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Pneumonia por "Pneumocystis carinii": forma tumoral

"Pneumocystis carinii" pneumonia: tumoral manifestation

Resumos

A pneumocistose é uma infecção oportunística freqüente em imunodeprimidos, principalmente naqueles com a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). Relata-se o caso de um paciente com quadro insidioso de febre, tosse e emagrecimento. Na radiografia de tórax observou-se imagem tumoral em seio costofrênico direito. Iniciou-se uso de prova terapêutica para tuberculose com rifampicina, isoniazida e pirazinamida (esquema I), sem resolução. Posteriormente, foi realizada biópsia pulmonar "a céu aberto" e o estudo histopatológico revelou pneumonia por Pneumocystis carinii. Houve melhora clínica e radiológica após o início do tratamento específico.

pneumonia por Pneumocystis carinii; infecções oportunísticas relacionadas com a AIDS


Pneumocystosis is an opportunistic infection that occurs frequently in immunodeficient patients, mainly in those with the acquired immunological deficiency (AIDS). The authors report the case of a patient with insidious symptoms of fever, cough, and weight loss. Thorax radiography revealed a tumoral image in the right costophrenic angle. Treatment for tuberculosis (therapeutic test) presented no response. An open lung biopsy was performed and the histological examination revealed Pneumocystis carinii pneumonia. The patient presented significant clinical and radiological improvement with specific treatment.

Pneumocystis carinii pneumonia; AIDS-related opportunistic infections


RELATO DE CASO

Pneumonia por "Pneumocystis carinii": forma tumoral* * Trabalho realizado no Instituto de Infectologia "Emílio Ribas", São Paulo, SP.

LUIZ ALBERTO COSTA BARRA1 * Trabalho realizado no Instituto de Infectologia "Emílio Ribas", São Paulo, SP. , ELENI APARECIDA BEDAQUE1 * Trabalho realizado no Instituto de Infectologia "Emílio Ribas", São Paulo, SP. ,4 * Trabalho realizado no Instituto de Infectologia "Emílio Ribas", São Paulo, SP. , FABIO LEONCIO BORNSTEIN MARTINELLI2 * Trabalho realizado no Instituto de Infectologia "Emílio Ribas", São Paulo, SP. , AUDREY EGYPTO MACEDO2 * Trabalho realizado no Instituto de Infectologia "Emílio Ribas", São Paulo, SP. , RENATO CURTI JR.3 * Trabalho realizado no Instituto de Infectologia "Emílio Ribas", São Paulo, SP. , RICARDO HANNA1 * Trabalho realizado no Instituto de Infectologia "Emílio Ribas", São Paulo, SP.

A pneumocistose é uma infecção oportunística freqüente em imunodeprimidos, principalmente naqueles com a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). Relata-se o caso de um paciente com quadro insidioso de febre, tosse e emagrecimento. Na radiografia de tórax observou-se imagem tumoral em seio costofrênico direito. Iniciou-se uso de prova terapêutica para tuberculose com rifampicina, isoniazida e pirazinamida (esquema I), sem resolução. Posteriormente, foi realizada biópsia pulmonar "a céu aberto" e o estudo histopatológico revelou pneumonia por Pneumocystis carinii. Houve melhora clínica e radiológica após o início do tratamento específico.

"Pneumocystis carinii" pneumonia: tumoral manifestation

Pneumocystosis is an opportunistic infection that occurs frequently in immunodeficient patients, mainly in those with the acquired immunological deficiency (AIDS). The authors report the case of a patient with insidious symptoms of fever, cough, and weight loss. Thorax radiography revealed a tumoral image in the right costophrenic angle. Treatment for tuberculosis (therapeutic test) presented no response. An open lung biopsy was performed and the histological examination revealed Pneumocystis carinii pneumonia. The patient presented significant clinical and radiological improvement with specific treatment.

Descritores ¾ pneumonia por Pneumocystis carinii; infecções oportunísticas relacionadas com a AIDS

Key words ¾ Pneumocystis carinii pneumonia; AIDS-related opportunistic infections

Sigla e abreviatura utilizada neste trabalho
BAAR ¾ Bacilo álcool-acidorresistente

INTRODUÇÃO

O Pneumocystis carinii foi recentemente reclassificado por análise genômica como um fungo. É uma infecção oportunística em imunocomprometidos, sobretudo naqueles com AIDS, ocorrendo freqüentemente em pacientes com contagem de linfócitos CD4+ inferior a 200 células/mm3(1).

