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Aerossóis e espaçadores na crise aguda de asma: evolução e hora de mudar a rotina

EDITORIAIS

Aerossóis e espaçadores na crise aguda de asma. Evolução e hora de mudar a rotina

Jose Dirceu Ribeiro

Doutor. Professor, Departamento de Pediatria, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Presidente dos Departamentos de Pneumologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Pediatria e da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Pesquisador do CNPq e FAPESP

Numerosos estudos têm evidenciado equivalência ou vantagens do uso de espaçadores valvulados (de plástico ou metal) e, até mesmo, de espaçadores artesanais (garrafas e copos plásticos) sobre os nebulizadores, para administração de aerossóis na crise aguda de asma1-4.

Esses estudos têm permitido a publicação de extensas revisões e meta-análises sobre a terapia com aerossóis, através de diferentes dispositivos com e sem espaçadores5-8.

Recente revisão6 analisou os resultados de 394 trabalhos randomizados e controlados, selecionados entre um total de 2.100, publicados no MEDLINE, de 1972 a 2000, comparando a administração de drogas broncodilatadoras, corticóides inalatórios e agentes anticolinérgicos através de inaladores pressurizados com doses medidas (IPDM), IPDM com espaçadores, nebulizadores e inaladores de pó seco. Os autores selecionaram os seguintes números de estudos: 131 comparando vários tipos de espaçadores, 45 comparando IPDM a inaladores de pó seco, 32 comparando nebulizadores com IPDM administrados por espaçadores valvulados, 14 comparando inaladores de pó seco com IPDM por espaçadores, três comparando inaladores de pó seco com nebulizadores, cinco comparando IPDM com nebulizadores e sete estudos comparando nebulização contínua versus nebulização intermitente.

A conclusão foi que, uma vez utilizados adequadamente, todos os dispositivos são eficazes para a administração de aerossóis e melhoram os sintomas clínicos da asma.

Em contrapartida e apesar das evidências, a administração de medicamentos sob a forma de aerossóis líquidos ou pó seco com doses medidas pressurizados (APDM), no Brasil, ainda é restrita, motivo de confusão, recusa e pouco uso entre os profissionais de saúde, pacientes e familiares.

Confusão e erros são verificados quando se observam prescrições de pós-secos para menores de 5 anos de idade, utilização incorreta e/ou inadequada de espaçadores, doses muito pequenas ou muito grandes de broncodilatadores, corticóides, mucolíticos e antibióticos, erros na indicação do tipo de espaçador, crendices sobre vícios com a utilização das "bombinhas", temores de efeitos colaterais, utilização de espaçadores sem comprovação científica, etc.

Esses fatos decorrem do desconhecimento de evidências a favor desses dispositivos, da eficácia da via inalatória para administração de aerossóis, bem como de uma quantidade enorme de dispositivos disponíveis, o que dificulta a escolha do melhor a ser empregado.

As vantagens e a importância da administração de aerossóis incluem: doses mais baixas, efeito mais rápido, menor índice de efeitos colaterais, menores efeitos sistêmicos e ação dirigida ao órgão-alvo. Algumas drogas, como o nedocromil, o cromoglicato dissódico e a dornase alfa só agem pela via inalatória, enquanto os beta-2-agonistas inalados melhoram muito a asma induzida por exercício, mas esse fato não é verificado quando são administrados por outras vias.

O uso do espaçador maximiza a liberação e minimiza a deposição de medicamentos na orofaringe. Por isso, nunca se deve utilizar APDM sem espaçadores em crianças9.

O inalador ideal deve liberar a quantidade de droga uniformemente, ser adequado à idade, ter boa aceitação pelos pacientes, ser de fácil utilização, economicamente viável e ter comprovação científica.

As recomendações do National Asthma Education Program and Prevention10 estão na Tabela 1.

Os aerossóis são constituídos à base de soluções coloidais, nas quais a fase dispersora é gasosa e a fase dispersa é líquida ou sólida. Constituem-se de suspensões de diminutas partículas (líquidas ou sólidas) em um gás ou mistura de fases. Os aerossóis são gerados pelos seguintes dispositivos:

Inaladores pressurizados: administrados em jatos e conhecidos como aerossóis pressurizados com doses medidas (APDM). As partículas são líquidas e liberadas instantaneamente. Antes de 1990, os APDM tinham como propelente o clorofluorcarbono, que causa dano à camada de ozônio. Há 15 anos, começaram a ser utilizados os APDM com hidrofluoralcano como propelente. Podem ser usados em crianças e idosos e, em adultos, sem espaçadores. Porém, o conhecimento de que o uso de espaçadores duplica ou triplica a dose de aerossóis depositada nas vias aéreas tem estimulado o uso dos APDM em todas as idades. São mais utilizados nos domicílios e hospitais, pois são grandes e difíceis de carregar.

