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"Faça a coisa certa": comentários sobre o reconhecimento e manejo da via aérea difícil

CARTAS AO EDITOR

"Faça a coisa certa": comentários sobre o reconhecimento e manejo da via aérea difícil

Prezado Editor:

A maioria das emergências pediátricas são caracterizadas pelo comprometimento da via aérea (e.g., epiglotite, laringite viral, aspiração de corpo estranho ou trauma pediátrico da cabeça e/ou pescoço)1. Nessas situações extremas, a necessidade urgente de proteger a via aérea não deve, entretanto, impedir a realização de uma avaliação adequada. A avaliação da via aérea antes da intubação é um procedimento não-invasivo que não requer equipamento e sua realização não deve exceder mais do que alguns minutos. Esse procedimento, no entanto, deve basear-se nos seguintes aspectos:

Primeiro, os dentes [(1-4): 1. comprimento dos incisivos superiores, 2. sobreposição dos dentes maxilares anteriores aos dentes mandibulares, 3. protrusão anterior dos dentes mandibulares em relação aos maxilares, 4. distância inter-incisivos].

Segundo, a boca [(5-6): 5. classificação no teste de Mallampati, 6. conformação do palato].

Terceiro, o espaço mandibular [(7-8): 7. distância tireomentoniana, 8. complacência do espaço mandibular].

Quarto, o pescoço [(9-11): 9. comprimento do pescoço, 10. largura do pescoço, 11. amplitude de movimento do pescoço e da cabeça].

É importante lembrar que esses 11 procedimentos não devem ser considerados preditores infalíveis da dificuldade de intubação. Quanto mais preditores forem usados, mais precisa será a predição2. Em pediatria, devido às particularidades da anatomia e da fisiologia pediátrica, a via aérea difícil, antecipada ou inesperada, pode ser um desafio para pediatras, médicos emergencistas e anestesiologistas pediátricos4. Nesse sentido, na opinião de vários especialistas, a manobra mais importante, seguindo a intubação endotraqueal (especialmente quando realizada fora da sala de cirurgia), é a confirmação da posição apropriada do tubo traqueal através de técnicas de exame não-físicas5 que incluem2,5:

Primeiro, detector EasyCap de CO2 ao final da expiração (end-tidal CO2 - PETCO2): presença de débito cardíaco necessária para guiar o posicionamento traqueal do tubo endotraqueal.

Segundo, detector esofágico: a presença de débito cardíaco não é necessária para mostrar a posição traqueal do tubo endotraqueal.

Terceiro, algorítimo para uso combinado do detector de CO2 e do detector esofágico.

Os detectores EasyCap e esofágico são métodos simples, fáceis, confiáveis, rápidos e praticamente infalíveis para confirmação da intubação endotraqueal. Esses métodos foram incluídos nas Diretrizes Internacionais 2000 para ressuscitação cardiopulmonar5.

Em caso de impossibilidade de intubação inicial do paciente, a troca de gases dependerá da ventilação adequada com máscara facial. O primeiro componente para uma tentativa ótima de ventilação com máscara deve ser um esforço conjunto de duas pessoas seguido do uso de uma via orofaríngea de tamanho suficiente (Tabela 1). Os componentes necessários para uma ótima tentativa de laringoscopia incluem experiência do operador, relaxamento muscular adequado, posicionamento adequado da cabeça do paciente, pressão externa ótima e tipo e comprimento adequados da lâmina do laringoscópio (Tabela 1)2.

Krzysztof M. Kuczkowski

Professor de Anestesiologia e Medicina Reprodutiva; Diretor do Departamento de Anestesiologia e Medicina Reprodutiva, University of California San Diego, San Diego, California, USA

Referências

1. Amantea SL, Piva JP, Zanella MI, Bruno F, Garcia PC. Rapid airway access. J Pediatr (Rio J). 2003;79 Suppl 2:S127-38.

2. Benumof JL. ASA Difficult Airway Algorithm: New Thoughts and Considerations. CSA/UCSD Annual Meeting and Anesthesiology Review Course, May 22, 2004; 135-150.

3. Kuczkowski KM, Reisner LS, Benumof JL. Airway problems and new solutions for the obstetric patient. J Clin Anesth. 2003;15:552-63.

4. Brambrink AM, Meyer RR, Kretz FJ. Management of pediatric airway—anatomy, physiology and new developments in clinical practice. Anaesthesiol Reanim. 2003;28:144-51.

5. Guidelines 2000 for cardiopulmonary resuscitation and emergency cardiovascular care. Circulation. 2000;102 Suppl I:380-8.

