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Oscilometria de impulso e obesidade em crianças Como citar este artigo: Assumpção MS, Ribeiro JD, Wamosy RM, Figueiredo FC, Parazzi PL, Schivinski CI. Impulse oscillometry and obesity in children. J Pediatr (Rio J). 2018;84:419-24. ,☆☆ ☆☆ Estudo feito na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Faculdade de Ciências Médicas, Departamento de Pediatria, Campinas, SP; e Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), Departamento de Fisioterapia, Centro de Ciências da Saúde e do Esporte (Cefid), Florianópolis, SC, Brasil.

Resumo

Objetivo:

Comparar parâmetros do Sistema de Oscilometria de Impulso de crianças com peso normal com crianças com sobrepeso e obesas.

Método:

Todos os participantes foram submetidos à avaliação de mecanismos respiratórios utilizando o Sistema de Oscilometria de Impulso Jaeger™ (MasterScreen™ IOS, Erich Jaeger, Alemanha) seguindo as normas da Sociedade Torácica Americana. Todos os participantes foram submetidos a testes de espirometria e oscilometria (três testes foram registrados, com coleta de dados por pelo menos 20 segundos).

Resultados:

O estudo incluiu 81 crianças (30 no grupo de controle, 21 no grupo sobrepeso e 30 no grupo obesidade), pareadas por idade e sexo. No que diz respeito a dados de espirometria, o grupo obesidade mostrou valores numéricos mais elevados; contudo, não houve diferenças significativas entre os três grupos. No que diz respeito a parâmetros do Sistema de Oscilometria de Impulso, houve diferença entre o grupo de controle e o grupo obesidade em Z5 (p = 0,036), resistência 5 hertz (p = 0,026), frequência de ressonância (p = 0,029) e área de reatância (p = 0,014). Nos parâmetros expressos em percentual previsto, houve diferenças em resistência 5 hertz, frequência de ressonância e área de reatância entre o grupo de controle e grupo obesidade.

Conclusões:

Crianças obesas mostraram parâmetros de oscilometria aumentados representativos de obstrução das vias aéreas em comparação a crianças com peso normal. As alterações em alguns parâmetros oscilométricos já podem ser observadas em crianças com sobrepeso em idade escolar.

PALAVRAS-CHAVE
Crianças; Obesidade; Oscilometria

Abstract

Objective:

To compare impulse oscillometry system parameters of normal-weight children with overweight and obese children.

Method:

All participants were submitted to the evaluation of lung function (spirometry and impulse oscillometry) following the American Thoracic Society standards. The evaluation of respiratory mechanics was performed using the Jaeger™ MasterScreen™ Impulse Oscillometry System (Erich Jaeger, Germany), three tests were recorded, with acquisition for at least 20 seconds.

Results:

The study included 81 children (30 in the control group, 21 in the overweight group, and 30 the in obesity group), matched for age and sex. Regarding spirometry data, obesity group showed higher numerical values in relation to the control group; however, there were no significant differences among the three groups. For impulse oscillometry parameters, there was a difference between control group and obesity group for respiratory impedance (p = 0.036), resistance at 5 hertz (p = 0.026), resonant frequency (p = 0.029), and reactance area (p = 0.014). For the parameters expressed in percentage of predicted, there were differences in resistance at 5 hertz, resonant frequency, and reactance area between control group and obesity group.

Conclusions:

Obese children showed increased oscillometry parameters values representative of airway obstruction, compared to normal-weight children. Changes in some oscillometry parameters can already be observed in overweight school-aged children.

KEYWORDS
Children; Obesity; Oscillometry

Introdução

O rápido aumento da prevalência de obesidade em crianças tem demonstrado uma epidemia global atual.11 Grasemann H. Metabolic origins of childhood asthma. Mol Cell Pediatrics. 2015;2:1-6. No Brasil, a prevalência de obesidade entre crianças e adolescentes aumentou de 3,2% em 1989 para 14,2% em 2008, de acordo com o Ministério da Saúde e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Na população entre 2-19 anos, a taxa de obesidade atinge 15,4% no Sudeste, 4,3% no Nordeste, 5,3% no Centro-Oeste, 10,4% no Sul; demonstra a alta prevalência de obesidade em crianças e adolescentes brasileiros.22 Niehue JR, Gonzales AI, Lemos RR, Bezerra PP, Haas P. Prevalence of overweight and obesity in children and adolescents from the age range of 2 to 19 years old in Brazil. Int J Pediatr. 2014;583207:1-7.

