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Devemos avaliar objetivamente a obstrução nasal em crianças com rinite crônica?

EDITORIAL

Devemos avaliar objetivamente a obstrução nasal em crianças com rinite crônica?

Kostas N. PriftisI; Nikolaos PapadimitriouII; Michael B. AnthracopoulosIII

IMD, PhD. Third Department of Pediatrics, Medical School, Attikon General University Hospital, Atenas, Grécia.

IIMD, PhD. Second Department of Otorhinolaryngology, Medical School, Attikon General University Hospital, Atenas, Grécia.

IIIMD, PhD. Respiratory Unit, Department of Pediatrics, School of Medicine, University of Patras, Rio, Grécia.

Correspondência Correspondência: Kostas N. Priftis Third Department of Paediatrics, University of Athens, Attikon University Hospital 1 Rimini Str, Chaidari 12464 – Atenas - Grécia Tel.: +30 (210) 583.2228 Fax: +30 (210) 583.2229 E-mail: kpriftis@otenet.gr

A obstrução nasal é um dos sintomas mais comuns na prática pediátrica. Embora exista uma grande variação global na prevalência de sintomas atuais de rinoconjuntivite crônica, a prevalência geral parece ser em torno de 15% para adolescentes jovens1. Um aumento dessa prevalência tem sido observado nos últimos anos em vários países, especialmente em faixas etárias mais avançadas. O aumento é mais significativo em países de baixa e média renda2,3.

Se, por um lado, infecções virais agudas constituem um problema diário, normalmente sem grandes dificuldades diagnósticas, o rótulo diagnóstico "rinite crônica" também é bastante frequente. A precisão diagnóstica e a determinação do grau de obstrução nasal na prática pediátrica diária, mas também por parte de otorrinolaringologistas, depende principalmente da descrição subjetiva do paciente – e até dos pais. Contudo, a queixa de nariz entupido pode ser um problema clínico complexo, envolvendo fatores da mucosa, estruturais e até psicológicos4. Assim, em vários casos, impõe-se a questão da confiabilidade da informação clínica, e a comprovação dessa informação torna-se necessária.

Neste número do Jornal de Pediatria, Mendes et al.5 descrevem a correlação entre medidas subjetivas e objetivas de obstrução nasal em crianças e adolescentes com rinite alérgica. Os autores usaram tanto a rinomanometria anterior ativa, para medir a resistência nasal total, quanto a rinometria acústica, para avaliar cada narina separadamente. Eles não observaram correlação entre medidas objetivas e subjetivas quando a cavidade nasal foi avaliada como um todo; no entanto, interessantemente, uma correlação significativa negativa foi observada entre o escore subjetivo de obstrução nasal e a resistência nasal de cada narina quando avaliada individualmente. Essas observações remetem a vários pontos clínicos bastante úteis que merecem discussão.

De acordo com as diretrizes do ARIA (Allergic Rhinitis and its Impact on Asthma), a história clínica é essencial não apenas para um diagnóstico preciso de rinite mas também para a avaliação de sua gravidade6. Pacientes com rinite alérgica sofrem com espirros, rinorreia anterior e, muitas vezes, obstrução nasal bilateral. A congestão nasal normalmente é o sintoma mais incômodo, embora a percepção de peso ou bloqueio da mucosa nasal descrita pelos sujeitos possa apresentar variações4. Adultos e crianças com rinite alérgica também podem sofrer com perda significativa do olfato (hiposmia ou anosmia), ronco, problemas de sono ou sedação, gotejamento pós-nasal e, claro, asma. O conceito "o mesmo trato respiratório, a mesma doença" tem recebido destaque como resultado da ligação entre as vias aéreas superiores e inferiores6. Informações clínicas específicas podem reforçar ou enfraquecer a possibilidade de alergia subjacente. Além disso, rinossinusite aguda e crônica são diagnósticos comuns, essencialmente clínicos7.