Resposta do autor

Um manejo adequado da via aérea é a mais importante técnica a ser considerada durante a assistência a pacientes criticamente enfermos. É ponto de convergência entre as várias especialidades médicas que lidam com pacientes em situações de emergência e requer profissional treinado, com habilidade e destreza na realização da técnica. O acesso à via aérea é um processo contínuo de várias interfaces, que requer, além da habilidade do seu operador, conhecimento e obediência a passos sistematizados. Em sua carta ao editor, fazendo referência a artigo de revisão por nós publicado1, Dr. Krzysztof M. Kuczkowski reforça a importância de três passos a serem considerados por ocasião da realização deste procedimento na população pediátrica. O primeiro, específico à fase de preparação, inclui aspectos semiológicos importantes a serem realizados em todos os pacientes, pois podem conferir, de maneira rápida e não-invasiva, informações muito úteis que contribuem para a segurança e o sucesso da manobra. Em seqüência, salienta a importância de confirmar o adequado posicionamento do tubo na situação endotraqueal, utilizando dispositivos específicos, já incorporados a protocolos internacionais de reanimação2,3.

Por fim, conclui com a possibilidade de insucesso, onde a realização de uma adequada ventilação por máscara e a condução do procedimento dentro de uma condição técnica otimizada são fundamentais e podem ser determinantes de um desfecho clínico favorável.

Na realidade, as questões levantadas pelo Dr. Krzysztof M. Kuczkowski reforçam a importância da sistematização do procedimento na população pediátrica. Os princípios que regem o manejo da via aérea nesta população frente aos adultos são praticamente os mesmos. Excluídas algumas peculiaridades anatômicas e fisiológicas, as principais diferenças estão centradas na seleção de drogas e equipamentos a serem utilizados, freqüentemente determinados pelas primeiras características. Portanto, todas as questões levantadas devem fazer parte do plano de ação de uma seqüência rápida de intubação adequadamente executada4, partindo de uma fase de preparação e passando sistematicamente por fases de pré-oxigenação, pré-tratamento, paralisia, proteção e posicionamento. Na realidade, trata-se de uma seqüência de eventos estimada para ser desenvolvida num intervalo de alguns minutos antecedendo o procedimento propriamente dito (fase de preparação), até aproximadamente 45 segundos a contar da fase de paralisia. Dentro dessas questões, onde uma seqüência de eventos é desencadeada de maneira sucessiva num curto intervalo de tempo, também não podemos desconsiderar o manejo pós-intubação4. Aqui a preocupação deve estar centrada no adequado posicionamento do tubo numa situação endotraqueal, visto que sua inserção excessiva pode levar a uma localização endobrônquica, enquanto que uma inserção insuficiente está associada a maior risco de extubação acidental. Assim, o manejo sistematizado de todas as fases será responsável pelo sucesso da técnica. Abordando especificamente esta última etapa do plano de ação, a exemplo das questões importantes reforçadas pelo Dr. Kuczkowski específicas a outras etapas do procedimento, os Drs. Sunita Goel e Suan-Ling Lim trazem outros tópicos à discussão5. Ao avaliar tubos endotraqueais de diferentes marcas, utilizados na prática pediátrica, observaram diferenças quanto à marca indicativa da profundidade de inserção. Tal observação assume importância clínica, já que muitas diretrizes (guidelines) estimam a profundidade de inserção a partir dessas marcas padronizadas. Portanto, os autores reforçam a importância de um minucioso julgamento clínico, que parece ser superior a qualquer recomendação, já que encontraram uma grande variabilidade nos marcadores com relação à profundidade de inserção dos tubos.

Portanto, estas considerações reforçam a importância da sistematização como um processo contínuo, que obrigatoriamente deve contemplar a totalidade das ações envolvidas no procedimento de acesso à via aérea.

Sérgio L. Amantéa

Professor adjunto, Departamento de Pediatria, Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA), Porto Alegre, RS. Chefe do Serviço de Emergência Pediátrica, Hospital da Criança Santo Antônio (HCSA), Complexo Hospitalar Santa Casa, Porto Alegre, RS

Referências

1. Amantéa SL, Piva JP, Zanella MI, Bruno F, Garcia PC. Acesso rápido à via aérea. J Pediatr (Rio J). 2003;79 Suppl 2:S127-38.

2. The American Heart Association in Collaboration with the International Liaison Committee on Resuscitation. Guidelines 2000 for cardiopulmonary resuscitation and emergency cardiovascular care. Part 9: pediatric basic life support. Circulation. 2000;102 Suppl I:253-90.

3. The American Heart Association in Collaboration the International Liaison Committee on Resuscitation. Guidelines 2000 for cardiopulmonary resuscitation and emergency cardiovascular care. Part 10: pediatric advanced life support. Circulation. 2000;102 Suppl I:291-342.

4. Walls RM. Rapid sequence intubation. In: Walls RM, Luten RC, Murphy MF, Schneider RE, editors. Manual of Emergency Airway Management.Philadelphia: Lippincott, Williams & Wilkins; 2000. p. 8-15.

5. Goel S, Lim SL. The intubation depth marker: the confusion of the black line. Paediatr Anaesth. 2003;13:283-5.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Out 2004
  • Data do Fascículo
    Ago 2004
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