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Exame oftalmológico do recém-nascido no berçário: uma rotina necessária

Ophthalmological examination in newborns: a necessary routine

Exame oftalmológico do recém-nascido no berçário: uma rotina necessária

Ophthalmological examination in newborns: a necessary routine

Rosa Maria Graziano * * Rosa Maria Graziano - Doutora em Oftalmologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Médica Assistente do Dep. de Oftalmologia e Berçário Anexo à Maternidade – Hospital de Clínicas - FMUSP.

Uma boa acuidade visual é importante no desenvolvimento físico e cognitivo normal da criança. Um objeto, mesmo quando não é visto, existe e é reconhecido de forma diferente por crianças com acuidade visual normal e deficiente. O desenvolvimento motor e a capacidade de comunicação são prejudicados na criança com deficiência visual porque gestos e condutas sociais são aprendidos pelo feedback visual(1 1. Wright KW, Spiegel PH. Pediatric Ophthalmology and Strabismus. 1ª ed. St Louis: Mosby Inc.; 1999. p. 5-23 ).

O diagnóstico precoce de doenças que determinam prejuízo visual permite um tratamento efetivo, e quando não é possível tratar a doença ou a lesão é cicatricial, a prescrição de auxílios óticos e um programa de estimulação visual precoce permitem que a criança possa ter uma integração maior com seu meio.

O trabalho de Wasilewski e colaboradores tem o mérito de chamar a atenção para a importância do exame dos recém-nascidos (RN) no berçário. É fundamental que o pediatra seja orientado a incorporar o exame oftalmológico ao seu exame do RN, que " olhe o olho" como olha deformidades físicas ou realiza uma manobra de Ortolani. O exame que Wasilewski e colaboradores realizaram poderia e deveria ser instituído em todo berçário, particularmente naqueles que não puderem contar com um oftalmologista que faça consultas rotineiras.

Uma lanterninha e um oftalmoscópio direto é tudo o que o pediatra necessitará para realizar o exame: a lanterna para o exame externo e pesquisa dos reflexos fotomotores, e o oftalmoscópio para pesquisa do reflexo vermelho simultâneo dos dois olhos (Bruckner Test). O exame deve ser feito na penumbra, com o oftalmoscópio colocado a aproximadamente 1 metro dos olhos da criança, observando-se o reflexo vermelho dos dois olhos simultaneamente. Se for notado um reflexo diferente entre os olhos ou a presença de opacidade, esta criança deverá ser avaliada pelo oftalmologista com urgência, pois pode ter uma catarata congênita, retinoblastoma ou mesmo grandes diferenças de refração entre os olhos(2 2. Hoyt CS, Nickel BL, Billson FA. Ophthalmological examination of the infant: developmental aspects. Surv Ophthalmol 1982;26:177-89. ).

Os recém-nascidos geralmente não apresentam olhos alinhados nos primeiros dias de vida, pois o desenvolvimento da fixação monocular só está bem desenvolvida aos 2 meses, e a estereopsia ou visão binocular estará bem desenvolvida entre os 3 e 7 meses. Raramente a esotropia congênita tem seu diagnóstico feito antes dos 6 meses de vida(1 1. Wright KW, Spiegel PH. Pediatric Ophthalmology and Strabismus. 1ª ed. St Louis: Mosby Inc.; 1999. p. 5-23 ). Wasilewski e colaboradores encontraram o desvio dos olhos em convergência mais freqüentemente (24%), não sendo o esperado para esta faixa etária, mas não significando que esta criança seja ou será estrábica. Sondhi e col., examinando 2.271 recém-nascidos nos primeiros dias de vida, observaram que aproximadamente 30% deles tinham olhos alinhados, 70% olhos divergentes, e menos que 1% olhos em convergência(1 1. Wright KW, Spiegel PH. Pediatric Ophthalmology and Strabismus. 1ª ed. St Louis: Mosby Inc.; 1999. p. 5-23 ).