É bem estabelecido que a obesidade causa alterações metabólicas, como dislipidemia, hipertensão e intolerância à glicose, além de ser considerada um fator de risco de diabetes mellitus tipo 2 e doenças cardiovasculares e respiratórias, inclusive asma.33 Grotta MB, Squebola-Cola DM, Toro AA, Ribeiro MA, Mazon SB, Ribeiro JD, et al. Obesity increases eosinophil activity in asthmatic children and adolescents. BMC Pulm Med. 2013;13:1-8.,44 Lang JE. Obesity and asthma in children: current and future therapeutic options. Paediatr Drugs. 2014;16:179-88. Essa evidência tem sido relatada mais frequentemente na população adulta. Assim, a alta prevalência de obesidade justifica a investigação da função respiratória em crianças e adolescentes.55 Papoutsakis C, Priftis KN, Drakouli M, Prifti S, Konstantaki E, Chondronikola M, et al. Childhood overweight/obesity and asthma: is there a link?. A systematic review of recent epidemiologic evidence. J Acad Nutr Diet. 2013;113:77-105.,66 Lauhkonen E, Koponen P, Nuolivirta K, Paassilta M, Toikka J, Saari A, et al. Obesity and bronchial obstruction in impulse oscillometry at age 5-7 years in a prospective post-bronchiolitis cohort. Pediatr Pulmonol. 2015;50:908-914. Quase todos os estudos usam a espirometria como ferramenta para essa avaliação.77 Torun E, Cakir E, Ozgüç F, Ozgen IT. The effect of obesity degree on childhood pulmonar function tests. Balkan Med J. 2014;31:235-238.

8 Cibella F, Bruno A, Cuttitta G, Bucchieri S, Melis MR, De Cantis S, et al. An elevated body mass index increases lung volume but reduces airflow in Italian schoolchildren. PLOS ONE. 2015;10:e0127154.
-99 Costa Junior D, Peixoto-Souza FS, Araujo PN, Barbalho-Moulin MC, Alves VC, Gomes EL, et al. Influence of body composition on lung function and respiratory muscle strength in children with obesity. J Clin Med Res. 2016;8:105-10.

Os efeitos da obesidade no sistema respiratório são vários. A menor complacência com consequente aumento do esforço respiratório, decorrente de gordura abdominal e acúmulo torácico, é normalmente observada.1010 Faria AG, Ribeiro MA, Marson FA, Schivinski CI, Severino SD, Ribeiro JD, et al. Effect of exercise test on pulmonar function of obese adolescents. J Pediatr (Rio J). 2014;90:242-9. Esse acúmulo também altera o equilíbrio da força entre o peito/parede abdominal e os pulmões, resulta na redução da capacidade residual funcional (CRF).1111 Oppenheimer BW, Berger KI, Segal LN, Stabile A, Coles KD, Parikh M, et al. Airway dysfunction in obesity: response to voluntary restoration of end expiratory lung volume. PLOS ONE. 2014;9:e88015.,1212 Konkiattikul L, Sritippayawan S, Chomtho S, Deerojanawong J, Prapphal N. Relationship between obesity indices and pulmonar function parameters in obese Thai children and adolescents. Indian J Pediatr. 2015;82:1112-6. Esses fatores podem atuar na redução do diâmetro das vias aéreas periféricas, bem como no aumento da resistência do sistema respiratório em indivíduos obesos. Adicionalmente, o aumento dos níveis de circulação de leptina está associado ao diâmetro reduzido de vias aéreas e à predisposição para aumento da hiperresponsividade brônquica, o que justifica a relevância da avaliação e o acompanhamento específico das vias aéreas central e periférica desses indivíduos.66 Lauhkonen E, Koponen P, Nuolivirta K, Paassilta M, Toikka J, Saari A, et al. Obesity and bronchial obstruction in impulse oscillometry at age 5-7 years in a prospective post-bronchiolitis cohort. Pediatr Pulmonol. 2015;50:908-914.,1313 Albuquerque CG, Andrade FM, Rocha MA, Oliveira AF, Ladosky W, Victor EG, et al. Determining respiratory system resistance and reactance by impulse oscillometry in obese individuals. J Bras Pneumol. 2015;41:422-6.