Dispnéia, tosse e febre por dias a semanas são os achados comuns da forma de apresentação pulmonar da pneumocistose. A insuficiência respiratória aguda com necessidade de suporte ventilatório ocorre em cerca de 20% dos casos. O quadro radiológico é heterogêneo, usualmente com infiltrado intersticial bilateral (2).

RELATO DO CASO

Homem branco de 40 anos, vendedor, natural e procedente de Diadema, SP, apresentava há seis meses tosse produtiva, febre vespertina e emagrecimento de cerca de 15kg. Tratado para pneumonia bacteriana comunitária em duas oportunidades com cefalexina (séries de sete e dez dias), sem sucesso. Há dois meses foi constatada a soropositividade para o HIV. Foi iniciada terapia de prova para tuberculose pulmonar, apesar de exames de escarro negativos para BAAR. Há um mês passou a queixar-se também de dor em base de hemitórax direito, com piora ao movimento respiratório. Uma radiografia simples de tórax realizada durante um dos episódios de tratamento para as pneumonias bacterianas mostrava consolidações em seios costofrênicos, com predomínio à direita (Figura 1). Ao exame físico, encontrava-se com estado geral preservado, consciente, orientado, emagrecido, hidratado, corado, anictérico e afebril. Não foram observados déficits motores, sensoriais ou alterações hemodinâmicas. Murmúrio vesicular diminuído na base direita, sem ruídos adventícios (freqüência respiratória = 24ipm). Foi internado para investigação e os resultados dos exames complementares mostraram: hemograma com 3.900/mm3 leucócitos (bastonetes = 1,9%, segmentados = 71%, eosinófilos = 4%, basófilos = 0,2%, linfócitos típicos = 17,2% e monócitos = 5,7%), série vermelha e plaquetas normais; bioquímica sérica normal; gasometria arterial com ar ambiente pH: 7,38, PaCO2: 28mmHg, PaO2: 81mmHg, HCO3: 19mmHg e sataO2: 95%; radiografia simples de tórax (póstero-anterior) mostrando opacificação de 4cm na base direita, com infiltrado na base esquerda (Figura 2).



Optou-se pela manutenção do tratamento tuberculostático com esquema I até a elucidação diagnóstica. Após dez dias de internação, mantinha discreta taquipnéia, febre e dor torácica.

A pesquisa para BAAR no escarro persistiu negativa em cinco amostras; o RX de tórax evidenciou aumento da tumoração do seio costofrênico direito e do infiltrado à esquerda. A tomografia computadorizada do tórax, sem a injeção endovenosa de contraste iodado, revelou múltiplos nódulos e consolidação com escavações em seu interior, localizadas nas bases pulmonares e pequena reação pleural à direita.

Mediante a evolução clínica e radiológica desfavoráveis, supondo-se doença micobacteriana resistente, mudou-se a terapêutica para esquema III, no aguardo da realização de biópsia pulmonar a céu aberto, que foi então realizada (toracotomia lateral direita) sem intercorrências.

O exame histopatológico revelou fragmentos de tecido pulmonar com focos múltiplos de necrose, às vezes circundados por infiltrado de linfócitos e macrófagos. Em algumas áreas notou-se alargamento do interstício, infiltrado linfocitário, destacando-se a presença de espaços alveolares ocupados por material eosinofílico, amorfo, freqüentemente com aspecto espumoso, às vezes com alguns macrófagos. Nestas áreas, as colorações pelos métodos de Grocott (impregnação pela prata) e do PAS permitiram a visibilização de estruturas características de Pneumocystis carinii (Figura 3). Não havia indícios de neoplasia. Outras colorações para identificação de outros agentes resultaram negativas.


O exame imuno-histoquímico do tecido pulmonar, efetuado a partir de cortes dos blocos de parafina, submetidos à técnica da imunoperoxidase pelo método streptavidina-biotina, com recuperação dos epítopos pelo calor, foram positivos, difusa e intensamente, para Pneumocystis carinii.

