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Relação do estado nutricional com desfechos em pacientes pediátricos críticos - Revisão sistemática Como citar este artigo: Costa CA, Tonial CT, Garcia PC. Association between nutritional status and outcomes in critically-ill pediatric patients - a systematic review. J Pediatr (Rio J). 2016;92:223-9.

Resumo

Objetivos:

Revisar, de forma sistemática, as evidências acerca do impacto do estado nutricional de pacientes pediátricos críticos sobre os seguintes desfechos durante a internação em unidades de terapia intensiva pediátrica: tempo de internação, necessidade de ventilação mecânica e mortalidade.

Fonte de dados:

A busca foi feita nas seguintes bases de dados: Lilacs (Literatura Latino‐Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), Medline (National Library of Medicine, Estados Unidos) e Embase (Elsevier Base de Dados). Não houve seleção de filtros.

Resultados:

Foram incluídos sete artigos relevantes sobre o tema. O período de publicação variou entre 1982 e 2012. Todos avaliam o estado nutricional de pacientes no momento da internação em terapia intensiva pediátrica e se relacionam com pelo menos um desfecho estudado. Foi aplicado um questionário de qualidade metodológica criado pelos autores. Ele foi baseado em algumas referências e na experiência dos pesquisadores. Todos os estudos incluídos alcançaram os critérios de qualidade, porém apenas quatro atenderam a todos os itens.

Conclusão:

Os estudos incluídos nesta revisão sugerem que a depleção do estado nutricional está relacionada com piores desfechos em terapia intensiva pediátrica. Porém os estudos são escassos e os existentes não têm uniformidade metodológica, em especial nos métodos de avaliação e classificação do estado nutricional. São necessários estudos atuais e bem delineados com o objetivo de avaliar adequadamente essa relação entre o estado nutricional de crianças e sua repercussão nos desfechos desses pacientes.

Palavras‐chave
Estado nutricional; Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica; Mortalidade; Tempo de internação; Ventilação mecânica

Abstract

Objectives:

To systematically review the evidence about the impact of nutritional status in critically-ill pediatric patients on the following outcomes during hospitalization in pediatric intensive care units: length of hospital stay, need for mechanical ventilation, and mortality.

Data source:

The search was carried out in the following databases: Lilacs (Latin American and Caribbean Health Sciences), MEDLINE (National Library of Medicine United States) and Embase (Elsevier Database). No filters were selected.

Results:

A total of seven relevant articles about the subject were included. The publication period was between 1982 and 2012. All articles assessed the nutritional status of patients on admission at pediatric intensive care units and correlated it to at least one assessed outcome. A methodological quality questionnaire created by the authors was applied, which was based on some references and the researchers’ experience. All included studies met the quality criteria, but only four met all the items.

Conclusion:

The studies included in this review suggest that nutritional depletion is associated with worse outcomes in pediatric intensive care units. However, studies are scarce and those existing show no methodological homogeneity, especially regarding nutritional status assessment and classification methods. Contemporary and well-designed studies are needed in order to properly assess the association between children's nutritional status and its impact on outcomes of these patients.

Keywords
Nutritional status; Pediatric intensive care unit; Mortality; Length of stay; Mechanical ventilation

Introdução

Pacientes pediátricos críticos podem apresentar uma série de alterações orgânicas, o que leva a um estado de estresse metabólico. Dessa forma, em muitos casos as necessidades nutricionais deles podem ser aumentadas.11 Skillman HE, Wischmeyer PE. Nutrition therapy in critically ill infants and children. J Parenter Enteral Nutr. 2008;32:520-34. A oferta inadequada de nutrientes pode resultar em pioria do estado nutricional e levar à desnutrição, condição associada em vários estudos com aumento de mortalidade, tempo de internação, maior número de disfunções orgânicas e complicações.22 Cahill NE, Dhaliwal R, Day AG, Jiang X, Heyland DK. Nutrition therapy in the critical care setting: what is best achievable practice. An international multicenter observational study. Crit Care Med. 2010;38:395-401.,33 Mehta NM, Bechard LJ, Leavitt K, Dugan C. Cumulative energy imbalance in the pediatric intensive care unit: role of targeted indirect calorimetry. J Parenter Enteral Nutr. 2009;3:336-44. Uma análise do déficit calórico proteico cumulativo em crianças internadas em uma unidade de terapia intensiva (UTIP) na Holanda evidenciou relação significativa entre esse déficit e redução do escore Z para peso e circunferência do braço.44 Hulst JM, Van Goudoever JB, Zimmermann LJ, Hop WC, Albers MJ, Tibboel D, et al. The effect of cumulative energy and protein deficiency on anthropometric parameters in a pediatric ICU population. Clin Nutr. 2004;23:1381-9.