Inaladores a pó seco: (Rotahaler/Spinhaler, Turbuhaler, Diskhaler, Spiros, Accuhaler, Pulvinal, Diskus, etc). Em 1971, surgiram os primeiros aerossóis sob a forma de pó seco.

As partículas sólidas são liberadas instantaneamente. Esses modelos são de fácil utilização, pois não necessitam de espaçadores. São próprios para serem utilizados em crianças maiores de 5 anos.

Nebulizadores: são compressores de jato de ar, oxigênio ou energia ultra-sônica.

Os nebulizadores de oxigênio começaram a ser utilizados no século 19, sendo os únicos disponíveis até a metade do século 20. Já os de energia ultra-sônica funcionam com energia acústica de alta freqüência e passaram a ser utilizados a partir de 1960.

Os nebulizadores são os dispositivos mais antigos para a administração de aerossóis, sendo ainda muito utilizados. Liberam a droga em aerossol de partículas líquidas, gradualmente, durante vários minutos. Estão cada vez mais em desuso, devido, principalmente, ao fato de não se conhecer adequadamente a quantidade de droga que chega às vias aéreas. Os inaladores por ultra-som podem degradar as drogas. O uso de compressores a jato de oxigênio com broncodilatadores e corticóides inalatórios, em crises graves de asma, em hospitais, ainda é praticado.

Os diversos dispositivos para administração de aerossóis apresentam vantagens e desvantagens que merecem ser conhecidas e discutidas com os pacientes e seus familiares. A escolha entre um ou outro dispositivo depende de vários fatores e, independentemente do tipo a ser utilizado, algumas regras práticas para a administração de aerossóis incluem:

1) A utilização de detergentes de uso domiciliar como uma solução prática e simples para o problema da carga eletrostática nos espaçadores plásticos, pois melhoram significativamente a deposição pulmonar de aerossóis11;

2) O ideal é que esses medicamentos sejam administrados na ausência de choro12;

3) Os espaçadores utilizados em crianças geralmente são diferentes daqueles utilizados em adultos;

4) Crianças menores de 5 anos são incapazes de utilizar aerossóis sob a forma de APDM sem espaçadores ou aerossóis na forma de pó seco;

5) Quando possível, um espaçador com peça bucal é preferível aos espaçadores com máscara facial;

6) A educação do paciente e seus familiares é essencial para a correta administração de aerossóis com diferentes dispositivos. A educação também aumenta a aderência ao tratamento;

7) Ao prescrever um dispositivo liberador de aerossol, o médico deve levar em conta a idade do paciente, preferência da família, facilidade de uso pelo paciente, custo, durabilidade, disponibilidade comercial, formulação, dosagem, tipo da droga a ser utilizada e o local de uso: unidade de tratamento intensivo, enfermaria, pronto-socorro ou domicílio.

No universo científico, nos últimos 30 anos, milhares de artigos foram publicados sobre a administração de aerossóis em doenças obstrutivas pulmonares. Muitas revistas de alto índice de impacto dedicaram seus editoriais a esses artigos. Mudanças no controle clínico das doenças respiratórias, quando tratadas com aerossóis administrados com diferentes dispositivos, evoluíram e diminuíram a morbidade e mortalidade, principalmente por asma.

No Brasil, a genialidade, criatividade e ousadia de mineiros13,14, baianos4 e paranaenses15 permitiram a criação de novos espaçadores13, realizando a comparação entre: diferentes tamanhos de espaçadores por idade14, nebulizador versus espaçador artesanal4 e a administração de aerossóis por diferentes dispositivos nas crises agudas de obstrução brônquica por asma15.

Todos esses artigos suscitaram interesse de leitura e aplicação dos resultados obtidos, sugestões, críticas e elogios. O desfecho da análise desses trabalhos é a constatação de competência, responsabilidade e base científica na construção de métodos simples para a administração de aerossóis para doenças pulmonares.