O monitoramento do comportamento das vias aéreas central e periférica nessa população é muito importante; contudo, é difícil avaliar vias aéreas mais distais por meio de testes tradicionais, como a espirometria, que pode avaliar a normalidade do volume expiratório forçado em um segundo (VEF1), a capacidade vital (CV), devido à sua grande área transversal e contribuição mínima para a resistência total das vias aéreas.1414 Kalhoff H, Breidenbach R, Smith HJ, Marek W. Impulse oscillometry in preschool children and association with body mass index. Respirology. 2011;16:174-9.

15 Assumpção MS, Gonçalves RM, Ferreira LG, Schivinski CI. Impulse oscillometry system in pediatrics: review. Medicina (Ribeirão Preto). 2014;47:131-42.
-1616 Larsen GL, Morgan W, Heldt GP, Mauger DT, Boehmer SJ, Chinchilli VM, et al. Impulse oscillometry versus spirometry in a long-term study of controller therapy for pediatric asthma. J Allergy Clin Immunol. 2008;123:861-7.

O Sistema de Oscilometria de Impulso (IOS) é uma ferramenta usada para avaliações mais detalhadas. Trata-se de um método não invasivo e independente de esforços para medir parâmetros de respiração mecânica.1414 Kalhoff H, Breidenbach R, Smith HJ, Marek W. Impulse oscillometry in preschool children and association with body mass index. Respirology. 2011;16:174-9.,1717 Brashier B, Salvi S. Measuring lung function using sound waves: role of the forced oscillation technique and impulse oscillometry system. Breathe (Sheff). 2015;11:57-65. A aplicação de pulsos de pressão de múltiplas frequências permite a medição de impedância (Z), frequência de ressonância (Fres), resistência (R) e reatância (X) e área de reatância (AX) do sistema respiratório, em variações de frequência disponíveis.1515 Assumpção MS, Gonçalves RM, Ferreira LG, Schivinski CI. Impulse oscillometry system in pediatrics: review. Medicina (Ribeirão Preto). 2014;47:131-42.,1818 Gochicoa-Rangel L, Torre-Bouscoulet L, Martínez-Briseño D, Rodríguez-Moreno L, Cantú-González G, Vargas MH. Values of impulse oscillometry in healthy Mexican children and adolescents. Respir Care. 2015;60:119-27. Ele envolve medições rápidas e reproduzíveis,1919 Bickel S, Popler J, Lesnick B, Eid N. Impulse oscillometry interpretation and practical applications. Chest. 2014;146:841-7. sugere uma identificação de disfunções mais sensível nas vias aéreas distais em caso de sobrepeso e obesidade.

Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi comparar parâmetros do IOS de crianças com peso normal, sobrepeso e obesidade.

Métodos

Este é um estudo transversal, analítico e comparativo com crianças com peso normal, sobrepeso e obesidade, entre seis e 14 anos, que frequentam instituições educacionais em Florianópolis (Santa Catarina/Brasil). Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) sob o número de protocolo 97/2011.

Os pais ou responsáveis foram informados dos objetivos, procedimentos, riscos e benefícios do estudo, concordaram com a participação e assinaram um documento de consentimento informado (CI). Eles também responderam ao questionário do Estudo Internacional de Asma e Alergias na Infância (ISAAC), validado para o português.2020 Solé D, Vanna AT, Yamada E, Rizzo MC, Naspitz CK. International study of asthma and allergies in childhood (ISAAC) written questionnaire: validation of the asthma component among Brazilian children. J Investig Allergol Clin Immunol. 1997;8:376-82.