Muitas são as barreiras para a oferta nutricional adequada em UTIP, o que contribui para a pioria do estado nutricional. Dentre elas, as mais citadas na literatura são: distúrbios gastrointestinais, pausas para procedimentos e restrição da oferta hídrica, porém é discutível, o quanto essas barreiras poderiam ser evitáveis.55 Mehta NM, McAleer D, Hamilton S, Naples E, Leavitt K, Mitchell P, et al. Challenges to optimal enteral nutrition in a multidisciplinary pediatric intensive care unit. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2010;34:38-45.,66 Rogers EJ, Gilbertson HR, Heine RG, Henning R. Barriers to adequate nutrition in critically ill children. Nutrition. 2003;19:865-8.

Esse grupo de pacientes críticos é extremamente vulnerável. Seu estado nutricional no momento da chegada e sua possível deterioração durante a internação podem ser fatores preditivos de piores desfechos.77 Corullón JL. Perfil epidemiológico de uma UTI pediátrica no sul do Brasil. [Dissertation]. Porto Alegre (RS): Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; 2007.99 Mota EM, Garcia PCR, Piva JP, Fritscher CC. The influence of poor nutrition on the necessity of mechanical ventilation among children admitted to the pediatric intensive care unit. J Pediatr (Rio J). 2002;78:146-52.

O objetivo deste estudo foi revisar, de forma sistemática, as evidências acerca do impacto do estado nutricional de pacientes pediátricos críticos sobre os seguintes desfechos durante a internação em UTIP: tempo de internação, necessidade de ventilação mecânica (VM) e mortalidade.

Métodos

Fonte de dados

Foi elaborado um protocolo de pesquisa, no qual os autores definiram o objetivo, as palavras‐chave, as estratégias de busca, as bases de dados, os critérios de inclusão e exclusão e a metodologia a ser adotada pelos revisores. A busca foi feita nas bases de dados Lilacs, Medline e Embase. Não houve seleção de filtros.

Descritores

Os descritores usados para as buscas foram nutritional status (estado nutricional) e intensive care units pediatric (unidade de terapia intensiva pediátrica). A combinação dos descritores para a busca foi a seguinte: nutritional status AND intensive care units pediatric, para as bases de dados Lilacs e Medline. Para a base de dados Embase, foi usada a seguinte combinação: nutritional status AND intensive care units AND pediatric OR intensive care units AND child.*

Critérios de inclusão

Estudos originais feitos com pacientes entre um mês e 18 anos internados em UTIP e que mediam a relação entre o estado nutricional desses pacientes e pelo menos um dos seguintes desfechos: mortalidade, tempo de internação e necessidade e/ou tempo de VM.

Critérios de exclusão

Foram excluídos os estudos feitos em unidade de terapia intensiva neonatal, artigos sem texto completo, artigos de revisão, cartas ao editor, relatos de caso e estudos que não abordassem a temática, não fizessem avaliação nutricional e a relacionassem com pelo menos um desfecho escolhido.

Seleção dos estudos

A busca foi feita por um pesquisador, com as palavras‐chave estabelecidas. A seleção inicial foi feita por dois pesquisadores de forma cega e foram obedecidos os critérios de inclusão e exclusão contidos no protocolo do estudo.