A abordagem clínica deve ser estruturada e sistemática, tanto na entrevista clínica quando no exame físico. Como claramente informado nas orientações da Academia Europeia de Alergia e Imunologia Clínica (European Academy of Allergy and Clinical Immunology) sobre ferramentas diagnósticas em rinologia8, deve-se prestar atenção e investir tempo para obter uma história completa e precisa dos sintomas de rinite e de comorbidades potenciais. A história deve incluir questões relacionadas a sintomas específicos ao estágio atual e à gravidade dos sintomas, fatores desencadeantes, resposta a tratamentos usados no passado e sintomas de alergia oral associados. E, por último, mas não menos importante, o valor do exame físico não deve ser subestimado. A história e o exame clínico do nariz e da nasofaringe podem sugerir a necessidade de avaliações diagnósticas adicionais para que se possa estabelecer o diagnóstico correto.

A avaliação da patência nasal pode ser realizada de forma objetiva, medindo-se o fluxo de ar nasal, ou então avaliada com base no pico de fluxo nasal máximo, ou ainda via resistência/condutância das vias aéreas, conforme avaliado na rinomanometria. Isso pode ser realizado principalmente utilizando-se três métodos: medida do pico do fluxo nasal inspiratório (PFNI), rinomanometria anterior ativa e rinometria acústica8,9. O PFNI avalia a função nasal como um todo, uma vez que toma medidas das duas narinas. A técnica é considerada a mais amplamente validada para a avaliação do fluxo nasal, tem custo baixo e é fácil de usar; além disso, apresenta uma boa correlação com os sintomas subjetivos10. No entanto, ela requer cooperação do paciente, e por isso seu uso é limitado em crianças mais jovens. A rinomanometria anterior mede especificamente a resistência nasal e pode coletar dados de cada narina separadamente; no entanto, sua realização é impossível em casos de obstrução total de uma das narinas. Além disso, as medidas podem demonstrar variabilidade intraindividual, e sua correlação com sintomas subjetivos tem sido tema de debate8. Crianças mais jovens apresentam um desempenho ruim nesse teste, já que ele exige um certo grau de cooperação. A rinometria acústica se compara à rinomanometria no que diz respeito à grande variabilidade de medidas e correlação ruim com sintomas subjetivos. A grande vantagem dessa técnica é a exigência de cooperação mínima do paciente, o que a torna útil em pacientes pediátricos8.

Testes adicionais podem agregar valor à informação obtida nas medidas objetivas citadas acima. Testes de provocação nasal com histamina, por exemplo, constituem um método seguro e reproduzível na determinação da presença e do grau de hiper-reatividade das vias aéreas superiores11. O teste de descongestão nasal é outra avaliação objetiva do ponto de vista funcional12. Por fim, testes cutâneos-alérgicos realizados pelo método de puntura (skin prick testing) constituem uma abordagem simples e rápida para identificar a sensibilização da IgE a vários aeroalérgenos relevantes.

A análise subjetiva da patência nasal normalmente é baseada na autoavaliação do paciente, de preferência utilizando-se entrevistas individuais, com ou sem o apoio de um questionário ou escala analógica visual (EAV). Em publicações relativamente recentes, questionários validados têm sido descritos com o objetivo específico de avaliar sintomas nasais, incluindo obstrução subjetiva, porém com amostras exclusivamente compostas por adultos13.