Os participantes foram selecionados de acordo com as diretrizes da Sociedade Torácica Americana (ATC) e da Sociedade Respiratória Europeia (ERS),2121 Beydon N, Lombardi E, Allen J, Arets H, Aurora P, Bisgaard H, et al. An official American Thoracic Society/European Respiratory Society statement: pulmonary function testing in preschool children. Am J Respir Crit Care Med. 2007;175:1304-45. segundo as quais os participantes não mostraram episódio de pieira, histórico de parto prematuro, doenças respiratórias, infecção do trato respiratório nas duas últimas semanas de avaliação, distúrbios musculares, não eram fumantes passivos, não apresentavam doenças neurológicas, asma e/ou rinite alérgica (avaliados de acordo com a classificação do Estudo Internacional de Asma e Alergias na Infância (ISAAC). Crianças em idade escolar entre seis e nove anos e 10 e 14 anos classificadas segundo o ISAAC com pontuação para asma maior ou igual a 5 e 6, respectivamente, e pontuações mais elevadas ou iguais a 4 e 3, respectivamente, para o diagnóstico de rinite2222 Behl RK, Kashyap S, Sarkar M. Prevalence of bronchial asthma in school children of 6-13 years of age in Shimla City. Indian J Chest Dis Allied Sci. 2010;52:145-8.,2323 Vanna AT, Yamada E, Arruda LK, Naspitz CK, Solé D. International study of asthma and allergies in childhood: validation of the rhinitis symptom questionnaire and prevalence of rhinitis in schoolchildren in São Paulo, Brazil. Pediatr Allergy Immunol. 2001;12:95-101. foram excluídas. Indivíduos que apresentaram qualquer alteração, visual, auditiva ou cognitiva, não cooperaram com o estudo ou mostraram pouco entendimento das etapas dos procedimentos propostos foram excluídos da amostra final.

Todos os participantes apresentaram dados de espirometria em conformidade com os parâmetros de normalidade: VEF1 e capacidade vital forçada (CVF) ≥ 80% de predição de VEF1/CVF ≥ 0,8,2424 Polgar GJ, Weng TR. The functional development of the respiratory system. Am Rev Respir Dis. 1979;120:625-95. de acordo com os critérios de aceitabilidade e reprodutibilidade da Sociedade Torácica Americana (2005).2525 Miller MR, Hankinson J, Brusasco V, Burgos F, Casaburi R, Coates A, et al. American Thoracic Society, Standardization of spirometry. Eur Respir J. 2005;26:319-38.

Na avaliação biométrica, peso e estatura foram medidos com uma balança digital Ultra Slim W903-Wiso® (Wiso®, SC, Brasil) e um estadiômetro portátil Sanny® (Sanny®, SP, Brasil), respectivamente. Com base nessas informações, o índice de massa corporal (IMC) poderia ser obtido com a fórmula peso/estatura.22 Niehue JR, Gonzales AI, Lemos RR, Bezerra PP, Haas P. Prevalence of overweight and obesity in children and adolescents from the age range of 2 to 19 years old in Brazil. Int J Pediatr. 2014;583207:1-7. Para obter a classificação do IMC, os dados percentis foram considerados de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS).2626 Brazil Telehealth Program. Ministry of Health. Available from: http://www.telessaudebrasil.org.br/apps/calculadoras/page=7 [accessed 15.05.14].
http://www.telessaudebrasil.org.br/apps/...
Os seguintes grupos foram formados:
  1. -

    Grupo de controle (GC) - indivíduos no intervalo ≥ 3° e < 85° percentil foram classificados como saudáveis.

  2. -

    Grupo Sobrepeso (GS) - indivíduos no intervalo ≥ 85° e < 97° percentil foram classificados como sobrepeso.

  3. -

    Grupo Obeso (GO) - indivíduos ≥ 97° percentil foram classificados como obesos.

Em seguida, uma análise de mecanismos respiratórios foi conduzida com o IOS, de acordo com as diretrizes da ATS,2121 Beydon N, Lombardi E, Allen J, Arets H, Aurora P, Bisgaard H, et al. An official American Thoracic Society/European Respiratory Society statement: pulmonary function testing in preschool children. Am J Respir Crit Care Med. 2007;175:1304-45. com tempo de coleta de dados entre 20 e 30 segundos. Três medições foram feitas e o melhor valor de três tentativas válidas foi selecionado para análise em mais detalhes. Uma variação máxima de 10% entre as medições foi permitida para cada um dos parâmetros. Os parâmetros de oscilometria avaliados incluíram: impedância respiratória (Z5); resistência total (R5) e vias aéreas centrais (R20); reatância a 5 hertz (X5); área de reatância (AX) e Fres. Para a análise de dados, o percentual de valores preditivos foi calculado, de acordo com os valores de referência para crianças brasileiras propostos por Assumpção et al.2727 Assumpção MS, Gonçalves RM, Martins R, Bobbio TG, Schivinski CIS. Reference equations for impulse oscillometry system parameters in Brazilian healthy children and adolescents. Respir Care. 2016;61:1090-9.