Em um primeiro momento foi feita uma triagem baseada na leitura do título e do resumo. Quando o título e o resumo não foram suficientemente esclarecedores, buscou‐se o artigo na íntegra. As discordâncias ocorridas foram resolvidas por consenso, junto de um terceiro pesquisador. Após, foram obtidos os textos completos de todos artigos incluídos e foi aplicado o protocolo de qualidade criado pelos autores. A figura 1 ilustra as etapas de seleção dos estudos até a inclusão final.

Figura 1
Fluxograma de revisão sistemática; n, número de estudos; Neo, estudos feitos em unidades de terapia intensiva neonatal.

Avaliação de qualidade dos estudos

Após a seleção dos estudos e a obtenção deles na íntegra, foi aplicado o questionário de qualidade metodológica, criado com base em duas referências e na experiência dos pesquisadores.1010 Armstrong R, Waters E, Jackson N, Oliver S, Popay J, Shepherd J, et al. Guidelines for systematic reviews of health promotion and public health interventions. Australia: Melbourne University; 2007.,1111 Murad MH, Montori VM, Loannidis JPA, Jaeschke R, Devereaux PJ, Prasad K, et al. How to read a systematic review and meta-analysis and apply the results to patient care users’ guides to the medical literature. JAMA. 2014;312:171-9. Para contemplar ao quesitos técnicos, consideramos as recomendações de avaliação e classificação do estado nutricional da Organização Mundial de Saúde, conforme ano de publicação do estudo. As questões formuladas para o protocolo de qualidade usado estão apresentadas na tabela 1.

Tabela 1
Critérios de qualidade

Resultados

Descrição dos estudos incluídos

Foram incluídos sete artigos relevantes sobre o tema. O período de publicação variou entre 1982 e 2012. Todos avaliam o estado nutricional de pacientes no momento da internação em UTIP e o relacionam com pelo menos um desfecho estudado. Três estudos avaliam grupos de pacientes internados em UTIP com condições de saúde específicas (cetoacidose, hiperglicemia e hipoglicemia e transplante hepático). Os demais avaliam perfil nutricional como objetivo principal ou secundário e o relacionam com desfechos.

Todos os estudos incluídos alcançaram os critérios de qualidade, porém apenas quatro atenderam a todos os itens. Os demais não atenderam a até três itens e foram incluídos da mesma forma, pois consideramos que contribuíam como evidência para as discussões acerca do tema estudado. A tabela 2 contempla o resumo dos estudos incluídos.1212 Zamberlam P, Leone C, Tannuri U, Carvalho WB, Delago AL. Nutritional risk and anthropometric evaluation in pediatric liver transplantation. Clinics. 2012;67:1387-92.1818 Pollack MM, Wiley JS, Kanter R. Malnutrition in critically ill infants and children. J Parenter Enter Nutr. 1982;6:20-4.

Tabela 2
Resumo dos estudos incluídos

Discussão

Avaliação do estado nutricional de pacientes pediátricos críticos

Uma das grandes dificuldades na avaliação nutricional de pacientes críticos encontra‐se na escolha do melhor método, já que não existem evidências para nortear a decisão. As dificuldades são encontradas nos diferentes tipos de avaliação, seja pela condição clínica do paciente, seja em função das alterações hemodinâmicas, da modificação de composição corporal ou mesmo pela falta de conscientização da equipe para a importância da prática e a adequada aferição de dados. Esses aspectos dificultam a padronização da avaliação e a qualidade de estudos feitos com esses pacientes.1919 Feferbaun R, Delago AF, Zamberlam P, Leone C. Challenges of nutritional assessment in pediatric ICU. Curr Opin Clin Nutr Metab Care. 2009;12:245-50.

