Histórico

    • Recebido
      31 Mar 2012
    • Aceito
      10 Abr 2012
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