Os testes de espirometria também foram feitos com o IOS JaegerTM (MasterScreenTM IOS, Erich Jaeger, Alemanha), calibrado antes de cada teste. Os testes de espirometria foram feitos após as medições oscilométricas, de acordo com as diretrizes da ATS/ERS.2525 Miller MR, Hankinson J, Brusasco V, Burgos F, Casaburi R, Coates A, et al. American Thoracic Society, Standardization of spirometry. Eur Respir J. 2005;26:319-38. Os dados relacionados a condições ambientais foram relatados e monitorados por um higrômetro térmico (Incoterm®, SP, Brasil), com humidade relativa mantida entre 40% e 50% e temperatura não inferior a 17 °C nem acima de 40 °C.

Os dados foram analisados com o software Pacote Estatístico para as Ciências Sociais® (SPSS) versão 20.0 e apresentados por estatísticas descritivas expressas em média e desvio-padrão para a distribuição normal de dados e mediana e intervalo interquartil para a distribuição anormal de dados, de acordo com a distribuição dos dados registrados pelo teste Shapiro ro-Wilk.

O grau de homogeneidade entre os grupos estudados foi verificado com o teste qui-quadrado para variáveis nominais e com uma análise de variância (Anova) unidirecional e o teste de Kruskal-Wallis para variáveis contínuas. Para comparar os dados oscilométricos e os parâmetros de espirometria entre os grupos, usamos o teste Anova unidirecional (post-hoc Bonferroni) para dados paramétricos ou o teste de Kruskal-Wallis para dados não paramétricos. Caso houvesse diferenças estatísticas no teste de Kruskal-Wallis, um teste de comparação múltipla era aplicado. O nível de significância foi estabelecido em p < 0,05.

O tamanho da amostra foi calculado com base nos dados de um estudo piloto com 10 crianças obesas e 10 crianças com peso normal entre seis e 13 anos. A variável Z5 foi considerada, devido a sua importância para a carga mecânica total do sistema respiratório. Os dados mostraram um desvio-padrão de 0,09 (kPa/L/s) com uma diferença mínima de 0,008 (kPa/L/s) a ser detectada. Para as estimativas, o nível de significância foi estabelecido em 5%, com força de 80% e um total de 20 indivíduos foi considerado suficiente para compor cada grupo.

Resultados

Participaram do estudo 81 crianças: 30 no GC, 21 no GS e 30 no GO, todas pareadas por idade e sexo. As medições biométricas de peso, a estatura e o IMC de cada grupo são apresentados na tabela 1.

Tabela 1
Descrição e comparação de dados antropométricos, sexo e idade de cada um dos três grupos

O GO mostrou valores numéricos mais elevados de dados espirométricos, sem diferença significativa entre os três grupos. Todos os valores ficaram dentro do intervalo normal (tabela 2).

Tabela 2
Descrição e comparação de dados de variáveis espirométricas de acordo com os três grupos. Os dados com distribuição normal foram expressos como média e desvio-padrão e distribuição anormal como mediana e intervalos interquartis

No que diz respeito aos parâmetros do IOS, houve diferenças entre GC e GO em Z5, R5, Fres e AX. Nos parâmetros expressos em percentual previsto,2727 Assumpção MS, Gonçalves RM, Martins R, Bobbio TG, Schivinski CIS. Reference equations for impulse oscillometry system parameters in Brazilian healthy children and adolescents. Respir Care. 2016;61:1090-9. houve diferenças em R5%, Fres% e AX% entre o GC e o GO (tabela 3).