O reflexo vermelho irá diagnosticar as doenças que comprometerem o eixo visual do olho, e o exame com a lanterna, a conjuntivite neonatal e o glaucoma congênito, deixando sem diagnóstico doenças graves. Um exame oftalmológico especializado, ainda no berçário, é recomendável nos RN que apresentaram trauma de parto, ou em crianças de famílias portadoras de retinoblastoma e outras doenças com transmissão genética. É imprescindível o exame no berçário em recém-nascidos prematuros e portadores de infecção congênita(3 3. Graziano RM. Exame oftalmológico: quando e como examinar a criança. Revista Paulista de Pediatria 2001;19:148-54. ).

O Prof. Dr. Renato Procianoy escreveu, em editorial desta revista, "Infelizmente, em nosso meio, existem poucos serviços que se preocupam em rastrear adequadamente seus pacientes para o diagnóstico precoce da ROP. Esse procedimento deve ser estimulado de forma que menos crianças venham manifestar deficiências visuais secundárias a problemas neonatais". Suas recomendações de 1997 são atuais, pois a prevalência e a gravidade da retinopatia da prematuridade (RP) são maiores hoje(4-6 4. Procianoy RS. Retinopatia da prematuridade: uma doença solicitando a atenção do neonatologista . J Pediatr (Rio J) 1997;73:361-2. ).

A RP é uma retinopatia proliferativa, com etiologia multifatorial, que compromete RN prematuros. Nos últimos anos, novas drogas e técnicas foram introduzidas no tratamento destas crianças, fazendo com que a mortalidade perinatal diminuísse, RN muito prematuros sobrevivessem, e a RP aumentasse em prevalência e gravidade proporcionalmente(6 6. Graziano RM, Leone CR, Francischini S, Zacharias LC, Sadeck LSR. Prevalência da retinopatia da prematuridade em recém-nascidos prematuros de muito baixo peso. Pôster apresentado no IV Congresso de Oftalmologia da USP – Novembro de 2001 e XVII Congresso Brasileiro de Perinatologia - Novembro de 2001. ).

Deve ser avaliado no berçário todo RNPT com peso ao nascer inferior a 1.500g, principalmente os com peso inferior a 1.250g e/ou IG inferior a 34 semanas(5 5. Graziano RM, Leone CR, Cunha SL, Pinheiro AC. Prevalência da retinopatia da prematuridade em recém-nascidos de muito baixo peso. J Pediatr (Rio J) 1997;73:377-82 . ). Os RNPT que permanecerem em ventilação mecânica por mais de 20 dias, independente da IG, devem ser avaliados também. O melhor momento para realizar o exame é controverso. Realizamos entre 4 e 6 semanas de vida e repetimos a cada 1 ou 2 semanas, até que a retina complete sua vascularização. Como os recém-nascidos com IG menor que 27 semanas ao nascer têm maior risco para RP, realizamos o primeiro exame com 30 semanas de IG corrigida, independente da idade cronológica. Palmer, para maximizar o diagnóstico, preconiza o exame entre 7 e 9 semanas de vida nos berçários em que apenas um exame pode ser realizado(7 7. Palmer EA. Optimal timing of examination for acute retrolental fibroplasia. Ophthalmology 1981;88:662-8. ).

As principais infecções congênitas com acometimento oftalmológico são a toxoplasmose, a rubéola e o citomegalovírus (CMV). O seu tratamento não depende dos achados do exame oftalmológico. O exame oftalmológico auxilia a diferenciar as condições citadas, bem como a orientar o seu tratamento, uma vez que as manifestações clínicas na maioria das vezes são semelhantes, e o tratamento inicial nem sempre suficiente.