As medidas de peso e estatura são as mais usadas e a partir dessas podem‐se obter os índices P/I, E/I, P/E e IMC/I. Em 2006, a OMS lançou novas curvas de crescimento desenvolvidas a partir de amostra proveniente de seis países, dentre esses o Brasil. Foram desenvolvidas curvas em escore Z e percentil. Estas curvas contemplam a avaliação de crianças de zero a cinco anos.2020 Who Multicentre Growth Reference Study Group. WHO Child Growth Standards based on length/height, weight and age. Acta Paediatr Suppl. 2006;450:76-85. Em seguida, com a necessidade da criação de padrões de recomendação para crianças maiores de cinco anos, a OMS fez uma reanálise dos dados do National Center for Health Statistics (NCHS, 1977), unificou‐os com dados do estudo de 2006 e publicou as novas curvas para a faixa de cinco a 19 anos, também em escore Z e percentil.2121 Onis M, Onyango A, Borghi E, Siyam A, Nishidaa C, Siekmanna J. Development of a WHO growth reference for school-aged children and adolescents. Bull World Health Organ. 2007;85:660-7. Essas curvas são recomendação de uso mundial para as faixas etárias, independentemente de etnia.2222 Natale V, Rajagopalan A. Worldwide variation in human growth and the World Health Organization growth standards: a systematic review. BMJ Open. 2014;4:e003735.

A avaliação por meio de dobras cutâneas, circunferências ou ainda por bioimpedância elétrica pode ser boa indicadora antropométrica para crianças e fornecer dados acerca da reserva de gordura e massa magra. Porém essa prática ainda não está estabelecida dentro da UTIP.2323 Telles R, Filho A. O uso da antropometria como método de avaliação da composição corporal em pediatria. Rev Cienc Med. 2003;12:351-63.2525 Cômodo A, Dias A, Tomaz B, Filho A, Werustsky C, Ribas D, et al. Utilização da bioimpedância para avaliação da massa corpórea. Projeto Diretrizes: Associação Brasileira de Nutrologia Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral; 2009.

Parâmetros laboratoriais também podem ser usados como complementação da avaliação nutricional e/ou acompanhamento da efetividade da terapia nutricional estabelecida. Em geral, os mais usados são as proteínas séricas e a avaliação imunológica. Porém, em pacientes críticos, torna‐se mais complexo seu uso em função das alterações orgânicas envolvidas nas doenças.2626 Leteurtre S, Duhamel A, Grandbastien B, Proulx F, Cotting J, Gottesman R, et al. Daily estimation of the severity of multiple organ dysfunction syndrome in critically ill children. CMAJ. 2010;182:1181-7.

Na análise dos estudos incluídos nesta revisão sistemática, confirmamos as dificuldades citadas. Observa‐se que não há uniformidade na escolha dos métodos e parâmetros usados para avaliação nutricional, mesmo em estudos com objetivos muito semelhantes. Em sua maioria coloca como limitação a dificuldade de aferição dos dados antropométricos nessa população. A aferição de peso e estatura foi feita em todos os estudos. Em relação às outras formas de avaliação menos usuais, como citado, apenas dois estudos usaram avaliação laboratorial do estado nutricional e três fizeram aferição de dobras e circunferências.

Ventilação mecânica

A disfunção respiratória é frequentemente apontada como a disfunção orgânica mais prevalente como causa de admissão de pacientes em estudos epidemiológicos feitos em UTIP.88 Drescher D. Perfil Nutricional e a relação com o estado de saúde em uma UTI Pediátrica. [Dissertation]. Porto Alegre (RS): Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; 2011.,2727 Typpo KV, Petersen NJ, Hallman DM, Markovitz BP, Mariscalco MM. Day 1 multiple organ dysfunction syndrome is associated with poor functional outcome and mortality in the pediatric intensive care unit. Pediatr Crit Care Med. 2009;10:562-70.,2828 Ferreira IM, Verreschi IT, Goldstein RS, Zamel N, Brooks D, Jardim JR. The influence of 6 months of oral anabolic steroids on body mass and respiratory muscles in undernourished COPD patients. Chest. 1998;114:19-28. A evolução desses pacientes pode ser desfavorável, chegar a falência respiratória e necessidade de VM. A alteração do estado nutricional pode levar ao catabolismo proteico, com depleção de massa livre de gordura, o que reduz a força da musculatura respiratória, da ventilação voluntária máxima e da capacidade vital, repercute também na função pulmonar e imunológica e aumenta o risco de infecções respiratórias.99 Mota EM, Garcia PCR, Piva JP, Fritscher CC. The influence of poor nutrition on the necessity of mechanical ventilation among children admitted to the pediatric intensive care unit. J Pediatr (Rio J). 2002;78:146-52.,2929 Doley J, Mallampali A, Sanbdberg M. Nutrition management for the patient requiring prolonged mechanical ventilation. Nutr Clin Pract. 2011;26:232-41. Estudos apontam que essa alteração de estado nutricional e depleção frequentemente ocorre durante a internação em UTIP e a causa é multifatorial.22 Cahill NE, Dhaliwal R, Day AG, Jiang X, Heyland DK. Nutrition therapy in the critical care setting: what is best achievable practice. An international multicenter observational study. Crit Care Med. 2010;38:395-401.44 Hulst JM, Van Goudoever JB, Zimmermann LJ, Hop WC, Albers MJ, Tibboel D, et al. The effect of cumulative energy and protein deficiency on anthropometric parameters in a pediatric ICU population. Clin Nutr. 2004;23:1381-9.,66 Rogers EJ, Gilbertson HR, Heine RG, Henning R. Barriers to adequate nutrition in critically ill children. Nutrition. 2003;19:865-8.