Foi iniciado tratamento de indução para pneumocistose com sulfametoxazol-trimetoprim e o paciente evoluiu com melhora da sintomatologia inicial. Entre a primeira e a segunda semanas de terapia, manteve o mesmo padrão radiológico do pneumocistoma. O co-trimoxazol foi utilizado em dose plena por 21 dias.

A massa tumoral do hemitórax direito apresentou diminuição, acompanhando a progressiva melhora clínica. Recebeu alta hospitalar para seguimento com orientação para uso de esquema de manutenção.

Após três meses, no acompanhamento ambulatorial, a melhora radiológica tornou-se evidente, porém a imagem do terço inferior do hemitórax direito ainda era visível, como também o infiltrado na base pulmonar esquerda (Figura 4). Não tinha queixas clínicas e o exame físico era normal.


COMENTÁRIOS

A pneumocistose pulmonar pode apresentar-se com quadros clínico e radiológico incaracterísticos, mimetizando outras infecções próprias do paciente com AIDS(2-4). No caso descrito, forma atípica da pneumonia por Pneumocystis carinii ¾ o pneumocistoma ¾ a ausência de dispnéia (sintoma maior) e de hipoxemia, a evolução insidiosa (seis meses) e a apresentação radiológica não usual causaram dificuldades para a conclusão diagnóstica, que foi realizada somente com estudo histopatológico.

Nos casos denominados "típicos" de infecção por P. carinii, as radiografias de tórax apresentam o clássico infiltrado intersticial bilateral(2-4). Formas incomuns incluem abscessos, cavitações, lesões císticas, consolidações lobares, lesões nodulares, pneumotórax, pneumomediastino e até mesmo RX de tórax normal(2-8). Mais raramente, consolidações em lobos superiores (pacientes em profilaxia com pentamidina inalatória), formas miliares e alargamento de mediastino(5-7).

As manifestações histopatológicas encontradas no presente caso são concordantes com as descritas na literatura, sendo clássico o achado de enchimento alveolar por exsudato espumoso eosinofílico, acompanhado por pneumonite intersticial(7-10).

Além disso, manifestações patológicas atípicas têm sido descritas, como fibrose intersticial e intraluminal, ausência de exsudato alveolar, presença de macrófagos alveolares (achado também presente na descrição histológica do presente caso), inflamação granulomatosa, membrana hialina, cavitações em parênquima, microcalcificações, invasão vascular e até mesmo vasculites(9-11).

Pacientes imunossuprimidos com pneumopatia febril insidiosa suscitam múltiplos diagnósticos diferenciais como as micobacterioses, as micoses, a doença citomegálica e as neoplasias, muitas vezes clínica e radiologicamente indistinguíveis(3,4,8).

Como diagnóstico tardio a pneumocistose está associada a pior evolução e na ausência de tratamento é fatal(12). Clínicos e cirurgiões devem estar atentos para a necessidade de uma propedêutica pulmonar invasiva e precoce.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem aos médicos Antônio Marmo Miziara, Jamal Muhamad A.H. Suleiman, Márcia Saito Tomishige e Ricardo Bammamm e à Sra. Benir Uehara pela contribuição.

1. Médico infectologista.

2. Médico residente de 3o ano de Infectologia.

3. Médico patologista.

4. Médica pediatra.

Endereço para correspondência ¾ Luiz Alberto Costa Barra, Rua José Benedito Salinas, 110, Apto 81A ¾ 04674-200 ¾ São Paulo, SP. E-mail: lbarra@emilioribas.sp.gov.br

Recebido para publicação em 5/8/99. Reapresentado em 28/9/99. Aprovado, após revisão, em 10/1/00.

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  • 12. Fishman JA. Treatment of infection due to Pneumocystis carinii Antimicrob Agents Chemother 1998;42:1309-1314.
  • *
    Trabalho realizado no Instituto de Infectologia "Emílio Ribas", São Paulo, SP.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Set 2003
    • Data do Fascículo
      Jun 2000

    Histórico

    • Recebido
      05 Ago 1999
    • Revisado
      28 Set 1999
    • Aceito
      10 Jan 2000
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