Tabela 3
Descrição e comparação de dados dos parâmetros do IOS de acordo com os grupos. Os dados com distribuição normal foram expressos como média e desvio-padrão e com distribuição anormal como mediana e intervalos interquartis

Discussão

Há poucos estudos na literatura66 Lauhkonen E, Koponen P, Nuolivirta K, Paassilta M, Toikka J, Saari A, et al. Obesity and bronchial obstruction in impulse oscillometry at age 5-7 years in a prospective post-bronchiolitis cohort. Pediatr Pulmonol. 2015;50:908-914.,1313 Albuquerque CG, Andrade FM, Rocha MA, Oliveira AF, Ladosky W, Victor EG, et al. Determining respiratory system resistance and reactance by impulse oscillometry in obese individuals. J Bras Pneumol. 2015;41:422-6.,1414 Kalhoff H, Breidenbach R, Smith HJ, Marek W. Impulse oscillometry in preschool children and association with body mass index. Respirology. 2011;16:174-9.,2828 Van de Kant KD, Paredi P, Meah S, Kalsi HS, Barnes PJ, Usmani OS. The effect of body weight on distal airway function and airway inflammation. Obes Res Clin Pract. 2015;10:564-73. que avaliam o impacto da obesidade de acordo com os parâmetros do IOS. Este estudo comprova que alterações na função respiratória em crianças com sobrepeso e obesas podem ser identificadas por meio desse equipamento.

Especificamente com relação a esse tipo de avaliação está a possibilidade de verificar maior resistência periférica por meio do IOS nessa população, mesmo quando o volume expiratório forçado em um segundo (VEF1) está dentro da faixa normal de capacidade vital forçada (CVF). Isso sugere que distúrbios em vias aéreas mais distais e a presença de obstrução podem ser mais bem identificados por meio do IOS,1111 Oppenheimer BW, Berger KI, Segal LN, Stabile A, Coles KD, Parikh M, et al. Airway dysfunction in obesity: response to voluntary restoration of end expiratory lung volume. PLOS ONE. 2014;9:e88015. como observado neste estudo.

Van Kant et al.2828 Van de Kant KD, Paredi P, Meah S, Kalsi HS, Barnes PJ, Usmani OS. The effect of body weight on distal airway function and airway inflammation. Obes Res Clin Pract. 2015;10:564-73. analisaram a relação entre IMC e vias aéreas, mais especificamente a função das vias aéreas periféricas e a presença de inflamação em adultos com sobrepeso e obesos (IMC ≥ 30), que apresentaram resultados de espirometria normais. Corroborando os achados deste estudo, os autores observaram que as medições de resistência das vias aéreas, nas frequências de 5 e 20 Hz, Fres e AX foram mais elevadas em indivíduos adultos com sobrepeso e obesos em comparação com adultos com IMC normal.2828 Van de Kant KD, Paredi P, Meah S, Kalsi HS, Barnes PJ, Usmani OS. The effect of body weight on distal airway function and airway inflammation. Obes Res Clin Pract. 2015;10:564-73. Os autores também concluíram que o sobrepeso tem efeitos significativos na função respiratória, conforme determinado pelo IOS, o que às vezes não é detectado por espirometria. Esses achados indicam que o IOS é uma ferramenta sensível para avaliar mecanismos pulmonares de indivíduos com sobrepeso.2828 Van de Kant KD, Paredi P, Meah S, Kalsi HS, Barnes PJ, Usmani OS. The effect of body weight on distal airway function and airway inflammation. Obes Res Clin Pract. 2015;10:564-73.

Um dos únicos estudos feitos com crianças sobre a relação da massa corporal (sobrepeso e obesidade) com parâmetros oscilométricos foi conduzido por Kalhoff et al.1414 Kalhoff H, Breidenbach R, Smith HJ, Marek W. Impulse oscillometry in preschool children and association with body mass index. Respirology. 2011;16:174-9. Entretanto, ao contrário dos resultados indicados aqui, os autores não observaram alterações nos parâmetros do IOS com o IMC aumentado.66 Lauhkonen E, Koponen P, Nuolivirta K, Paassilta M, Toikka J, Saari A, et al. Obesity and bronchial obstruction in impulse oscillometry at age 5-7 years in a prospective post-bronchiolitis cohort. Pediatr Pulmonol. 2015;50:908-914. O grupo obeso avaliado neste estudo apresentou níveis mais elevados de R5, mostrou que esse aumento afetou vias aéreas de pequeno e grande diâmetro. Adicionalmente, Fres e AX também mostraram alterações, o que sugere a presença de obstrução de vias aéreas.