Além da influência do estado nutricional com a necessidade de VM, estudos apontam que essa depleção também pode se relacionar com a dificuldade de desmame, bem como com seu uso crônico.3030 Ambrosio N, Clini E. Long-term mechanical ventilation and nutrition. Respir Med. 2004;98:413-20.3232 Hitzl PA, Jorres RA, Heinemann F, Pfeifer M, Budweiser S. Nutritional status in patients with chronic respiratory failure receiving home mechanical ventilation: impact on survival. Am J Clin Nutr. 2010;29:65-71. Em um estudo feito em adultos com doença pulmonar crônica em uso de VM domiciliar, Hitzl et al. (2010) compararam a avaliação do estado nutricional por meio de bioimpedância elétrica (BIA) com o índice de massa corporal (IMC) e concluíram que os valores de massa livre de gordura fornecidos por meio da BIA foram preditivos de sobrevida nesses pacientes.3232 Hitzl PA, Jorres RA, Heinemann F, Pfeifer M, Budweiser S. Nutritional status in patients with chronic respiratory failure receiving home mechanical ventilation: impact on survival. Am J Clin Nutr. 2010;29:65-71. Achados semelhantes foram descritos por Martinez et al. (2014), que avaliaram a composição corporal por meio da BIA de crianças em uso de VM domiciliar e concluíram que essas apresentavam uma alta prevalência de desnutrição e importante depleção de massa livre de gordura.3333 Martinez EE, Smallwood CD, Bechard LJ, Grahan RJ, Mehta NM. Metabolic assessment and individualized nutrition in children dependent on mechanical ventilation at home. J. Pediatr. 2014;14:887-97.

Dentre os estudos selecionados na nossa revisão, dois usaram VM como um dos desfechos avaliados, com foco em tempo livre de ventilação e ventilação prolongada. Menezes et al. (2012) encontraram alta prevalência de desnutrição na sua amostra, apontaram essa variável como umas das que apresentaram associação significativa com tempo de VM maior do que cinco dias (p = 0,02).1313 Menezes FS, Leite HP, Nogueira PC. Malnutrition as an independent predictor of clinical outcome in critically ill children. Nutrition. 2012;28:276-80. Leite et al. (2013) avaliaram pacientes admitidos em UTIP que apresentavam alterações de glicemia e usaram o tempo livre de VM como um dos desfechos secundários. Verificou que pacientes desnutridos com hipoglicemia permaneciam menos tempo livre de VM (p < 0,01).1515 Leite HP, Lima LF, de Oliveira Iglesias SB, Pacheco JC, de Carvalho WB. Malnutrition may worsen the prognosis of critically ill children with hyperglycemia and hypoglycemia. J Parenter Enter Nutr. 2012;37:335-41. Podemos observar concordância entre os achados desses estudos, ambos apontam influência do estado nutricional com tempo de ventilação mecânica.