Neste número do Jornal de Pediatria, pudemos ler com atenção e interesse o trabalho de Chong Neto et al.15. Assunto oportuno e de interesse para pediatras, pneumologistas, alergistas-imunologistas e clínicos. Útil, pois a asma é a doença crônica mais comum na infância, com alta prevalência, na qual a utilização de medicamentos é sempre muito questionada.

Como as evidências sobre o uso de aerossóis na forma de pó seco, na crise aguda de asma, ainda são poucas6, principalmente na sala de emergência, o trabalho de Chong et al. vem preencher um espaço importante no conhecimento desse ato terapêutico e, sem dúvida, estimular novos estudos em nosso meio.

A administração de aerossóis por espaçadores na crise aguda de asma deve ser avaliada em cada serviço médico. A evolução técnica e científica dos dispositivos para administração de aerossóis mostra que é hora de mudar a rotina, uma vez que, há mais de 30 anos, já saímos do misticismo e encontramos evidências científicas.

Referências

1. Mandelberg A, Tsehori S, Hour S, Gila E, Mora B, Prie IE. Is nebulized aerosol treatment necessary in the pediatric emergency department? comparison with a metal spacer device for metered-dose inhaler. Chest. 2000;117:1309-13.

2. Closa RM, Ceballos JM, Gomez-Papi A, Galiana AS, Gutierrez C, Marti-Henneber C. Efficacy of bronchodilators administrated by nebulizer versus spacer devices in infants with wheezing. Pediatr Pulmonol. 1998;26:344-8.

3. Rubim JA, Simal CJ, Lasmar LM, Camargos PA. Deposição pulmonar de radioaerossol e desempenho clínico verificados com espaçador fabricado no Brasil. J Pediatr (Rio J). 2000;76:434-42.

4. Vilarinho LC, Mendes CM, Souza LS. Inalador dosimetrado com espaçador artesanal versus nebulizador no tratamento da crise de sibilância na criança. J Pediatr (Rio J). 2003;79:403-12.

5. Amirav I, Newhouse MT. Metered-dose inhaler accessory devices in acute asthma: efficacy and comparison with nebulizers; a literature review. Arch Pediatr Adolesc Med. 1997;151:876-82.

6. Dolovich MB, Ahrens RC, Hess DR, Anderson P, Dhand R, Rau JL, et al. Device selection and outcomes of aerosol therapy: evidence based guidelines. American College of Chest Physicians/American College of Asthma, Allergy, and Immunology. Chest. 2005;127:335-71.

7. Castro-Rodriguez JA, Rodrigo GJ. Beta-agonists through metered-dose inhaler with valved holding chamber versus nebulizer for acute exacerbation of wheezing or asthma in children under 5 years of age: a systematic review with meta-analysis. J Pediatr. 2004;145:172-7.

8. De Benedictis FM, Selvaggi D. Use of inhaler devices in pediatric asthma. Pediatr Drugs. 2003;5:629-38.

9. Newman SP, Millar AB, Lennard-Jones TR, Moren F, Clarke SW. Improvement of pressurised aerosol deposition with nebuhaler spacer device. Thorax. 1984;39:935-41.

10. National Asthma Education and Prevention Program. Expert panel report 2: guidelines for the diagnosis and management of asthma. Bethesda, MD: National Heart, Lung, and Blood Institute, April 1997; NIH Publication No. 97-4051.

11. Wildhaber JH, Janssens HM, Pierart F, Dore ND, Devadason SG, LeSouef PN. High-percentage lung delivery in children from detergent-treated spacers. Pediatr Pulmonol. 2000;29:389-93.

12. Iles R, Lister P, Edmunds AT. Crying significantly reduces absorption of aerosolised drug in infants. Arch Dis Child. 1999;81:163-5.

13. Duarte M, Camargos PA. Efficacy and safety of a home-made non-valved spacer for bronchodilator therapy in acute asthma. Acta Paediatr. 2002;91:909-13.

14. Rocha Filho W, Noronha VX, Senna SN, Simal CJ, Mendonca WB. Evaluation of the influence of patient age and spacer device volume on aerosol lung deposition. J Pediatr (Rio J). 2004;80:387-90.

15. Chong Neto HJ, Chong-Silva CD, Marani DM, Kuroda F, Olandosky M, Noronha L. Diferentes dispositivos inalatórios na crise aguda de asma: um estudo randomizado, duplo-cego controlado com placebo. J Pediatr (Rio J). 2005;81:298-304.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Set 2005
  • Data do Fascículo
    Ago 2005
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