Albuquerque et al.1313 Albuquerque CG, Andrade FM, Rocha MA, Oliveira AF, Ladosky W, Victor EG, et al. Determining respiratory system resistance and reactance by impulse oscillometry in obese individuals. J Bras Pneumol. 2015;41:422-6. estudou 85 adultos e dividiu-os em quatro grupos (controle, obesidade, obesidade grave e obesidade mórbida). Ele relatou que indivíduos com obesidade grave e obesidade mórbida mostraram maior resistência total e periférica, bem como mais valores de reatância negativos. Apesar de não significativo, este estudo constatou que esses parâmetros em pacientes obesos também apresentaram alterações. Diferentemente do estudo de Albuquerque et al.1313 Albuquerque CG, Andrade FM, Rocha MA, Oliveira AF, Ladosky W, Victor EG, et al. Determining respiratory system resistance and reactance by impulse oscillometry in obese individuals. J Bras Pneumol. 2015;41:422-6. não houve alterações significativas em X5, possivelmente devido ao fato de que o estudo mencionado avaliou indivíduos com obesidade mais grave.

Uma associação significativa entre obesidade e sistema respiratório é a presença frequente de sintomas de asma, que exigem tratamento devido à função pulmonar reduzida. Luhkonen et al.66 Lauhkonen E, Koponen P, Nuolivirta K, Paassilta M, Toikka J, Saari A, et al. Obesity and bronchial obstruction in impulse oscillometry at age 5-7 years in a prospective post-bronchiolitis cohort. Pediatr Pulmonol. 2015;50:908-914. avaliaram a associação entre peso, função pulmonar e reatividade brônquica, por meio do IOS, e observaram que sete crianças obesas apresentaram maior impedância pós-broncodilatadora nas vias aéreas e valores R5 mais elevados em comparação com crianças com peso normal. O estudo incluiu 99 crianças com média de 6,3 anos, internadas devido a bronquiolite, e os achados sugeriram mudanças estruturais irreversíveis nas vias aéreas de crianças obesas. Os resultados mostraram que a obesidade poderá estar associada à obstrução das vias aéreas66 Lauhkonen E, Koponen P, Nuolivirta K, Paassilta M, Toikka J, Saari A, et al. Obesity and bronchial obstruction in impulse oscillometry at age 5-7 years in a prospective post-bronchiolitis cohort. Pediatr Pulmonol. 2015;50:908-914. e induz uma série de efeitos biofísicos nos pulmões, como volume reduzido, que aumenta a resistência de pequenas vias aéreas e a variabilidade do pico de fluxo expiratório. Esses fatores são muito favoráveis para o desenvolvimento ou exacerbação da asma.2929 Robinson PD. Obesity and its impact on the respiratory system. Paediatric Resp Rev. 2014;16:219-26.,3030 Frey U, Latzin P, Usemann J, Maccora J, Zumsteg U, Kriemler S. Asthma and obesity in children: current evidence and potential system biology approaches. Alergy. 2015;70:26-40.

Apesar de a espirometria sugerir cada vez mais uma associação entre obesidade e função pulmonar prejudicada, há apenas alguns relatórios sobre o impacto do sobrepeso sobre os mecanismos respiratórios. Os resultados deste estudo mostraram que esse tipo de investigação com crianças em idade escolar acima do peso e obesas e com espirometria normal deve incluir a medição de parâmetros oscilométricos.

No presente estudo, os valores de VEF1 mostram que os três grupos analisados estão dentro do intervalo normal e os valores percentuais preditivos mais baixos não representam doença pulmonar por espirometria. Essa diferença numérica e não estatística entre os grupos, principalmente com relação ao grupo sobrepeso, se deve provavelmente a uma melhor execução/desempenho da manobra forçada e valores de maior estatura nesse grupo. Não foi encontrada relação entre valores de idade e VEF1.

Em geral, crianças com sobrepeso e obesas mostraram alterações em todos os parâmetros avaliados por meio do IOS (Z5, R5, R20, X5, Fres, AX) em comparação com crianças com peso normal. Essas alterações em mecanismos respiratórios foram mais evidentes em crianças obesas, identificadas principalmente em parâmetros relacionados à presença de obstrução de vias aéreas (R5, Fres e AX).

  • Como citar este artigo: Assumpção MS, Ribeiro JD, Wamosy RM, Figueiredo FC, Parazzi PL, Schivinski CI. Impulse oscillometry and obesity in children. J Pediatr (Rio J). 2018;84:419-24.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2018

Histórico

  • Recebido
    5 Fev 2017
  • Aceito
    24 Maio 2017
  • Publicado
    08 Set 2017
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