Tempo de internação em UTIP

O tempo de internação de um paciente em UTIP pode ser o reflexo da gravidade da doença, da qualidade da assistência prestada e dos procedimentos da unidade e ainda tem importante impacto nos custos hospitalares.3434 Marcin JP, Slonim AD, Pollack MM. Long-stay patients in the pediatric intensive care unit. Crit Care Med. 2001;29:652-7.,3535 Namachivaiam P, Taylor A, Montaque T, Moran K, Barrie J, Delzoppo C, et al. Long stay children in intensive care: long term functional outcome and quality of life from a 20-yr institutional study. Pediatr Crit Care Med. 2012;13:520-8. Podemos apontar essa variável de desfecho, junto de mortalidade, como uma das mais estudadas em pacientes pediátricos críticos. Em nossa amostra de estudos, foi usada em seis dos sete selecionados.

Um dos autores que comparam o estado nutricional com o tempo de internação é Pollack, em estudo feito em 1982. Essa é a única variável de desfecho usada na pesquisa. Esse é o estudo mais antigo incluído nesta revisão, porém clássico e muito citado por pesquisadores interessados no tema. Quase a metade da sua amostra (47%) era desnutrida e apresentava depleção de tecido gorduroso, bem como de massa livre de gordura. Porém, esse estudo não conseguiu demonstrar um TI significativamente maior em relação a pacientes eutróficos.1818 Pollack MM, Wiley JS, Kanter R. Malnutrition in critically ill infants and children. J Parenter Enter Nutr. 1982;6:20-4.

Com o objetivo de avaliar a relação da desnutrição e da resposta inflamatória com desfechos em pacientes pediátricos críticos, Delgado et al. (2008) verificaram que não houve diferença significativa de TI entre pacientes desnutridos graves, moderados e eutróficos.1616 Delgado AF, Okay TS, Leone C, Nichols B, Del Negro GM, Vaz FA. Hospital malnutrition and inflammatory response in critically ill children and adolescents admitted to a tertiary intensive care unit. Clinics. 2008;63:357-62. Vermilyea et al. (2013) fizeram estudo com o objetivo de validar um método de avaliação subjetiva global para pacientes pediátricos críticos. Compararam a ferramenta com avaliação antropométrica e laboratorial e posteriormente as relacionaram com desfechos. Seus achados corroboram os estudos de Pollack e Delgado, não observaram relação significativa do estado nutricional avaliado pelas três formas de ferramentas com o TI dos pacientes.

Ao levantar a discussão acerca da inconsistência de dados existentes que associam desnutrição com TI,1414 Vermilyea S, Slicker J, El-Chamas K, Sultan M, Dasqupta M, Hoffmann RG, et al. Subjective global assessment in critically children. J Parenter Enter Nutr. 2013;37:659-66. Zamberlam et al. (2012) estudaram uma população de pacientes submetidos a transplante hepático, avaliaram o estado nutricional e o relacionaram com desfechos. Em relação ao TI desses pacientes, observaram que os que apresentavam depleção muscular permaneciam mais tempo internados na UTIP. Já Leite et al., em sua população de pacientes com alterações glicêmicas, verificaram que a hipoglicemia, quando associada a desnutrição, estava associada a maior TI (p < 0,01).1515 Leite HP, Lima LF, de Oliveira Iglesias SB, Pacheco JC, de Carvalho WB. Malnutrition may worsen the prognosis of critically ill children with hyperglycemia and hypoglycemia. J Parenter Enter Nutr. 2012;37:335-41. Menezes et al. também apontam a desnutrição como fator de risco para TI prolongada (p = 0,04) e deixam claro na metodologia estatística que esse resultado foi em análise univariada, em multivariada não houve associação significativa. Diferentemente do observado na variável de desfecho discutida anteriormente, os estudos citados não têm uniformidade em seus achados e conclusões.