As EAVs são utilizadas como uma alternativa para simplificar a abordagem a pacientes com obstrução nasal, sejam eles adultos ou crianças, sem o uso de equipamentos especiais14. Algumas modificações também têm sido propostas para EAVs destinadas a crianças, em versões coloridas e com faces felizes e tristes. Tem-se afirmado que crianças com menos de 7 anos de idade não são capazes de completar EAVs com precisão; elas usam apenas as extremidades, ou então as extremidades e o meio da escala15. Haavisto et al.16, da Finlândia, relataram que a EAV tem potencial enquanto ferramenta subjetiva de investigação de obstrução nasal em crianças com mais de 7 anos de idade. Os autores solicitaram às crianças que fechassem suavemente as narinas do lado oposto com um dedo e avaliassem a obstrução nasal nos lados esquerdo e direito separadamente. As crianças demonstraram facilidade em avaliar a obstrução nasal e preencheram a escala cuidadosamente. Quase simultaneamente ao estudo finlandês, Mendes et al.5, no presente número, confirmam que a avaliação subjetiva da obstrução nasal, expressa como um escore de obstrução, apresenta correlação satisfatória com o método objetivo quando cada narina é avaliada separadamente. Interessante notar que, no estudo brasileiro, nenhuma diferença foi observada nessa correlação quando os pacientes foram submetidos a obstrução nasal aguda via provocação com histamina. Embora testes de provocação nasal nem sempre sejam viáveis na prática, eles podem ser de interesse específico em crianças em tratamento de longo prazo para rinite crônica, uma vez que é sabido que esses pacientes sub-relatam seus sintomas de congestão nasal17.

Quando um clínico pediatra se depara com a questão da confiabilidade da informação clínica, não é incomum que baseie seu diagnóstico na resposta do paciente à intervenção terapêutica. No entanto, em alguns casos, é claramente necessário realizar exames diagnósticos adicionais. Pacientes devem ser encaminhados a otorrinolaringologistas para a realização da medida da resistência nasal e da endoscopia nasal. Às vezes, o ponto exato, ao longo do curso clínico da doença, em que se deve iniciar a avaliação objetiva da obstrução nasal é objeto de decisão clínica, mas a intervenção não deve ser adiada desnecessariamente.

Sensação de congestão ou perda de patência unilateral ocorre em consequência de desvio de septo grave ou outras anormalidades anatômicas, presença de corpos estranhos, pólipo coanal e até lesões malignas. O ciclo nasal e a posição recumbente também podem tornar a sensação de congestão ou obstrução do fluxo de ar mais evidente. Em crianças respiradoras bucais, além da rinite alérgica, hiperplasia de adenoides e narinas e outros distúrbios anatômicos devem ser considerados18,19.

A responsabilidade do médico não deve se focar apenas no diagnóstico correto, mas também no manejo eficiente da rinite crônica. Bloqueio/congestão nasal persistente pode ser um sintoma sério, com efeitos potencialmente significativos no desenvolvimento e qualidade de vida da criança, incluindo dificuldades de aprendizagem, incapacidade de integração com pares, ansiedade e disfunção familiar. Transtornos comórbidos podem criar um círculo vicioso de piora da qualidade de vida do paciente20.

Para concluir, concordamos fortemente com a visão dos autores de que o sintoma de congestão nasal tem natureza multidimensional e que um instrumento combinado deveria ser desenvolvido para garantir uma avaliação confiável desses pacientes5. Tal instrumento provavelmente deveria incluir avaliações subjetivas validadas (isto é, EAVs, questionários) e também testes objetivos. A aplicabilidade clínica desse instrumento, bem como a definição de qual grupo de pacientes mais provavelmente se beneficiaria de seu uso, são questões para pesquisas futuras. É evidente que, para inserir tal instrumento na prática diária, seria necessário simplificá-lo, reconhecendo e definindo seus elementos mais fortes. De um outro ponto de vista, devemos manter em mente que a congestão nasal persistente requer uma abordagem multidisciplinar, com contribuições valiosas de cada colega envolvido.

Conflitos de interesse: Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste editorial.

Como citar este artigo: Priftis KN, Papadimitriou N, Anthracopoulos MB. Should we perform objective assessment of nasal obstruction in children with chronic rhinitis? J Pediatr (Rio J). 2012;88(5):374-6.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Nov 2012
    • Data do Fascículo
      Out 2012
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