A toxoplasmose é uma importante causa de baixa de visão em crianças. Mais de 82% dos indivíduos com infecção congênita, se não tratados durante o primeiro ano de vida, desenvolvem lesões coriorretinianas até a adolescência. O tratamento desses casos reduz para 58% a porcentagem de lesões coriorretinianas observadas(8 8. Mets MB, Holfels ELS, Boyer KM, Swisher CN, Roizen N, Stein L, et al. Eye manifestations of congenital toxoplasmosis. Am J Ophthalmol 1996;122:309-24. ). É importante ressaltar que o cisto do toxoplasma pode romper tardiamente, e a criança não saber informar sobre a doença. Recomendamos o exame de toda criança, mesmo quando o exame do berçário é normal, com 3 e 6 meses, exames semestrais até os 3 anos, e a seguir, anualmente.

A infecção por CMV é muito comum na população geral e na maioria não acarreta lesão. Adquire importância clínica em imunodeprimidos e em RN infectados congenitamente. A infecção materna é subclínica em 90% dos casos. Aproximadamente 40% das mães com infecção primária transmitem para o feto, porém somente 10 a 15% têm a doença sintomática ao nascimento. A doença retiniana é devastadora e deve ser tratada com ganciclovir endovenoso até a cicatrização das lesões retinianas, o que dificilmente acontece antes dos 4 meses de vida, quando a imunidade da criança estará melhor desenvolvida. Avaliamos os recém-nascidos com sorologia positiva para CMV semanalmente, no primeiro mês, e quinzenalmente até o quarto mês de vida.

Por fim, gostaria de sugerir que as sociedades de pediatria regionais ofereçam a seus associados cursos de oftalmologia para o pediatra, nos moldes em que a Sociedade de Pediatria de São Paulo promove desde 1998. Nesses cursos teórico-práticos, o pediatra aprende e é estimulado a introduzir na sua prática diária a avaliação de acuidade visual, a pesquisa do reflexo vermelho e de estrabismo com lanterna (teste de Hirschiberg), bem como se conduzir nas emergências oftalmológicas.

Sobe

Referências bibliográficas

Sobe

  • 1.
    Wright KW, Spiegel PH. Pediatric Ophthalmology and Strabismus. 1ª ed. St Louis: Mosby Inc.; 1999. p. 5-23
  • 2.
    Hoyt CS, Nickel BL, Billson FA. Ophthalmological examination of the infant: developmental aspects. Surv Ophthalmol 1982;26:177-89.
  • 3.
    Graziano RM. Exame oftalmológico: quando e como examinar a criança. Revista Paulista de Pediatria 2001;19:148-54.
  • 4.
    Procianoy RS. Retinopatia da prematuridade: uma doença solicitando a atenção do neonatologista . J Pediatr (Rio J) 1997;73:361-2.
  • 5.
    Graziano RM, Leone CR, Cunha SL, Pinheiro AC. Prevalência da retinopatia da prematuridade em recém-nascidos de muito baixo peso. J Pediatr (Rio J) 1997;73:377-82 .
  • 6.
    Graziano RM, Leone CR, Francischini S, Zacharias LC, Sadeck LSR. Prevalência da retinopatia da prematuridade em recém-nascidos prematuros de muito baixo peso. Pôster apresentado no IV Congresso de Oftalmologia da USP – Novembro de 2001 e XVII Congresso Brasileiro de Perinatologia - Novembro de 2001.
  • 7.
    Palmer EA. Optimal timing of examination for acute retrolental fibroplasia. Ophthalmology 1981;88:662-8.
  • 8.
    Mets MB, Holfels ELS, Boyer KM, Swisher CN, Roizen N, Stein L, et al. Eye manifestations of congenital toxoplasmosis. Am J Ophthalmol 1996;122:309-24.
  • *
    Rosa Maria Graziano - Doutora em Oftalmologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Médica Assistente do Dep. de Oftalmologia e Berçário Anexo à Maternidade – Hospital de Clínicas - FMUSP.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jan 2003
    • Data do Fascículo
      2002
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