Mortalidade

Óbito é o principal e mais temido desfecho primário e seu risco é a razão principal da internação de crianças em uma UTI pediátrica. Os desfechos discutidos anteriormente podem ser as complicações previas ao óbito. A avaliação do risco de mortalidade dos pacientes admitidos em UTIP pode ser mensurada por escores prognósticos e esses são usados quase na totalidade de estudos que avaliam a relação do estado nutricional com mortalidade nesse grupo de pacientes. Entre os mais usados podemos citar PRISM (Risco Pediátrico de Mortalidade),1988; PIM (Índice Pediátrico de Mortalidade), 1997; e PELOD (Escore Pediátrico da Disfunção Múltipla de Órgãos), 1999. Em nossa amostra de estudos, todos que usaram mortalidade como desfecho incluíram algum escore de gravidade, na sua maioria entre os citados.

Apenas dois estudos dentre os selecionados não usaram esse desfecho. No estudo de Vermilyea foi verificado apenas o risco de gravidade dos pacientes por meio dos escores PIM2 e PRISM. Da mesma forma que TI, mortalidade se mostrou uma variável com evidência inconsistente de relação com a estado nutricional. Dos cinco estudos que foram incluídos, três não verificaram associação significativa entre essas variáveis.1212 Zamberlam P, Leone C, Tannuri U, Carvalho WB, Delago AL. Nutritional risk and anthropometric evaluation in pediatric liver transplantation. Clinics. 2012;67:1387-92.,1313 Menezes FS, Leite HP, Nogueira PC. Malnutrition as an independent predictor of clinical outcome in critically ill children. Nutrition. 2012;28:276-80.,1616 Delgado AF, Okay TS, Leone C, Nichols B, Del Negro GM, Vaz FA. Hospital malnutrition and inflammatory response in critically ill children and adolescents admitted to a tertiary intensive care unit. Clinics. 2008;63:357-62. Mas, apesar desse achado, todos discutem esse resultado, apontam outros estudos que encontraram associação e ressaltam a importância da avaliação do estado nutricional e sua possível relação com piores desfechos. Os dois estudos que encontraram relação entre o estado nutricional e mortalidade foram os de Einloft et al. (2002) e de Leite et al. (2012). O primeiro descreveu em seus resultados alta mortalidade entre desnutridos (p < 0,001) e apontou a desnutrição como fator determinante desse desfecho.1717 Einloft PR, Garcia PC, Piva JP, Bruno F, Kipper DJ, Fiori RM. Perfil epidemiológico de dezesseis anos de uma unidade de terapia intensiva pediátrica. Rev Salde Publica. 2002;36:728-33. No segundo a mortalidade foi o terceiro desfecho com relação significativa entre pacientes hipoglicêmicos, quando essa complicação estava associada a desnutrição(p < 0,05).1515 Leite HP, Lima LF, de Oliveira Iglesias SB, Pacheco JC, de Carvalho WB. Malnutrition may worsen the prognosis of critically ill children with hyperglycemia and hypoglycemia. J Parenter Enter Nutr. 2012;37:335-41.

Estratégia de busca e limitações

Nossa busca foi bastante abrangente e inicialmente contemplou estudos de várias populações. Porém, após revisão, aplicação de critérios de inclusão e exclusão e avaliação de qualidade, ficaram estudos feitos nas populações brasileira e americana. Consideramos que esse aspecto limita uma conclusão mais consistente acerca da questão de pesquisa estudada.

Conclusão

Estudos com metodologia adequada que relacionam estado nutricional e desfechos em pacientes pediátricos críticos são escassos. Todos os estudos selecionados sugerem que a desnutrição tem associação com piores desfechos ou discutem isso, porém não são homogêneos. A metodologia, em especial da avaliação e classificação do estado nutricional, varia entre os autores. Portanto, não encontramos evidências necessárias para afirmar essa relação. É de fundamental importância que novos estudos sejam feitos com metodologia de avaliação adequada e homogênea, a fim de esclarecer essa questão de pesquisa e nortear as condutas dos profissionais envolvidos no acompanhamento desses pacientes.

  • Como citar este artigo: Costa CA, Tonial CT, Garcia PC. Association between nutritional status and outcomes in critically-ill pediatric patients - a systematic review. J Pediatr (Rio J). 2016;92:223-9.

Agradecimentos

À Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), pela bolsa de estudos em nível de mestrado.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    24 Jun 2015
  • Aceito
    19 Ago 2015
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